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Estudos e Pesquisas em Psicologia

versão On-line ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. vol.23 no.3 Rio de Janeiro set./dez. 2023  Epub 03-Maio-2024

https://doi.org/10.12957/epp.2023.79269 

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

Estilos de Apego e Esquemas Iniciais Desadaptativos em Estudantes Universitários

Attachment Styles and Initial Maladaptive Schemes in University Students

Estilos del Apego es Esquemas Iniciales Desadaptativos em Estudiantes Universitarios

Vanessa Fracazzo* 

Acadêmica de psicologia da Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná, campus Irati. Bolsista Iniciação Científica da Fundação Araucária (2019-2020). Extensionista no projeto Cuida Bem: atenção precoce e prevenção de maus tratos em bebês (2019-2021) com bolsa da Fundação Araucária (2020-2021). Monitora da disciplina de Psicologia do Desenvolvimento (ano letivo 2020).


http://orcid.org/0000-0002-2279-8207

Caroline Guisantes de Salvo Toni** 

Doutora em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo (USP-SP); psicóloga pela Universidade Federal do Paraná. Professora Adjunta do Curso de Psicologia da Universidade Estadual do Centro-oeste - PR. Coordenadora do laboratório de Estudos do Desenvolvimento Humano-LEDHU.


http://orcid.org/0000-0003-2114-1964

*Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná, Paraná, PR, Brasil

**Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná, Paraná, PR, Brasil


RESUMO

Este estudo teve como objetivos: 1) Avaliar se as dimensões do apego podem ser preditoras dos Esquemas Iniciais Desadaptativos (EIDs); 2) analisar a relação entre o estilo de apego e os EIDs; 3) examinar a relação entre a ativação dos EIDs e as variáveis “morar sozinho”, “morar com os pais” ou “morar com os colegas”. Participaram 60 estudantes universitários, de ambos os sexos, com idades entre 18 e 26 anos. Utilizou-se um método transversal de coleta de dados, com aplicação de instrumentos de avaliação de esquemas e estilos de apego. A análise dos dados teve enfoque quantitativo. Foi identificado que estudantes com estilos de apego seguro apresentam menos EIDs ativados e que as dimensões de apego são capazes de predizer a ativação de esquemas do primeiro domínio. Ainda, existem diferenças estatísticas com relação a ativação dos EIDs na comparação das variáveis morar sozinho e com companhia. Discute-se a importância do apego seguro para uma menor ativação de EIDs em jovens universitários, bem como suas implicações. Ainda, ressalta-se a importância da rede de apoio próxima nesse momento do desenvolvimento.

Palavras-chave: apego e objetos; personalidade; adulto jovem.

ABSTRACT

The study aimed to: 1) Assess if Attachment dimensions can be predictive of early maladaptive schemas (EIDs); 2) Analyze the relationship between Attachment style and EIDs; 3) Access the relationship between activation of EIDs and the variables “living alone”, “with parents” or “with peers”. Sixty university students of both sexes aged between 18 and 26 years participated. A cross-sectional method of data collection was used, with the application of instruments for evaluating attaachment schemes and styles. The data analysis had a quantitative approach. It was identified that students with secure attachment styles present fewer activated EIDs and that attachment dimensions are able to predict the activation of schemas in the first domain. Still, there are statistical differences regarding the activation of the EIDs when comparing the variables living alone and with a partner. The importance of secure attachment for lower activation of EIDs in university students is discussed, as well as its implications. Also, the importance of the close support network at this time of development is emphasized.

Keywords: object attachment; personality; young adult.

RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivo: 1) evaluar si las dimensiones del apego pueden ser predictores de EID 2) analizar la relación entre el estilo de apego y los esquemas de mala adaptación temprana (EID). 3) examinar la relación entre la activación de las EID y las variables vivir solo, con padres o compañeros. Participaron 60 estudiantes universitarios, de ambos sexos, con edades entre 18 y 26 años. Se utilizó un método transversal de recolección de datos, con la aplicación de instrumentos para evaluar estilos y esquemas de apego. El análisis de datos tuvo un enfoque cuantitativo. Se identificó que los estudiantes con estilos de apego seguro tienen menos EID activados y que las dimensiones del apego son capaces de predecir la activación de esquemas en el primer dominio. Aún así, existen diferencias estadísticas en cuanto a la activación de los EID al comparar las variables vivir solo y en compañía. Se discute la importancia del apego seguro para la menor activación de EID en estudiantes universitarios, así como sus implicaciones. Aún así, la importancia de la red de apoyo cercano en este momento de desarrollo.

Palabras clave: apego a objetos; personalidad; adulto jovem.

Os estudos de John Bowlby sobre Apego são um marco na história da Psicologia do Desenvolvimento. Bowlby (1990) constatou que o apego ocorre a partir de sistemas comportamentais que quando ativados facilitam a construção de vínculos afetivos. Essa tendência fisiológica faz com que o cuidador disponibilize as condições necessárias para o recém-nascido, sendo de extrema importância para a manutenção da espécie. O bebê humano é o mais vulnerável e precisa de um adulto para garantir sua existência; deste contato surge a primeira relação de apego (Mendes, 2021). A partir de repetidas internalizações das relações iniciais, a criança constrói um modelo representacional interno de si mesma, dos outros e do mundo baseado no seu estilo de apego. Esse modelo molda a personalidade, os modos de pensar, agir e sentir e tende a ser estável ao longo da vida (Bowlby, 1990).

