Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Contextos Clínicos
versão impressa ISSN 1983-3482
Contextos Clínic vol.14 no.2 São Leopoldo maio/ago. 2021
https://doi.org/10.4013/ctc.2021.142.06
ARTIGOS
Afeto e regulação emocional entre crianças com e sem histórico de abuso sexual infantil
Affect and emotion regulation in children with and without sexual abuse history
Ana Carolina de Souza FonsecaI; Luiza Santos FerreiraII; Marilene ZimmerII; Simone dos Santos PaludoII
IUniversidade Federal do Rio Grande do Sul
IIUniversidade Federal do Rio Grande
RESUMO
O abuso sexual infantil (ASI) é um fator de risco para o surgimento de dificuldades emocionais. Diante disso, o objetivo deste estudo foi investigar o afeto positivo e negativo e as estratégias de regulação emocional em crianças de 8 a 12 anos vítimas de abuso sexual (G-ASI) e seus pares sem histórico de abuso (G-Não-ASI). Das 26 crianças participantes, 12 vivenciaram pelo menos um episódio de abuso sexual ao longo da vida, enquanto as outras 14 não foram vitimizadas. Foram utilizados os instrumentos Questionário Sociodemográfico, Juvenile Victimization Questionnaire, Teste de Compreensão das Emoções e Escala de Afeto Positivo e Negativo. Os resultados demonstraram que a média de afeto negativo das crianças vítimas de abuso sexual foi maior do que a dos participantes do outro grupo, sendo vergonha, raiva, nervosismo e tristeza os afetos mais relatados. Em relação à regulação emocional, as crianças pertencentes ao G-ASI empregaram mais frequentemente estratégias regulatórias consideradas inadequadas para a faixa etária quando comparadas ao G-Não-ASI. Os resultados sugerem que a exposição ao ASI pode contribuir em diferenças nas respostas emocionais manifestadas pelas crianças. O conhecimento destes possíveis impactos é fundamental para o desenvolvimento de intervenções clínicas alinhadas às demandas das vítimas e baseadas em evidências.
Palavras-chave: abuso sexual infantil; afeto; regulação emocional.
ABSTRACT
Child sexual abuse (CSA) is a risk factor for the emergence of emotional difficulties. As such, the aim of this study was to investigate the positive and negative affect and emotion regulation of children aged 8 to 12 victims of sexual abuse (G-CSA) and their peers without history of abuse (G-Non-CSA). Of the twenty-six participating children, 12 experienced at least one episode of sexual abuse during the life, while the other 14 were not victimized. Sociodemographic Questionnaire, Juvenile Victimization Questionnaire, Positive and Negative Affect Scale and Test of Emotion Comprehension were used. The results showed that the negative affect of children victims of sexual abuse was higher comparing with participants from the other group, shame, anger, nervousness and sadness were the most reported emotions. Regarding emotional regulation, it was found that G-CSA used more frequently regulatory strategies considered inappropriate for their age when compared to the G-Non-CSA. The results suggest that exposure to CSA may contribute in differences in the emotional responses expressed by children. The knowledge of these possible impacts is essential for the development of clinical interventions aligned to the needs of victims and based on evidence.
Keywords: child sexual abuse; affect; emotion regulation.
Introdução
O acesso a uma infância livre de violência é um direito de qualquer criança previsto nos mais diversos documentos e marcos legais produzidos no mundo. No entanto, essa não é uma realidade compartilhada por todas. A metanálise realizada com 65 artigos correspondentes a 22 países investigou a prevalência global de abuso sexual contra crianças e adolescentes em uma amostra não-clínica formada por 101.022 pessoas (Pereda, Guilera, Forns & Gómez-Benito, 2009). A média foi de 7,9% para o sexo masculino e 19,7% para o feminino, sendo essa diferença estatisticamente significativa (p < 0,05). Em virtude da extensão do fenômeno e dos prejuízos provocados na saúde das vítimas, a Organização Mundial da Saúde caracterizou o Abuso Sexual na Infância (ASI) como um problema de saúde pública (OMS, 1999).
O ASI é definido como a interação sexual entre crianças e indivíduos que se encontram em estágio psicossexual superior ao da vítima. Esse tipo de violência pode ocorrer com ou sem contato físico e tem como finalidade a gratificação sexual do agressor (OMS, 2017). O contexto de ocorrência também tende a variar, já que no ASI intrafamiliar o agressor possui algum grau de parentesco com a criança e no extrafamiliar o abuso se dá fora da família (Brasil, 2021). A literatura especializada aponta que, geralmente, os casos de ASI ocorrem no contexto familiar e são perpetrados por alguém vinculado à criança. Em relação ao gênero das vítimas, os dados aludem que as meninas costumam ser mais vitimizadas do que os meninos (Brasil, 2019).
Dessa forma, além de desrespeitar direitos básicos como liberdade, respeito e dignidade previstos na Lei nº 8.069/1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, a exposição ao ASI é um fator de risco para o desenvolvimento de dificuldades de diferentes ordens (Demirci, 2018). Por exemplo, algumas crianças abusadas sexualmente reportam sintomas internalizantes e externalizantes. Dentre os transtornos associados a esse tipo de violência, o Transtorno de Estresse Pós-Traumático tem se manifestado em notável proporção nas vítimas (Hébert, Langevin, & Oussaïd, 2018). Transtornos de ansiedade, depressão, distúrbios alimentares e autolesão também foram correlacionados à experiência de abuso sexual (Steine et al., 2017). Cabe destacar, contudo, que a identificação dos casos de ASI deve ser cuidadosa e não se pautar somente nos sintomas mencionados em função da sua heterogeneidade e da existência de diferentes mediadores, como as características pessoais e familiares, a duração, a regularidade, a relação com o agressor, a manutenção do segredo e a revitimização (Schaefer, Brunnet, Lobo, Carvalho & Kristensen, 2018).
Em paralelo com a possibilidade de surgimento de quadros psicopatológicos, as vítimas estariam mais propensas a apresentar dificuldades na regulação emocional e no processamento afetivo (Hébert et al., 2018). O afeto é composto pelas respostas afetivas emitidas automaticamente e divide-se em positivo e negativo. O afeto positivo retrata o grau de entusiasmo e prazer, enquanto o afeto negativo é uma esfera geral da angústia, abarcando estados de humor hostis como raiva, culpa e medo (Watson, Clark & Tellegen, 1988). A regulação emocional corresponde aos mecanismos pelos quais os indivíduos gerenciam suas emoções de modo a atingir objetivos. Os processos de regulação emocional podem ser conscientes ou inconscientes, automáticos ou controlados e incluem habilidades e estratégias para monitorar, avaliar e modificar as reações emocionais (Gross & Thompson, 2007). A desregulação emocional, por sua vez, resulta da dificuldade em gerenciar adequadamente as emoções (Leahy, Tirch, & Napolitano, 2013).
