SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.13 número3Sintomas de hiperatividade e déficit de atenção em uma amostra de crianças escolares BrasileirasCoping e redes de apoio de casais sobreviventes ao câncer cervical índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Contextos Clínicos

versão impressa ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.13 no.3 São Leopoldo set./dez. 2020

 

ARTIGOS

 

Relação entre pais e filhos adolescentes quanto ao uso das mídias digitais

 

Relationship between parents and adolescent children regarding the use of digital media

 

 

Cristian Fátima PicciniI; Cristofer Batista da CostaII; Cláudia Mara Bosseto CenciIII

IFaculdade Meridional (IMED)
IIFaculdades Integradas de Taquara (FACCAT)
IIIFaculdade Meridional (IMED)

Correspondência

 

 


RESUMO

As mídias digitais (MD) desencadearam mudanças nas relações familiares e têm preocupado os pais devido ao uso excessivo e as dificuldades para supervisão dos filhos. O objetivo deste estudo foi investigar como as MD incidem na relação entre pais e filhos adolescentes. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, exploratória e descritiva com 12 tríades (N=36), formadas pelo casal e o filho adolescente. Os participantes foram selecionados por conveniência, responderam um questionário sociodemográfico e uma entrevista semiestruturada. Os dados da entrevista foram submetidos à análise temática através da qual emergiram dois temas: (1) dinâmica relacional de pais e filhos acerca das MD: benefícios e riscos, e (2) estratégias utilizadas pelo subsistema parental no manejo das MD. Os resultados revelam que as MD são importantes mediadoras comunicacionais nas relações entre pais e filhos. As estratégias utilizadas pelos pais envolvem tentativas de controle e supervisão do uso que os filhos fazem das mídias e se associam à dinâmica relacional de condutas restritivas e pouco reflexivas entre os membros do sistema familiar. Portanto, dificuldades, benefícios e riscos no uso das MD podem ser indicativos de como as interrelações familiares ocorrem.

Palavras-chave: relações pais-filho; adolescente; tecnologia da informação.


ABSTRACT

The digital media (DM) have triggered changes in family relationships and has concerned parents due to overuse and difficulties in the supervision of their children. Therefore, the aim of this study was to investigate how DM affects the relationship between parents and adolescent children. It is a qualitative, exploratory and descriptive research with 12 triads (N=36), formed by the couple and the adolescent son. The participants were selected by convenience, answered a sociodemographic questionnaire and a semi-structured interview. The interview data were submitted to thematic analysis through which two themes emerged: (1) relational dynamics of parents and children about DM: benefits and risks and (2) strategies used by the parental subsystem in the management of DM. The results reveal DM are important communicational mediators in the relationship between parents and children. The strategies used by parents involve attempts to control and supervise their children's use of technologies. These strategies are mainly associated with the relational dynamics of restrictive and poorly reflective behaviors among members of the family system. Therefore, difficulties, benefits and risks in the use of DM can be indicative of how family relationships occur.

Keywords: parent-child relations; adolescent; information technology.


 

 

Introdução

A internet é uma ferramenta cada vez utilizada pelas pessoas chegando a 80,4% do total de casas no Brasil (IBGE, 2018). Especificamente, as mídias digitais (MD) estão cada vez mais presentes no cotidiano familiar (Carvalho, Francisco, & Relvas, 2015; Carvalho, Fonseca, Francisco, Bacigalupe, & Relvas, 2016; Maidel & Vieira, 2015). Conforme definição da American Psychological Association (2019), as mídias digitais são o "conjunto de dispositivos, formatos e métodos de comunicação que transmitem quaisquer conteúdos digitalizados via sinal digital, desde softwares até redes sociais, aplicativos e dispositivos como smartphones e tablets" (p. 235).

As mídias digitais articulam-se a fatores sociais, culturais, políticos e econômicos que interagem no cenário sociocultural a fim de produzir modificações na vida em sociedade (Melo & Ribeiro, 2016; Velloso, 2014). Nomeadamente, a comunicação no contexto interacional das famílias experimenta transformações, muitas das quais ocorrem ao longo dos ciclos de vida familiar em função de regras e valores que precisam ser alterados (Boechat, 2017). Assim, o uso das MD amplia o espectro relacional (Matos & Ferreira, 2013; Ontiveros, 2015), embora hábitos aparentemente inofensivos relacionados ao uso das mídias possam converter-se algumas vezes em riscos para os usuários (Carvalho et al., 2015; McDaniel & Radesky, 2018; Williams & Merten, 2011).

Na pesquisa TIC Domicílios de 2018 verifica-se que 39% da população brasileira usava a internet em 2009 e passou para 70% em 2018. Além disso, 86% da população com idade entre nove e dezessete anos é usuária de internet. Esse avanço está relacionado à redução dos custos de acesso à rede, à difusão das conexões móveis por meio do telefone celular, à expansão das redes WiFi públicas e ao surgimento de plataformas digitais em dispositivos móveis.

O acesso à rede nos domicílios também tem sido influenciado pela rápida expansão do uso da internet pelo telefone celular. A pesquisa TIC Kids Online Brasil de 2018 indica que 83% da população investigada reportou ter assistido vídeos, programas, filmes ou séries on-line. Em 2018, verificou-se que 82% das crianças e adolescentes com idade entre nove e dezessete anos tinham perfil nas redes sociais. O aplicativo WhatsApp foi a plataforma mais utilizada pelo público infanto-juvenil chegando a 72% e superando pela primeira vez o Facebook com 66%. Já o Instagram foi a plataforma com o maior crescimento em relação ao número de perfis criados por crianças e adolescentes, aumentando de 36% em 2016, para 45% em 2018 (Comitê Gestor de Internet no Brasil [CGI], 2018).

Soma-se a isso o fato de que a adolescência é a fase do desenvolvimento mais desafiadora para o indivíduo e para a família (Stengel, 2011; Zappe & Dell'aglio, 2016). Os adolescentes passam por transformações biológicas, físicas, cognitivas e emocionais, estão em processo de consolidar traços de personalidade e ajustar relações interpessoais (Dias, 2015; Ernst et al., 2003; Santrock, 2014). Nesse período, o jovem transfere gradativamente a dependência concentrada na família para o grupo de amigos, como forma de conquistar autonomia, entre outros anseios (McGoldrick & Shibusawa, 2016).