Estudos indicam (Bernier et al., 2005; Main et al., 1985; Mendes, 2021) que o padrão de apego inicial se mantém, em alguma medida, ao longo da vida. Na adolescência, cujos marcos do desenvolvimento figuram na busca de autonomia, independência e na maior relação com os pares, observa-se que as relações de apego com os pais ainda afetam seu bem-estar psicológico. Assim, uma relação segura com os cuidadores e suporte emocional continua sendo essencial, principalmente em situações de estresse e decisões importante. Nesses momentos, caso os cuidadores não se mostrem disponíveis, o adolescente pode sentir que não tem a quem recorrer, podendo ocorrer mudanças no apego (Dykas & Siskad, 2020). O estilo de apego também tem grande importância na percepção do adolescente sobre si mesmo, pois adolescentes com estilo de apego seguro tem autoestima mais elevada (Keizer et al., 2019); e uma melhor regulação emocional (Millozi & Marmo, 2021). Estudantes universitários com apego seguro possuem indicadores mais elevados de autoeficácia e satisfação com a vida (Andrade & Oliveira, 2019).

Eventos estressantes, como a saída da casa dos pais para a entrada na faculdade, parecem ativar o sistema de apego e estar relacionados a capacidade de adaptação do jovem adulto ao novo contexto (Bernier, et al., 2005). Segundo Bernier, et al. (2005), os estudantes que saíram de casa têm diferentes percepções e modos de agir que variam de acordo com o seu estilo de apego. Acadêmicos com estilo de apego preocupado tem uma relação mais negativa com os pais e dificuldade de manter uma distância saudável da família do que estudantes com estilo seguro. O apego desinvestido é caracterizado por ter uma visão positiva de si mesmo e negativa dos outros (Bartholomew, 1990). Estudantes com esse estilo de apego que saíram de casa tem uma percepção positiva da relação com seus pais semelhante ao apego seguro. Entretanto, isso parece decorrer devido a idealização da relação, já que indivíduos com estilo desinvestido que ficam em casa tem uma percepção negativa da relação com seus pais.

O apego continua sendo importante na idade adulta. Com o tempo os modelos de funcionamento interno se tornam cada vez mais estáveis, sendo assim, é provável que os padrões adquiridos na infância continuem agindo no futuro (Main et al., 1985; Mendes, 2021). Em sua revisão da Teoria do Apego (TA), Cannavaro et al. (2006) mostram que ainda não existe consenso sobre como ocorre o apego adulto e que diversos autores investigam esse processo (Mendes, 2021). Os pesquisadores Hazan e Shaver (1987) adaptaram modelo de apego infantil de Ainsworth em um modelo de vinculação romântica adulta e concluíram que os adultos experienciam o amor romântico de formas diferentes dependendo de seus modelos representacionais internos (Hazen & Shaver, 1987).

Os indivíduos com estilo de apego seguro relatam o relacionamento mais importante deles como feliz, baseado na confiança e amizade, se descrevem capazes de aceitar e apoiar os seus parceiros amorosos apesar dos erros e tendem a ter relacionamentos mais duradouros. Acham mais fácil confiar, abrir-se emocionalmente para os outros. Os de estilo evitativo acreditam que para se sentirem seguros precisam acreditar em si mesmos e não procurar apoio no parceiro. Geralmente acham difícil encontrar alguém para amar, tendem a ser ciumentos, emocionalmente instáveis, ter medo da intimidade, e a maioria nunca teve uma experiência amorosa positiva significativa. Os ansiosos não acreditam que serão amados ou merecedores de amor. A incerteza medrosa faz com que se apaixonem facilmente, mas nunca encontrem um amor “de verdade”, experienciam o amor de maneira obsessiva, são emocionalmente instáveis, ciumentos e tem um extremo desejo por reciprocidade (Hazen & Shaver, 1987). Entretanto, os relacionamentos são complexos, vão além de predições individuais de personalidade e os estilos acabam se influenciando. Porém, em relacionamentos heterossexuais, os parceiros frequentemente compartilham das mesmas dimensões de apego ou dimensões complementares e buscam parceiros pelos quais seu sistema de apego já está preparado para responder (Collins & Read, 1990).

Os pesquisadores Collins e Read (1990) aprimoraram o modelo de vinculação romântica adulta de Hazan e Shaver (1987), criando a Adult Attachement Scale. Separaram as descrições contidas em cada um dos parágrafos do instrumento de Hazan e Shaver (1987), transformando-os em 18 itens que poderiam ser avaliados de forma independente em uma escala, e poderiam ser agrupados em três dimensões: Close (proximidade), Depend (dependência) e Anxiety (ansiedade) (Canavarro, et al., 2006; Collins & Read, 1990). Essa abordagem, em forma de dimensões, tinha o objetivo de facilitar o estudo e proporcionar uma análise mais precisa. Além das análises dimensionais, também é possível a formação de clusters correspondentes aos estilos de vinculação de Hazan e Shaver (1987) ou dos protótipos de Bartholomew (1990) - (Canavarro, et al., 2006).

