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Psicologia em Pesquisa
versão On-line ISSN 1982-1247
Psicol. pesq. v.1 n.1 Juiz de Fora jun. 2007
RELATOS DE PESQUISA
Análise da fidedignidade entre dois tipos de pontuação do Teste de Cloze
Reliabilty analises between two types of punctuation of Cloze Technique
Katya Luciane de OliveiraI; Evely Boruchovitch I; Acácia Aparecida Angeli dos SantosII, *
I Universidade São Francisco
II Unicamp
RESUMO
Muitas situações exigem o uso da habilidade de leitura para um bom desempenho acadêmico. Algumas pesquisas evidenciam que ela se relaciona com o nível de dificuldade do texto. Explorar as dificuldades dos itens na pontuação da compreensão textual avaliada por meio da técnica de Cloze foi o objetivo desta pesquisa. Participaram 574 universitários de três universidades privadas dos estados de São Paulo e Minas Gerais. A compreensão textual foi medida por meio da aplicação de um texto elaborado dentro dos padrões da técnica de Cloze, utilizando-se dois critérios de correção das respostas. O primeiro avaliou o acerto e o erro, sem considerar a dificuldade do item; o segundo levou em consideração a dificuldade do item de acordo com o contexto em que estava inserido. Os resultados indicaram diferença entre os dois critérios de pontuação. Evidenciou-se também diferença significante na compreensão em leitura entre os diferentes cursos.
Palavras-chave: Teste de cloze, Compreensão em leitura, Universidade.
ABSTRACT
The reading ability is essential for successful academic performance in a lot of situations. Research has shown that reading ability is related to the text difficulty level. The objective of this research was to explore the difficulty level of the items in reading comprehension measured through Clozes technique. The sample was composed of 574 university students of the three private universities of the São Paulo and Minas Gerais states. Reading comprehension was measured using a text based on Clozes technique. Participants answers were evaluated according to two criteria. One analysed the right and the wrong answers not considering the item difficulty level. The other considered the item difficulty in accordance with the text context. Results showed some differences between the two-correction punctuation procedures. The analysis of variance also had shown significant differences in reading comprehension among the different courses.
Keywords:Clozes Test, Reading comprehension, University.
A leitura envolve a interação dos processos cognitivos como atenção, concentração, percepção, aprendizagem, pensamento, memória, bem como de aspectos ligados à afetividade. Para Santos (1991) e Oliveira, Santos e Primi (2003), Oliveira e Santos (2005) e Oliveira e Santos (2006), o exercício da leitura promove a compreensão dos fatos, amplia os conhecimentos e ajuda na realização pessoal à medida que flexibiliza a forma de encarar a realidade. A compreensão em leitura ajuda na formação crítica do estudante como cidadão.
Mesmo a leitura se constituindo em um comportamento tão importante, poucos são os estudos relacionados a essa temática, especialmente quando comparados com outras áreas do conhecimento e também com a produção mundial sobre o assunto (Witter, 1996). Sob essa perspectiva, Campbell (2001) observou que a quantidade de pesquisas sobre a leitura, no cenário mundial, teve um aumento significativo nos últimos 30 anos, sobretudo focando os processos cognitivos implicados nessa habilidade.
Compreender um texto não é tarefa fácil, visto que envolve motivação, decodificação, compreensão lingüística e contextualização. O leitor proficiente apresenta alto nível de motivação e autonomia no momento da leitura, conseguindo abstrair significado da leitura e reorganizar a informação em sua memória, de tal modo que a informação ficará arquivada para ser acessada, quando for necessário (Flippo, 1998; Nicholson, 1999; Watkins & Coffey, 2004; Spira, Bracken & Fischel, 2005; Reeve & Jang, 2006).
Sternberg (2000) entende que a memória é de suma importância na compreensão em leitura. O papel da memória é captar o estímulo textual, regular o conhecimento e armazenar a informação a ser recuperada. Assim sendo, para que a compreensão ocorra, o leitor irá utilizar os conhecimentos relacionados ao assunto do texto por meio da analogia com outros conteúdos já lidos e arquivados. A analogia estabelecida entre a nova informação e o conhecimento já armazenado possibilita a compreensão do novo assunto (Mcnamara, Sternberg & Hardy, 1991; Taylor, 1992; Kopke Filho, 2001).
