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Psicologia em Pesquisa
versão On-line ISSN 1982-1247
Psicol. pesq. vol.5 no.2 Juiz de Fora dez. 2011
ARTIGOS
Análise de Artigos sobre Avaliação Psicológica no Contexto do Trabalho: Revisão Sistemática
Analysis of Articles on Psychological Assessment in the Work Context: A Systematic Review
Makilim Nunes Baptista I; Fabián Javier Marín Rueda I; Nelimar Ribeiro de Castro II; Juliana Oliveira Gomes I; Marlene Alves da Silva I
I Universidade São Francisco
II Universidade Tiradentes
RESUMO
Este estudo teve por objetivo realizar uma revisão sistemática da literatura da área da avaliação psicológica no trabalho na base de dados PePSIC entre 2000 e 2009, utilizando as palavras-chave "Psicologia do trabalho", "Psicologia organizacional" e "Avaliação psicológica". A maioria dos artigos empíricos encontrados se concentrou em 2007, de autoria múltipla, com temas relacionados à saúde do trabalhador e aspectos organizacionais. Somente um dos instrumentos versava sobre um teste psicológico especifico da área do trabalho, embora tenham sido encontrados ao todo 14 instrumentos psicológicos. A análise dos resultados demonstrou que embora tenha sido verificado um aumento de artigos envolvendo a avaliação psicológica no contexto do trabalho no período estudado, ainda é evidente a carência de produção em relação ao tema, sendo necessários outros artigos que possam suprir as necessidades ainda vigentes. Espera-se que este estudo possa fomentar novas pesquisas dentro do contexto da avaliação psicológica voltada ao trabalho, preenchendo as lacunas observadas.
Palavras-chave: Avaliação psicológica; psicologia organizacional; revisão sistemática.
ABSTRACT
This study sought to conduct a systematic review of the literature on psychological assessment in the work context in the database PePSIC between 2000 and 2009, using the keywords "Psychology of work", "Organizational Psychology" and "Psychological assessment". Most empirical articles were found in 2007, with multiple authors, and topics relating to workerâs health and organizational factors. Only one of the instruments was about a specific work psychological test, although there were found a total of 14 psychological instruments. The results showed that although it was verified an increase in articles about psychological assessment in the workplace during that period, the lack of production in the area it is still evident, and other studies are necessary to supply the present needs. It is hoped that this paper may encourage further research on the context of work psychological assessment in other to fill the current gaps.
Keywords: Psychological assessment; organizational psychology; systematic review.
O interesse pela área de avaliação nas organizações confunde-se com o surgimento da própria Psicologia no final do século XIX, com os estudos de Wundt e alguns de seus alunos, como Münsterberg. De fato, coube a Münsterberg, em 1913, com a publicação do Psychology and Industrial Efficiency, iniciar a chamada Psicologia industrial, primeira proposta sistemática da Psicologia para o estudo do trabalho (Cruz, 2002). Atribui-se, ainda, ao próprio Münsterberg, as primeiras experiências na utilização de testes psicológicos para a seleção de pessoal, no caso, trabalhadores de linhas ferroviárias, no período de 1903 a 1916, nos EUA, além de contribuições relevantes para a classificação de recrutas durante a 1ª Guerra Mundial (Landy, 1997).
A inserção de testes psicológicos no processo de avaliação psicológica em organizações foi um dos primeiros frutos da nascente psicotécnica, movimento iniciado por Cattell, na Inglaterra, e Binet, na França, no final do século XIX. Tal movimento teve por finalidade desenvolver os testes para a seleção e orientação profissional (Cruz, 2002). Contudo foi a Psicologia estadunidense que impulsionou o uso dos instrumentos psicológicos, conferindo-lhes prestígio junto à sociedade, a partir da década de 1930, por meio do uso dos testes de inteligência Army Alfa e Army Beta, desenvolvidos a partir da escala de Binet, e testes de aptidão utilizados nas empresas com a finalidade diagnóstica e preditiva (Baumgartl & Primi, 2006; Cruz, 2002).
De fato, a Psicologia industrial foi uma das grandes responsáveis pelo sucesso da utilização de testes psicológicos, sendo a principal organizadora dos fundamentos básicos da então chamada psicotécnica em torno dos procedimentos de descrição e interpretação do comportamento humano e sua relação com o trabalho. Em contrapartida, a psicotécnica tornou-se o principal método de trabalho da Psicologia industrial na seleção, treinamento de habilidades e atribuição de tarefas mais ou menos complexas para o trabalhador (Cruz, 2002).