Nesse sentido, o uso excessivo das MD pode gerar dependência tecnológica nos adolescentes (Kalaitzaki & Birtchnell, 2014; Li, Dang, Zhang, Zhang, & Guo, 2014), e desencadear um contexto de vulnerabilidade que se acentua nessa fase do desenvolvimento em que há uma predisposição natural à vivência de novas experiências relacionais com o grupo de iguais (Zappe & Dell'aglio, 2016). Acrescenta-se o fato de os adolescentes estarem mais familiarizados com o mundo digital, dispondo de recursos cada vez mais sofisticados para interagir virtualmente, distanciando-se das interações familiares (Le Breton, 2017; Martínez, Miralles, & González, 2012).

Além disso, as relações em famílias com membros adolescentes têm seu status modificado pelos processos de individuação e autonomia que redefinem os modos de se relacionar intra e intergeracionalmente (Rial, Gómez, Braña, & Varela, 2014). O subsistema parental, por exemplo, é aquele que mais necessita flexibilizar suas regras, já que se refere às atividades realizadas por pais e mães para cuidar e educar seus filhos, além de promover a socialização. O subsistema filial, por sua vez, refere-se ao aprendizado sobre negociação, cooperação, competição e socialização, inicialmente com o sistema familiar e posteriormente com os demais sistemas sociais (McGoldrick & Shibusawa, 2016). No que se refere ao uso das MD, um fenômeno contemporâneo em relação aos jovens e seus pais ocorre cronologicamente em um mesmo período de tempo, mas repercute diferentemente para cada grupo, já que a geração mais jovem tende a ter mais habilidade em relação ao uso das MD que os pais, avós e demais membros dessas duas gerações anteriores (Carvalho et al., 2015).

Em pesquisa realizada nos Estados Unidos no ano de 2019 foram entrevistados quinze díades constituídas por pais e filhos com o objetivo de analisar os relatos intergeracionais acerca da comunicação familiar por meio das MD. Os resultados indicaram que pais e filhos convergem e divergem em suas percepções acerca da função e das características do uso das MD. Para os autores, a comunicação familiar por meio das MD não é diferente da interação familiar presencial caracterizada por complexidade, contradições e ambivalências. Defendem que o uso das MD marca mudanças significativas na vida familiar que poderão fortalecer ou enfraquecer os laços afetivos, isso porque o aumento na frequência e na densidade da comunicação pode aprofundar sentimentos ambivalentes e exacerbar momentos de proximidade e distância entre os membros da família. Além disso, pode prejudicar a qualidade da comunicação já que as interações presenciais são breves, porém, de melhor qualidade porque são menos sujeitas às interferências externas (Barrie, Bartkowski, & Haverda, 2019).

Através de uma revisão da literatura de estudos publicados entre 1998 e 2013 sobre a relação entre as MD e o funcionamento familiar, percebe-se que o Brasil não produziu pesquisa acerca do fenômeno até 2013, embora tenha havido um aumento expressivo de estudos empíricos sobre o referido tema (Carvalho et al., 2015). Os principais resultados da revisão apontaram falta de consenso quanto à prevalência de aspectos positivos ou negativos das MD sobre determinadas dimensões da vida familiar, como por exemplo, a comunicação, a coesão, os papéis, regras e limites e sobre o gap intergeracional entre pais e filhos, já que variações podem estar associadas ao estágio de desenvolvimento em que a família se encontra.

Considerando que o uso das MD tem crescido exponencialmente (World Internet Users Statistics, 2020), e se tornado um elemento quase que central na vida das pessoas (Carvalho et al., 2016), e diante da escassez, inconsistência e heterogeneidade dos resultados encontrados no contexto de pesquisa internacional (Akyıl, Bacigalupe, & Üstünel, 2017; Bacigalupe & Bräuninger, 2017; Carvalho et al. 2015), investigar e aprofundar a reflexão acerca dos impactos que o seu uso pode provocar sobre o funcionamento familiar mostra-se oportuno e relevante (Barrie et al., 2019). Pesquisas podem contribuir para a identificação do que é sinalizado efetivamente como adaptativo ou problemático em relação ao manejo das MD por cada família e sobre o seu impacto qualitativo, ou seja, na interação entre os membros do sistema familiar (Carvalho et al., 2015; Şenormanci, Şenormanci, Güçlü, & Konkan, 2014; Teruel & Bello, 2016).

Embora a literatura científica sobre o tema das MD e da dinâmica familiar explore o fenômeno considerando os diferentes estágios do ciclo vital, o fazem comumente sob a perspectiva de apenas um grupo, por exemplo, pais, filhos, avós (Carvalho et al., 2016). Ainda, os estudos empregam predominantemente método quantitativo (Akyıl et al., 2017; Kalaitzaki & Birtchnell, 2014; Li et al., 2014; Maidel & Vieira, 2015; Rial et al., 2014; Şenormanci et al., 2014; Williams & Merten, 2011), de modo que estudos qualitativos, principalmente aqueles em que são entrevistados múltiplos informantes de um mesmo grupo familiar, são escassos no Brasil e podem contribuir para a obtenção de um panorama mais completo dos processos familiares relacionados ao uso das MD (Barrie et al., 2019). Esse panorama, obtido através de mais fontes de evidências (perspectiva de pais e filhos), é relevante para a validade dos achados das pesquisas qualitativas porque possibilita a triangulação dos dados. O presente estudo teve como objetivo investigar como as mídias digitais incidem na relação entre pais e filhos adolescentes.

 

Método

Delineamento

Trata-se de uma pesquisa qualitativa e de corte transversal, com delineamento exploratório e descritivo (Creswell, 2014). O estudo qualitativo busca estudar o significado da vida das pessoas nas condições contextuais reais (Yin, 2016).

Participantes

A definição do número de participantes considerou o critério de saturação dos dados (Guest, Bunce, & Johnson, 2006). Os critérios de inclusão para a participação na pesquisa foram: (a) casais casados oficialmente e/ou coabitantes que tivessem filho ou filha adolescente, independentemente de raça, religião, idade, orientação sexual, tempo de relacionamento e nível socioeconômico-cultural; (b) adolescentes do gênero feminino ou masculino com idade entre 12 e 18 anos, filhos biológicos ou adotados de casais que constituíssem famílias de primeira união. Os critérios de exclusão envolveram: (a) casais casados oficialmente e/ou coabitantes em que um ou ambos os cônjuges tivessem somente filhos adolescentes provenientes de outros relacionamentos; (b) casais com filhos adolescentes com algum tipo de psicopatologia (American Psychological Association [APA], 2019), ou doença incapacitante (Organização Mundial da Saúde [OMS], 2018), e (c) adolescentes cujos pais não pudessem participar da pesquisa e casais cujos filhos adolescentes não pudessem participar da pesquisa.

