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Estudos e Pesquisas em Psicologia

versão On-line ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. v.9 n.3 Rio de Janeiro dez. 2009

 

EDITORIAL

 

Adriana Benevides SoaresI; Anna Paula UzielI; Ana Maria Lopes Calvo FeijooI; Ariane Patrícia EwaldI; Deise ManceboIII; Eleonôra Torres PrestreloII; Rita Maria Manso de BarrosI

I Professor Adjunto do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ - Rio de Janeiro, RJ, Brasil
II Professor Assistente do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ - Rio de Janeiro, RJ, Brasil
III Professor Titular do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ - Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Endereço para correspondência

 

 

Abrir um novo número da Revista é sempre um desafio. Desafio do que virá, dos encontros que os artigos produzirão com os leitores e do impacto que estes trabalhos poderão vir a provocar no desenvolvimento de outras investigações.

Deleuze afirma que não é

preciso descobrir se uma ideia é justa ou verdadeira. Seria necessário descobrir uma ideia inteiramente diferente, algures, num outro domínio, de tal modo que entre as duas algo passasse, que não está nem numa nem noutra. Ora, esta outra ideia geralmente não a encontramos sozinhos, é necessário um acaso ou que alguém no-la dê. (...) É mais um procedimento de pick-me-up, de pick-up – no dicionário –   apanha, ocasião, reciclagem de motor, captação de ondas, e além disso, o sentido sexual da palavra. (DELEUZE, 2004, p. 20/21)

Esperamos que este número da Revista Estudos e Pesquisas em Psicologia promova novas ideias.

Tradicionalmente a psicologia está atravessada por muitos saberes. Arantes (2004, p. 19), fazendo algumas incursões sobre questões epistemológicas, afirma que “na ciência desenvolvida o objeto e o método são homogêneos e se engendram reciprocamente, o que não acontece com as ciências em desenvolvimento, como a psicologia”, concluindo que essa é uma característica desse saber, e não uma etapa a ser superada. Nesse sentido, destaca que as ciências humanas têm como desafio desenvolver um rigor próprio. É nesse sentido que entendemos a importante contribuição da perspectiva nietzscheana sobre psicologia e moralidade.

O artigo “A psicologia como procedimento de análise da moralidade nos escritos intermediários de Friedrich Nietzsche”, de Jelson Roberto de Oliveira, persegue a construção da concepção de psicologia de Nietzsche ao longo de parte de sua obra, afirmando que para este autor esta ciência indaga a origem e a história dos sentimentos morais. Para o filósofo, a moralidade, longe de valorizar esse indivíduo criativo, implementou seu processo de divisão.

Dos artigos deste número, são quatro os que despertam a atenção para questões relativas à saúde, com temáticas e abordagens teórico-metodológicas bastante diversificadas.

“A depressão em humanos e outras espécies”, de Álvaro Machado Dias, coloca em questão a pertinência de se falar em depressão quando não se trata de humanos, mas de animais. Analisando diversos estudos, o autor conclui não ser possível estabelecer uma relação substancial entre a depressão humana e as chamadas manifestações de humor diminuído em outras espécies.

“Na boca do outro – o riso na psicose” de Carolina Gubert Viola e Mario Fleig propõe o estudo do riso provocado pelo cômico em sua relação com a queda do significante fálico em sujeitos psicóticos. A hipótese sustentada nesse trabalho é de que no riso há algo de um instante precioso para a clínica das psicoses. Haveria, então, no riso cômico um vislumbre de uma queda da imagem que por um momento tiraria o sujeito da sideração.

“O pioneirismo de Louis Le Guillant na reforma psiquiátrica e psicoterapia institucional na França: a importância do trabalho dos pacientes para a abertura dos hospícios”, de Paulo César Zambroni-de-Souza, Milton Athayde, Anísio José da Silva Araújo, Ana Maria Ramos Zambroni de Souza é um artigo que apresenta a obra de Louis Le Guillant, importante para compreender as discussões sobre a reforma psiquiátrica no Brasil. A história ocidental da humanidade cruza-se com a história de vida deste autor que não perde a oportunidade de propor ideias que vão aos poucos constituindo grandes focos de conhecimento e áreas a serem desenvolvidas pelos saberes psi.