No Brasil, as primeiras experiências de aplicação da Psicologia ao trabalho ocorreram na década de 1920, mas foi durante a década de 1930 que sua prática se intensificou. Assim como nos EUA, o desenvolvimento da Psicologia industrial no Brasil esteve amplamente relacionado ao uso de testes, principalmente para a seleção de pessoal e orientação profissional (Cruz, 2002; Hoffmann & Cruz, 2003). Foi nesse período, mais precisamente em 1934, que teve início a formação de psicotécnicos no Brasil. Esses profissionais eram qualificados como especialistas em Psicologia aplicada e atuavam empregando os conhecimentos da Psicologia ao trabalho (Zanelli & Bastos, 2004).
Posteriormente, em 1962, quando foi regulamentada a profissão de Psicólogo no Brasil (Brasil, 1962), uma das funções descritas para o novo profissional foi o uso de métodos e técnicas psicológicas para a orientação e seleção profissional, juntamente com o diagnóstico psicológico, a orientação psicopedagógica e a solução de problemas de ajustamento (Silva & Merlo, 2007). O uso dos testes psicológicos, no psicodiagnóstico, educação, saúde e trabalho foram decisivos para a construção da Psicologia no Brasil, e refletiam a principal identidade do psicólogo nesse período (Hoffmann & Cruz, 2003).
Justamente nessa década, iniciou-se um processo de questionamento e desvalorização do uso de sistemas de métricas e de testes na prática da Psicologia, sustentados por um contexto sociocultural e ideológico desfavorável, fruto de uma formação deficitária em avaliação psicológica, do crescimento de paradigmas refratários ao uso da testagem, além da comercialização e uso indiscriminado de instrumentos com baixa qualidade técnica e/ou normalmente destinados a outras culturas. Assim, a utilização de instrumentos passou a ter uma considerável restrição (Custódio, 2007).
A utilização desses instrumentos no processo de avaliação psicológica no contexto organizacional ainda é contestada, conforme apontado por Pereira, Primi e Cobêro (2003), tendo em vista que grande parte dos psicólogos que utilizam instrumentos tem dificuldade em compreender se as propriedades psicométricas do teste utilizado são adequadas ou não. Tal afirmação é complementada por Pasquali (1999) ao afirmar sobre a falta de instrumentos específicos para o contexto organizacional e do trabalho, com propriedades psicométricas adequadas. Entretanto, apesar dessas críticas, o uso de testes psicológicos se manteve, e na área da seleção de pessoal tem sido apontado como ferramenta auxiliar para o processo classificatório ou de exclusão de candidatos a postos de trabalho (Oliveira & Mourão, 2009).
Além de tais conjunturas, a Psicologia organizacional e, mais especificamente, a avaliação psicológica nesse contexto, sofreu um relativo esquecimento em decorrência do quadro de ostracismo vivenciado durante a segunda metade do século XX, tal como relatado por Sisto, Sbardelini e Primi (2001), fazendo com que a produção científica na área descaísse. Todavia, a partir do final da década de 1990, observou-se renovado interesse e investimento nessa área (Sisto, Sbardelini & Primi, 2001). Esse movimento foi fruto de um esforço coletivo para sua revalorização, com destaque para a Resolução nº 025/2001 do Conselho Federal de Psicologia (Conselho Federal de Psicologia [CFP], 2001), posteriormente revogada e substituída pela Resolução nº 002/2003 que regulamentou o uso, elaboração e comercialização de testes psicológicos no Brasil (CFP, 2003). Tal resolução determinou, entre outras coisas, critérios psicométricos mínimos para que um teste psicológico possa ser utilizado na prática profissional, e criou uma Comissão Consultiva em Avaliação Psicológica que passou a realizar a avaliação dos instrumentos de avaliação submetidos ao CFP. Atualmente, os pareceres, favoráveis ou não, encontram-se disponíveis no Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos, SATEPSI (CFP, 2009). Chiodi e Wechsler (2008) afirmaram que o momento atual da avaliação psicológica no Brasil centraliza-se na discussão sobre a necessidade de instrumentos válidos, confiáveis e atualizados com destaque para a questão da validade e construção de instrumentos nacionais.
Nesse contexto, alguns autores mostraram o interesse e a necessidade de avaliar a produção nacional sobre avaliação psicológica em trabalhos de revisão sistemática. Assim, Barroso (2010) realizou um estudo metacientífico de artigos relacionados à avaliação psicológica nas bases de dados SciELO e BVS-PSI, tendo encontrado 65 periódicos com publicações direcionadas ao tema. Foram avaliados 333 trabalhos. A região Sudeste foi a que mais demonstrou registro de publicações, com 58,5% dos artigos, ao passo que a região Sul foi a que mais concentrou publicações individuais. O autor percebeu um aumento ao longo dos anos no número de publicações, com destaque para o ano de 2007. Souza Filho, Belo e Gouveia (2006) verificaram a produção de artigos sobre avaliação psicológica no portal Periódicos CAPES no período de 2000 à 2004. Do total de 1.182 artigos encontrados, apenas 230 (19,50%) consideravam testes psicológicos em seu corpo. Desses, 85,50% eram de natureza empírica, e 49,10% tinham como foco a temática dos testes, como estudos que tratam de validade e construção. Quanto à origem dos autores, 47,51% eram do sudeste, concentrando-se em São Paulo, seguido de autores estrangeiros (14,94%), Região Centro-Oeste (12,26%), Sul (11,88%), Nordeste (11,49%), e, por fim, Região Norte (1,92%).
Suehiro e Rueda (2009) analisaram 100 artigos publicados em 12 volumes da Revista Avaliação Psicológica no período de 2002 e 2007. A maior quantidade de artigos foi publicada em 2006 (N=19), e na região sudeste (N=51). Também prevaleceram estudos produzidos por mais de um autor (N=88) e relatos de pesquisa (N=83). Destes, a maioria utilizou testes ou escalas (N=50), seguidos daqueles que utilizaram outro tipo de material (N=26) e ambos (N=7). Quanto ao tipo de referência consultada, os artigos científicos apresentaram em maior número que outros tipos, como teses e livros, correspondendo a mais de 50% de todos os artigos analisados.
Trabalho semelhante foi realizado por Suehiro, Cunha, Oliveira e Pacanaro (2007) na produção da Revista Psico-USF no período entre 1996 e 2006. As autoras analisaram 22 números dessa revista, totalizando 188 artigos. Encontrou-se um aumento na publicação a partir de 2001, com o ano de 2006 apresentando o maior número de artigos (N=25; 12,5%). A maior parte referia-se à pesquisa de campo (N=130; 69,16%), seguidos pelos teóricos (N=50; 26,59%) e relatos de pesquisa documental (N=8; 4,25%). Também nessa revisão a região sudeste contribuiu com o maior número de trabalhos (N=92; 48,94%). Dos temas estudados, 33,51% (N=63) referiam-se aos fundamentos e medidas da Psicologia, sendo o tema que apresentou maior frequência, seguida da Psicologia do ensino e aprendizagem com 12,76% (N=24), Psicologia do desenvolvimento com 7,45% (N=14), Psicologia organizacional e do trabalho, tratamento e prevenção psicológico e artigos com temáticas múltiplas e outros com 6,38% (N=12) cada, e, por fim, Psicologia experimental com 5,32% (N=10). O tamanho das amostras variou de um a mais de 1.000, mas com predominância daqueles estudos entre 51 e 400 (N=75; 57,69%) indivíduos, com nível de escolaridade da pré-escola à pós-graduação, sendo que em 37 (28,46%) artigos os participantes eram universitários. Destaca-se que 27 (20,77%) trabalhos não detalharam essa característica de sua amostra.
Em outra frente de análise da área de avaliação psicológica produziram-se estudos interessados no uso dos testes psicológicos e no conhecimento dos psicólogos sobre conceitos básicos de psicometria. Nessa perspectiva de investigação, Pereira, Primi e Cobêro (2003) examinaram o conhecimento de psicólogos sobre os conceitos psicométricos básicos, e sua influência nas técnicas e instrumentos utilizados em seleção de pessoal. Eles inquiriram psicólogos que atuavam em 34 empresas nacionais e multinacionais sobre o uso de testes e outras técnicas de avaliação psicológica. Além disso, investigaram as concepções desses profissionais sobre o conceito de validade.
Os testes psicológicos mais citados foram os relacionados à avaliação da inteligência, às medidas de aptidões específicas e à personalidade. Ressaltase que os profissionais entrevistados trabalhavam especialmente em seleção de pessoal. Especificamente, o Teste Wartegg, dinâmicas de grupo, entrevista estruturada, grafologia e o Teste Palográfico foram os instrumentos mais utilizados no processo de avaliação psicológica. A justificativa oferecida pelos profissionais para o seu uso foi o conhecimento da validade desses instrumentos. Contudo, os autores salientaram que mesmo os dois testes psicológicos citados, Wartegg e Palográfico, careciam de estudos de validade, e que estudos avaliando a grafologia apresentaram resultados desfavoráveis. Os autores concluíram que os psicólogos organizacionais desconheciam o conceito de validade e que isso interferia negativamente na escolha de instrumentos de avaliação (Pereira, Primi & Cobêro, 2003).
Por sua vez, Noronha, Primi e Alchieri (2005) questionaram a 304 psicólogos e estudantes de Psicologia sobre os testes que conheciam e utilizavam. Foi-lhes apresentada uma lista com 145 instrumentos psicológicos comercializados no momento em que foi realizada a pesquisa. Nessa lista os participantes deveriam indicar qual dos testes eles conheciam e usavam. Dentre os instrumentos mais presentes destacaram-se os que avaliavam personalidade e inteligência representando, respectivamente, 43,75% e 31,25% dos testes analisados. Muitos não eram conhecidos em alguns estados, sendo que alguns, como o Teste de Prontidão Horizontes e Conceitos Básicos de Bohem, eram sistematicamente desconhecidos. Os autores destacaram a tendência dos psicólogos para utilizarem os instrumentos de avaliação psicológica que conheceram durante a graduação, e a necessidade de atualização dos profissionais.
De fato, assim como a avaliação psicológica, de maneira geral, passou por alterações, como visto anteriormente, a Psicologia aplicada ao trabalho também tem vivenciado mudanças. Em seu caso, as transformações direcionam-se num esforço por ampliar a atuação de pesquisadores e, principalmente, para novas temáticas de interesse além do papel de recrutamento e seleção, tradicionalmente relacionado à área, mais próximas às relações de trabalho e saúde do trabalhador (Cruz, 2002; Silva & Merlo, 2007).
Em consonância com essas preocupações, Borges-Andrade et al. (1997, citado por Toneto, Amazarray, Koller & Gomes, 2008) revisaram a temática da análise do comportamento organizacional em teses e dissertações de Psicologia e administração, defendidas entre 1980 e 1995, disponíveis no portal da CAPES. Os autores analisaram 186 resumos, dentre os quais 55 eram de Psicologia. Os temas com maior freqüência foram sobre a saúde do trabalhador (N=22), percepção e comunicação (N=8), comprometimento (N=7), desempenho profissional (N=7), comportamento gerencial (N=7) e a organização em si (N=6).
Toneto et al. (2008), por sua vez, realizaram um levantamento da produção científica em Psicologia organizacional e do trabalho, nas revistas brasileiras do período entre 2001 a 2005 disponíveis no Portal SciELO (/ /www.scielo.br) e da Revista Psicologia: Organizações e Trabalho. Dos 1105 artigos publicados, apenas 178 foram em Psicologia organizacional e do trabalho. Dos artigos analisados, verificaram que 51 foram publicados em revista especializada. As temáticas foram agrupadas em nove categorias, comportamento organizacional (20%), avaliação e medida (19%), trabalho, identidade e subjetivação (16%), trabalho e saúde (16%), e outras temáticas como trabalho infanto-juvenil, formação e atuação profissional, além de trabalho e gênero que agregaram 15% da produção avaliada. Do total, 70% eram teórico-empíricos e 30%, teóricos. Dentre os teóricos-empíricos, 46,8% apresentaram uma abordagem quantitativa, 37,3% abordagem qualitativa, e 16,6% ambas as abordagens. A região do Centro-oeste foi a que contribuiu com o maior número de publicações, 33 artigos.
Esse movimento atenta para uma mudança de paradigma dentro da Psicologia aplicado ao trabalho, na qual, os termos Psicologia do trabalho e organizações coexistem na expectativa de contemplar dois grandes eixos de fenômenos envolvendo aspectos psicossociais. De um lado encontram-se as organizações, como ferramenta social formadora de coletivos humanos, e de outro, o trabalho, atividade básica do ser humano, reprodutora de sua própria existência e da sociedade (Bastos, 2003). A partir disso, observam-se diferenças nas perspectivas na abordagem do fenômeno do trabalho e das relações, nos temas de investigação e na metodologia utilizada, contudo, a título desse trabalho essas diferenciações não serão pormenorizadas.
Diante desse contexto de revalorização da avaliação psicológica, e de renovação na Psicologia aplicada ao trabalho, torna-se importante identificar a produção atual nessas áreas com o objetivo de indicar lacunas e carências, assim como verificar o estado da arte nessa área da Psicologia. Além disso, como apontam Sampaio e Mancini (2007), as revisões sistemáticas de literatura podem nortear o desenvolvimento de projetos e futuras investigações pela caracterização metódica de artigos na área. Assim, o presente trabalho, de caráter descritivo, teve como objetivo avaliar a produção científica que abordava a avaliação psicológica no contexto do trabalho disponível na base de dados PEPSIC. Tal escolha justifica-se pelo fato de tal base de dados ser exclusiva de revistas da ciência psicológica, contendo 84 periódicos.
Método
Instrumento
A presente revisão sistemática de literatura constituída por artigos de periódicos disponíveis na base de dados PePSIC - Periódicos Eletrônicos em Psicologia, da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS-Psi), uma base de dados gratuita contendo publicações específicas na área de Psicologia, tanto de circulação nacional quanto internacional. A pesquisa foi realizada na primeira quinzena de setembro de 2009, tendo sido investigados artigos completos.
Procedimento
Inicialmente, para a presente pesquisa, realizada em 4 de Setembro de 2009, listou-se a produção disponível na base de dados de acordo com as palavras-chave Avaliação psicológica ou Psicologia do trabalho ou Psicologia organizacional, por serem as expressões-chave que mais se direcionam às áreas de interesse deste estudo. As palavras de pesquisas foram inseridas no campo de pesquisa assunto. Foram pesquisados somente artigos publicados entre os anos 2000 e 2009.
Assim sendo, foram encontrados 171 artigos, os quais foram submetidos a dois critérios de inclusão. O primeiro foi abordar uma temática da Psicologia aplicada ao trabalho e, o segundo, adotar método de pesquisa empírico, com o uso de testes psicológicos. Em seguida, os artigos que atenderam a esses dois critérios foram avaliados e classificados segundo quinze categorias, a saber: 1) desenho metodológico; 2) autoria única ou múltipla; 3) ano de publicação; 4) nacionalidade da revista; 5) região dos autores; 6) se inter ou intrainstitucional; 7) tema do artigo; 8) tipo de amostra; 9) idade da amostra; 10) tipo de empresa; 11) se o artigo era de caráter qualitativo ou quantitativo; 12) tipo de instrumento; 13) teste psicológico utilizado; 14) presença de dados psicométricos e, por fim, 15) tipo de referências utilizadas pelos autores. Posteriormente, foram realizadas análises descritivas por categoria.
Resultados
Dos 171 artigos encontrados, 14 (8,2%) se relacionavam com Orientação Profissional, enquanto 124 (72,5%), à avaliação psicológica, de maneira geral, e 33 (19,3%) à área de Psicologia do trabalho e das organizações. Desses, 24 eram artigos de campo, enquanto nove se referiam à revisão de literatura. Dessa forma, foram avaliados e categorizados os 24 artigos empíricos, relacionados à área de Psicologia do trabalho e das organizações, atendendo aos dois critérios de inclusão demarcados para a pesquisa.
Em relação ao desenho metodológico, buscou-se categorizar os artigos de acordo com a apresentação de seus resultados, tendo sido encontrados 20 artigos de desenho descritivo e quatro correlacional. Vale ressaltar que, dentre os artigos descritivos, um deles possuía caráter longitudinal. No que diz respeito ao ano de publicação dos artigos, verificou-se uma alta concentração nas edições de 2007, embora tenham sido encontrados trabalhos entre os anos 2002 e 2009, exceto em 2004 (Tabela 1).
Foram encontrados também oito artigos de periódicos internacionais vinculados ao PePSIC, sendo sete deles publicados na revista Universitas Psychologica, de Bogotá e um pela revista Psicologia para América Latina, México. Nas publicações nacionais, Psicologia: Teoria e Prática, Avaliação Psicológica, Psicologia: Ciência e Profissão e Cadernos de Psicologia Social do Trabalho apresentaram três artigos cada, dois artigos na Revista Psico-USF, e na Revista Aletheia e Revista Brasileira de Terapias Cognitivas um artigo em cada.
Dos 16 artigos publicados em periódicos nacionais, buscou-se verificar de quais regiões brasileiras eram os autores, tendo sido observada uma alta concentração de trabalhos na região sudeste, sendo 11 (61,1%) especificamente de São Paulo. Encontraram-se dois artigos de Santa Catarina, enquanto os estados da Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, apresentaram apenas um artigo cada.
Considerando o critério número de autores, observou-se que apenas dois artigos eram de autoria única. Dos 22 artigos de autoria múltipla, a maioria (N=19; 63,6%) eram intra-institucionais, ou seja, autores atuando em uma mesma instituição, enquanto que três (36,4%) eram interinstitucionais, isto é, realizado por autores de diferentes instituições.
Outro critério classificatório utilizado no presente estudo envolveu os temas estudados pelos 24 artigos selecionados. Tais temas foram arranjados em cinco grupos de acordo com as semelhanças temáticas (Tabela 2) por meio de consenso entre os autores. O grupo temático Processo de Avaliação Psicológica, que apresentou a maior frequência, foi abordado em 21,22% (N=7) dos artigos, enquanto os grupos Saúde do trabalhador e Aspectos Organizacionais em 27,27% (N=9) cada, seguidos da categoria Processos psicológicos básicos e Empregabilidade/desemprego, que foram investigados em 12,12% (N=4) dos artigos, cada grupo, apresentando a menor frequência.
Ressalta-se que foram mantidas as nomenclaturas utilizadas pelos autores, por exemplo, no grupo Processos psicológicos básicos, os temas inteligência e raciocínio inferencial foram contabilizados separadamente. Em especial, vale destacar os temas qualidades psicométricas e validade de testes usados em seleção de pessoal do grupo temático Processos de avaliação psicológica. Em qualidades psicométricas foram incluídos estudos que avaliaram as qualidades psicométricas dos testes, enquanto validade de testes usados em seleção de pessoal refere-se a um estudo que investigou o conhecimento de psicólogos que atuavam em seleção de pessoal sobre o conceito de validade e a interferência desse conceito na escolha dos testes utilizados por esses profissionais. Além disso, como os artigos poderiam abordar mais de um tema simultaneamente o número de temas encontrados foi superior ao número de artigos.
Uma vez abordando somente os artigos relacionados a trabalhos empíricos, foi vislumbrado também o tipo de amostra estudada, isto é, se clientes de empresas, estudantes universitários, funcionários com ou sem cargos de chefia, tendo sido utilizada a mesma nomenclatura que os autores. Esses resultados foram reunidos em nove grupos, de acordo com as funcionalidades das profissões. Cabe destacar que somente um estudo ressaltou a amostra de universitários como "universitários que trabalham", não tendo sido observada essa diferenciação nos outros três artigos que utilizaram amostra de estudantes. Além disso, funcionários de empresas foi o grupo presente em maior número de artigos representando 22,30% (N=6) dos artigos analisados. Alguns artigos trabalharam com mais de um tipo de público, assim, o número contabilizado nesse tópico é superior ao número de artigos analisados. Estes resultados podem ser visualizados na Tabela 3.
Em relação ao critério "idade da amostra", foram encontradas as mais variadas faixas etárias, sendo que, no geral, a idade mínima foi de 16 e a máxima, de 70 anos, considerando todos os 10 artigos cujos autores apresentaram esta informação, uma vez que 14 trabalhos (58,3%) não a especificaram. No que diz respeito ao tipo de empresa, procurou-se diferenciar se as empresas onde foram aplicados os instrumentos de pesquisa eram de caráter privado, público ou misto. Do total de 24 artigos analisados, nove não especificaram o tipo de empresa, oito eram de empresas públicas, cinco de caráter privado e duas de caráter misto.
Quando categorizados os artigos se qualitativo ou quantitativo, aproximadamente a metade (N=11; 45,8%) se referiram a trabalhos de caráter quantitativo, enquanto que 12 possuíram caráter qualitativo, e um artigo, ambos. Também foi avaliado o tipo de referência utilizada nos artigos, sendo encontrados livros ou capítulos de livros, artigos e teses ou dissertações. Houve predominância de utilização de livros em 16 (66,67%) trabalhos e de artigos em 8 (33,33%). A média de livros utilizados por estudo foi de 10,09 (DP= 5,55) variando de zero à 28, enquanto de artigos foi de 7,59 (DP= 6,05) variando de zero à 20, e de teses foi igual a 1,67 (DP= 1,30), variando entre zero e cinco. Destaca-se que duas publicações não utilizaram artigos e uma não utilizou livros ou capítulos de livros.
Em relação ao critério "instrumento utilizado para a coleta de dados" buscou-se pontuar quais as formas de levantamento de dados utilizadas. No caso, se por dados documentais, diários de campo, entrevistas, questionários ou testes psicológicos. Estes últimos dados são vislumbrados na Tabela 4.
Após essa classificação elencou-se os testes psicológicos, no total de 14, nos nove artigos que os utilizaram (Tabela 5). Dentre esses instrumentos encontram-se cinco que se referem a traços de personalidade EFEx, EFS, ESAFE, Teste Warteg e 16 PF; dois relacionados ao estresse, EVENT e ISSL, três de inteligência, BPR-5, RIn e Teste V2.0, e por fim, na área de empregabilidade, atenção ao cliente, avaliação ao cliente incógnito e avaliação de desempenho, um de cada. Dos 14 testes utilizados, apenas cinco são aprovados pelo SATEPSI e apenas um deles, a EVENT, está diretamente relacionada ao contexto do trabalho.
Por fim, verificou-se em cada artigo a presença da descrição de dados psicométricos dos testes psicológicos utilizados, na seção "instrumentos". Dos nove artigos que empregaram testes psicológicos, cinco apresentaram informações psicométricas na descrição de seus instrumentos.
Discussão e Considerações Finais
O objetivo deste estudo foi verificar o estado da arte da avaliação psicológica no contexto do trabalho disponibilizadas na base PePSIC entre 2000 e 2009. Ressalta-se que, isoladamente, pareceria que ambas as áreas tem vivenciado um momento de retomada na produção nacional após período de ostracismo que perdurou por boa parte da segunda metade do século passado. Tal afirmativa está de acordo com o apontado por Sisto, Sbardelini e Primi (2001), mas vai de encontro ao apontado por Borges-Andrade (2002). Nesse sentido, sugere-se que o mesmo delineamento de pesquisa seja estendido a décadas anteriores de produção científica na mesma base de dados, a fim de comparar se a produção na área, de fato, teve um acréscimo substancial ou não. Ainda, a realização de uma análise qualitativa do material ora identificado possibilitará uma visão panorâmica da área em questão.
Deve ser destacado também que embora estudos de revisão pareçam apontar para um gradativo crescimento na produção e ampliação dos temas investigados, os resultados ainda têm sido considerados insatisfatórios, principalmente pelo reduzido número de trabalhos publicados. De fato, estudos realizados em outras bases de dados verificaram que a quantidade de artigos que abordava a avaliação psicológica foi bastante pequena (Barroso, 2010; Souza Filho, Belo & Gouveia, 2006; Suehiro et al., 2007; Suehiro & Rueda, 2009; Toneto et al., 2008). No que se refere à interseção entre avaliação psicológica e a Psicologia aplicada ao trabalho os resultados em termos percentílicos foram semelhantes aos encontrados por Tonetto et al. (2008) e superiores aos de Suehiro et al. (2007), não sendo, contudo, menos preocupantes, haja vista o reduzido número de trabalhos.
Junto a isso, confirmou-se a concentração da produção na região sudeste, principalmente em São Paulo (Barroso, 2010; Souza Filho, Belo & Gouveia, 2006; Suehiro et al., 2007; Suehiro & Rueda, 2009), apesar de que, ao avaliarem a produção em Psicologia do trabalho e organizacional, Toneto et al. (2008) tenham encontrado maior produção na região centro-oeste. Deve ser destacado que esse resultado pode ter sido influenciado pelo fato da presente pesquisa ter sido realizada em uma base de dados diferente da pesquisada de Toneto et al. (2008), os quais investigaram a produção científica da base de dados SciELO e da revista Psicologia: Organizações e Trabalho, no período de 2001 a 2005.
Quando os artigos foram agrupados por temas verificou-se que as categorias denominadas Saúde do trabalhador e Aspectos organizacionais foram as mais frequentes. Outros estudos também têm salientado o interesse por temas relacionados à saúde do trabalhador, além de outros temas como percepção e comunicação, comprometimento, desempenho profissional, comportamento gerencial, e estudos organizacionais (Borges-Andrade et al., 1997, citado por Toneto et al., 2008; Toneto et al., 2008). Mas, isso não se refletiu nos testes psicológicos usados, pois os artigos avaliados utilizaram-se mais de outros métodos da avaliação psicológica, como diário de campo e entrevistas, quando comparado aos testes psicológicos. Além disso, dentre esses, encontrou-se poucos testes que avaliavam construtos específicos do trabalho, como empregabilidade, cultura organizacional e estresse laboral, sendo mais frequentes aqueles que avaliavam personalidade e inteligência, temas agregados na categoria com menor número de artigos e denominada como Processos básicos. Esse achado, provavelmente não está relacionado ao método utilizado na presente pesquisa, mas sim aos apontamentos de Pasquali (1999) e Pereira, Primi e Cobêro (2003), que afirmam serem poucos os instrumentos válidos e específicos para o contexto da Psicologia do trabalho.
Noronha, Primi e Alchieri (2005) identificaram que testes de aptidão, inteligência e personalidade, construtos tradicionalmente avaliados em seleção de pessoal, encontram-se entre os mais conhecidos e utilizados pelos psicólogos. Verificando a lista de instrumentos psicológicos publicados no SATEPSI, percebe-se a ausência de testes voltados, por exemplo, à saúde do trabalhador e aspectos organizacionais, ao passo que inteligência e personalidade possuem, respectivamente, 12 e 11 testes que podem ser utilizados no contexto de seleção, de um total de 108 aprovados e divulgados em uma lista atualizada em Agosto de 2009. Salienta-se que dentre os 14 instrumentos empregados, somente cinco constam no sistema SATEPSI como aprovados para comercialização e uso do psicólogo e somente um possuía o contexto do trabalho como seu foco (SATEPSI, 2009).
Ao lado disso, a categoria Processo de avaliação psicológica, que englobou, dentre outros, temas relacionados à psicometria, foi a terceira, das cinco categorias encontradas. De maneira geral, foram poucas as publicações encontradas que investigaram as qualidades psicométricas dos testes psicológicos, mas essas pesquisas refletem o esforço em ampliar o número de estudos e revitalização da área verificado nas últimas décadas (CFP, 2001, 2003).
Segundo Chiodi e Wechsler (2008) o momento atual da avaliação psicológica no Brasil centraliza-se na discussão sobre instrumentos válidos e confiáveis, destacando-se a construção e validação de testes nacionais tendo em vista a carência de instrumentos com qualidades psicométricas apropriadas à população brasileira. A baixa frequência no uso de testes psicológicos em pesquisas além de sua concentração em alguns temas, como inteligência e personalidade, construtos com vários testes disponíveis, pode ser reflexo da carência de testes psicológicos que atendam à necessidade dos pesquisadores. Desta forma, a demanda aponta para estudos psicométricos com vistas à construção e validação de testes que avaliem construtos de interesse da área.
A variedade de temas encontrados, desde cultura organizacional, estresse laboral, avaliação psicológica, validade de testes usados em seleção, saúde/doença, comportamentos antissociais, desempenho no trabalho, satisfação do cliente, dentre outros, refletiu na variedade dos participantes estudados. Embora as amostras compostas por universitários tenha sido o segundo grupo mais investigado, refletindo talvez algum tipo de dificuldade de acesso nas empresas e a opção metodológica por uma amostra de conveniência, a maioria de participantes foi denominada genericamente de funcionários, o que talvez seja reflexo de maior interesse dos psicólogos que atuam no contexto organizacional e mais amplo acesso a empresas com fins de desenvolvimento de pesquisas.
Um ponto que merece destaque é a presença expressiva de estudos com amostras compostas por psicólogos, sendo docentes, clínicos, psicólogos organizacionais, dentre outros. Eles tinham por objetivo analisar como o profissional compreende e lida com a área organizacional ou seu conhecimento sobre avaliação psicológica. Esse interesse de pesquisa está em consonância com discussões sobre a qualidade da formação em Psicologia, preocupação de docentes e pesquisadores de diversas áreas. Em avaliação psicológica, estudos como o de Pereira, Primi e Cobêro (2003) e Noronha, Primi e Alchieri (2005) acusam o desconhecimento de conceitos básicos e apontam a má formação em avaliação psicológica e a falta de atualização como seus responsáveis.
Embora este estudo tenha avaliado apenas uma base de dados, o PePSIC, os resultados apresentados encontram-se de acordo com outros artigos de metodologia semelhante que avaliaram outras bases de dados, como por exemplo a SciELO e a CAPES, além da produção de revistas específicas. A análise dos resultados encontrados pôde demonstrar que embora o interesse nacional em relação à avaliação psicológica no contexto do trabalho tenha aumentado, ainda é evidente a carência de produção em relação ao tema, sendo necessários outros tipos de artigos que possam suprir as necessidades ainda vigentes.
Diante do exposto, algumas conclusões podem ser alinhavadas. Inicialmente observou-se a escassez da produção relacionada à avaliação psicológica no contexto do trabalho. Desse modo, evidenciase a necessidade da ampliação de estudos, em um primeiro momento, que objetivem a construção e validação de testes psicológicos, principalmente em temas de maior interesse da área como saúde do trabalhador e aspectos organizacionais. Mas isso não desabona a carência de estudos específicos para a validação de testes psicológicos utilizados na seleção de pessoal, já que é necessário que os testes possuam evidências de validade para cada uso e população que se propõe avaliar (Pasquali, 1999). Assim, além de estudos ampliando os temas investigados também se destaca a necessidade dos testes, cujas qualidades psicométricas estejam sob foco de investigação, sejam validados para profissões específicas.
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Endereço para correspondência:
Prof. Dr. Makilim Nunes Baptista
Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade São Francisco.
Rua Alexandre Rodrigues Barbosa, 45 - Centro
CEP 13251-900 – Itatiba/SP
E-mail: makilim.baptista@saofrancisco.edu.b
Recebido em Abril de 2011
Revisto em Julho de 2011
Aceito em Outubro de 2011