Por meio do questionário sociodemográfico foi possível traçar o perfil aproximado das 12 tríades familiares (N=36), formadas pelo casal e um filho adolescente, participantes deste estudo. A idade dos pais variou de 38 a 70 anos (M= 49,92; DP=7,87), e a idade das mães variou de 36 a 52 anos (M= 44,92; DP=5,23). Os casais têm um ou dois filhos, sendo pelo menos um adolescente. A renda familiar, na maior parte dos casos, provém do homem e é superior a dez salários mínimos (n=8). A maior parte dos pais e mães respondentes têm escolaridade de nível superior (n=19), sendo que a grande maioria possui título de especialista, ou seja, possui concluída uma pós-graduação lato senso. A idade dos adolescentes variou de 12 a 17 anos (M= 13,92; DP=1,92), sendo a maioria do gênero feminino (n=9) e estudantes do ensino fundamental incompleto (n=7).

 

Tabela 1

 

Instrumentos

a) Questionário sociodemográfico. Utilizando-se de uma versão para os pais e outra para os adolescentes, os questionários abordaram questões como: idade, escolaridade, número de filhos/irmãos, renda familiar, frequência, tempo de uso e modalidade da MD (telefone móvel, telefone fixo, computador, notebook, smartphone, internet, e-mail, tablet, redes sociais, e-book, videoconferência, videojogos, outros - especificar).

b) Entrevista semiestruturada. Composta por três questionamentos abertos e norteadores, a entrevista com os pais abordou: (a) Como ocorre a comunicação entre pais e filho adolescente em relação às MD, (b) Percepção das dificuldades na relação com seu filho adolescente em relação às MD, (c) Percepção dos benefícios e riscos do uso das MD na relação com seu filho adolescente. Da mesma forma, o roteiro de entrevista semiestruturada realizada com os adolescentes abordou as seguintes questões norteadoras: (a) Como ocorre a comunicação entre o adolescente e seus pais em relação às MD, (b) Percepção das dificuldades na relação com os pais acerca do uso que faz das MD, (c) Percepção de benefícios e riscos do uso das MD na relação com os pais.

Procedimentos de coleta de dados

Os primeiros participantes foram acessados por meio da indicação de membros do grupo de pesquisa, critério de conveniência, e posteriormente por meio da técnica Snowball (Vinuto, 2014). O contato iniciou por telefone, ocasião em que foram explanados o tema e os objetivos da pesquisa, bem como a necessidade de participação dos filhos adolescentes destes casais. A partir do aceite, as entrevistas foram agendadas e ocorreram no horário estipulado pelos participantes em suas residências, por decisão deles.

No dia da entrevista, os participantes receberam orientações acerca de como ocorreria a coleta, puderam esclarecer possíveis dúvidas, ler e assinar os termos, sendo que o casal assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, TCLE, e o adolescente, o Termo de Assentimento, TA. Após a assinatura dos termos foi solicitado ao adolescente que aguardasse em outro ambiente da casa enquanto era realizada a entrevista com os pais conjuntamente, iniciando-se pelo preenchimento do questionário sociodemográfico. Sequencialmente, o mesmo procedimento foi realizado com o adolescente, solicitando-se dessa vez aos pais que aguardassem em outro ambiente. O procedimento separado com os pais e o adolescente visou garantir a privacidade dos respondentes e que estes se sentissem mais confortáveis ao falar sobre temas da vida familiar. O procedimento de coleta de dados de cada tríade familiar durou aproximadamente 60 minutos. Todas as entrevistas foram realizadas pela primeira autora do estudo, foram gravadas em áudio e transcritas em sua totalidade.

Procedimentos éticos

A presente pesquisa teve parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Faculdade Meridional, IMED, CAAE: 99616718.3.0000.5319. Além disso, os procedimentos seguiram o que consta na Resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde e, conforme lia-se no termo de consentimento livre e esclarecido, a pesquisa oferecia riscos mínimos, tais como, constrangimento e vergonha ao serem abordados temas relacionados à dinâmica familiar. Os participantes foram informados de que receberiam suporte psicológico se alguma dificuldade emergisse desencadeada pela participação no estudo, poderiam encerrar sua participação na pesquisa sem quaisquer prejuízos e ter acesso aos resultados da pesquisa.

Análise de dados

Os dados provenientes do questionário sociodemográfico foram utilizados com a finalidade de compreender a realidade social das famílias participantes e o seu envolvimento com as mídias digitais. Os dados das entrevistas foram transcritos e submetidos à análise temática que foi conduzida manualmente pela primeira e segunda autoras do artigo. Nesse método, busca-se identificar, relatar e organizar os dados através dos seguintes passos: (1) Familiarizar-se com os dados: leitura repetida do material; (2) Gerar códigos iniciais: codificação de assuntos que emergiram das entrevistas; (3) Pesquisar temas que emergiram das entrevistas; (4) Rever temas potenciais que emergiram das entrevistas, revisá-los e agrupá-los por semelhança de assunto; (5) Definir e nomear os temas diferenciando-os; e (6) Produzir o relatório: descrever os temas como resultados para discussão (Braun & Clarke, 2012).

 

Resultados e Discussão

Conforme levantamento realizado por meio do questionário sociodemográfico, os membros do núcleo familiar possuem, pelo menos, um notebook, utilizado por todos da família. As MD mais utilizadas pelos pais são internet, telefone móvel, e-mail, redes sociais e smartphone, sendo o uso para fins de comunicação e lazer. Os adolescentes fazem uso diário da internet, principalmente redes sociais, telefone móvel e smartphone. A mídia digital mais utilizada por cada família foi o critério para designar cada grupo familiar que participou do presente estudo.