Em “Interações entre voluntários e usuários em onco-hematologia pediátrica: um estudo sobre os palhaços-doutores”, Tereza Cristina Cavalcanti Ferreira de Araújo e Tathiane Barbosa Guimarães analisam a experiência dos palhaços-doutores em um serviço de oncologia que puderam acompanhar durante algum tempo, além de entrevistar crianças, seus acompanhantes e os próprios voluntários que executam este trabalho. Puderam perceber os benefícios dessa intervenção no hospital e ressaltam a importância de pesquisas sobre a temática.

Na área de educação, que volta a ser valorizada na Psicologia, temáticas diversas convidam o leitor a instigantes reflexões.

“Psicologia Escolar: cenários atuais”, de Cynthia Bisinoto Evangelista de Oliveira e Claisy Maria Marinho-Araújo, é um estudo teórico que aborda a articulação entre a Psicologia e a Educação gerando um campo interdependente de conhecimentos. O artigo discorre sobre o cenário do campo na atualidade, desde sua construção, seu papel preventivo e relacional e sobre a atuação do professor como agente do processo de intervenção junto às dificuldades escolares. Propõe que a Psicologia Escolar tenha como desafio ampliar seu foco de atuação, pesquisa e produção de conhecimento para além da escola, em diferentes contextos e outros níveis do sistema educacional.

“Educação a distância na sociedade de controle”, de Flávia Cristina Silveira Lemos, é um estudo sobre um veículo de informação cada vez mais comum, inclusive no Brasil, que é a educação à distância. Através de autores como Gilles Deleuze, Michel Foucault e Paul Virilio, a autora problematiza este uso da tecnologia na sociedade de controle. Uma das preocupações da autora é com a mercantilização do conhecimento, a partir de uma análise das estratégias de marketing utilizadas, entendidas por Deleuze como instrumentos de controle social. A autora aponta também para o risco de se transformar o ensino em uma instrução técnica, através das ferramentas utilizadas nos “ambientes instrucionais”, e destaca a desqualificação do ensino presencial.

A família é um ator presente nas discussões de vários campos da Psicologia, e envolve temáticas relativas à infância e à adolescência. Neste número da revista apresentamos reflexões que nos remetem à Psicologia Jurídica, a perspectivas culturais e à saúde pública.

“Educar é punir? Concepções e práticas educativas de pais agressores”, de Thaís Thomé Seni S. e Oliveira, Regina Helena Lima Caldana é um artigo que trata da violência física de pais contra seus filhos como uma questão de saúde pública. Através do estudo sobre as concepções de educar e de pais denunciados foram encontrados resultados inconsistentes entre estas concepções e as práticas educativas. Também foram encontrados como resultados da análise das concepções dificuldades em utilizar recursos alternativos à punição física para colocar limites; a falta de suporte em rede social como fator de risco e a necessidade de implementar programas de intervenção que promovam a integração entre suas concepções e práticas como educadores.

“Tempo e memória nas varas de família”, de José César Coimbra, é um artigo teórico que tem por objetivo descrever e analisar os efeitos retroativos de produção de sentido das elaborações das descrições do passado conjugal que servem de subsídio para julgar casos referentes às separações conjugais e definições de guarda de filhos. Estas elaborações pautam a formulação de uma narrativa sobre o passado que é endereçada ao sistema judicial. Essas formas admitem que algo do passado é irrecuperável não havendo como se saber quem tem razão. Segundo o autor, à medida que as respostas são buscadas à frente, as perguntas relativas ao passado encontram novas vias de expressão e, assim, outras posições subjetivas podem ser ocupadas de modo a recolocar a discussão judicial em novas bases.

“Representações sociais da AIDS e alteridade”, de Brigido Vizeu Camargo, Raquel Bohn Bertoldo e Andréa Bárbara, investiga as representações da AIDS de adolescentes e verificam que estas representações estão relacionadas a problemas sociais, biomédico e à intimidade. Além disso, constatam as representações sociais que estes participantes têm sobre o pensamento de outros jovens sobre a AIDS e verificam que enfocam o aspecto biomédico, mas também relacionam à falta de preocupação com a prevenção e com a irresponsabilidade projetando elementos emocionais negativos e percepções de risco frente à doença.

Sacha Lima Pinheiro e Ana Maria Monte Coelho Frota realizam, em “Uma compreensão da infância dos índios Jenipapo-Kanindé a partir deles mesmos: um olhar fenomenológico”, uma análise decorrente de narrativas, desenhos e entrevistas colhidas com adultos e crianças da etnia Jenipapo-Kanindé, que lhes possibilita traçar uma compreensão dos significados e da experiência de infância entre os índios. Analisam o material com apelo ao método fenomenológico e concluem que não é possível construir uma categoria universal de infância.

A diversidade metodológica é uma marca da Psicologia. Orientada por metodologias mais próximas das ciências sociais ou das ciências biológicas, nosso campo de saber tem proposto desafios ao abrir possibilidades de novos diálogos ou inovar com instrumentos pouco utilizados. A fotografia é um desses recursos que alguns autores sugerem que consideremos.

Joana Sanches Justo, Mário Sérgio Vasconcelos constatam, em “Pensando a fotografia na pesquisa qualitativa em Psicologia”, a escassez de pesquisas em que a fotografia é utilizada como recurso metodológico em Psicologia, através de um levantamento da produção bibliográfica sobre o tema. Discorrendo sobre o termo subjetividade, os autores afirmam a necessidade de se considerar outras formas de captura de sentidos produzidos pelas pessoas, que não apenas as palavras, sobretudo em função da importância da imagem em nossa sociedade.

Por fim, a sessão de resenhas nos brinda com rico material que certamente despertará o leitor interessado em reflexões sobre o que chamamos de exclusão social. 

A resenha de Magali Milene Silva e Sônia Altoé versa sobre o livro “Clínica da exclusão: a construção do fantasma e o sujeito adolescente”, de Maria Cristina Poli. Nela, as autoras apresentam a abordagem central do livro que, através da psicanálise, discute a saída do adolescente de casa e sua entrada em instituição de internação. Já “Robert Castel discute a discriminação negativa na França multicultural” é o título da resenha de Simone da Silva Ribeiro Gomes e Ana Lucia Gonçalves Maiolino, do livro “A discriminação negativa: cidadãos ou autóctones?”, de Robert Castel. As autoras destacam a análise dos fenômenos franceses nas periferias e os novos conceitos formulados por Castel, que podem servir de ferramentas para se por em pauta situações de precariedade social que envolvem, por vezes, a delinquência.

A pesquisa apresentada ao final da edição “Homicídio conjugal: comparações quanto ao sexo dos agressores”, é a tese de doutorado de Lucienne Martins Borges, defendida, em 2006, no Canadá. Embora as situações de violência conjugal venham sendo tratadas pela Psicologia há alguns anos, a temática do homicídio é um tema novo, sobretudo em função da comparação que a autora faz a partir do sexo do agressor.

 

Referências Bibliográficas

ARANTES, Esther. Pensando a Psicologia aplicada à justiça. In: GONÇALVES, Hebe S.; BRANDÃO, Eduardo P. Psicologia Jurídica no Brasil. Rio de Janeiro: Nau Editora, 2004, p. 15-49.

DELEUZE, Gilles ; PARNET, Claire. Diálogos. Filosofia. Lisboa: Relógio D´Água, 2004.

 

 

Endereço para correspondência
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