Taylor (1992) observa que a compreensão depende de fatores relacionados aos conhecimentos pré-existentes sobre um assunto, que funcionam como um mapa que auxiliará o leitor a compreender o texto, a partir de aspectos já conhecidos. Segundo Nicholson (1999), o conhecimento prévio é acessado por meio de um livro-código que converte a linguagem escrita em uma informação fonológica abstrata e a informação é acessada por um dicionário mental.
Nessa direção, Kleiman (1999) corrobora as considerações de Staats (1968), visto que considera que para ocorrer compreensão da leitura é necessário que o leitor atribua significado ao conteúdo lido. Essa atribuição de significado estimula os processos cognitivos como a percepção, a imaginação e o raciocínio, de forma que a informação seja compreendida mais facilmente.
A capacidade de generalização da informação é um outro atributo importante na compreensão em leitura, segundo Carriedo e Alonso-Tapia (1995). Tal capacidade permite uma integração das idéias do texto, por meio de uma leitura contextual, não sendo necessário que o leitor tenha conhecimento exato de todas as palavras envolvidas na construção textual.
Hall (1989), Simonsen e Singer (1992), Dembo (1994), Maki, Shields, Wheeler e Zacchilli (2005) apontam que compreender exige uma elaboração mental da informação lida. Para tanto, faz-se necessário o uso da metacognição, quando da leitura de um texto, pois, por meio da monitoração da compreensão é possível regular e modificar a estratégia de leitura quando essa não é eficaz. Isto é, quando, apesar da leitura, não ocorre a compreensão do conteúdo lido.
A compreensão em leitura para Oliveira e Santos (2004) é uma habilidade que engloba muitos fatores. Desse modo, torna-se complexa uma proposta de avaliação que considere os diferentes aspectos envolvidos dinamicamente na compreensão textual. Bensoussan (1990) indica que, de uma forma geral, os meios diagnósticos da compreensão em leitura não conseguem mensurar de forma eficaz todos os comportamentos relacionados à compreensão.
Salvia e Ysseldyke (1991) defendem que uma ampla gama de comportamentos são avaliados pelos testes diagnósticos de leitura, sendo que em muitos deles se exige uma inferência de significado da análise estrutural ou do contexto. Os testes de compreensão em leitura deveriam enfatizar o papel do estudante como parte dinâmica do processo de compreensão, mas isso não ocorre. Uma alternativa para a avaliação da compreensão em leitura seria o uso do teste de Cloze, que permite uma relação interativa entre o leitor e o texto (Condemarín & Milicic, 1988).
A técnica de Cloze foi criada com alguns experimentos realizados por Taylor, em 1953, que na ocasião buscava a estruturação de uma medida confiável de avaliação da compreensão em leitura. Durante três anos, os estudos foram aprimorados resultando no teste de Cloze (Taylor, 1956), que por meio de um texto de 250 palavras, do qual se omitiam sempre os quintos vocábulos, pode-se mensurar o nível de intelegibilidade do texto pelo leitor.
A técnica de Cloze possui duas formas de correção: a literal e a sinônima (Bitar, 1989). A correção literal considera como acerto o preenchimento correto da palavra exata que foi omitida, respeitando inclusive grafia e acentuação gráfica. No caso da correção sinônima, considera-se como correto o preenchimento da lacuna, não somente com a palavra que foi excluída, mas também com um sinônimo da palavra omitida. Para tanto, faz-se necessário utilizar um critério em que os sinônimos sejam considerados. Nesse sentido, um dicionário conceituado de língua portuguesa poderia oferecer esse critério.
Bormuth (1968) estabeleceu três níveis para considerar o desempenho no Cloze. O primeiro é denominado nível de frustração, que diz respeito ao fato de o leitor não ter abstraído de forma satisfatória a informação lida, obtendo pontuação de até 44% de acertos no texto. O segundo nível é o instrucional que se refere a uma abstração apenas suficiente para a compreensão, e o percentual de acertos do leitor varia de 44,1% a 57%. Finalmente, o nível independente expressa uma compreensão criativa e autônoma do texto. O leitor de nível independente é considerado fluente e apresenta um percentual de aproveitamento superior a 57%.
No Brasil, o Cloze é empregado no diagnóstico da habilidade de compreensão em leitura. Diversos estudos foram realizados evidenciando, inclusive, relações entre a compreensão em leitura e o desempenho acadêmico dos estudantes (Bedento & Moreira, 1990; Santos, 1991; Centofanti, Ferreira & Del Tedesco, 1997; Santos, Primi, Taxa & Vendramini, 2002; Oliveira & cols., 2003; Oliveira, Suehiro & Santos, 2004; Oliveira & Santos, 2005; Oliveira & Santos, 2006).
O teste de Cloze, para Condemarín e Milicic (1988), possibilita ao leitor realizar uma diferenciação entre a decodificação, a compreensão lingüística e a leitura contextual. No momento em que esses processos interagem e encontram um ponto de equilíbrio, o leitor toma consciência da estrutura interna do material lido, o que aumenta sua sensibilidade, denotando a compreensão da leitura. Entretanto, tal compreensão pode apresentar diferentes níveis de dificuldade.
Jonz (1990), Abraham e Chapelle (1992) e Santos e cols. (2002) sugerem que o Cloze apresente níveis de dificuldades, caracterizados por itens considerados fáceis à compreensão e itens difíceis. Outro aspecto relevante é que o texto também pode apresentar um nível intermediário de dificuldade. Nesse caso, uma abstração medíocre já seria suficiente para a emissão de uma resposta correta.
Storey (1997) destaca que o teste de Cloze, quando utilizado com finalidade diagnóstica, é um indicador da compreensão em leitura, sendo que as conexões e as relações estabelecidas pelo leitor facilitam a compreensão. Aponta que, em um mesmo texto, diversas são as possibilidades de se trabalharem os níveis de dificuldades, alguns itens serão mais fáceis e outros exigirão maior abstração para o preenchimento correto.
Nessa perspectiva, Abraham e Chapelle (1992) abordam que a estruturação do texto em Cloze deve englobar dois níveis de dificuldade. O primeiro conhecido como micronível deve ser composto por itens fáceis à compreensão. O segundo macronível deve ser organizado por itens que apresentam maior dificuldade para o correto preenchimento. O macronível exigirá do estudante interconexões entre os elementos do texto e os conhecimentos prévios.
A forma mais utilizada de correção da técnica de Cloze é a correção literal. Nesse tipo de correção, se aceita como acerto o preenchimento exato da palavra que foi excluída (Bitar, 1989). No critério de pontuação na correção literal, atribuem-se um ponto para o acerto e zero para o erro, assim a correção literal não possibilita uma pontuação que pondera o acerto ou erro em razão da dificuldade de preenchimento de cada item.
Assim, a quantidade de acertos não está relacionada somente a habilidade dos estudantes, mas também à dificuldade das lacunas criadas ao longo do texto. Santos e cols. (2002) defendem que dois escores iguais em um mesmo teste de Cloze, de diferentes pessoas, podem não ter o mesmo significado. Tudo depende das dificuldades das lacunas, desse modo os escores não devem ser diretamente comparáveis; há que se fazer uma análise mais criteriosa das lacunas acertadas por cada sujeito.
Nessa direção, pode-se aventar que os acertos no Cloze dependem das dificuldades dos itens que compõem o texto, bem como se relacionam ao modo de se pontuarem as respostas. Portanto, a relevância deste estudo se justifica pelo fato de que alguns críticos da técnica de Cloze se apóiam na idéia de que a correção literal não favorece um bom desempenho do estudante. O argumento utilizado é que a correção literal pode não avaliar a compreensão de forma precisa, comprometendo assim a qualidade da técnica de Cloze como medida da compreensão em leitura. Portanto, hipotetiza-se que o critério de pontuação no qual se considera a dificuldade do item pode dar uma melhor medida ou uma medida mais justa da compreensão em leitura dos estudantes. Assim sendo, explorar as dificuldades dos itens e possibilidades de pontuação de um texto preparado segundo a técnica de Cloze foi o objetivo desta pesquisa.
Método
Participantes
A amostra foi composta de 574 estudantes universitários dos cursos de psicologia (55,7%, n=320), radiologia (7,8%, n=45), administração (23,2%, n=133) e direito (13,2%, n=76), matriculados em três universidades privadas dos estados de São Paulo e Minas Gerais. A média de idade foi de 23 anos e 6 meses (Dp=6,9). O gênero masculino representou 30,3% (n=174) da amostra e o feminino, 69,7% (n=400).
Instrumento
Foi utilizada a técnica de Cloze criada por Taylor (1953). A técnica, em sua versão tradicional, consiste na omissão sistemática de todos os quintos vocábulos do texto, colocando-se no local um traço de tamanho proporcional à palavra que foi omitida. O aluno deveria preencher o espaço com a palavra que entendia ser adequada.
Para o teste de Cloze, elaborou-se um texto adaptado de Luis Fernando Verissimo (1995), intitulado Desentendimento. O texto continha 250 vocábulos e 46 omissões, sendo que o espaço deixado foi proporcional ao tamanho da palavra omitida.
Critérios de pontuação
Recorreu-se a dois critérios de pontuação das respostas, nos quais todos os 574 protocolos passaram. O primeiro critério de pontuação foi o literal que aceita como correta a palavra exata que foi omitida. Neste caso, não se considerou a dificuldade do item. A pontuação variou de 0 a 46, atribuindo-se sempre 1 ponto para cada acerto e 0 para os erros.
O segundo critério de pontuação utilizado foi a correção por concordância entre juízes, que foram escolhidos por serem professores doutores que ministram disciplinas em um curso de letras. O texto preparado segundo a técnica de Cloze e o respectivo crivo de correção foram encaminhados para dois juízes que avaliaram a dificuldade dos itens da escala. No caso de discordância entre eles, um outro juiz era consultado para uma nova avaliação. Assim, o critério para que um item fosse considerado como fácil, de dificuldade média ou difícil dependeria de pelo menos duas avaliações concordantes sobre ele. Em todos os casos, os juízes consideraram o contexto do texto para julgar a dificuldade de conseguir preencher com o item correto. O nível de concordância entre os juízes foi de 80%.
Para esta análise, embora o critério de correção também fosse o literal, considerou-se a dificuldade do item, ao se pontuar o acerto. Desse modo, os itens variaram no nível de dificuldade, da seguinte forma: 29 itens foram considerados fáceis, 12 foram julgados com dificuldade média e 5 itens foram considerados difíceis. Assim sendo, o acerto de cada item considerado fácil recebeu a pontuação 1, de dificuldade média recebeu a pontuação 2, aferiram-se 3 pontos para cada acerto de um item considerado difícil e zero para cada erro. Por este critério, a pontuação poderia chegar a 68 pontos. Em todos os casos, os juízes consideraram o contexto do texto para julgar a dificuldade de conseguir preencher com êxito o item correto.
Procedimento
Os estudantes foram informados acerca dos objetivos da pesquisa, foram assegurados do caráter confidencial do estudo e orientados acerca de que os cuidados éticos tomados na presente pesquisa foram fundamentados e estão em consonância com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.
A aplicação ocorreu de forma coletiva, em horário previamente agendado com cada instituição de ensino realizada somente, nos alunos que assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Foi estabelecido um bom rapport entre pesquisadores e participantes, momentos antes da aplicação. A aplicação do instrumento durou aproximadamente 30 minutos.
Resultados
Os dados foram organizados em planilhas e submetidos à estatística descritiva e inferencial, conforme os objetivos desta pesquisa. A média de acertos sem se considerar a dificuldade dos itens (critério 1 de pontuação) foi de 20,7 pontos (Dp=4,5), enquanto a média de acertos considerando a dificuldade dos itens (critério 2 de pontuação) foi de 23 pontos e Dp=5,9. No que se refere à avaliação realizada pelos juízes quanto à dificuldade dos itens, a Tabela 1 traz a distribuição da análise realizada.
A Tabela 2 apresenta a freqüência e a porcentagem de pontos por pessoas, considerando as duas formas de correções. Também se analisou a freqüência de pontos por item nas duas situações, conforme pode ser visto na Tabela 3, salientando, conforme mencionado anteriormente, que os itens avaliados como fáceis receberam 1 ponto, os com dificuldade média, 2 pontos, e os considerados difíceis, 3 pontos.
Observa-se que na situação 1 o número mínimo de acertos foi igual nas duas situações (4 pontos). Já o número máximo de acertos, nas duas situações, sofreu uma pequena variação, na qual, na primeira situação, os participantes obtiveram 35 pontos e na segunda conseguiram atingir 38 pontos.
Constata-se que poucas pessoas conseguiram acertar os itens com maior grau de dificuldade. Desse modo, mesmo valorando com maior peso os itens considerados com dificuldade média (2 pontos) e os itens difíceis (3 pontos), esse tipo de ponderação na pontuação não foi suficiente para que os participantes conseguissem apresentar um melhor desempenho na pontuação 2, como foi visto na Tabela 3. O teste t Paired Samples test apontou diferença significativa entre as pontuações obtidas na situação de pontuação 1 e 2, considerando t=-27,346 e p=0,000. Sugere-se que na pontuação 1, os participantes tiveram um pior desempenho (M=20,7) em relação à pontuação 2 (M=23).
Utilizou-se a análise de variância para possíveis diferenças no desempenho entre os cursos, frente aos dois sistemas de pontuação. Os dados mostraram diferença estatisticamente significativa no desempenho dos estudantes na compreensão em leitura entre os diferentes cursos nas duas formas de pontuação, considerando respectivamente[F(3, 571)=13,27; p=0,000] e[F(3, 571)=14,50; p=0,000]. O teste de Tukey foi utilizado para verificar em quais cursos estavam as diferenças. A Tabela 4 mostra a significância das diferenças entre os cursos apontadas pelo Tukey.
Ao que parece, o Tukey revelou diferença significativa entre o desempenho dos estudantes dos cursos de psicologia e direito e psicologia e radiologia nas pontuações 1 e 2. Também houve diferença entre os cursos de direito e radiologia na pontuação 2 e administração e radiologia nas pontuações 1 e 2.
A média do curso de psicologia foi um pouco melhor (21 pontos) em relação aos cursos de administração (20 pontos), direito (19 pontos) e radiologia (17 pontos). Contudo, o desempenho dos participantes de todos os cursos ficou a desejar, considerando que na correção 1 a pontuação poderia variar de 0 a 46 pontos e nenhum participante, independente do curso, atingiu a metade de acertos possíveis (23 pontos).
No segundo critério de correção, observa-se que o curso de psicologia demonstrou um desempenho um pouco superior em relação aos outros cursos, tendo em vista que a média de acertos do curso foi de 24 pontos. O curso de administração apresentou uma média de 23 pontos, o de direito 21 pontos e o de radiologia 18 pontos. Novamente, as médias de acertos obtidas pelos diferentes cursos foram relativamente baixas.
Discussão e conclusão
Com o objetivo de explorar as dificuldades dos itens e possibilidades de pontuação de um texto preparado segundo a técnica de Cloze, constatou-se que o máximo de acertos na pontuação 1 foi de 35 pontos e na 2 foi de 38 pontos. Em nenhum momento, a pontuação atingiu o seu máximo, ou seja, 46 pontos no primeiro critério de pontuação e 68 no segundo. Chama atenção o fato de que na situação 1, os estudantes conseguiram atingir um percentual de acertos de 45% e na situação 2 o percentual ficou bem abaixo, 33,8%. Bormuth (1968) defende que um percentual de acertos menor ou igual a 44% é produto de uma compreensão pobre e pouco crítica, sendo classificado como nível de frustração.
Embora o teste de Tukey tenha apontado diferença significativa no desempenho no Cloze entre os estudantes dos cursos de psicologia e direito e psicologia e radiologia nas pontuações 1 e 2, essa diferença, embora um pouco superior para o curso de psicologia, ainda está muito aquém do desejado para esse nível de escolaridade. Pode-se afirmar o mesmo sobre a diferença existente no desempenho na compreensão em leitura entre os alunos dos cursos de direito e radiologia na pontuação 2 e administração e radiologia nas pontuações 1 e 2.
Nas duas situações de pontuação, a compreensão em leitura foi baixa. Esse fato é lamentável, tendo em vista que a amostra foi composta por estudantes universitários que deveriam supostamente apresentar um melhor nível de compreensão textual. Esse dado infelizmente não surpreende, pois estudos anteriores também evidenciaram que os estudantes universitários não conseguem abstrair as principais idéias do texto e não demonstram uma leitura com fluência e compreensão (Santos, 1991; Santos & cols., 2002; Oliveira & cols., 2003; Oliveira & cols., 2004; Oliveira & Santos, 2005; Oliveira & Santos, 2006).
Seria precipitado supor que a correção na qual se considera a dificuldade do item para pontuar os acertos no Cloze (Abraham & Chapelle, 1992) favoreça o aumento da média de acertos, ainda que a diferença estatisticamente entre as duas pontuações seja significativa. Essa constatação fica ainda mais evidente, especialmente, quando se observam as duas médias de acertos, isto é, M=20,7 para a pontuação que poderia atingir 46 pontos e M=23 para a pontuação que poderia atingir 68 pontos. Na realidade, esse sistema de pontuação que considera a dificuldade do item não beneficia o aumento da pontuação no Cloze. O que, de certo modo, contribuiu para validar a correção literal, na qual se atribuem 1 ponto ao acerto e 0 ao erro.
Embora, nas duas situações, a média tenha sido bem inferior ao desempenho esperado para estudantes universitários, na situação 1 o percentual atingiu 45% e na segunda situação, 33,8%, o que permite concluir que poucos foram os estudantes que acertaram os itens com dificuldade média e raríssimos foram aqueles que conseguiram obter êxito no preenchimento correto dos itens julgados como difíceis, nos quais seria necessário um maior nível de decodificação e compreensão lingüística, requerendo a utilização das pistas contextuais oferecidas pelo Cloze (Condemarín & Milicic, 1988; Salvia & Ysseldyke, 1991; Nicholson, 1999). Esse comportamento exigiria um alto nível de abstração e compreensão, características de leitores fluentes. Outro aspecto importante no comportamento do leitor seria a metacognição (Dembo, 1994; Maki & cols., 2005), habilidade que monitoraria o pensamento indicando quando a informação não foi compreendida, regulando o comportamento, de modo a buscar alternativas para a melhor compreensão da informação. Ao que parece, os universitários carecem também de habilidades metacognitivas na ocasião da atividade de leitura.
Parece urgente a necessidade de programas nas universidades para se diagnosticar e intervir na melhora da compreensão em leitura dos universitários. Se não houver fatores interferentes, corre-se o risco da formação de um profissional que apresenta sérias limitações em seus conhecimentos, considerando que a leitura é o caminho de acesso às informações dos livros técnicos, atividade exigida nos diversos cursos universitários (Oliveira & Santos, 2004).
No que concerne à utilização do teste de Cloze para uma avaliação mais fidedigna da compreensão da leitura dos estudantes, uma direção para pesquisas futuras seria realizar uma análise fatorial exploratória no sistema de pontuação por dificuldade dos itens, buscando levantar de forma mais consistente, se, de fato, uma estrutura de três fatores correspondesse aos níveis de dificuldade dos itens. Tais fatores estariam associados aos níveis micro, relacionado a itens fáceis; intermediário, associado aos itens de dificuldade média e macro, que abrangeria os itens difíceis (Jonz, 1990; Abraham & Chapelle, 1992; Santos & cols., 2002). Também poder-se-iam obter, por meio da Teoria de Resposta ao Item, dados mais precisos sobre as dificuldades dos itens que compõem o teste de Cloze (Santos & cols., 2002).
A necessidade de novos estudos é evidente, principalmente quando se considera que o julgamento dos juízes, no presente estudo, pode não ter sido suficientemente preciso em alguns itens, dentre eles 4, 6, 12, 23, 27, 32, 38, 41 e 46. A falta de precisão no julgamento se refere, especialmente, ao fato de que nesses itens o julgamento dos juízes não coincidiu com a quantidade de acertos ou erros dos estudantes. Como exemplo, cita-se o item 4, que foi considerado de dificuldade média e apenas 7,1% dos estudantes acertaram esse item, o que pela quantidade de acertos o caracterizaria como difícil. Assim sendo, recomenda-se que novos estudos sejam realizados buscando o aprofundamento das questões levantadas neste estudo, tendo em vista contribuir para o aumento da validade da utilização do teste de Cloze para o diagnóstico e intervenção psicoeducacional em todos os segmentos da escolarização formal.
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