Evidenciou-se que o diálogo e a participação dos pais na vida dos filhos adolescentes são considerados relevantes pelos participantes da pesquisa. Entretanto, esse diálogo ocorre através das mídias digitais que fazem parte do contexto familiar. Por meio da análise temática realizada no presente estudo emergiram dois temas que explicitam essas questões relacionais e que serão apresentadas e discutidas nesta seção. A primeira foi denominada "Dinâmica relacional de pais e filhos acerca das MD: Benefícios e riscos" e a segunda denominada "Estratégias utilizadas pelo subsistema parental no manejo das MD". Além disso, a presente seção está organizada sempre em uma mesma sequência: (1) contextualizamos teoricamente a especificidade dentro do tema, (2) discutimos o dado em questão, e (3) exemplificamos através do relato de um ou mais participantes o conteúdo que emergiu da análise temática e que originou a discussão.

Dinâmica relacional de pais e filhos acerca das MD: Benefícios e riscos

As mídias aceleram a comunicação entre as pessoas, porém, podem dificultar a codificação dos conteúdos por meio da digitalização e da comunicação em redes (Barrie et al., 2019; Velloso, 2014). Os participantes referiram estabelecer diálogo no contexto familiar sobre as mídias digitais. Os pais expõem aos filhos seus valores, crenças, preocupações e temores frente ao mundo digital. Os filhos adolescentes solicitam privacidade aos pais, respeito às suas decisões, almejando autonomia e independência, conforme relata o adolescente da família Internet "Aqui em casa cada um respeita a privacidade do outro. O que precisar conversar a gente conversa, mas sempre sem invasão. Nunca: 'ah! Vou pegar o celular e ler as mensagens', porque eu acho que isso que gera conflitos". Quando o diálogo está pautado no respeito, a relação entre pais e filhos se torna harmoniosa, como verbaliza a adolescente da família YouTube:

"Acho que a gente tem uma relação bem aberta sobre isso (MD), lógico, nunca invasiva. Eu acho que isso evita ter conflito aqui em casa. Eu acho que é supertranquilo, o que precisar conversar, a gente sempre conversa. Nunca acontece de 'ah, vou pegar seu celular e ler as mensagens', porque eu acho que isso que gera os conflitos".

Entretanto, nem sempre o diálogo é harmonioso ou resolutivo, indicando contradições e ambivalências, conforme apontado por Barrie et al. (2019). A mãe da família Tik Tok refere ter se tornado chata de tanto falar sobre os cuidados que a filha deve ter ao usar as MD. Ela refere: "Na verdade, diariamente a gente tem falado sobre esse assunto. Daí a chata aqui fala diariamente. Eu chego a me cansar da minha própria voz inclusive. Às vezes eu fico pensando: 'como eu me tornei chata'!".

Alguns pais, na intenção de minimizar possíveis conflitos, se eximem de sua posição de autoridade deixando de estabelecer limites, valendo-se somente das orientações quanto aos valores e práticas tradicionais por meio das quais educam seus filhos (Stengel, 2011). Porém, a maturação para a tomada de decisão e o controle dos impulsos não se apresenta consolidada na adolescência e, por isso, eles necessitam da autoridade dos pais (Ernst et al., 2003; Zappe & Dell'aglio, 2016).

Acostumar-se com a presença constante do smartphone e com a exposição da filha adolescente pode representar um recuo dos pais no acompanhamento e na criação de limites nessa fase do desenvolvimento (Barrie et al., 2019). Esses são aspectos que podem ser observados na verbalização da mãe da família Facebook ao ser questionada sobre as principais dificuldades na interação com a filha adolescente em relação às MD:

"As amizades, a gente não sabia com quem ela ia falar. A gente tinha bastante medo de deixar ela usar o smart. Sempre se orientou no cuidado com a exposição e a gente percebe que as meninas têm aquele apego às fotos, tudo tem que postar, foto pra cá, foto pra lá. A gente conversa muito, explica e com o smartphone a gente acabou se acostumando".

Observou-se diferença de pontos de vista acerca das MD entre pais e filhos, integrantes de grupos geracionais distintos. O acesso diferenciado da díade parental e dos filhos aos recursos digitais pode provocar uma mudança nos padrões relacionais em termos de hierarquia entre os grupos, já que os filhos adolescentes têm mais familiaridade e habilidade de manejo das MD, tal como indicou a revisão de literatura conduzida por Carvalho et al. (2015). Um exemplo dessa realidade se observa na seguinte verbalização da mãe da família Facebook: "A gente não deu [referindo-se à MD], ela ganhou da minha mãe [avó materna], novo, um smartphone, e a gente não dominava assim o que era, não sabia o que poderia representar tudo aquilo, o acesso que tinha. Quando eu vi ela já tinha instalado o Instagram, ela já usava os aplicativos". Ainda, o domínio da MD por parte dos filhos pode ser percebido através do relato da filha da família Instagram, quando ela refere que criou um perfil no aplicativo Instagram para sua mãe: "Eu que fiz o Instagram para minha mãe [risos]".

O gap geracional evidencia amplo conhecimento por parte dos adolescentes e um parco conhecimento dos adultos no que se refere às MD. Os pais são impactados diante das novidades, bem como das dificuldades e do sentimento de inaptidão para tal tarefa. Dessa forma, deixam os filhos livres para usar e, muitas vezes, fazem deles responsáveis por pesquisar e ensinar os próprios pais a utilizar as mídias, provocando uma inversão de papéis que pode ser confundido com maturidade e adultez precoces dos adolescentes (Carvalho et al., 2015; Le Breton, 2017; Martínez et al., 2012). Trata-se de uma dinâmica que pode ser potencializada pelo consumismo e excesso de autonomia concedida aos filhos mediante o desconhecimento dos pais e provocar a fragilização da autoridade parental.

Constatou-se, no relato dos pais, confiança conferida aos filhos adolescentes a partir de orientações sobre o uso cuidadoso das MD, necessidade de falar abertamente sobre o que está acessando, respeito e obediência às regras familiares. Tais práticas potencializam a autonomia dos filhos, uma vez que não existem limites claros de tempo para uso das MD, tampouco, qualquer conhecimento acerca dos conteúdos acessados pelos filhos. Uma relação pautada na confiança, conforme se observa em famílias com adolescentes tardios, de quinze a dezessete anos, é ilustrada na fala do pai da família Candy Crush: "A gente não tem nenhum tipo de controle, ou seja, cada um usa dentro do seu interesse. Ninguém fiscaliza. É na confiança mesmo de que está acessando o que deve acessar". Muitas vezes os pais contam exclusivamente com as orientações repassadas aos filhos, deixando de realizar um controle mais rigoroso do uso das mídias digitais.