Os protótipos de apego de Bartholomew (1990) são baseados nos modelos de self e da visão dos outros de Bowlby (1990). Esses modelos foram dicotomizados, podendo ser positivos ou negativos. No modelo de self positivo o indivíduo tem um autoconceito positivo, acredita que é digno de amor, valor e atenção. O contrário acontece no modelo de self negativo, o indivíduo tem um autoconceito negativo e se vê como indigno de amor, valor e atenção. O mesmo ocorre no modelo de visão dos outros, no positivo vê os outros como confiáveis, disponíveis e carinhosos. Já no negativo vê como inconfiáveis, distantes e rejeitadores. Esses modelos foram combinados e resultaram em quatro protótipos de apego adulto: seguro; preocupado; amedrontado; desinvestido (Bartholomew, 1990; Bartholomew & Horowitz, 1991).

O protótipo seguro é caracterizado por ter uma visão positiva do self e dos outros, se sente confortável com intimidade e autonomia, consegue se validar sozinho e não tem dificuldade de aceitar suporte dos outros quando é necessário (Bartholomew, 1990, 1997; Bartholomew & Horowitz, 1991; Horowitz et al., 1993). Além disso, corresponde ao apego seguro de Hazan e Shaver (1987). Enquanto isso, o preocupado corresponde ao grupo ambivalente de Hazen e Shaver (1987), (Bartholomew, 1993) e é marcado por uma visão negativa do próprio self mas positiva dos outros. Busca constantemente a aprovação e o amor das outras pessoas, acredita que nunca vai ser amado na mesma intensidade que ama (Bartholomew, 1990, 1997; Bartholomew & Horowitz, 1991). O protótipo amedrontado tem uma visão negativa do self e dos outros, acredita que não é digno de amor e que os outros não são confiáveis e que nunca estão disponíveis quando é necessário. Desse modo, apesar de estar consciente das suas necessidades de apego e querer relações intimas, evita por medo de rejeição (Bartholomew, 1990, 1997; Bartholomew & Horowitz, 1991). Segundo Bartholomew (1993), esse estilo tem semelhanças com o evitativo de Hazan e Shaver (1987).

O protótipo desinvestido tem uma visão positiva de si mesmo e negativa dos outros. Mantém essa imagem positiva, confiante, invulnerável e independente, se distanciando dos outros e de uma chance de rejeição (Bartholomew, 1990, 1997; Bartholomew & Horowitz, 1991). Bartholomew (1990) presume que inconscientemente esses indivíduos se veem de forma negativa e adotam posturas evitativas, como uma maneira de se defender. Corresponde conceitualmente ao estilo desapegado, relatado por Main, et al (1985), (Bartholomew, 1993). É possível que os indivíduos se identifiquem com características de mais de um protótipo. Também, a intensidade de cada protótipo varia de pessoa para pessoa.

Existe uma tendência de os sujeitos buscarem relacionamentos e experiências que mantenham o seu estilo, mas é possível ocorrer mudanças (Bartholomew & Horowitz, 1991). Ressalta-se que os modelos internos dinâmicos podem ser mudados por algum processo reflexivo, baseado na autorreflexão e na capacidade de distinguir o meio externo do interno ou pela mudança de atitude da figura de apego (Mendes, 2021). Dessa forma, mais importante do que realmente aconteceu na infância, é a forma pela qual os modelos representacionais internos são formados.

Do mesmo modo que a Teoria do Apego, a Terapia do Esquema (Young, et al., 2008) também enfatiza as relações iniciais na modulação da personalidade. Segundo Young, et al. (2008), os esquemas são padrões cognitivos que estão no centro da personalidade, influenciando as representações de si, do mundo e nas relações interpessoais. Wainer (2016) define os EIDs como padrões de comportamentos emocionais, cognitivos e emocionais relacionados a si e os outros. Podem ser adaptativos ou desadaptativos, mas o foco da terapia são os EIDs desadaptativos, já que eles são a base das psicopatologias. Esses esquemas se desenvolvem durante a infância e adolescência, devido a ocorrência de traumas e maus tratos, ou quando as necessidades básicas não são atendidas; tais esquemas podem ser reativados ao longo da vida, quando ocorrem eventos semelhantes às experiências traumáticas e situações repetitivas frustrantes que se passaram na infância, causando sofrimento e prejuízo em diversos contextos (Wainer, 2016).

Os EIDs se desenvolvem a partir da interação entre temperamento, experiências de afeto com as figuras parentais e o grau de gratificação dessas necessidades emocionais básicas de cada período do desenvolvimento. (Young, et al., 2008). Destaca-se ainda que o temperamento emocional influencia na intensidade das necessidades básicas fundamentais do indivíduo: estabelecimento de vínculos seguros; autonomia, competência e sentimento de identidade; liberdade de expressão e validação das emoções; espontaneidade e lazer; limites realistas e autocontrole. Quando essas necessidades não são atendidas de maneira efetiva, ocorre a formação dos esquemas iniciais desadaptativos (Young, et al., 2008).

Existem 18 tipos de esquemas desadaptativos remotos, que são divididos em cinco categorias de necessidades não atendidas, esses grupos são chamados de domínios esquemáticos (DEs). Para esse trabalho, será utilizado apenas o primeiro domínio esquemático, chamado de desconexão e rejeição. Os esquemas iniciais desadaptativos (EIDs) desse domínio se dão quando o primeiro grupo de necessidades básicas, o estabelecimento de vínculos seguros, não é suprido. Isso ocorre quando a criança não tem um vínculo seguro com nenhum adulto e a necessidade de afeto é deixada de lado. Pacientes com esquemas desse domínio tendem a acreditar que suas necessidades de afeto, estabilidade, empatia e segurança não podem ser atendidas (Paim & Copett, 2016; Young, et al., 2008).

O primeiro esquema desse domínio é o abandono/instabilidade. Indivíduos com esse esquema tiveram famílias imprevisíveis e instáveis; podem ter sido abandonados ou perderam alguma pessoa importante na infância e não estabeleceram um vínculo seguro com outro adulto. Acreditam que as pessoas não são confiáveis e/ou que nunca estarão disponíveis quando precisar. O segundo, é o da desconfiança e abuso, nesse esquema, o indivíduo se sente fraco, acredita que sempre que se as pessoas tiverem oportunidade, irão o manipular, machucar ou o abusar intencionalmente. Na infância, alguém, que supostamente deveria protegê-lo, o machucou, pode ter lhe abusado física, psicológica ou sexualmente.

A privação emocional refere-se a indivíduos que não conseguem criar relações estáveis, porque acreditam que suas necessidades emocionais não serão atendidas. Podem evitar qualquer tipo de relacionamento íntimo, escolher parceiros que também o privem emocionalmente ou ser extremamente exigente nas relações.

O esquema de defectividade/vergonha descreve pessoas que geralmente tiveram famílias críticas, rejeitadoras, que enfatizavam as falhas e defeitos, o comparavam e o amor era condicional. Costumam ter vergonha de si e acreditam que são inferiores por causa de seus “defeitos”, esses podem ser qualquer característica, privada (egoísmo, impulsos raivosos) ou pública (aparência física, inabilidade social) e tem medo de que suas falhas sejam expostas; podem se desvalorizar como uma forma de defesa. O último desse domínio é o isolamento social/alienação; os indivíduos se sentem diferentes e impróprios porque não se adequam a nenhum grupo fora da família. (Frazin et al., 2019; Paim & Copetti, 2008; Young, et al, 2008).

Segundo a meta-análise de Bishop et al (2021), o esquema de defectividade tem uma elevada associação com a depressão, enquanto outros esquemas do domínio de desconexão e rejeição tem associação moderada. Essa evidencia apoia que os EIDs são fatores de risco para psicopatologias (Young et al, 2006) e demonstra que o sentimento de desconexão e crença de desamor e de se sentir intrinsecamente defeituoso são riscos para a depressão.

O desenvolvimento da Terapia do Esquema tem influência da teoria do apego de Bowlby e contribuições de Ainsworth e Bartholomew (Wainer, 2016), onde as ameaças ou situações estressantes ativam o sistema de apego e os comportamentos de apego são manifestados. Os EIDs se originam da combinação dos fatores biológicos e temperamentais com os estilos parentais e as influências sociais às quais a criança é exposta (Wainer, 2016).

Tendo em vista as importantes inter-relações teóricos observados entre a Teoria do Apego (Bowlby, 1990) e a Terapia do Esquema (Young, et al., 2008), foi objetivo desse estudo: 1) analisar a relação entre o estilo de apego e os esquemas iniciais desadaptativos ativados em estudantes universitários. 2) examinar a relação entre a ativação dos EIDs e as variáveis morar sozinho, com os pais ou colegas. 3) Avaliar se as dimensões do apego podem ser preditoras dos EIDs.

Método

Participantes

Participaram desse estudo 60 estudantes regularmente matriculados em cursos da área de Saúde de uma Universidade Pública do Interior do Paraná. A amostra foi composta em sua maioria por jovens adultos com idades entre 18 e 26 anos (média de idade 21,5 anos, e desvio padrão de 4,68), sendo 43 do sexo feminino e 17 do sexo masculino.

Instrumentos

Questionário Sociodemográfico: construído pelos pesquisadores, teve como objetivo entender o perfil sociodemográfico dos participantes. Possuía perguntas acerca da idade, sexo, estado civil, curso, ano de graduação, moradia, contato com a família, relacionamento e pessoa de referência.

EVA- Escala de Vinculação do Adulto: A Versão em português (Canavarro, 1997) da AAS-R- Adult Attachmment Scale-R (Collins & Read, 1990). A escala avalia três dimensões de vinculação no adulto: 1. O grau de ansiedade que o indivíduo sente em relação a questões interpessoais como o medo do abandono ou de não ser bem querido; 2. O grau em que o indivíduo se sente confortável com a proximidade e intimidade; 3. Grau de confiança nos outros e na sua disponibilidade, quando necessária. Esse questionário tem 18 afirmações sobre o sentimento perante a um relacionamento. O participante deverá assinalar o quanto o item o representa. Existem cinco alternativas que vão de “nada característico em mim” à “extremamente característico a mim”. Para converter os resultados nos estilos de apego adulto de Bartholomew (1990) foram seguidos os passos estipulados por Canavarro, Dias & Lima (2006). Primeiramente foi calculado as médias dessa população para as variáveis de ansiedade, conforto com a proximidade e confiança. A partir disso, foi calculado o valor médio das dimensões conforto com a proximidade e confiança juntas, criando a variável conforto-confiança. Na sequência os indivíduos foram classificados a partir dos seus resultados na variável Conforto-Confiança e na variável Ansiedade: Eram classificados como Seguros os indivíduos com valores superiores ao valor médio (3) na variável Conforto-Confiança e valores inferiores ao valor médio na variável Ansiedade; eram classificados como preocupados os que apresentassem valores superiores a 3 na variável Conforto-Confiança e superiores a 3 na variável Ansiedade; classificados como Desinvestidos se apresentassem valores inferiores a 3 na variável Conforto-Confiança e inferiores a 3 na variável Ansiedade; classificados como Amedrontados os que apresentassem valores inferiores a 3 na variável Conforto-Confiança e superiores a 3 na variável Ansiedade.

Questionário de Relacionamento (QR): Foi desenvolvido por Bartholomew e publicado por Bartholomew e Horowitz (1991). Nesse inventário o indivíduo deve ler quatro parágrafos que descrevem diferentes estilos de apego, e avaliar qual parágrafo o define melhor, em uma escala de 7 pontos, sendo que “1” ponto significa “muito parecido comigo” e vai regredindo até o “7” que significa “muito diferente de mim”. É uma medida de orientação geral para relacionamentos próximos.

Questionário de Esquemas de Young (YSQ-S3): Foi desenvolvido por Jeffrey Young (Young, et al., 2008). O indivíduo deve avaliar em uma escala de um a seis o quanto cada uma das 90 afirmações do questionário se aplica a ele, em seu último ano. As âncoras “1” e “6” correspondem a “Totalmente falso, não tem nada a ver com o que acontece comigo” e “Descreve-me perfeitamente, tem tudo a ver com o que acontece comigo”, respectivamente, tendo assim a progressão em que quanto maior o número assinalado, mais o sujeito concorda com a sentença.

Destaca-se que todos os instrumentos possuem validação e/ou normatização para o Brasil.

Procedimentos

Os departamentos referentes a cada curso selecionado foram contatados para a obtenção da carta de anuência para participação nessa pesquisa. Na sequência, o projeto de pesquisa foi submetido ao comitê de ética em pesquisa para análise. O projeto foi aprovado no Comitê de ética e pesquisa da Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná (UNICENTRO) pelo número do CAAE: 20725819.1.0000.8967. Em seguida, entrou-se em contato com os potenciais participantes.

O convite à participação na pesquisa foi realizado nas salas de aula mediante solicitação e agendamento diretamente com os departamentos pedagógicos, em horário de aula. Nesse momento foi exposto os objetivos da pesquisa para todos os(as) estudantes e eles foram convidados para participar. Os estudantes que aceitaram participar leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Na sequência, os pesquisadores distribuíram os instrumentos, explicaram como os preencher e quando necessário responderam eventuais dúvidas referentes ao preenchimento das escalas. As aplicações dos testes duraram em média quarenta minutos. Os inventários e escalas foram corrigidos manualmente.

Análise de Dados

A partir desses dados foi construída uma base de dados no programa SPSS for Windows versão 18.0, no qual foram realizadas as análises a partir de estatística descritiva e inferencial. Foram efetuadas análises descritivas (média e desvio padrão) para ser possível entender o perfil da amostra. Foi utilizado o Teste U de Mann Whitney para comparar os resultados dos inventários entre dois grupos independentes e o Teste de Kruskal-Wallis X2 para comparação de mais de 3 grupos independentes; considerou-se diferenças estatisticamente significativas aquelas com p≤0,05. Por fim, utilizou-se da metodologia de regressão múltipla (método stepwise) para avaliar o grau de predição das variáveis de apego sobre os EIDs.

Resultados

Os resultados serão apresentados comparando-se EIDs e os estilos de apego em função da forma moradia (sozinho ou com companhia), seguido de uma análise dos EIDs em função do estilo de apego. A terceira análise é uma regressão múltipla que examina o efeito das variáveis independentes do apego sobre variáveis dos esquemas iniciais desadaptativos do primeiro domínio esquemático.

Inicialmente, foram comparados os estilos de apego e EIDs em função das três variáveis relacionadas à habitação (1-morar com os pais, 2- morar com colegas; 3- morar sozinho). Observou-se que não houve diferença estatisticamente significativa entre os jovens que moravam com os pais ou com colegas quanto a estilos de apego e EIDs. Dessa forma, esses participantes passaram a formar o grupo “moradia com companhia”. Assim, foi avaliado os EIDs e Estilos de apego em função das variáveis “morar sozinho” versus “morar com companhia” e nessa análise observou-se diferenças estatisticamente significativas, demonstrando que ter companhia, independentemente de ser da família ou amigos, parece ser um fator protetor para a ativação dos EIDs.

Tabela 1 Comparação entre Estudantes que Moram Sozinhos e Estudantes que Moram com Alguém 

Mora sozinho Mora com colegas/família U/p
M DP M DP
Privação emocional 2,08 1,09 1,88 1,03 355,5; 0,368
Abandono 3,24 1,29 2,44 0,99 265,0; 0,020**
Desconfiança 2.87 1,14 2,26 0,80 280,0; 0,037*
Isolamento social 2.55 1,25 2,07 0,80 315,5; 0,126
Defectividade/vergonha 2.42 1,38 1,58 0,70 237,0; 0,005**
Apego Seguro 3.65 1,81 2,91 1,86 331,5; 0,094
Apego amedrontado 4.16 1,99 4,55 1,89 366,0; 0,495
Apego preocupado 3.84 2,01 4,48 1.97 336,0; 0,223
Apego desinvestido 4.00 2,12 4,36 1,60 364,5; 0,444
Ansiedade 2,90 0,95 2,63 0,93 376,5; 0,328
Proximidade 3,55 0,72 3,56 0,48 427,0; 0,822
Confiança 3.29 0,67 3,22 0,67 410,0; 0,632

*p<0,05

**p≤0,01

Pode-se observar a partir da Tabela 1 diversas diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos a partir do teste U de Mann-Whitney. Nos EIDs observou-se diferenças nos esquemas de abandono (U= 265,0; p=0,020), desconfiança (U=280,0; p=0,037), defectividade (U=237,0; p=0,005). Em todas essas variáveis, as médias foram mais altas no grupo de quem mora sozinho, indicando que esses esquemas estão mais ativos nesse grupo.

Buscou-se ainda, a partir do teste Kruskal-Wallis, conhecer e comparar os EIDs em função do estilo de apego dos participantes. Os resultados podem observados na Tabela 2.

Tabela 2 Comparação por Estilo de Apego 

Apego
Seguro
Apego amedrontado Apego preocupado Apego desinvestido X2/p
M DP M Dp M Dp M DP
Privação emocional 1,59 0,82 2,58 1,01 2.05 1,12 2,68 1,41 11,85;
0,008”
Abandono 2,21 0,85 3,56 1.14 3,34 1.17 3.04 1.61 14,63;
0,002**
Desconfiança 2,05 0.69 3,28 0,84 2.51 1,02 3,76 0,93 18,62;
0,000**
Isolamento social 1,80 0,62 2,86 1,20 2,49 1,02 3,32 1,41 16,22;
0,001**
Defectividade/
vergonha
1,47 0,53 2,36 1,36 2,14 1,06 3,32 1,88 10,75;
0,013*
Ansiedade 2,38 0,85 3.10 0,97 3.26 0,88 2,73 0.90 10,61;
0,014*
Proximidade 3,72 0.41 3.34 0.48 3.68 0.69 2.90 0,71 10,94;
0,012*
Confiança 3,53 0,47 2,64 0,52 3,29 0,69 2,86 0,81 16,62;
0,001**

*p≤ 0, 05

**p ≤0,01

A Tabela 2 mostra a comparação por estilo de apego relatado. Importantes diferenças foram reconhecidas em vários esquemas. O estilo de apego Desinvestido teve os escores mais altos nos esquemas de Privação Emocional (X2=11,85; p=0,008), Desconfiança (X2=18,62; p=0,001), Isolamento (X2=18,62; p=0,001), Defectividade (X2=10,75; p=0,013). Nesses esquemas, o estilo Amedrontado foi o segundo mais alto. Na variável de Abandono (X2=14,63; p=0,002) a maior média foi do estilo Amedrontado. O estilo de apego seguro teve a menor pontuação em todos os esquemas.

Ainda, foi identificado diferenças nas variáveis de Ansiedade (X2=10,61; p=0,014), Proximidade (X2=10,94 p=0,014) e Confiança (X2=16,62 p=0,001). O estilo preocupado teve o maior escore em ansiedade e foi o segundo maior em confiança e proximidade. Enquanto, o estilo seguro teve as menores pontuações em ansiedade e as maiores em proximidade e confiança.

Com o objetivo de entender o efeito das Dimensões do Apego nos Esquemas iniciais desadaptativos do primeiro domínio, foi realizado o teste inferencial de Regressão Múltipla. A tabela 3 exibe essa análise.

Tabela 3 Variáveis de Apego como preditoras dos esquemas iniciáis desadaptativos do primeiro dominio 

Variável Dependente (Questionário
Esquemas)
R2 F Gl P Variáveis Preditoras (Dimensões do Apego) Beta padronizado P
Privação
Emocional
0,459 23,31 2 0,000*** Ansiedade 0,48 0,000***
Confortoconfiança -0,35 0,001**
Abandono 0,580 7723 1 0,000*** Ansiedade 0,76 0,000***
Desconfiança 0,515 2923 2 0,000*** Ansiedade 0,48 0,000***
Confiança -0,37 0,001**
Defectividade/ 0,497 27.17 2 0,000*** Ansiedade 0,49 0,000***
Vergonha Conforto-
confiança
-0,39 0,000***
Isolamento
Social
0,366 15.87 2 0,000*** Conforto-
confiança
-0.49 0,000***
Ansiedade 0.23 0,04*

Essa regressão múltipla tem como variáveis independentes as características de apego (Ansiedade, conforto-confiança, confiança e proximidade) e variáveis dependentes os esquemas iniciais desadaptativos do primeiro domínio esquemático. Todas as variáveis dependentes tiveram alguma relação significativa com as variáveis preditoras. Os resultados apontaram para coeficientes de determinação (R2) variando de 0,37 a 0,59, ou seja, as variáveis do apego explicaram de 37% a 59% da variância total do esquema testado. Nos modelos de predição formulados na presente pesquisa, os valores negativos encontrados dos coeficientes de regressão padronizado variaram de -0,26 a -0,39, enquanto os valores positivos variaram de 0,48 a 0,76, indicando valores representativos. Encontrou-se que a ansiedade tem uma predição significativa das variáveis dependentes de privação emocional, abandono, desconfiança, defectividade e fracasso. A variável independente de conforto-confiança influencia inversamente o coeficiente de regressão das variáveis dependentes e privação emocional e defectividade. Também foi identificado que a confiança influencia inversamente o esquema de desconfiança.

Discussão

Os resultados obtidos mostram uma ativação maior dos EID em estudantes que moram sozinhos em comparação com os que moram com companhia (os pais ou colegas) demonstrando a importância de ter companhia e suporte, sendo esse um fator protetivo (Mendes, 2021). Jovens que moram com amigos apresentaram comportamentos iguais, do ponto de vista estatístico, daqueles que moravam com os pais. Ou seja, parece que ter a companhia de colegas pode amenizar as dificuldades dessa experiência. Morar com alguém parece facilitar a construção de uma rede de apoio, a qual se possa compartilhar as dificuldades e frustrações, e entender que outras pessoas também estão passando por situações parecidas (Santos et al., 2015). Assim, o jovem adulto pode perceber que as dificuldades vivenciadas no novo contexto de vida universitária não têm relação com incompetência, e que são comuns nesse período, o que talvez diminua a sensação de vulnerabilidade e diminua a ativação de Esquemas Iniciais Desadaptativos.

Outra possível explicação com relação aos estudantes que moram com os pais, vai de encontro com a pesquisa de Bernier, et al (2005) mostrou que a saída da casa dos pais para a entrada na faculdade pode ser considerada um evento estressante capaz de ativar o sistema de apego e estar relacionado a capacidade de adaptação do jovem adulto ao novo contexto. Segundo esse estudo, os estudantes que saem da casa de seus pais têm seus comportamentos de apego ativados devido ao desconforto da mudança na relação familiar e os desafios da saída de casa. Os estudantes que continuam na casa dos pais não terão que lidar com esse estresse de sair de casa, continuando próximos das figuras de apego iniciais e seus comportamentos de apego não serão ativados. Os EIDs e o sistema de apego são ativados em situações estressantes (Bernier, at al., 2005; Young, et al., 2008) e a ativação do apego pela perda ou afastamento da figura de apego pode deixar o indivíduo mais vulnerável podendo resultar em mais esquemas ativados. Estudantes que saíram da casa dos pais, mas foram morar com amigos, tendo companhia, parecem construir um novo sistema de segurança a partir dessas novas relações, não tendo tantos EIDs ativados.

Nas comparações por estilo de apego, o estilo seguro teve os maiores escores em proximidade e confiança, e os menores nos esquemas iniciais desadaptativos. Esse estilo, segundo Bartholomew e Horowitz (1991), tem uma visão positiva do self, sente-se digno de amor, geralmente vê as outras pessoas como amáveis e prestativas. Pessoas com estilo seguro tiveram suas necessidades básicas atendidas durante a infância formando uma representação de mundo adaptativa (Ainsworth, 1978). Outra possibilidade é o desenvolvimento do apego seguro na vida adulta a partir de algum processo reflexivo, por exemplo a psicoterapia, ou através da mudança de relacionamento com a figura de apego (Mendes, 2021).

Diversos estudos mostram que indivíduos com estilo de apego seguro se engajam de forma mais saudável nas interações sociais e tem uma imagem positiva de si mesmo (Keizer et al., 2019), indo de encontro com a presente pesquisa que indica altos resultados em proximidade e confiança. Devido a essas diversas características positivas e de autovalorização, esquemas como defectividade, isolamento e privação emocional, dificilmente são ativados, como observado nos resultados do presente estudo.

O estilo preocupado é tipificado por Bartholomew e Horowitz (1991) como pessoas com um baixo senso de valor, que acreditam que não merecem ser amados; entretanto, tem uma visão positiva das outras pessoas. Esse estilo teve o maior escore em ansiedade. Na infância, indivíduos com esse modelo provavelmente tiveram pais incoerentes, que respondiam às suas ações de forma imprecisa, frequentemente não satisfaziam suas necessidades de amor e proximidade e muitas vezes não estavam presentes. Dessa forma, esses indivíduos geralmente se sentem ansiosos porque acreditam que eles são o problema, que não são dignos de amor e que ninguém nunca vai suprir suas necessidades (Bartholomew & Horowitz, 1991; Hazan & Shaver, 1987).

O estilo de apego Desinvestido é caracterizado por ter uma visão positiva de si mesmo e evitativa com relação às outras pessoas. Os participantes classificados com esse estilo tiveram os escores mais altos nos esquemas de privação emocional, desconfiança, isolamento e defectividade. A alta pontuação nos esquemas de Privação Emocional, Defectividade, Desconfiança e Isolamento pode ter relação com o modo de enfrentamento de indivíduos Desinvestidos de Bartholomew (1990), em que transparecem autoconfiança e uma visão positiva de si mesmo, mas no fundo se veem de forma negativa. Evitam então relacionamentos como um modo de não ter decepções, rejeições e se manter aparentemente confiante.

O estilo Amedrontado apresentou as maiores médias no esquema de Abandono e os segundos maiores escores em Privação Emocional, Desconfiança, Isolamento e Defectividade. Apesar de saber da importância das relações íntimas e vínculos de apego, esse estilo tem dificuldades de relacionamento devido ao medo de rejeição; se estão em um relacionamento se tornam dependentes, tendo muito medo de serem abandonados; (Bartholomew, 1997). Levando em conta a pesquisa da Ainsworth (1978), podemos hipotetizar que as primeiras relações desses indivíduos foram marcadas por rejeição, inconsistência da parte do cuidador ou experiências traumáticas. Da mesma forma, os esquemas citados são formados porque as necessidades básicas de afeto, cuidado e segurança não foram atendidas durante a infância; assim esses indivíduos se tornaram incapazes de formar vínculos seguros e satisfatórios com outras pessoas e acreditam que suas necessidades não serão atendidas (Young, et al., 2008).

Os resultados da regressão múltipla demonstraram que as características de apego (ansiedade, conforto-confiança, confiança e proximidade) tem uma alta predição dos esquemas iniciais desadaptativos ativados do primeiro domínio esquemático - Desconexão e Rejeição. As variáveis do apego explicam de 37% a 59% cada esquema testado. Os resultados apoiam a hipótese de conexões entre as teorias apego e esquema. Acredita-se que isso ocorre devido a ênfase nas primeiras relações familiares como base para a construção das crenças do sujeito sobre si, sobre o mundo e a forma que se relaciona com os pares. As situações futuras, semelhantes as situações passadas na infância, podem ativar os esquemas iniciais desadaptativos (Young, et al., 2008), da mesma forma que eventos estressantes ativam os sistemas de apego (Bernier, et al., 2005).

Nos modelos de regressão, cabe salientar os resultados envolvendo a ansiedade do modelo dimensional de apego (Collins & Read, 1990). A ansiedade se refere a quanto o indivíduo se sente preocupado com a possibilidade de ser rejeitado ou abandonado (Cannavaro, et al., 2006). Altos níveis na dimensão da ansiedade geralmente ocorrem quando os relacionamentos iniciais são marcados por instabilidade, rejeição, abuso e frieza; essas vivências podem contribuir no desenvolvimento de um apego inseguro, que pode se manter nos relacionamentos futuros. Essa variável foi identificada como preditora de todos os cinco esquemas do primeiro domínio (Young, et al., 2008; Wainer, 2016).

Baixa intensidade de conforto-confiança combinada com altos níveis de ansiedade pode ser convertida no estilo de apego amedrontado (Cannavaro et al., 2006). Na regressão, essa combinação foi preditora dos esquemas de privação emocional, defectividade e isolamento. O esquema de privação emocional é marcado pela crença que o desejo de proximidade nunca será atendido (Young et al., 2008; Wainer, 2016). A predição ocorre porque apesar do desejo de ter uma relação intima, o indivíduo não consegue se sentir confortável com a intimidade e confiar, devido ao medo do abandono e rejeição. O esquema de defectividade se refere a crença de que é ruim, falho e inferior a outras pessoas (Young et al., 2008; Wainer, 2016). O indivíduo tem muita vergonha desse seu “defeito” (físico ou de caráter), assim tem dificuldades para se engajar em uma relação, podendo ter baixos níveis de conforto-confiança, pois acredita que será abandonado assim que a pessoa descobrir esse “defeito”. O isolamento é o sentimento de não pertencimento a nenhum grupo, além da família (Young et al., 2008; Wainer, 2016). Por acreditar que não pertence a nenhum grupo, pode ter baixos níveis de conforto-confiança, além de ter medo de perder as relações que já tem ou de ser rejeitado.

Considerações Finais

Esse trabalho teve como objetivo investigar a relação entre os estilos de apego e os esquemas iniciais desadaptativos em estudantes universitários, se as dimensões do apego podem predizer se a ativação dos EIDs, além de examinar a relação entre a ativação dos EIDs e as variáveis morar sozinho, com os pais ou colegas. Os resultados apontam para a importância das relações iniciais e estilo de apego do indivíduo, bem como para como essas variáveis influenciam em etapas ulteriores da vida de maior vulnerabilidade. Observou-se pelos resultados que estilos de apego seguro apresentaram menor frequência de EID; também, que dimensões de apego são capazes de predizer a ativação de esquemas do primeiro domínio. Tais resultados apontam caminhos interessantes para se pensar estratégias de intervenção com a população universitária, com foco nas relações e nas sensações que essas relações produzem.

Cabe destacar alguns limitadores de generalização dos resultados desse estudo, como a amostra pequena de universitários da área de saúde, bem como a metodologia utilizada. Entende-se que estudos futuros poderiam ampliar o número de participantes de diferentes áreas do conhecimento. Ainda, outras formas metodológicas de acesso ao Estilo de Apego poderiam ser utilizadas, como entrevistas e grupos focais. Por fim, entende-se que os presentes resultados contribuam para um maior entendimento sobre dificuldades e condições que causam sofrimento nesse período. Tais dados podem contribuir na elaboração de políticas estudantis, bem como para intervenções e práticas de psicoeducação, com o objetivo de auxiliar os universitários ao longo de suas trajetórias que ensejam tamanhas vulnerabilidades.

Financiamento: A pesquisa relatada no manuscrito foi financiada pela bolsa de pesquisa da primeira autora (PIBIC/ Fundação Araucária).

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Recebido: 10 de Janeiro de 2021; Revisado: 29 de Junho de 2023; Aceito: 29 de Junho de 2023

Endereço para correspondência Vanessa Fracazzo Rua Antônio Zortéa Primo, 209, Capinzal - SC, Brasil. Endereço eletrônico: vaanefr@gmail.com

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