Devido ao fato das condições ambientais na infância serem cruciais para definir o modo como se dará a regulação dos afetos (Tani, Pascuzzi, & Raffagnino, 2018), o ASI tem sido indicado como preditor de problemas emocionais (Heleniak, Jenness, Stoep, McCauley, & McLaughlin, 2016; Young & Widom, 2014). Na comunidade científica internacional, as estimativas indicam consistentemente a presença de níveis intensos de tristeza, vergonha, culpa e estresse como decorrentes da exposição ao abuso sexual (You, Talbot, He, & Conner, 2012; Young & Widom, 2014). Em relação à regulação das respostas emocionais, constata-se uma considerável associação entre a ocorrência de experiências traumáticas na infância e dificuldades na regulação adequada das emoções, bem como com o surgimento de transtornos psiquiátricos (Demirci, 2018; Hébert et al., 2018; Horan & Widom, 2015).
Na esfera nacional, estudos também têm se dedicado a investigar as sequelas ocasionadas pelo ASI. Algumas publicações se propuseram a analisar empiricamente os aspectos emocionais e comportamentais em vítimas de abuso sexual (Borges & Dell'Aglio, 2008; Serafim, Saffi, Achá, & Barros, 2011) enquanto outras investigaram a sintomatologia em crianças e adolescentes através de laudos oriundos de perícias psiquiátricas e psicológicas (Silva, Gava & Dell'Aglio, 2013). Complementarmente, são encontrados trabalhos que avaliaram retrospectivamente variáveis emocionais, como a regulação emocional, em mulheres com histórico de abuso sexual na infância (Krindges & Habigzang, 2018). Apesar do reconhecimento das consequências nocivas do ASI no desenvolvimento, ainda se constata uma escassez de estudos empíricos nacionais que especifiquem as principais emoções e as respostas emocionais manifestadas pelas crianças a partir de uma análise comparativa entre grupos de vítimas e não-vítimas.
Nesse sentido, pesquisas que avaliem as condições emocionais de crianças que vivenciaram situações de abuso sexual são necessárias para a compreensão dos mecanismos envolvidos nesse fenômeno (Capella, Gutiérrez, Rodríguez & Gómez, 2018). As emoções são componentes essenciais que orientam um vasto conjunto de decisões e condutas ao longo da vida, por isso a sua especificação através da investigação científica pode fornecer ferramentas para a condução de intervenções clínicas qualificadas (Hanson & Wallis, 2018). Além da instrumentalização professional para o atendimento de crianças e adolescentes, evidências sobre o tema contribuem para a implementação de políticas de educação e de prevenção direcionadas à comunidade geral (Calza, Dell"Aglio & Sarriera, 2016). Diante disso, o objetivo do presente estudo foi avaliar o afeto positivo e negativo e as estratégias de regulação emocional em crianças de 8 a 12 anos vítimas de abuso sexual e seus pares sem histórico de abuso sexual.
Método
Delineamento e participantes
Trata-se de um estudo transversal e exploratório realizado com 26 crianças com idades entre 8 e 12 anos acessadas por conveniência e matriculadas entre o 3º e o 7º ano do ensino fundamental. Desse total, 12 participantes vivenciaram pelo menos um episódio de abuso sexual infantil (G-ASI), enquanto os outros 14 não foram expostos a esse tipo de violência ao longo do desenvolvimento (G-Não-ASI). O primeiro grupo foi composto por 12 crianças atendidas em um Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) com média de idade de 9,5 anos (DP = 1,9), sendo 9 meninas e 3 meninos. O segundo grupo foi formado por pares com idade média de 8,9 anos (DP = 0,7), estudantes de uma escola pública e selecionados por conveniência. Dentre eles, 9 pertenciam ao sexo feminino e os outros 5 ao sexo masculino.
Os critérios de inclusão para o primeiro grupo foram: ter vivenciado pelo menos um episódio de violência sexual; ter idade entre 8 e 12 anos; estar sendo acompanhado no CREAS; ter permissão do adulto responsável mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e ter assentimento da criança através da assinatura do Termo de Assentimento. Para a composição do segundo grupo o critério não ter sido exposto à violência sexual ao longo da infância foi incluído, seguido de ter permissão do responsável e das assinaturas no TCLE e no Termo de Assentimento.
Instrumentos
1) Questionário Sociodemográfico: Foi elaborado para este estudo e aplicado para a categorização de aspectos sociodemográficos dos participantes, como idade, sexo e escolaridade. A questão sobre o vínculo com o agressor foi incluída apenas na coleta de dados com o grupo formado por crianças vítimas de abuso sexual.
2) Juvenile Victimization Questionnaire: Construído nos Estados Unidos por Hamby, Finkenhor, Ormord e Turner (2004), traduzido e validado para o português por Furlan (2013). Foi empregado para filtrar os casos de abuso sexual na amostra e obter informações sobre o tipo de abuso. O JVQ avalia situações de vitimizações desde a infância até a adolescência através de entrevista com pais ou cuidadores de crianças dos dois aos oito anos ou por meio do questionário autoaplicado. O instrumento é composto por 34 questões com respostas de "sim" ou "não" que investigam a ocorrência de diferentes tipos de vitimização. Para este estudo foi considerado apenas o crivo referente à violência sexual e a formulação de algumas perguntas foi adaptada de modo a não vitimizar ou revitimizar os participantes. Em trabalhos prévios o instrumento apresentou consistência interna de 0,88 (Azeredo et al., 2020), enquanto neste a consistência interna encontrada foi de 0,92.
3) Teste de Compreensão das Emoções (TEC): Construído no Reino Unido por Pons e Harris (2000) e aprimorado por Pons, Harris e Rosnay (2004). O instrumento foi validado para a população brasileira por Roazzi, Dias, Minervino, Roazzi & Pons (2008). O TEC propõe-se a avaliar nove componentes da competência emocional em crianças: reconhecimento, causas externas, desejos, crenças, lembrança, regulação, emoções mistas e moralidade. Neste trabalho foi considerado apenas o componente relativo à regulação emocional. A avaliação desse construto ocorre através da exposição de uma história na qual a personagem experiencia tristeza. A seguir, solicita-se que a criança indique qual recurso a personagem pode utilizar para sentir-se menos triste. O instrumento oferece opções de resposta referentes a diferentes maneiras de enfrentar a situação que provoca uma emoção desagradável: engano ou ilusão por meio da ação de cobrir os olhos; comportamental através do ato de se afastar para esquecer o problema; mental que consiste em pensar em algo diferente e empregar esforços cognitivos para aliviar a emoção; e, por último, acreditar que nada pode ser feito. De acordo com a literatura, as estratégias regulatórias cognitivas (mudanças no pensamento, reformulação cognitiva, distração, imaginação, negação, etc) empregadas para o manejo das emoções tendem a surgir a partir dos 8 anos (Flavell, Flavell & Green, 2001; Pons et al., 2004). A resposta considerada correta nesse teste, de acordo com a faixa etária dos participantes, é a estratégia de regulação emocional denominada mental ou cognitiva. A análise dos dados se deu através da porcentagem de acertos pontuados por cada grupo. O índice de consistência interna encontrado por outros autores variou de 0,67 a 0,80 (Farina & Belacchi, 2014; Minervino, Dias, Silveira, & Roazzi, 2010) e neste estudo foi de 0,65.
4) Escala de Afeto Positivo e Negativo (PANAS) - Instrumento de autorrelato usado na avaliação do bem-estar infantil construído e validado no Brasil por Giacomoni e Hutz (2006), com índice de consistência interna de 0,90. É composto por 34 itens, distribuídos em uma escala de afeto positivo e outra de afeto negativo. Cada escala é constituída por 17 itens que avaliam os níveis de afeto positivo e negativo em crianças de 7 aos 12 anos de idade. Abrangem palavras correspondentes às emoções contempladas nas duas dimensões afetivas como alegre, forte, interessado, animado, culpado, amedrontado, irritado, triste. A escala de respostas é do tipo Likert de 5 pontos, sendo (1) nem um pouco; (2) um pouco; (3) mais ou menos; (4) bastante; (5) muitíssimo. A criança deve responder o quanto ela está experienciando cada emoção ultimamente. As médias de afeto positivo e negativo acima de 3 podem ser avaliadas como altas, visto que a escala varia em 5 pontos. Na amostra do presente estudo a consistência interna foi de 0,83.
Procedimentos éticos e de coleta de dados
O estudo foi conduzido de acordo com os pressupostos das Resoluções 466/12 e 510/16 do Conselho Nacional de Saúde, que regulamentam a pesquisa com seres humanos. O projeto foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o parecer nº 18/2019. Após a aprovação pelo Comitê de Ética foi solicitada permissão ao CREAS e à escola municipal de ensino fundamental para a realização da coleta de dados. A concordância das instituições foi formalizada mediante assinatura do Termo de Anuência. Ambos os locais indicaram possíveis participantes e o contato com os responsáveis foi priorizado na sequência.
Em um primeiro momento foram agendadas entrevistas individuais com os responsáveis pelas crianças indicadas pela equipe do CREAS que estavam em atendimento no local. O CREAS é uma unidade pública estatal e tem como finalidade prestar acompanhamento psicossocial às famílias e aos indivíduos que tiveram seus direitos violados (Brasil, 2005). Na entrevista agendada com cada família, foram expostos os objetivos e solicitada a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido aos pais que autorizaram a participação de seus filhos. Após, foi feito o contato com as crianças para a realização do convite e a assinatura do Termo de Assentimento. Todos aceitaram colaborar com o estudo e os termos foram assinados em duas vias, ficando uma com o responsável pela criança e a outra com a pesquisadora. No mesmo dia, foi realizada a coleta de dados em um cômodo do serviço que dispunha de infraestrutura adequada. A aplicação dos instrumentos ocorreu individualmente para evitar a exposição dos participantes, de forma anônima e em aproximadamente 30 minutos.
Para a composição do grupo de crianças que não vivenciou situação de abuso sexual foi agendada uma reunião com a equipe diretiva da escola municipal. A equipe informou um grupo de alunos que, a priori, não possuía histórico de abuso sexual e se adequava aos critérios de inclusão. Após a reunião, entrou-se em contato com os responsáveis legais pelas crianças para o agendamento de uma reunião presencial com cada um. Nesse encontro foram apresentados os objetivos da pesquisa aos responsáveis e realizados questionamentos para examinar o seu conhecimento quanto a não exposição dos filhos a situações de vitimização sexual. Todos concordaram com a participação das crianças e assinaram o TCLE. O próximo passo consistiu em um encontro individual com cada criança autorizada pelos responsáveis, em data previamente agendada com a escola, com o intuito de convidá-las a participar. As crianças aceitaram colaborar e assinaram o TALE e os instrumentos foram aplicados no mesmo dia. A coleta de dados ocorreu em uma sala da escola com infraestrutura adequada. Os instrumentos foram aplicados individualmente, de forma anônima e dentro de aproximadamente 30 minutos.
Análise de Dados
Os dados foram analisados através do Statistical Package for the Social Sciences (SPSS Inc., Chicago, Illinóis, Estados Unidos) versão 20.0. A análise consistiu em procedimentos descritivos e análises de frequência das variáveis sociodemográficas e dos dados advindos do Juvenile Victimization Questionnaire e do Teste de Regulação Emocional. Por conta do tamanho da amostra, a comparação entre os resultados dos dois grupos na Escala de Afeto Positivo e Negativo foi calculada através do Teste U de Wilcoxon-Mann-Whitney. Adotou-se um p < 0,05 como nível de significância crítico para as análises.
Resultados
O Juvenile Victimization Questionnaire e o questionário sociodemográfico foram os instrumentos utilizados para identificar o ASI e algumas características relacionadas aos episódios, como a existência ou não de contato físico e o contexto onde ocorreu. As respostas fornecidas pelos 14 participantes do G-Não-ASI e seus familiares indicaram que as crianças não vivenciaram situações de abuso ao longo da infância. Já as 12 crianças pertencentes ao G-ASI encaminhadas para atendimento no CREAS confirmaram a ocorrência de abuso sexual com contato físico em todos os casos. Os dados ainda ilustram que em 10 casos do G-ASI o abuso foi perpetrado por alguém próximo à vítima, como mostra a Tabela 1. Assim, os resultados reportam maior prevalência de abuso intrafamiliar.
Quanto aos resultados obtidos na Escala de Afeto Positivo e Negativo, verificou-se que os participantes do G-ASI apresentaram médias que podem ser avaliadas como altas, visto que a escala possui variação de 5 pontos. Para comparar os níveis de afeto entre os dois grupos foram realizadas análises através do Teste U de Wilcoxon-Mann-Whitney. Os resultados revelaram uma diferença estatisticamente significativa no afeto negativo (p < 0,001) experienciado entre os participantes dos dois grupos. Observou-se a presença de afetos negativos elevados nos participantes do G-ASI quando comparados aos do G-Não-ASI. Os afetos negativos mais recorrentes foram: vergonha, fúria, nervosismo, tristeza e mágoa. Em relação aos afetos positivos, não foram encontradas diferenças (p = 0,06) entre os dois grupos (Tabela 2). Contudo, foi encontrada diferença significativa quanto ao afeto positivo manifestado pelas meninas e pelos meninos (p = 0,03).
O Teste de Compreensão das Emoções foi aplicado nos dois grupos para identificar possíveis diferenças na regulação emocional de crianças vítimas de abuso sexual. A regulação emocional é o sexto componente avaliado pelo instrumento e corresponde aos esforços empregados para lidar com as experiências emocionais intensas. Os resultados do teste estão descritos na Tabela 3.
Conforme ilustrado nas análises de frequência, 7 (58%,3) das 12 crianças vítimas de abuso sexual optaram por estratégias comportamentais para regular emoções desagradáveis. Por outro lado, 9 (64,3%) das 14 crianças que não vivenciaram ASI utilizaram estratégias regulatórias cognitivas. As diferenças nos resultados do TEC demonstram que a maioria das crianças vítimas de abuso sexual entrevistadas neste estudo adotaram estratégias regulatórias distintas daquelas que não foram expostas ao ASI. A estratégia comportamental, considerada inadequada para a faixa etária dos participantes, foi utilizada de forma mais frequente pelas crianças do G-ASI, enquanto a estratégia cognitiva, tida como a opção correta para a correção do instrumento, foi mais empregada pelos integrantes do G-Não-ASI.
Discussão
O presente estudo investigou os níveis de afeto positivo e negativo e as estratégias de regulação emocional em crianças de 8 a 12 anos vítimas de abuso sexual e seus pares sem histórico de abuso sexual. Os resultados encontrados apontaram o predomínio de meninas no G-ASI. O dado está em consonância com as informações nacionais que classificam o abuso sexual contra meninas como mais recorrente (Rates, Melo, Mascarenhas, & Malta, 2015). Dentre as 86.837 denúncias de violação de direitos registradas no ano de 2019 pelo Programa Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes (Brasil, 2019), através do Disque Direitos Humanos (Disque 100), o percentual que apresentou maior diferença entre as vítimas do sexo masculino (18%) e feminino (82%) foi o índice de violência sexual. Destaca-se que, apesar dessa iniciativa, a prevalência dos casos de abuso ainda é de difícil conhecimento devido ao elevado número de subnotificações (Stoltenborgh, Alink, Bakermans-Kranenburg & Van Ijzendoorn, 2015).
Em relação às características dos episódios de ASI, constatou-se através da aplicação do JVQ que a maioria das crianças foi exposta ao abuso com contato físico. Ao contrário do observado nos resultados, uma pesquisa suíça cujo objetivo foi avaliar os efeitos do abuso sexual com e sem contato físico em uma amostra de 6.751 adolescentes constatou que o ASI sem contato físico ocorreu em maior escala. No entanto, ao avaliar a qualidade de vida e o ajustamento psicológico, os achados revelaram que ambos acarretaram repercussões negativas nas vítimas, evidenciando o caráter nocivo de todos os tipos de abuso sexual (Landolt, Schnyder, Maier & Mohler-Kuo, 2016). Talvez o fato de todos os casos de ASI alcançados neste estudo envolverem contato físico reflita o desenho metodológico escolhido, tendo em vista que os casos analisados estavam em atendimento em um serviço especializado.
Os dados referentes ao vínculo da vítima com o agressor também estão de acordo com as estimativas divulgadas pelo Ministério da Saúde através do boletim epidemiológico da violência sexual (Brasil, 2018). A análise de tópicos relacionados à violência demonstrou que 69,2% dos casos ocorreram na residência das vítimas (Brasil, 2018). Do mesmo modo, dentre as 17.830 notificações reportadas ao Disque 100 em 2019, 73% dos registros ocorreram na casa da vítima ou do agressor e em 40% dos casos foram perpetradas pelo pai ou padrasto (Brasil, 2019). Desse modo, observa-se consenso nos levantamentos nacionais quanto a maior incidência de abuso sexual intrafamiliar. Este tipo de abuso possui um funcionamento complexo, pois o agressor tende a beneficiar-se do seu papel de cuidador para iniciar e manter as práticas abusivas, tornando as vítimas um grupo vulnerável à revitimização (Dias, Veloso, Habigzang, Dell'Aglio & Magalhães, 2015). Além disso, conforme exposto na Tabela 1, todos os agressores referidos pertenciam ao sexo masculino, corroborando os dados epidemiológicos que apontam os homens como agressores em 87% das denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes no último ano (Brasil, 2019).
Devido à gravidade do tema, o ASI tem sido associado a modificações no processamento afetivo e nas experiências emocionais (DeCou & Lynch, 2019). Diante disso, a Escala de Afeto Positivo e Negativo foi aplicada com o intuito de investigar possíveis alterações emocionais em crianças que vivenciaram ASI. Como visto, os resultados revelaram que a média de afeto negativo foi significativamente maior entre as crianças vítimas. Os escores estão em conformidade com as evidências que indicam o aparecimento de níveis intensos de afetos negativos como decorrentes da exposição ao abuso sexual na infância (Krindges & Habigzang, 2018; Young & Widom, 2014). A relação entre as variáveis foi analisada retrospectivamente com 106 mulheres vitimizadas quando crianças. Os resultados sinalizaram que a existência de tristeza, culpa e vergonha na vida adulta foi associada ao ASI e que a presença desses afetos atuou como um fator de risco para o desenvolvimento de psicopatologias (You et al., 2012).
Outros trabalhos se propuseram a investigar a intersecção entre maus-tratos na infância e o aumento da resposta da amígdala para tristeza, medo e raiva (Dannlowski, Kugel, Huber & Stuhrmann, 2013). Os resultados atestaram relação significativa entre maus-tratos na infância e excitabilidade automática da amígdala para expressões emocionais negativas, o que aumentou a vulnerabilidade para depressão (Dannlowski et al. 2013). Do mesmo modo, a pesquisa realizada por Krindges e Habigzang (2018) com mulheres abusadas na infância identificou prejuízos emocionais a longo prazo em todas as participantes. De maneira similar ao encontrado no presente estudo, foram citadas pelas vítimas emoções como raiva, vergonha, tristeza e nojo. A maior expressão de afetos negativos entre vítimas pode ocorrer porque a exposição a eventos traumáticos gera uma tendência em reconhecer emoções negativas com facilidade, já que foram experienciadas com certa constância, e, consequentemente, em expressá-las mais frequentemente (Young & Widom, 2014).
O surgimento de afetos intensos está interligado à capacidade de regulação emocional, dado que o indivíduo precisará despender recursos pessoais para manejar os estados emocionais (Leahy et al., 2013). O TEC foi aplicado com o intuito de examinar as estratégias regulatórias adotadas pelas crianças para lidar com os afetos relatados na Escala de Afeto Positivo e Negativo. Os resultados demonstraram que os integrantes do G-ASI apresentaram maneiras distintas de regular suas emoções. A estratégia comportamental, considerada inadequada pelo instrumento, foi utilizada mais frequentemente pelas vítimas. Enquanto a estratégia cognitiva, tida como esperada para a faixa etária, foi escolhida pela maioria das crianças não vítimas.
Tal entendimento se fundamenta em testes laboratorais sobre desenvolvimento cognitivo que demonstram a influência da idade no uso de estratégias de controle das emoções (Flavell et al., 2001; Pons et al., 2004). De acordo com esse panorama, crianças de 6 a 7 anos invocam geralmente recursos comportamentais de regulação emocional (exteriorização disfuncional da emoção, envolvimento em outras atividades, busca por apoio social), enquanto aquelas a partir dos 8 anos começam a reconhecer estratégias cognitivas (mudanças no pensamento, reformulação cognitiva, distração, imaginação, negação, etc) como mais eficazes (Davis, Levine, Lench, & Quas, 2010). Logo, diversos achados empíricos comunicam que crianças entre 8 e 12 anos entendem a relação entre pensamento e emoção e descrevem rotineiramente esforços cognitivos para gerenciar afetos intensos (Franco & Santos, 2015; Pons et al., 2004).
Os autores que desenvolveram o instrumento utilizado no presente estudo coadunam com essa perspectiva teórica e dividem a capacidade de compreensão e regulação emocional em três fases hierarquicamente organizadas pela faixa etária: fase externa, fase mental e fase reflexiva. A fase reflexiva, etapa correspondente aos participantes desta pesquisa, envolve a noção de emoções mistas, de emoções morais e a possibilidade de controle mental das emoções em crianças de populações ocidentais (Pons et al., 2004). No entanto, cabe ressaltar que outras variáveis podem influenciar o tipo de estratégia de regulação emocional adotada (Franco & Santos, 2015).
As divergências encontradas na forma como as crianças vítimas e não-vítimas de abuso sexual regulam as suas emoções podem estar associadas a determinantes culturais, familiares e sociodemográficos ou ainda à inexistência de habilidades não-verbais suficientes para o processamento cognitivo dos afetos (Franco & Santos, 2015). Os próprios autores do instrumento alegam que a fase reflexiva tende a surgir por volta dos 8 anos, porém pode ter início antes ou após essa idade em decorrência de características individuais e ambientais (Pons et al., 2004), o que demanda parcimônia na interpretação dos resultados e, sobretudo, no estabelecimento de causalidade entre dificuldades na regulação emocional e a ocorrência de ASI. Apesar disso, os resultados indicam um alerta de possíveis diferenças nesse componente emocional visto que a literatura revela consistentes prejuízos no processo regulatório em vítimas de ASI (Heleniak et al., 2016).
O trabalho desenvolvido com uma amostra formada por 309 crianças de 6 a 12 anos revelou que a ocorrência de ASI acarretou dificuldades severas na regulação das emoções (Hébert et al., 2018). Outra pesquisa realizada com adolescentes expostos a situações de abuso na infância comunicou maior uso de respostas regulatórias desadaptativas, como ruminação e impulsividade, entre os participantes. Ainda, a regulação problemática das emoções em decorrência da exposição a eventos estressores se encontra subjacente ao aparecimento e manutenção de problemas como depressão, ansiedade, comportamentos de risco e transtornos alimentares (Demirci, 2018).
Apesar do robusto corpo de evidências que apontam para os prejuízos ocasionados por essa experiência traumática (Pelisoli & Dell'Aglio, 2016), é imprescindível destacar que os dados obtidos exigem cautela no estabelecimento de associações causais entre as alterações emocionais observadas nas crianças e a ocorrência do abuso sexual. O desenho escolhido não é capaz de sustentar uma relação única, direta e linear entre ASI e alterações emocionais. Nessa mesma direção, outros estudos revelam a inexistência de um quadro sintomatológico único entre as vítimas de ASI (Schaefer et al., 2018; Silva et al., 2013). Por exemplo, uma pesquisa que comparou os indicadores psicológicos e comportamentais entre crianças com e sem suspeita de abuso sexual encontrou que variáveis como depressão, ansiedade, estresse pós- traumático, dissociação, cognições pós-traumáticas, raiva e comportamentos sexuais não foram discriminantes na diferenciação dos grupos (Schaefer et al., 2018).
Assim, algumas vítimas podem exprimir problemas psicológicos graves, enquanto outras não são acometidas por prejuízos tão severos ou até mesmo não os apresentam (Pelisoli & Dell'Aglio, 2016). Essas variações dependem de características pessoais da vítima e do episódio de violência, o que indica que a avaliação do ASI não deve ponderar isoladamente os sintomas e associá-los à ocorrência ou não de abuso (Silva et al., 2013). Assim, a definição do nexo causal entre ASI e sintomatologia é relevante, porém está associada a diversos desafios, tendo em vista que um funcionamento comportamental ou emocional prejudicado pode estar relacionado a outros eventos (Schaefer et al., 2018). Por outro lado, embora não exista um quadro sintomatológico único, a identificação das repercussões e sintomas emocionais possíveis nos casos de ASI possibilita avanços na compreensão do fenômeno, o que auxilia na capacitação das equipes que atuam junto a esse público e fornece elementos para a execução de atendimentos psicoterápicos sensíveis às demandas apresentadas pelas vítimas (Pelisoli & Dell'Aglio, 2016).
A psicoterapia é uma estratégia de enfrentamento eficaz para o manejo dos impactos produzidos pelo ASI (Cowan, Ashai & Gentile, 2020). Nesse cenário, investigações sobre os padrões emocionais em crianças vítimas de abuso sexual, como a realizada neste estudo, fornecem subsídios para os profissionais empregarem tais aspectos como um instrumento de trabalho na prática clínica. Ambientes terapêuticos que explorem os conteúdos emocionais relatados pelas vítimas criam um espaço seguro para se abordar os desdobramentos da situação abusiva (Capella et al., 2018). Já o desconhecimento e a desvalorização, por parte do psicoterapeuta, das emoções e respostas emocionais experienciadas pelas vítimas de ASI podem se apresentar como fatores que induzem à revitimização e à culpabilização da criança ou do adolescente, na medida em que a falta de validação adequada dos estados emocionais tende a intensificar sentimentos como culpa ou vergonha (Cowan et al., 2020). Os afetos e as estratégias regulatórias manifestados por crianças e adolescentes vítimas de ASI também devem ser considerados na administração de recursos como psicoeducação, modulação afetiva, relaxamento, processamento emocional e cognitivo e fortalecimento da rede de apoio familiar e social (Hanson & Wallis, 2018).
Essa noção se aplica, igualmente, aos demais locais que compõem a rede de proteção infantojuvenil uma vez que a habilidade dos profissionais em reconhecerem sinais emocionais e sintomas resultantes do ASI permite que as crianças sejam avaliadas com precisão e recebam os encaminhamentos adequados para atendimentos subsequentes (Hanson & Wallis, 2018). Para isso, é fundamental que os profissionais tenham acesso a informações e capacitações confiáveis sobre os possíveis desfechos do ASI (Dias et al., 2015). Adicionalmente, se faz pertinente a inclusão desses dados em programas de educação e de prevenção direcionados à comunidade geral visando a diminuição da incidência dos casos de ASI e a intervenção precoce, quando for necessário (Calza et al., 2016).
Portanto, consoante ao retratado na literatura, as variáveis investigadas oportunizam a análise de consequências oriundas da exposição ao abuso sexual e fornecem referências para que intervenções validadas empiricamente sejam concebidas. Isso se torna relevante dado que o acesso das vítimas de ASI a tratamentos adequados está associado a resultados positivos a curto e longo prazo (Hanson & Wallis, 2018). É importante enfatizar que as crianças entrevistadas já haviam feito a revelação e estavam recebendo o apoio necessário da família e dos serviços especializados. Conforme mencionado anteriormente, uma rede de apoio sólida, recursos internos da criança e aspectos do abuso são fatores de proteção para a superação do trauma (Schaefer, et al., 2018). Apesar disso, foram observadas diferenças significativas nos resultados dos instrumentos aplicados, particularmente no que tange à expressão acentuada de afetos negativos, o que pode atuar como um indicador de possíveis alterações emocionais provocadas pelo ASI.
Considerações finais
Os dados descobertos neste estudo possibilitam a compreensão de algumas variáveis relacionadas ao ASI, como idade e sexo das vítimas, relação com o agressor e tipo de abuso. Os instrumentos referentes aos afetos vivenciados e à regulação emocional permitiram a descrição de aspectos emocionais em crianças vítimas de abuso sexual. Os resultados sugerem que a exposição ao ASI pode contribuir no aparecimento de níveis elevados de afeto negativo e no emprego de estratégias de regulação emocional consideradas inadequadas para a idade.
A pesquisa apresentou algumas limitações, como o reduzido número de participantes, o que impossibilitou que análises inferenciais fossem realizadas, mas não comprometeu o seu caráter exploratório. Outra limitação refere-se aos procedimentos de coleta dos dados. Os instrumentos utilizados não foram elaborados considerando especificamente a experiência do abuso, podendo representar outros eventos estressantes da vida dos participantes, o que prejudica o estabelecimento de um nexo causal entre os sintomas e ocorrência de ASI. Associado a isso, não foi investigada a existência de múltiplas formas de violência no cotidiano das crianças, tampouco fatores atrelados aos impactos do abuso sexual, como a duração e a intensidade da violência, a idade da criança no início do abuso sexual, a ocorrência de segredos e de ameaças, perfil sociodemográfico, entre outros.
Acessar crianças com histórico de violência sexual não é uma tarefa simples. Dessa maneira, a despeito das limitações, o mapeamento das repercussões emocionais a partir de uma análise comparativa viabiliza avanços no entendimento do fenômeno. A análise de eventuais alterações desse tipo em crianças e adolescentes é fundamental para o desenvolvimento de intervenções clínicas alinhadas as suas necessidades e para o desenvolvimento de ações de prevenção e promoção de saúde fidedignas (Capella et al., 2018). Apesar do reconhecimento dos danos emocionais causados pelo abuso sexual, este trabalho contribui ao revelar as diferenças emocionais existentes entre grupos de vítimas e não-vítimas de ASI e ao especificar as principais emoções, a exemplo da vergonha, fúria, nervosismo, tristeza e mágoa, e estratégias regulatórias relatadas pelas crianças vítimas. A partir desses dados, psicoterapeutas e profissionais da rede de proteção a crianças e adolescentes poderão detectar, compreender e validar os processos emocionais vivenciados pelas vítimas de modo a evitar situações de revimitização e culpabilização, além de disporem de evidências que auxiliarão na condução de técnicas como psicoeducação, modulação afetiva, relaxamento e processamento emocional e cognitivo.
Sugere-se a realização de estudos futuros sobre os efeitos do ASI com amostras maiores, longitudinais (Kringes, Macedo, & Habigzang, 2016) e que considerem a presença da polivitimização (Said & Costa Junior, 2018). Os afetos resultantes do ASI podem ser desagradáveis, intensos e ambivalentes, porém a sua compreensão por meio da investigação científica e a possibilidade de um atendimento qualificado e acolhedor se mostram úteis para elucidar sentimentos e guiar ações posteriores (Cowan et al., 2020).
Referências
Brasil. Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. (2021). Abuso Sexual contra Crianças e Adolescentes - Abordagem de Casos Concretos em uma Perspectiva Multidisciplinar e Interinstitucional. Retrieved from https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2021/maio/CartilhaMaioLaranja2021.pdf [ Links ]
Brasil. Ministério da Saúde (2012). Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Retrieved from http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf [ Links ]
Brasil. Ministério da Saúde (2016). Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 510 de 7 de abril de 2016. Dispõe sobre as normas aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais. Brasil: Ministério da Saúde, Brasília, DF. Retrieved from https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/22917581
Brasil. Ministério da Saúde. (2018). Análise epidemiológica da violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, 2011 a 2017. Retrieved from https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2018/junho/25/2018-024.pdf [ Links ]
Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. (2005) Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social NOB/SUAS. Retrieved from http://www.assistenciasocial.al.gov.br/sala-de-imprensa/arquivos/NOB-SUAS.pdf. [ Links ]
Brasil. Secretaria de Direitos Humanos. Programa Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes. (2019). Relatório disque denúncia nacional. Brasília. Retrieved from http://crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/publi/mmfdh/disque_100_relatorio_mmfdh2019.pdf [ Links ]
Borges, J. L., & Dell'Aglio, D. D. (2008). Relações entre abuso sexual na infância, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e prejuízos cognitivos. Psicologia em estudo, 13(2),371-379. doi: 10.1590/S1413-73722008000200020 [ Links ]
Calza, T. Z., Dell'Aglio, D.D., & Sarriera, J.C. (2016). Direitos da criança e do adolescente e maus-tratos: epidemiologia e notificação. Revista SPAGESP, 17(1),14-27. Retrieved from http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-29702016000100003 [ Links ]
Capella, C., Gutiérrez, C., Rodríguez, L., & Gómez, C. (2018). Change during psychotherapy: the perspective of children and adolescents who have been sexually abused. Research in psychotherapy, 21(1),24-39. doi: 10.4081/ripppo.2018.288 [ Links ]
Cowan, A., Ashai, A., & Gentile, J. P. (2020). Psychotherapy with Survivors of Sexual Abuse and Assault. Innovations in clinical neuroscience, 17(1-3),22-26. Retrieved from https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7239557/ [ Links ]
Dannlowski, U., Kugel, H., Huber, F., & Stuhrmann, A. (2013). Childhood Maltreatment is Associated with na Automatic Negative Emotion Processing Bias in the Amygdala. Human Brain Mapping, 34(11),270-285. doi: 10.1002/hbm.22112 [ Links ]
Davis, E., Levine, L., Lench, H., & Quas, J. (2010). Metacognitive emotion regulation: children's awareness that changing thoughts and goals can alleviate negative emotions. Emotion,10(4),498-510. doi: 10.1037/a0018428 [ Links ]
DeCou, C. R., & Lynch, S. M. (2019). Emotional reactivity, trauma-related distress, and suicidal ideation among adolescent inpatient survivors of sexual abuse. Child Abuse & Neglect, 89, 155-164. doi: 10.1016/j.chiabu.2019.01.012 https://doi.org.ez45.periodicos.capes.gov.br/10.1016/j.chiabu.2019.01.012 [ Links ]
Demirci, E. (2018). Non suicidal self-injury, emotional eating and insomnia after child sexual abuse: Are those symptoms related to emotion regulation? Journal Forensic Leg Med, 53,17-21. doi: 10.1016/j.jflm.2017.10.01 [ Links ]
Dias, P.B., Veloso, M. X.., Habigzang, L. F., Dell'Aglio, D., & Magalhães, C.M. (2015). Padrões de revelação e descoberta do abuso sexual de crianças e adolescentes Revista de Psicología, 24(1),1-19. doi: 10.5354/0719-0581.2015.37007 [ Links ]
Farina, E., & Belacchi, C. (2014). The relationship between emotional competence and hostile/prosocial behavior in Albanian preschoolers: An exploratory study. School Psychology International, 35,475-484. doi: 10.1177/0143034313511011 [ Links ]
Flavell, J.H., Flavell, E.R., & Green, F.L. (2001). Development of children's understanding of connections between thinking and feeling. Psychological Science, 12,430-432. https://doi:10.1111/1467-9280.00379 [ Links ]
Franco, M.G.S.E.C., & Santos, N.N. (2015). Desenvolvimento da Compreensão Emocional. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 31(3),339-348. doi: 10.1590/0102-37722015032099339348 [ Links ]
Furlan, R. D. S. (2013). Validação de conteúdo para a língua portuguesa do Juvenille Victimization Questionnaire (JVQ). Monografia de Especialização, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, [ Links ] RS, Brasil.
Giacomoni, C.; Hutz, C. (2006). Escala de afeto positivo e negativo para crianças: estudos de construção e validação. Psicologia. Escolar e Educacional, 10(2),235-245. Retrieved from http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-85572006000200007 [ Links ]
Gross, J. J., & Thompson, R. A. (2007). Emotion Regulation: Conceptual Foundations. In J. J. Gross (Ed.), Handbook of emotion regulation (pp. 3-24). The Guilford Press [ Links ]
Hamby, S.L., Finkenhor, D., Ormrod, R., & Turner, H. (2004). The Juvenille Victimization Questionnaire (JVQ): Administration and Scoring Manual. Durham, NH: Crimes Against Children Research Center. University of New Hampshire.
Hanson, R. F., & Wallis, E. (2018). Treating Victims of Child Sexual Abuse. The American journal of psychiatry, 175(11),1064-1070. doi: 10.1176/appi.ajp.2018.18050578 [ Links ]
Hébert, M., Langevin, R., & Oussaïd, E. (2018). Cumulative childhood trauma, emotion regulation, dissociation, and behavior problems in school-aged sexual abuse victims. Journal Affect Disorder,1(225),306-312. doi: 10.1016/j.jad.2017.08.044 [ Links ]
Heleniak, C. Jenness, J.L., Stoep, A.V., McCauley, E., & McLaughlin, K. (2016). Childhood Maltreatment Exposure and Disruptions in Emotion Regulation: A Transdiagnostic Pathway to Adolescent Internalizing and Externalizing Psychopathology. Cognit Ther Res, 40(3),394-415. doi: 10.1007/s10608-015-9735-z [ Links ]
Krindges, C., & Habigzang, L. (2018). Regulação emocional, satisfação sexual e comportamento sexual de risco em mulheres vítimas de abuso sexual na infância. Estudos em Psicologia, 35(3),321-332. doi: 10.1590/1982-02752018000300010 [ Links ]
Krindges, C., Macedo, D., & Habigzang, L. (2016). Abuso sexual na infância e suas repercussões na satisfação sexual na idade adulta de mulheres vítimas. Contextos Clínicos, 9(1),60-71. doi: 10.4013/ctc.2016.91.05 [ Links ]
Landolt, M., Schnyder, U., Maier, T., & Mohler-Kuo, M. (2016). The Harm of Contact and Non-Contact Sexual Abuse: Health-Related Quality of Life and Mental Health in a Population Sample of Swiss Adolescents. Psychotheray and Psychosomatics, 85(5),320-2. doi: 10.1159/000446810 [ Links ]
Leahy, R. L., Tirch, D., & Napolitano, L. A. (2013). Regulação emocional em psicoterapia: um guia para o terapeuta cognitivo-comportamental. Porto Alegre, RS: Artmed.
Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília. Retrieved from http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm [ Links ]
Minervino, C., Dias, M.G.B., Silveira, N., & Roazzi, A. (2010). Emoções nas Ruas: Uso do "Test of Emotions Comprehension" em Crianças em Situação de Trabalho na Rua. Psicologia: Reflexão e Crítica, 23(2),354-361. doi: 10.1590/S0102-79722010000200018 [ Links ]
Organização Mundial da Saúde (1999). Report of the Consultation on Child Abuse Prevention. Retrieved from https://apps.who.int/iris/handle/10665/65900 [ Links ]
Organização Mundial da Saúde (2017). Responding to children and adolescents who have been sexually abused. Retrieved from https://www.who.int/reproductivehealth/publications/violence/clinical-response-csa/en/ [ Links ]
Pelisoli, C., & Dell'Aglio, D.D. (2016). Tomada de decisão de psicólogos em situações de suspeita de abuso sexual. Temas em Psicologia, 24(3),829-841. doi: 10.9788/TP2016.3-04 [ Links ]
Pereda, N., Guilera, G., Forns, M., & Gómez-Benito, J. (2009). The prevalence of child sexual abuse in community and student samples: a meta-analysis. Clinical Psychology Review, 29(4),328-338. doi: 10.1016/j [ Links ]
Pons, F., & Harris, P. L. (2000). TEC (Test of Emotion Comprehension). Oxford, UK: Oxford University Press.
Pons, F., Harris, P. L. & Rosnay, M. (2004). Emotional comprehension between 3 and 11 years: Developmental periods and hierarchical organization. European Journal of Developmental Psychology, 1(2),127-152. doi: 10.1080/17405620344000022 [ Links ]
Rates, S. M. M., Melo, E. M., Mascarenhas, M. D. M., & Malta, D. C. (2015). Violence against children: An analysis of mandatory reporting on violence, Brazil 2011. Ciência & Saúde Coletiva, 20(3),655-665. doi: 10.1590/1413-81232015203.15242014 [ Links ]
Roazzi, A., Dias, M. G. B. B., Minervino, C. M. M., Roazzi, M., & Pons, F. (2008). Compreensão das emoções em crianças: Estudo transcultural sobre a validação do Teste de Compreensão da Emoção TEC (Test of Emotion Comprehension). In: Ana Paula Noronha, Carla Machado, Leandro Almeida, Miguel Gonçalves, Sara Martins & Vera Ramalho (Eds.). Actas da XIII Conferência Internacional de Avaliação Psicológica: Forma e Contextos (pp. 1781-1795). Braga: Psiquilibrios edições. [ Links ]
Said, A., & Costa Junior, A. (2018). Polivitimização de meninos vitimizados sexualmente: uma análise documental a partir de fichas de notificação. Contextos Clínicos, 11(1),26-36. doi: 10.4013/ctc.2018.111.03 [ Links ]
Schaefer, L. S., Brunnet, A. E., Lobo, B.O.M., Carvalho, J.C.N., & Kristensen, C. H. (2018). Indicadores Psicológicos e Comportamentais na Perícia do Abuso Sexual Infantil. Trends in Psychology, 26(3), 1467-1482. doi: 10.9788/tp2018.3-12pt [ Links ]
Serafim, A. P.; Saffi, F.; Achá, M. F. F.; Barros, D. M. (2011). Dados demográficos, psicológicos e comportamentais de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual. Revista de Psiquiatria Clínica, 38(4),143-147. https://doi:10.1590/S0101-60832011000400006 [ Links ]
Silva, D.L., Gava, L. L., & Dell'Aglio, D.D. (2013). Sintomas e quadros psicopatológicos em supostas vítimas de abuso sexual: uma visão a partir da psicologia positiva. Aletheia, (40),58-73. Retrieved from http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-03942013000100006 [ Links ]
Steine, I.M., Winje, D., Krystal, J., Bjorvatn, B., Milde, A., Grønli, Nordhus, I., & Pallesen, S. (2017). Cumulative childhood maltreatment and its dose-response relation with adult symptomatology: Findings in a sample of adult survivors of sexual abuse. Child Abuse & Neglect, 65, 99-111. doi: 10.1016/j.chiabu.2017.01.008 [ Links ]
Stoltenborgh, M., Alink, L., Bakermans-Kranenburg, M. J., & Van Ijzendoorn, M.H. (2015). The Prevalence of Child Maltreatment across the Globe: Review of a Series of Meta-Analyses. Child Abuse Review, 24(1),37-50. doi: 10.1002/car.2353 [ Links ]
Tani, F., Pascuzzi, D., & Raffagnino, R. (2018). The Relationship Between Perceived Parenting Style and Emotion Regulation Abilities in Adulthood. Journal of Adult Development, 25, 1-12. doi: 10.1007/s10804-017-9269-6 [ Links ]
Watson, D., Clark, L.A. & Tellegen, A. (1988). Development and validation of brief measures of positive and negative affect: The PANAS Scales. Journal of Personality and Social Psychology, 69,719-727. doi: 10.1037//0022-3514.54.6.1063 [ Links ]
You, S., Talbot, N., He, H., & Conner, K. (2012). Emotions and suicidal ideation among depressed women with childhood sexual abuse histories. Suicide Life Threat Behav, 42(3),244-254. doi: 10.1111/j.1943-278X.2012.00086.x [ Links ]
Young, J.C., & Widom, C.S. (2014). Long-term effects of child abuse and neglect on emotion processing in adulthood. Child Abuse & Neglect, 38(8),1369-1381. doi: 10.1016/j.chiabu.2014.03.008 [ Links ]
Correspondência para:
Ana Carolina de Souza Fonseca
Rua Ramiro Barcelos, 2600 - Santa Cecília
Porto Alegre - RS - Brasil - CEP: 90035-003
E-mail: carolina.ana243@gmail.com
Submetido em: 16.10.2020
Aceito em: 27.07.2021