Apesar das múltiplas possibilidades de utilização das tecnologias em geral, a casa corresponde ao lugar mais comum para o uso das mídias por parte dos adolescentes (Maidel & Vieira, 2015). A utilização das MD produz na família a ideia de que o contexto virtual é um espaço para produzir e transmitir saberes entre gerações e, principalmente, melhorar a comunicação entre pais e filhos quando estes não estão em casa. São os pais quem, muitas vezes, apresentam aos filhos a cultura digital, mas acabam perdendo o controle ao interromper o monitoramento em relação ao uso das MD pelos filhos. Também existem famílias que deixam a cargo dos jovens aprender e regular suas atividades digitais, pois os pais trabalham e lhes falta tempo para acompanhar os filhos (Teruel & Bello, 2016).

Os adolescentes cresceram em meio as redes sociais e dispositivos móveis (Le Breton, 2017). Por isso, o conservadorismo, a inflexibilidade e a rigidez dos pais pode impossibilitá-los de acompanhar a inovação. A familiarização por parte dos pais acerca das mídias pode promover interlocução intergeracional a fim de orientar os filhos adolescentes sobre os benefícios e os riscos que as MD podem suscitar. São condutas no subsistema parental que podem gerar aproximação e contribuir para o desenvolvimento de um clima de confiança e cooperação entre pais e filhos (Teruel & Bello, 2016). A verbalização da adolescente da família Telefone Móvel ilustra esse aspecto ao ser questionada sobre a percepção de benefícios e riscos do uso das MD na relação com os pais: "A mãe tem celular, só que ela só sabe fazer ligação mesmo e não quer aprender o resto, porque senão ela fala que se ela aprender, ela vai ficar muito viciada no celular e não vai fazer o serviço".

Outros benefícios do uso das MD por pais e filhos envolvem a comunicação por mensagens via aplicativo WhatsApp, seguido da interação familiar através de debates derivados de pesquisas realizadas na internet. A coesão na família, no que se refere à utilização das mídias, pode ser um importante moderador para distinguir riscos de benefícios (Carvalho et al., 2015; Williams & Merten, 2011), já que pode facilitar a reaproximação dos membros da família.

Os pais entrevistados identificam benefícios decorrentes do uso das MD na relação parento-filial, estes que podem ser identificados nos seguintes relatos: "Eu acho que um ponto positivo é isso aí que ela aprende com facilidade e depois passa pra gente" (Pai da família WhatsApp). A mãe da família Candy Crush aponta para o celular e verbaliza: "É uma forma de estar conectado com o mundo e sabendo o que está acontecendo, é um caminho de trazer assuntos para a família, conversar todos juntos. Melhora a comunicação". A mãe da família Videoconferência corrobora o exposto: "Ele nos avisa quando ele sai, quando ele chega, quando ele chega nos lugares". E o pai da família Videojogos conclui: "A gente fica mais seguro, né. Eu acho que a melhor coisa que tem é a comunicação".

O aplicativo WhatsApp foi citado pelos pais como facilitador para o controle dos horários dos filhos. Tal comunicação otimiza a rotina diária das famílias e favorece uma relação amistosa entre pais e filhos. O debate em família, a partir de conteúdos assistidos por pais e filhos em sites de pesquisa na internet proporciona momentos de interação, trocas de informação e conhecimento e aproximação entre os membros da família contribuindo à superando de possíveis distâncias entre as gerações (Carvalho et al., 2015; Le Breton, 2017; Martínez et al., 2012).

Os riscos relatados pelos pais se referem à preocupação que sentem em desconhecer o teor dos conteúdos acessados pelos filhos adolescentes na internet e à dificuldade para monitorar suas atividades online. Eles também se preocupam com o caráter das pessoas com as quais seus filhos se comunicam através da internet, o que tende a gerar conflito entre pais e filhos. A verbalização da mãe da família WhatsApp ilustra esse aspecto: "A gente fala pra ela [filha] cuidar com quem ela conversa nesses grupinhos, porque tem coisas assim que eu não faço nem ideia que existe". E o pai da família WhatsApp complementa:

"O alerta do conhecimento, né, o alerta de pessoas com outras intenções na verdade que usam a internet para começar a conversar com adolescentes. Então nós falamos para alertar ela [filha] dos perigos da internet, né, mas eu entendo que é difícil de você persuadir, conseguir fazer ela entender que a coisa é perigosa mesmo".

Os pais possuem papel fundamental na utilização da internet pelos jovens e buscam saber se os amigos com quem os filhos se comunicam são aqueles com quem convivem presencialmente nos diversos contextos ou se são desconhecidos com quem mantêm uma relação estritamente virtual. Nesse sentido, a supervisão dos pais em relação ao uso da internet torna-se essencial para minimizar os riscos (Matos & Ferreira, 2013; Williams & Merten, 2011).

Outro risco relatado pelos pais refere-se ao excesso de tempo que os filhos despendem nos aplicativos de comunicação e nas redes sociais, tópico que se torna motivo de conflitos familiares. O uso excessivo das MD em casa pode potencializar o isolamento de cada membro do núcleo familiar, aumentar a comunicação e a conectividade com o ambiente externo e reduzir a intimidade e a proximidade no ambiente doméstico (Williams & Merten, 2011).

Além disso, estilos parentais permissivos e negligentes e falta de coesão familiar podem estar associados à presença de uma dependência online em jovens (Kalaitzaki & Birtchnell, 2014; Li et al., 2014). Nesse sentido, dosar o tempo de contato com as mídias de todos os integrantes do núcleo familiar e supervisionar o acesso dos filhos às MD, de acordo com a idade, pode ser um primeiro passo para o uso responsável e adequado das MD (Şenormanci et al., 2014; Williams & Merten, 2011).

Os riscos relatados pelos pais são exemplificados nos seguintes relatos: "Acho que muitas vezes a quantidade de horas de uso prejudica né" [pai da família videojogos]; "É difícil a gente ter aqueles minutos de tempo junto. Agora o tempo é para ficar no celular! É uma coisa difícil ela soltar" [pai da família WhatsApp]; "O isolamento é o pior, com certeza é o isolamento. Por exemplo, a gente está aqui no quarto, mas se a gente estivesse lá na sala, o outro vai lá para a outra peça, o outro vai lá para outra e quando a gente vê tá sozinho. A convivência diminuiu bastante nas famílias" [pai da família Instagram]; "Cada um está clicando num canto. Está todo mundo em casa, mas ninguém está conversando. Os nossos filhos nesse verão não entraram nenhuma vez na piscina, estávamos só nós dois na piscina [mãe da família Instagram referindo-se a ela e ao esposo]".

Assim como os pais possuem suas preocupações com relação aos riscos de uso das MD, os adolescentes também possuem ressalvas. As características do funcionamento de alguns sistemas familiares podem estar deflagrando conflitos velados, uma vez que se refere sentimentos negativos como ansiedade e irritabilidade frente ao uso excessivo das MD pelos pais (Barrie et al., 2019). Isso pôde ser observado na verbalização da adolescente da família You Tube: "Foi o uso excessivo por parte deles [pais], mas hoje a gente lida bem com essa situação e não acontece mais. " A adolescente da família WhatsApp relatou: "A gente estava conversando em família e eles pegavam o celular e acabavam não dando tanta atenção pra conversa e eu ficava irritada, ansiosa".

Estratégias utilizadas pelo subsistema parental no manejo das MD

As dificuldades referidas pelos pais entrevistados estão relacionadas ao controle do tempo de uso das MD e ao conteúdo acessado e postado pelos filhos e pelas pessoas com as quais eles interagem, conforme foi apresentado no tema anterior. Como estratégia para controlar o acesso às MD, os pais utilizam a restrição de tempo (Şenormanci et al., 2014; Williams & Merten, 2011). Eles acreditam que limitando o tempo de uso os filhos estarão menos suscetíveis aos perigos da internet.

O excessivo uso das MD no cotidiano das famílias pode gerar o isolamento dos filhos adolescentes e afastamento entre pais e filhos (Martínez et al., 2012). Educar na sociedade da informação não se associa exclusivamente à investir em um aparelho tecnológico, mas ensinar os filhos a como usá-lo. Pais familiarizados com as MD facilitarão o desenvolvimento de uma relação mais estreita com os adolescentes, enquanto pais pouco familiarizados tendem a não se envolver com esse aspecto da vida dos filhos e deixá-los sem supervisão e limites quanto ao uso das MD (Li et al., 2014).

Os pais participantes da pesquisa utilizam regras e combinações com seus filhos para o uso das MD no ambiente familiar. Tais combinações são estabelecidas nas famílias com adolescentes de doze a quatorze anos. Nas famílias com adolescentes com idade entre quinze e dezessete anos as regras e os contratos são escassos e o controle acerca do acesso quase inexiste. Isso pode ser observado na verbalização da mãe da família Notebook referindo-se à filha de doze anos: "Ela não pode deixar de fazer as coisas, vamos pensar assim, no ano letivo, todos os compromissos têm que ser feitos antes de usar o celular. E não é só isso, no almoço está proibido usar celular". A mãe da família Tik Tok corrobora a mãe da família Notebook sobre a filha de treze anos: "Até no banheiro agora a gente cortou né, porque às vezes ela sumia e eu descobria que ela estava no banheiro. Então agora ela está proibida de entrar no banheiro com o celular".

Os adolescentes de doze e treze anos referiram cumprir as regras estabelecidas pelos pais quanto ao uso das mídias, conforme refere o adolescente da família Videojogos: "Quando chega a hora de eu parar de jogar, que acabou o tempo, né, daí eu paro". Os pais das famílias com adolescentes tardios, entre quinze e dezessete anos, referiram regras mais flexíveis ou a inexistência delas, deixando a cargo do próprio adolescente o controle sobre o uso das mídias, conforme relato da mãe da família Facebook: "Nós não temos por hábito limitar o tempo de uso. Ela tem bastante liberdade em relação tanto ao telefone quanto ao computador e todos os meios de internet".

Os pais da família Candy Crush verbalizaram não ter estabelecido regras quanto ao uso de MD no núcleo familiar e relataram ausência de monitoramento à filha de quinze anos: "A gente não tem nenhum tipo de controle, ou seja, cada um usa dentro do seu interesse. Ninguém fiscaliza. É mesmo na confiança de que está acessando o que deve acessar. Aí pelo que ela nos informa, a gente sabe mais ou menos que tipo de gostos ela tem de busca na internet".

O empenho dos pais na aprendizagem e manejo das ferramentas digitais em família, educando os filhos por meio da responsabilidade e não da restrição, pode favorecer uma relação de confiança entre pais e filhos. Converter o ambiente familiar em um espaço digital democratizado, com regras estabelecidas e respeito entre os membros, torna-se fundamental para que a convivência em família seja adequada (Carvalho et al., 2015; Teruel & Bello, 2016).

A gestão da relação pais-filhos constitui um desafio para todos, e a liderança dentro da família precisa permanecer sob o domínio dos pais conservando a verticalidade nas relações familiares. Porém, relativizar essa verticalidade, ampliando a negociação e a flexibilidade das regras e dos contratos familiares mostra-se necessário. A separação e a autonomia configuram-se como processos salutares dessa etapa, tanto para os adolescentes como para os pais, equilibrando as exigências do sistema familiar e os desejos e objetivos pessoais de cada membro. Relações entre pais e filhos pautadas no diálogo e na negociação de regras quanto ao uso das MD podem proteger os adolescentes de comportamentos de risco e do desencadeamento de adições digitais (Kalaitzaki & Birtchnell, 2014; Li et al., 2014).

Algumas condutas dos adolescentes acerca do uso que fazem das MD e a dificuldade dos pais no manejo das dificuldades e facilidades se justificam pela fase do ciclo vital. A psicologia busca definir a adolescência não somente em relação ao desenvolvimento físico, sexual e psíquico, mas considera o contexto histórico-social e cultural no qual ela se produz (Dias, 2015; Ernst et al., 2003; Santrock, 2014). Trata-se de considerar a adolescência como um momento de reorganização simbólica e afetiva que resultará na constituição de si pela emancipação relativa da família (Le Breton, 2017). Nesse sentido, a mãe da família WhatsApp relata: "É claro que a gente gostaria que ela [filha, treze anos] não tivesse senha no celular, que a gente pudesse pegar e olhar, só que com treze anos é bem difícil, né". A mãe da família Videoconferência refere: "Mas também eu entendo que tem a ver com a adolescência, né".

As estratégias utilizadas pelo subsistema parental no manejo das MD envolvem tentativas de controle e supervisão. Tais estratégias referem-se mais a uma dinâmica relacional de condutas restritivas e pouco reflexivas entre os membros do sistema familiar. As famílias, em geral, realizam suas vivências diárias acerca do uso das MD sem refletir coletivamente sobre esse uso, ou seja, não buscam debater o assunto e encontrar conjuntamente e democraticamente o manejo adequado, seguro e capaz de proteger, inclusive, as relações familiares (Barrie et al., 2019; Carvalho et al. 2015).

 

Considerações finais

O objetivo deste estudo foi investigar como as mídias digitais incidem na relação entre pais e filhos adolescentes. Evidenciou-se que a interação mediada pelas MD favorece o monitoramento parental dos filhos e proporciona mais proximidade e diálogo entre os subsistemas parental e filial. Entretanto, esta troca ocorre nos sistemas familiares em que os processos de desenvolvimento do ciclo vital foram vivenciados por meio de trocas interpessoais, predisposição para a mudança de hábitos e possibilidade de crescimento individual. Se o contexto for rígido ou excessivamente permissivo, a presença das MD pode provocar afastamento entre pais e filhos, desproteção da prole e dificuldades de comunicação principalmente pelo desconhecimento dos pais e competência dos filhos em relação às inúmeras ferramentas digitais.

Os resultados deste estudo podem contribuir para a reflexão acerca da complexa e incipiente relação entre pais, filhos e as MD, tríade que pode comprometer a qualidade das relações intrafamiliares. Evitar julgamentos e incentivar o diálogo sobre as mídias digitais pode oportunizar aproximação afetiva entre pais e filhos e promover a gestão assertiva das condutas online, além de ser um espaço de aprendizado aos pais. Por isso, reitera-se a relevância de se continuar investigando esse tema das relações familiares e as mídias, já que se trata de um fenômeno atual e ainda pouco estudado entre os pesquisadores brasileiros.

As limitações deste estudo e que podem ser superadas em pesquisas futuras referem-se à homogeneidade socioeconômica das famílias participantes da pesquisa, em sua maioria de classe social e renda média alta e nível superior de escolarização. Embora essa especificidade deva ser considerada, os resultados demonstraram que tais fatores não impediram os pais de enfrentar dificuldades de manejo com os filhos e no encaminhamento dos aspectos referentes ao uso das MD, já que são pais com acesso facilitado às mídias por disporem de recursos econômicos.

Além disso, a decisão por famílias com filhos adolescentes é uma delimitação que circunscreve os dados a uma fase específica do ciclo vital familiar. Nesse sentido, os resultados apresentados precisam ser compreendidos com cautela, considerando o atravessador da fase da adolescência que por si só é desafiadora para as famílias e os próprios adolescentes. Em outras palavras, o manejo das MD, os riscos associados ao uso inadequado e as dificuldades enfrentadas pelas famílias podem ter sido exacerbadas devido a fase do desenvolvimento. Nesse sentido, estudos futuros podem verificar se famílias em outras fases do ciclo vital passam por experiências semelhantes.

Finalmente, a pesquisa com múltiplos informantes de um mesmo grupo familiar é a principal contribuição desse estudo. Por meio da análise temática evidenciou-se diferentes percepções de pais e filhos adolescentes quando ao uso das MD e que as dificuldades, benefícios e riscos são indicativos de como as interrelações familiares ocorrem. Compreende-se que as mídias digitais incidem nas relações entre pais e filhos, porém, sua repercussão será negativa se o núcleo familiar estiver fragilizado e disfuncional, caso contrário, podem ser ferramentas úteis às demandas da vida contemporânea, aproximando pessoas de gerações diferentes, possibilitando aos pais acompanhar e proteger os filhos e a estes ensinar e atualizar os pais.

 

Referências

Akyıl, Y., Bacigalupe, G., & Üstünel, A. Ö. (2017). Emerging technologies and family: A cross-national study of family clinicians' views. Journal of Family Psychotherapy, 28(2),99-117. https://doi.org/10.1080/08975353.2017.1285654        [ Links ]

American Psychological Association [APA]. (2019). Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 7. ed. Washington, DC: APA.         [ Links ]

Bacigalupe, G., & Brauninger, I. (2017). Emerging technologies and family communication: The case of international students. Contemporary Family Therapy 39,289-300. https://doi.org/10.1007/s10591-017-9437-7        [ Links ]

Barrie, C. K., Bartkowski, J. P., & Haverda, T. (2019). The digital divide among parents and their emerging adult children: Intergenerational accounts of technologically assisted family communication. Social Sciences, 8(3),83. https://doi.org/10.3390/socsci8030083        [ Links ]

Boechat, I. T. (2017). As famílias e as tecnologias digitais: A comunicação pela articulação de vieses não antes explorados. Curitiba: Appris.         [ Links ]

Braun, V., & Clarke, V. (2012). Thematic analysis. In H. Cooper, P. M. Camic, D. L. Long, A. T. Panter, D. Rindskopf, & K. J. Sher (Eds.), APA handbook of research methods in psychology. Research designs: Quantitative, qualitative, neuropsychological, and biological (pp. 57-71). Washington, EUA: American Psychological Association.         [ Links ]

Carvalho, J., Francisco, R., & Relvas, A. P. (2015). Family functioning and information and communication technologies: How do they relate? A literature review. Computers in Human Behavior, 45,99-108. https://doi.org/10.1016/j.chb.2014.11.037        [ Links ]

Carvalho, J., Fonseca, G., Francisco, R., Bacigalupe, G., & Relvas, A. P. (2016). Information and communication technologies and family: Patterns of use, life cycle and family dynamics. Journal of Psychology & Psychotherapy, 6(1),1-3. http://dx.doi.org/10.4172/2161-0487.1000240        [ Links ]

Comitê Gestor de Internet no Brasil [CGI]. (2019). TIC Domicílios 2018: Pesquisa sobre o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação nos domicílios brasileiros. Recuperado em 20 outubro de 2020 de <http://www.lse.ac.uk/media-and-communications/research/research-projects/disto>         [ Links ]

Creswell, J. W. (2014). Research design: Qualitative, quantitative and mixed methods approaches. 4. ed. Lincoln, EUA: Sage Publications.         [ Links ]

Dias, V. C. (2015). Morando na rede: Novos modos de constituição de subjetividades de adolescentes nas redes sociais [Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Psicologia], Belo Horizonte.

Ernst, M., Grant, S. J., London, E. D., Contoreggi, C. S., Kimes, A. S., & Spurgeon, L. (2003). Decision making in adolescents with behavior disorders and adults with substance abuse. American Journal of Psychiatry, 160(1),33-40. https://doi.org/10.1176/appi.ajp.160.1.33        [ Links ]

Guest, G., Bunce, A., & Johnson, L. (2006). How many interviews are enough? An experiment with data saturation and variability. Field Methods, 18(1),59-82. https://doi.org/10.1177/1525822X05279903        [ Links ]

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE]. (2018). PNAD Contínua TIC 2017: Internet chega a três em cada quatro domicílios do país. São Paulo, SP: IBGE. Retrieved from https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/23445-pnad-continua-tic-2017-internet-chega-a-tres-em-cada-quatro-domicilios-do-pais

Kalaitzaki, A., & Birtchnell, J. (2014). The impact of early parenting bonding on young adults' internet addiction, through the mediation effects of negative relating to others and sadness. Addictive Behaviors, 39(3),733-736. https://doi.org/10.1016/j.addbeh.2013.12.002        [ Links ]

Le Breton, D. (2017). Uma breve história da adolescência. Belo Horizonte, MG: Ed. PUC.

Li, C., Dang, J., Zhang, X., Zhang, Q., & Guo, J. (2014). Internet addiction among Chinese adolescents: The effect of parental behavior and self-control. Computers in Human Behavior, 41(1),1-7. https://doi.org/10.1016/j.chb.2014.09.001        [ Links ]

Maidel, S., & Vieira, M. L. (2015). Mediação parental do uso da internet pelas crianças. Psicologia em Revista, 21(2),293-313. http://dx.doi.org/DOI-10.5752/P.1678-9523.2015V21N2P292        [ Links ]

Martínez, C. B., Miralles, R. M., & González, R. O. (2012). El riesgo de adicción a nuevas tecnologías en la adolescencia: ¿Debemos preocuparnos? Formación Médica Continuada en Atención Primaria (FMC), 19(9),519-520. https://dialnet.unirioja.es/ejemplar/327859        [ Links ]

Matos, M. G., & Ferreira, M. (2013). Nascidos digitais: Novas linguagens, lazer e dependências. Lisboa, Portugal: Coisas de Ler.         [ Links ]

McDaniel, B. T., & Radesky, J. S. (2018). Technoference: Parent distraction with technology and associations with child behavior problems . Child Development, 89(1),100-109 doi: 10.1111/cdev.12822        [ Links ]

McGoldrick, M., & Shibusawa, T. (2016). O ciclo vital familiar. In F. Walsh (Org.), Processos normativos da família: Diversidade e complexidade (S. M. M. Rosa, Trad., 4a. ed., pp. 375-398). Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Melo, V. A. A., & Ribeiro, M. A. (2016). Epistemologias sistêmicas e suas repercussões para a clínica da terapia familiar. [Systemic epistemologies and its repercussions for family therapy clinics]. Pensando Famílias, 20(2),149-161. Retrieved from http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-494X2016000200011        [ Links ]

Ontiveros, E. (2015). Treinta años después: Evidencias e interro-gantes. Telos: Cuadernos de Comunicación e Innovación, 100(1),34-38. Retrieved from https://repositorio.uam.es/bitstream/handle/10486/675318/Treinta_Ontiveros_TELOS_2015.pdf?sequence=1        [ Links ]

Organização Mundial da Saúde [OMS]. (2018). CID-11: Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde. Retrieved from https://icd.who.int/browse11/l-m/en        [ Links ]

Rial, A., Gómez, P., Braña, T., & Varela, J. (2014). Actitudes, percepciones y uso de internet y las redes sociales entre los adolescentes de la comunidad gallega (España). Anales de Psicología, 30(2),642-655. http://hdl.handle.net/10201/53482        [ Links ]

Santrock, J. W. (2014). Adolescência. Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Şenormanci, Ö., Şenormanci, G., Güçlü, O., & Konkan, R. (2014). Attachment and family functioning in patients with Internet addiction. General Hospital Psychiatry, 36(2),203-207. https://doi.org/10.1016/j.genhosppsych.2013.10.012        [ Links ]

Stengel, M. (2011). O exercício da autoridade em famílias com filhos adolescentes. Psicologia em Revista, 17(3),502-521. https://doi.org/10.5752/P.1678-9563.2011v17n3p502        [ Links ]

Teruel, D. S., & Bello, M. A. R. (2016). Riesgos y potencialidades de la era digital para la infancia y la adolescencia. Revista Educación y Humanismo, 18(31),186-204. https://doi.org/10.17081/eduhum.18.31.1374        [ Links ]

Velloso, F. (2014). Informática: Conceitos básicos. 9. ed. Rio de Janeiro, RJ: Elsevier.

Vinuto, J. (2014). A amostragem em bola de neve na pesquisa qualitativa: Um debate em aberto. Temáticas, 22(44),203-220. Retrieved from https://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/tematicas/        [ Links ]

Williams, A. L., & Merten, M. J. (2011). Family: Internet and social media technology in the family context. Family and Consumer Sciences Reseach Journal, 40(2),150-170. https://doi.org/10.1111/j.1552-3934.2011.02101.x        [ Links ]

World Internet Users Statistics and 2020 World Population Stats. (n.d.). Retrieved March 22, 2020, from: http://www.internetworldstats.com/stats.htm        [ Links ]

Yin, R. K. (2016). Compreendendo a pesquisa qualitativa. In R. K. Yin (Ed.), Pesquisa qualitativa do início ao fim (pp. 3-18). Porto Alegre: Editora Penso.         [ Links ]

Zappe, J. G., & Dell'aglio, D. D. (2016). Adolescência em diferentes contextos de desenvolvimento: Risco e proteção em uma perspectiva longitudinal. Psico, 47(2),99-110. http://dx.doi.org/10.15448/1980-8623.2016.2.21494        [ Links ]

Zaremba, R. S. (2014). O mundo na palma da sua mão: Reflexos do estilo de vida superconectado [Tese de Doutorado, Centro de Teologia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro], Rio de Janeiro, Brasil.

 

 

Correspondência para:
Cláudia Mara Bosseto Cenci
Rua Independência, Ed. Villa Lobos, nº 815, Sala 601, Centro
Passo Fundo, RS
E-mail: claudia.cenci@imed.edu.br

Submetido em: 08.04.2020
Aceito em: 24.11.2020

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons