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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia
versão On-line ISSN 1983-8220
Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.4 no.spe Juiz de fora dez. 2011
ARTIGOS
Tecnologias sociais da reciclagem: efetivando políticas de coleta seletiva com catadores
Social technologies of recycling: applying policies of selective collection with the waste pickers
Francisco de Paula Antunes LimaI; Cinthia Versiani Scott VarellaI; Fabiana Goulart de OliveiraI,II,1; Gabriela ParreirasI,III; Jacqueline RutkowskiI,IV
IUniversidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil
IICentro Universitário UNA, Belos Horizonte, Brasil
IIIFaculdade de Minas, Belo Horizonte, Brasil
IVInstituto Sustentar, Brumadinho, Brasil
RESUMO
O movimento social dos catadores conquistou importantes políticas públicas direcionadas à sua atividade e à reciclagem. Neste artigo, após identificar instrumentos de políticas socioambientais relacionadas à reciclagem, são analisadas dificuldades operacionais enfrentadas pelas associações de catadores (ACs) para torná-los efetivos. A análise documental desses instrumentos evidencia contradições implícitas, tornadas aparentes quando se confrontam as políticas à experiência cotidiana dos catadores. Diante dessas contradições, nossa tese é que, para além da ação política, a atuação durável das ACs depende da sustentabilidade operacional dos empreendimentos. Análises do ponto de vista operacional, realizadas por uma equipe técnica integrada à rede social de apoio à organização e gestão operacional das associações, identificam fragilidades a serem enfrentadas para dar sustentabilidade às ACs e à reciclagem como alternativa socioambiental de tratamento do lixo urbano. Mais que reforçar as políticas, enfatizamos a necessidade de ações articuladas em uma estratégia específica, sob a orientação do movimento social dos catadores.
Palavras-chave: Catadores, Reciclagem, PNRS, Lixo, Gestão de RSU
ABSTRACT
The waste pickers social movement has won important public policies to improve its activity and recycling. In this paper, after identifying social and environmental policy instruments related to recycling, the difficulties faced by the waste pickers associations (WAs) to apply them are discussed. Documental analysis of these instruments reveals implicit contradictions, made apparent when these policies are confronted to the daily experiences of waste pickers. Given these contradictions, our thesis is that in addition to political action, the durable performance of WAs depends on the sustainability of operational processes. Analyses from an operational point of view, held by a technical group integrated in the social network that supports the organization and operational management of associations, identify weaknesses to be overcome to give sustainability to the WAs and recycling as a socio-environmental alternative treatment of urban waste. More than reinforcing policies, we emphasize the need for coordinated actions organized in a specific strategy, under the governance of the waste pickers social movement.
Keywords: Wastepicker, Recycling, NPSW, Waste, RSU Management
Catadores, reciclagem e políticas socioambientais
A "questão do lixo", problema típico da sociedade de consumo, é mais grave em países periféricos, nos quais coexistem formas de vida baseadas em padrões de consumo do primeiro mundo com a exclusão social típica do terceiro mundo. Por isso, faz parte da cena urbana das grandes e médias cidades a figura do catador, que se constitui no encontro da exclusão social com a produção de lixo em grande escala. Paradoxalmente, na confluência de dois problemas, cria-se uma possível solução para o tratamento do lixo urbano. Se, nas metrópoles, a falta de espaços para construir aterros sanitários agrava o problema, nas pequenas cidades sobram espaços, mas faltam recursos para investir em aterros tecnicamente controlados. É comum, nas proximidades das pequenas cidades brasileiras, a poluição causada por sacos plásticos que se espalham, movidos pelo vento, em torno dos lixões improvisados, cenas que se repetem em favelas e periferias das grandes cidades não atendidas por serviços de coleta. Além de complexa, a questão do lixo requer investimentos vultosos, cuja eficácia depende de soluções criativas se não se quer gerar mais desperdícios, dessa vez de recursos públicos. Portanto, o tratamento do lixo reclama políticas socioambientais por várias razões, que se mesclam de maneira complexa: conflitos de interesses de grupos sociais envolvidos diretamente com a destinação do lixo, incluindo os catadores, oferta de um serviço público segundo critérios de qualidade e universalidade, controvérsias a respeito dos efeitos ambientais das alternativas tecnológicas (reciclagem, incineração...), mecanismos de incentivos, controle e organização da logística reversa etc. (Eigenheer, 2005).
Em termos operacionais, as soluções atuais de destinação do lixo urbano tendem a combinar diversas alternativas organizadas em sistemas integrados de gestão, que podem assumir diversas configurações, inclusive reunindo municípios vizinhos na forma de consórcios, a fim de obter escala para otimizar os investimentos (Varella, 2011). Nas grandes cidades, os sistemas de gestão integrada de resíduos sólidos (SIGRSU) se reconfiguram para responder à saturação dos aterros, ao aumento dos custos da gestão de resíduos e à crescente contestação social quanto aos locais de instalação de novos aterros. Recentemente, foi aprovada a lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), na qual, além das destinações convencionais, prevê-se a incineração como forma de tratamento de resíduos urbanos, o que torna o cenário atual ainda mais complexo quanto às possibilidades de desenho desses sistemas integrados de gestão. As combinações possíveis se multiplicam se considerarmos tanto as alternativas de tratamento do lixo que competem entre si como a proporção com que podem ser combinadas. Nesse novo cenário que começa a se desenhar, os catadores, agentes tradicionais nos espaços urbanos e que já conquistaram um reconhecimento formal, podem e devem ter um lugar na organização e gestão de sistemas integrados de resíduos sólidos. O surgimento de alternativas, como a incineração, e a necessidade de se recorrer a técnicas de gestão mais elaboradas para atender às exigências rigorosas dos serviços de coleta de resíduos urbanos aparecem como ameaças à atividade dos catadores, mas podem também oferecer oportunidades para o desenvolvimento de sua atuação como atores determinantes para se equacionar o problema do lixo.
O bom desempenho da indústria de reciclagem no Brasil e em outros países não-desenvolvidos atualmente repousa sobre o esforço quase invisível dessa multidão de trabalhadores que ainda lutam pelo reconhecimento social apesar dos inegáveis benefícios que trazem às cidades e ao meio ambiente. Desprovidos de recursos financeiros e de acessos a serviços básicos e com baixa escolaridade e qualificação, esses trabalhadores são submetidos à exploração de atravessadores, que pagam preços reduzidos pelos materiais recicláveis e muitas vezes os dominam pela coação, empréstimo do carrinho de coleta ou adiantamentos em dinheiro.
Para reverter essa situação, surgiram associações e cooperativas de catadores com o objetivo de promover a inclusão social dessas populações, restituindo-lhes a cidadania e a inserção social pela conquista de direitos, pelo trabalho e pela geração de renda advinda da comercialização coletiva dos materiais recolhidos (um quadro amplo da história e situação atual dos catadores pode ser visto em Kemp & Crivellari, 2008). Essas organizações têm ampliado a capacidade de coleta de materiais recicláveis, tornando-se instrumento de preservação ambiental e de redução de custos públicos com o descarte dos resíduos urbanos. Porém, além de serem submetidos à exploração de atravessadores, os catadores enfrentam vários empecilhos à melhoria da produtividade de suas associações, relacionados aos processos de trabalho e de produção que utilizam, deparando-se com dificuldades para lidar com conhecimentos e tecnologias inerentes à cadeia produtiva em que se inserem. Tudo isso os impede de aumentar a renda auferida com a comercialização dos materiais, o que, por sua vez, compromete a sustentabilidade dos empreendimentos e, no longo prazo, pode corroer a legitimidade social para manter essa alternativa como política pública de resíduos sólidos e de inclusão social, tendo em vista a pressão de empresas privadas concorrentes e também as exigências de oferecer um serviço público universal de qualidade.
Apesar das dificuldades técnicas que são inegáveis e dos enormes desafios enfrentados pelos catadores, é necessário reconhecer o sucesso desses empreendimentos, nem sempre devidamente apreciados devido à má impressão causada pelas condições de trabalho precárias dos que trabalham com o lixo, seja em lixões ou em galpões improvisados, que não oferecem condições adequadas de trabalho. No entanto, quem conhece ou acompanhou a trajetória dos catadores não pode deixar de reconhecer o mérito das associações e os benefícios sociais de sua atividade (Oliveira, 2010). Esse reconhecimento foi expresso por Vik Muniz no filme Lixo Extraordinário. O impacto de encontrar pessoas trabalhando em meio ao lixo se transforma na medida em que a história de cada catador é revelada. Alguns catadores de Gramacho não se distinguem de outras pessoas da classe média senão pelos infortúnios que lhes impediram de ganhar a vida em outras atividades profissionais e que os levaram a "escolher" o trabalho com o lixo. Dizemos escolher entre aspas porque essa parece uma escolha entre poucas opções. Viver e trabalhar, quando "tudo na vida deu errado", é a maior conquista dos catadores, ainda que seu trabalho continue sendo realizado em condições precárias. Constatar essa precariedade não lhes tira o mérito, mas coloca um novo ponto de partida para o desenvolvimento das associações: garantida a sobrevivência, como aumentar a eficiência da reciclagem e assegurar seu lugar como alternativa para o tratamento do lixo e, ao mesmo tempo, melhorar as condições de trabalho e de vida em geral dos catadores?
Eis o problema de fundo e o desafio que se coloca aos catadores: na conjuntura atual, já não basta ao catador retirar do lixo a sua sobrevivência, problema que deve ser resolvido em uma labuta repetida a cada dia. Ele tem que lidar com a complexa questão de qual é a melhor destinação do lixo, não apenas do ponto de vista dos catadores, mas da sociedade como um todo. As políticas públicas lhes abrem espaço ao mesmo tempo em que trazem novas exigências.
A discussão sobre a viabilidade técnica das alternativas de tratamento do lixo, que envolve questões como balanço energético, poluição e eficiência ambiental de processos técnicos, não é, de fato, decisiva para estabelecer critérios de escolha, pois deixa de lado aspectos determinantes da viabilidade econômica, em especial o sistema operacional e logístico de coleta e triagem, necessário para efetivar o potencial técnico de reciclabilidade de materiais do lixo até sua transformação em matérias-primas e novos produtos. Potencialmente, todos os materiais do lixo são recicláveis e já existem tecnologias em nível experimental ou industrial para seu reaproveitamento. O que deve ser discutido, para além da viabilidade técnica da reciclagem, são as condições (mobilização social, equipamentos, logística reversa...) exigidas para viabilizar economicamente a reciclagem desse ou daquele material, desde seu descarte até sua transformação, passando pela coleta, triagem e comercialização2. A definição das condições de efetividade da coleta seletiva - ainda que se trate apenas de uma etapa da cadeia da reciclagem - tem repercussões sobre toda a cadeia produtiva, sendo fundamental para orientar o debate mais amplo sobre alternativas de tratamento do lixo e sua composição em sistemas integrados de gestão.
Os critérios de viabilidade ou sustentabilidade econômica também devem ser vistos com cuidado. De modo geral, quando se tende a universalizar uma dada forma de tratamento do lixo, os rendimentos decrescentes reduzem as margens da sustentabilidade econômica. Pode-se dizer, portanto, que isoladamente nenhuma opção é economicamente sustentável. Isso quer dizer que uma parte do tratamento do lixo, desde que se pretenda universalizar o serviço, é sempre deficitária e, portanto, constitui um serviço que deve ser remunerado por tarifas, taxas ou impostos definidos por políticas públicas, e não por preços formados pelo mercado. Projetar sistemas integrados, com um mix de opções, pode reduzir o custo ao permitir que cada opção funcione nas faixas de maior eficiência. Mas essa combinação, como veremos no item "Políticas e instrumentais e sustentabilidade da reciclagem", não depende apenas de parâmetros técnicos: a fixação de metas de reciclagem (assim como o que se entende por material reciclado3) é resultado de lutas e contradições sociais que se traduzem em diretrizes políticas.
Outra determinação é de natureza histórica: a questão do lixo e as alternativas que hoje se apresentam não se resolvem apenas em cálculos econômicos com base nas condições atuais. Implicam problemas práticos, como o desenvolvimento e implementação de sistemas de logística reversa eficientes. Nesse sentido, tanto pela história como pelas competências técnicas acumuladas, os catadores têm um papel estratégico determinante na definição dos rumos da gestão integrada dos resíduos urbanos, contribuindo e participando do desenho de suas configurações, de sua organização e de sua gestão (Lima & Oliveira, 2008). Este texto, apesar de estar centrado em uma dimensão específica - o projeto operacional da reciclagem -, contribui para esclarecer essa posição estratégica dos catadores e como deve ser organizada a coleta seletiva, de modo a fortalecê-la como opção sustentável.
Diretrizes e instrumentos de políticas socioambientais para a reciclagem
Países periféricos, ditos em desenvolvimento ou emergentes, caracterizam-se por um desenvolvimento desigual, que reproduz internamente a clivagem centro-periferia (ou Norte-Sul, como alguns preferem). Sua estrutura social comporta duas faces que parecem opostas: a riqueza concentrada em classes sociais relativamente reduzidas ao lado de uma larga proporção da população "excluída" do mercado de trabalho e de consumo. A expressão "Belíndia" foi cunhada para apreender essa realidade contraditória do Brasil, onde poucos têm um padrão de vida equiparável ao da Bélgica, enquanto muitos estão no nível dos indianos. O termo de "exclusão", no entanto, pode levar a análises equivocadas se se considera que as classes sociais desfavorecidas pelo desenvolvimento econômico estão, ipso facto, excluídas da economia. Mostra-o, por exemplo, a importância da economia informal nos estados do Sul, que, no Brasil, ocupa mais de 50% da população economicamente ativa (Pochmann, 2009).
Economia formal, com alta intensidade em tecnologia e capital, e economia informal não são espaços separados, mas se integram em uma totalidade que produz, ao mesmo tempo, riqueza e pobreza, um primeiro mundo desenvolvido que se beneficia do terceiro mundo dos marginalizados4. Milton Santos (1979) já havia analisado esses dois circuitos da economia brasileira. Mais recentemente, Jessé Souza (2009) retratou a "ralé brasileira", que soma cerca de 1/3 da população! Parte dessa "ralé", com apoio de instituições sociais e ONGs, conseguiu se organizar em movimentos sociais com legitimidade suficiente para infletir a elaboração de políticas públicas. No caso dos catadores, essas políticas têm se manifestado em um quadro normativo, com diversos tipos de leis, considerado amplamente positivo para promover a atividade de reciclagem, revelando o reconhecimento social conquistado pela profissão. Esses dispositivos legais abarcam uma variada gama de dispositivos jurídicos e econômicos (Quadro 1).
Tomando como corpus de análise conteúdos de documentos representativos dessas políticas, nosso objetivo é refletir sobre alguns princípios subjacentes a diretrizes e instrumentos legais que definem políticas socioambientais em prol da reciclagem e dos catadores, inseridos no que se convencionou denominar de sistemas de coleta seletiva solidária ou coleta seletiva com inclusão dos catadores. Ao menos do ponto de vista normativo, a situação dos catadores evoluiu nesta última década. Em 2002, podia-se dizer que:
a questão do lixo, nas suas variadas facetas, ainda não se tornou objeto de demanda social específica pela criação de políticas públicas, a exemplo das lutas socioambientais consolidadas em alguns movimentos sociais. As dispersas e isoladas iniciativas de criação de catadores de lixo, por exemplo, ainda não alcançaram uma articulação ampla e coesa o suficiente para transformar essa atividade em política pública (Layrargues, 2011, p. 190).
Hoje, há evidências de que o movimento dos catadores, organizado nacionalmente, conseguiu influenciar a elaboração das políticas públicas do lixo. No entanto, como fazer com que essas políticas beneficiem, de fato, as associações de catadores?
Sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos
Em 2 de agosto de 2010, após 18 anos de tramitação no Congresso, foi sancionada a Lei 12.305, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos. De acordo com uma jornalista, "a demora ocorreu por conta de uma série de emendas recebidas ao longo dos anos e da falta de consenso entre representantes do setor público e privado" (Vialli, 2011, online). Uma abordagem socioinstitucional permitiria revelar os interesses e conflitos sociais por trás dessas disputas políticas. Aqui, interessamo-nos apenas pelo seu resultado, revelando interesses e contradições sob a letra da lei, no que se refere aos catadores, à coleta seletiva e à reciclagem. Em relação a esses dois últimos aspectos, Andrea Vialli (2011) chama atenção para uma ausência: "Ao contrário do que era esperado, o decreto que regulamenta Política Nacional de Resíduos Sólidos não impôs metas para a reciclagem de embalagens e itens como lâmpadas e eletroeletrônicos, nem trouxe instruções sobre recolhimento dos produtos usados" (online).
Essas definições são decisivas para a estruturação do setor de reciclagem, assim como todos os outros setores relacionados ao lixo. As diretrizes europeias fixam essa meta em 20%, taxa que poucos países conseguem alcançar. Mais importante para nossa discussão, é o modelo a ser adotado para a organização da logística reversa que viabilizará o alcance dessas metas. No Brasil, ainda não existe incineração em proporção relevante, mas diversos projetos estão sendo elaborados. O setor passa, assim, por uma grande reestruturação, com tendência à concentração de um mercado ainda pulverizado e com presença de modelos de organização concorrentes. De acordo com o especialista André Oda, consultor de empresas do setor, em depoimento à revista Exame: "A hora desse mercado é agora. Quem não se posicionar rapidamente perderá oportunidades" (Herzog & Lima, 2011). De olho nessas oportunidades, em especial devido à responsabilização das empresas pela destinação correta dos resíduos oriundos do ciclo de vida dos produtos comercializados (princípio de responsabilidade compartilhada), empresas se preparam para construir o elo entre o descarte e a indústria de reciclagem, concorrendo diretamente com os catadores.
Na 7ª edição da pesquisa Ciclosoft, o Cempre (2010) constata uma desaceleração do crescimento de municípios com coleta seletiva e aposta nos incentivos da PNRS:
o número de municípios brasileiros que operam programas de coleta seletiva aumentou pouco mais de 9% desde a realização da última pesquisa Ciclosoft, em 2008. São, hoje, 443 contra 405, há dois anos. Se todo crescimento na coleta seletiva é uma boa notícia, é preciso cautela na comemoração: desde o início da pesquisa, em 1994, essa foi a menor taxa de evolução. 'A desaceleração na expansão demonstra claramente uma limitação no envolvimento das prefeituras, sobretudo de municípios menores, e a necessidade de uma política federal que obrigue, normatize e cobre o avanço sustentável e consistente da coleta seletiva e da reciclagem no país', explica Victor Bicca, presidente do Cempre. 'A Política Nacional de Resíduos Sólidos, recentemente sancionada pelo presidente da República, deverá dar novo fôlego ao sistema' (online).
Esse otimismo pode ser estendido também à participação das associações de catadores. Do ponto de vista político, a atividade dos catadores é reconhecida e fortalecida pela Lei de PNRS, o que se evidencia em uma análise quantitativa superficial: a palavra catador tem 12 menções no texto legal, contra 11 para coleta seletiva, 16 para reciclagem e sete para recuperação energética. Também se estabelece, no corpo da Lei, uma hierarquia entre as alternativas de destinação do lixo:
Art. 9o Na gestão e gerenciamento de resíduos sólidos, deve ser observada a seguinte ordem de prioridade: não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos.
§ 1º Poderão ser utilizadas tecnologias visando à recuperação energética dos resíduos sólidos urbanos, desde que tenha sido comprovada sua viabilidade técnica e ambiental e com a implantação de programa de monitoramento de emissão de gases tóxicos aprovado pelo órgão ambiental (Brasil, 1991).
Assim, além da priorização da reciclagem, os catadores são agentes considerados nos objetivos, instrumentos e ações previstas em sua regulamentação. Incorporando conquistas formalmente reconhecidas em legislações estaduais e municipais (alguns municípios já remuneram os catadores pelos serviços prestados), o texto da PNRS reflete o espaço conquistado pelos catadores em todas as esferas de governo. Cabe, no entanto, alguma precaução. Apesar de esse reconhecimento estar formalizado na lei, nada assegura que o espaço legal se traduza em ocupação efetiva na cadeia produtiva da reciclagem. A posição atual dos catadores, ainda relativamente desfavorável e subordinada (Calderoni, 2003), pode ser mais fragilizada, dependendo de como o setor vai se reestruturar. A prioridade da reciclagem em relação à incineração (denominada agora, em termos eufemizados, de "recuperação energética") é apenas formal, condicionada à efetividade da reciclagem e a estudos de viabilidade técnico-econômica da incineração. Caso a reciclagem não se viabilize, mesmo a meta de 20% pode ser inalcançável, como ocorre na França, que destina à incineração 33,5% dos resíduos domésticos e recicla 20%, desde que se contabilizem os resíduos aproveitáveis da incineração (Ademe, 2009).
A priorização da reciclagem não implica também que os catadores mantenham sua posição na cadeia produtiva, pois a revalorização do lixo tende a atrair empresas capitalistas, atuando na logística reversa desde a coleta seletiva; sobretudo, se consideramos as novas exigências técnicas e de gestão que deverão balizar as atividades nesse setor. Ainda que os catadores subsistam, podem ocupar um lugar subalterno, servindo apenas para vender a imagem de responsabilidade social de empresas com as quais estabelecem parcerias.
O cotidiano das associações de catadores: obstáculos para sustentar a reciclagem como alternativa sustentável
Um dos mitos mais arraigados no senso comum da ideologia mercantil é a autonomia dos agentes econômicos, que assegura sua perenidade graças à excelência de seu desempenho, como se a eficiência fosse um resultado do esforço individual. Mais adequado é compreender uma organização eficiente como um ponto de destaque em uma complexa rede sociotécnica. Até então, dedicamonos a mostrar que o movimento social dos catadores tem sido bem-sucedido ao defender a bandeira da reciclagem, mais especialmente da coleta seletiva solidária, assegurando-lhes um lugar de destaque na cadeia produtiva. Nisso, o senso comum, influenciado pela consciência ambiental, dá uma grande contribuição para reforçar a causa da reciclagem, ainda que persistam mais dúvidas que certezas sobre sua sustentabilidade técnicoeconômica. Cumpre, então, analisar as condições de possibilidade do modelo de coleta seletiva solidária de uma perspectiva operacional.
A rede de apoio aos catadores, por intermédio de instituições técnicas e pesquisadores associados, vem realizando diversos projetos relacionados à questão do tratamento dos resíduos sólidos urbanos e às associações de catadores, cujos resultados serão utilizados para desenvolver essas novas ações. Esses resultados concernem diversos aspectos e etapas da cadeia produtiva da reciclagem, do projeto de sistemas de coleta seletiva à organização de redes de associações de catadores para comercialização conjunta, passando pela organização dos processos de trabalho nas ACS (Varella, 2011). Os resultados obtidos estão em graus diferentes de maturação: alguns consistindo em diagnóstico de problemas ainda não resolvidos (como o carrinho de coleta), outros já em fase de implementação ou já testados e validados. O desenvolvimento desses projetos, para ser bem-sucedido, deve articular diversas ações, de natureza técnica, comercial e organizacional, integradas em um modelo de coleta seletiva solidária, que permita o reposicionamento das ACs na cadeia produtiva.
No entanto, a partir da experiência da engenharia de produção, que atua no nível operacional, podemos afirmar que esse modelo está sendo construído sobre uma base relativamente frágil, que pode comprometer sua sustentabilidade técnica, ambiental e econômica, com efeitos negativos no movimento político-social. Assim, sem desmerecer outras iniciativas, definimos como foco deste projeto o desenvolvimento de uma infraestrutura técnica e da organização dos processos de produção nas etapas de coleta, triagem e comercialização, que deve conter os seguintes elementos básicos: a) galpão projetado especificamente para a atividade de triagem, b) sistemas multimodais de transporte (inclusive carrinhos de coleta funcionais), c) sistemas de coleta seletiva otimizados, envolvendo mobilização social, organização da coleta e logística, d) contratação e remuneração dos catadores como prestadores de serviços socioambientais e e) sistemas de apoio à comercialização das associações e das redes.
Galpão modelo para triagem de materiais recicláveis
A triagem é o principal gargalo de produção das ACs, apresentando baixa produtividade por se tratar de uma atividade baseada exclusivamente no trabalho manual. As ACs acolhem idosos, dependentes químicos, pessoas com deficiências ou com a capacidade funcional reduzida, o que também reduz a produtividade global. A baixa
produtividade da triagem tem efeitos diretos na pequena arrecadação dos catadores, ausência de recursos para melhoria do processo de produção e baixa eficácia da reciclagem. Indiretamente, restringe a ampliação da coleta seletiva, diminuindo também os benefícios ambientais e colocando em questão a viabilidade da reciclagem como alternativa às outras destinações do lixo, como o aterramento ou a incineração para produção de energia.
A atividade das ACs é realizada em condições inadequadas, normalmente em galpões improvisados ou projetados sem considerar as especificidades da triagem. As pesquisas e projetos já realizados, com diagnósticos em vários municípios e Estados brasileiros, permitem concluir que ainda não existe um projeto funcional de instalações e galpões de triagem, seja a triagem realizada com esteiras rolantes ou em silos e bancadas. O conhecimento obtido com esses diagnósticos permite orientar o projeto arquitetônico e técnico de galpões próprios para triagem de materiais, que funcionem com sistemas de triagem múltiplos, conforme decisão de cada associação. Os princípios fundamentais desse galpão modelo é o aproveitamento da movimentação de materiais por gravidade, com postos de trabalho organizados em um fluxo contínuo, que evite dupla manipulação e excesso de deslocamento e que seja considerada a forma de organização de trabalho das associações. O projeto das instalações modelo segundo princípios funcionais prevê estocagem de materiais em volumes diferentes, de modo a evitar estocagem prolongada (alto giro de estoque), permitir uma fácil higienização do galpão e facilitar o controle da produção. Os postos de trabalho são ergonômicos, permitindo a adoção de posturas mais confortáveis e evitando a manipulação de cargas pesadas. Um projeto flexível permite o uso simultâneo de esteira, bancadas coletivas e postos de triagem individuais, acomodando pessoas com capacidades físicas distintas (idosos, mulheres grávidas, pessoas com perda funcional...). O projeto de galpão modelo procura, assim, aumentar a eficiência da triagem, que constitui um dos principais gargalos nos sistemas de coleta seletiva, mas também melhorar as condições de trabalho dos catadores, que é outro problema crítico.
Desenvolvimento de sistemas de logística multimodal
Uma constatação importante das pesquisas realizadas é a necessidade de reduzir os custos da coleta seletiva. Dentre os problemas identificados, o custo de transporte é um dos itens que mais oneram a coleta, quer pela organização ineficiente de roteiros, quer pela utilização inadequada de equipamentos de transporte. A solução logística ideal deve ser um sistema multimodal, combinando coleta com carrinho porta a porta e transporte por caminhão a partir de pontos de apoio, onde os materiais são acumulados provisoriamente. Esse modelo tem sido implantado com relativo sucesso em alguns municípios. No entanto, o elo frágil do sistema continua sendo o carrinho de coleta, que hoje começa a ser motorizado, mas ainda não está completamente funcional.
Em um pré-diagnóstico realizado junto com os catadores de Belo Horizonte, foram identificadas várias exigências que os carrinhos de coleta devem atender, a fim de se ajustarem ao ambiente de trabalho da reciclagem: baixo custo, resistência (alguns catadores chegam a transportar 1.200 kg), fácil manutenção, facilidade de manuseio (condução nas ruas, carregar/descarregar), segurança no trânsito e capacidade para grandes volumes. Por não atenderem a um ou mais desses requisitos, as tentativas de melhorias desses produtos têm sistematicamente fracassado, o que exige um enfoque mais global e participativo, reunindo conhecimentos de diversas especialidades da engenharia (mecânica, elétrica, produção) e de outras disciplinas à experiência dos catadores.
Sistemas de coleta seletiva solidária
Considerando a cadeia produtiva da reciclagem, os catadores de materiais recicláveis atuam quase exclusivamente na triagem e na coleta informal dos materiais. Essa condição se reflete na posição relativamente desfavorável dos catadores, que constituem o elo da cadeia produtiva com menor arrecadação. Essa posição está também refletida na composição de custos, em especial em três limitações importantes: 1) remuneração relativamente baixa dos catadores, 2) falta de equipamentos e limitada capacidade de investimento e 3) abrangência reduzida da coleta seletiva. Uma das ações para fazer face a esse problema é a inserção formal dos catadores na coleta seletiva, potencializando as vantagens da coleta com os catadores, em especial a respeito da mobilização dos moradores, a fim de melhorar a eficiência sistêmica e reduzir os custos globais do processo. No entanto, a contratação dos catadores para organizar e administrar os sistemas de coleta seletiva esbarra em algumas dificuldades, no âmbito institucional, organizacional e operacional, conforme tratamos em trabalhos anteriores (Parreira, 2010).
A criação de arranjos institucionais e sistemas de gestão que permitam maior autonomia da gestão da coleta seletiva pelas ACs em relação ao poder público poderá dar mais eficiência aos sistemas integrados de gestão de resíduos sólidos urbanos. No entanto, a ampliação dos serviços, com consequente aumento da complexidade operacional e das deseconomias de escala, quando se amplia a abrangência da coleta seletiva, exige planejamento cuidadoso, com suporte técnico especializado, atualmente inexistente nas ACs. Isso requer análises mais sistemáticas e mais aprofundadas em torno de casos típicos. Essas análises mais aprofundadas, todavia, podem caminhar pari passu com o desenvolvimento das experiências atuais e com sua difusão em experiências-piloto que aproveitem o que está funcionando bem em cada caso. Essas experiências-piloto podem servir de base para projeto do sistema técnico e organizacional da coleta seletiva a ser gerida ou cogerida pelos catadores, respeitando as particularidades de cada município.
Remuneração dos serviços realizados pelos catadores
Um dos objetivos da inserção dos catadores na coleta seletiva é aumentar a arrecadação, seja pela remuneração direta do serviço prestado, seja pela melhoria da qualidade e aumento da quantidade de materiais que chegam até às ACs para serem triados. A remuneração dos catadores pelo serviço prestado, sobretudo quando o serviço de coleta seletiva pode ser oferecido formalmente, implica novos desafios para construir essa parceria entre o poder público e as ACs.
De acordo com estudos realizados, mesmo quando as ACs são remuneradas pelo serviço de coleta, o efeito na renda dos catadores é limitado, pois a remuneração é feita com base na coleta convencional e pela tonelada de material vendida. Assim, não há pagamento pelo material retido em estoque ou coletado em empresas privadas, nem ressarcimento pelo custo de coleta dos rejeitos. Também não são remuneradas pelas economias ambientais proporcionadas pelo não-aterramento dos materiais. Essas experiências permitem definir algumas proposições para nortear as negociações entre o poder público municipal e os catadores (Quadro 2).
Colocar em prática essas orientações depende de um suporte técnico multidisciplinar que garanta a implementação de serviços com qualidade, buscando atender às exigências do poder público, da população e das condições de trabalho nas próprias Acs.
Central e redes de comercialização
No nível intermediário, ou dos mesofatores a influenciarem a sustentabilidade das ACs, encontram-se as estratégias de relacionamento entre atores, voltadas à criação de estruturas que permitam a cada ator individualmente obter vantagem por meio da associação a outros atores com objetivos comuns, mesmo que pontuais ou momentâneos. Tal prática de constituição de redes é cada vez mais frequente entre empresas privadas e também no campo da economia solidária, onde uma das vantagens percebidas com a estratégia é a possibilidade de se atingirem escalas de produção que facilitem a obtenção de vantagens nas negociações com o mercado comprador e/ou fornecedor de matéria-prima (Rutkowski, 2007).
No estado de Minas Gerais, o Instituto Nenuca de Desenvolvimento Sustentável (INSEA), em parceria com a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD), o Centro Mineiro de Referência em Resíduos (CMRR), a Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais e outros parceiros, vem apoiando, por meio do Fórum Estadual Lixo e Cidadania, a articulação regional das ACs para a formação dessas redes de comercialização. Existem iniciativas já em andamento nas Regiões Metropolitana, Leste, Norte e Triângulo. Na Região Metropolitana de Belo Horizonte, foram criadas duas redes de comercialização: a Cataunidos e a Redesol.
Para dar apoio às atividades em rede, é necessário aprofundar o conhecimento do mercado de materiais recicláveis em Minas Gerais e em outros estados próximos (regiões Sul e Sudeste), permitindo a definição de estratégias mais acertadas para reequilibrar a cadeia de valor desses materiais em prol dos catadores. Durante o processo de articulação dessas redes, têm sido observadas situações anômalas relacionadas ao mercado, como o fato de alguns compradores/atravessadores pagarem preços superiores ao praticado por empresas da indústria de reciclagem que utilizam o material na destinação final. Observam-se também a fragilidade das ACs diante das variações de câmbio e o funcionamento da economia em escala global. Sabe-se, por outro lado, que existe um grande número de atravessadores nessa cadeia, especialmente nos níveis mais baixos, que exercem poder no mercado. Entretanto, os fatores determinantes, a estrutura desse mercado e as relações de força ainda são desconhecidos. Em termos de cadeia de valor, é importante compreender o nível da participação da indústria de reciclável nos preços praticados. Conhecidas a estrutura do mercado e a cadeia de valor, será possível definir estratégias de ação das associações de catadores para interferir nos preços obtidos pela rede. Entender melhor esses movimentos e outras questões relativas ao funcionamento do mercado de reciclagem permitirá identificar possibilidades de ampliação de vantagens competitivas fundamentais para a sustentabilidade em médio prazo das ACs.
Internamente, a construção das redes de comercialização exige estudos concernentes à logística a ser empregada para maior eficiência, como a análise das vantagens de um ponto de apoio (entreposto) para estoque de materiais coletados, que significará um custo fixo a ser agregado ao sistema, versus a alternativa de se realizarem coletas em tempos reais em cada associação, com descentralização de custos de estoques. A organização da logística dependerá também da análise dos mercados de materiais recicláveis dentro e fora do estado de Minas Gerais, uma vez que a venda dos materiais é feita muitas vezes de forma casada, com produtos de menor preço sendo comercializados em conjunto com outros de maior valor.
Além disso, a constituição dessas redes exige tempo suficiente para a criação de laços de cooperação e confiança entre as diversas ACs, bem como recursos financeiros e humanos para fazer frente aos custos e tarefas de organização e institucionalização da proposta5, os quais, na maioria das vezes, os catadores não possuem (Rutkowski, 2007).
Políticas socioambientais e sustentabilidade da reciclagem
Os benefícios diretos e indiretos da reciclagem, tradicionalmente reconhecidos, são a economia de matérias-primas não-renováveis e a sobrevida dos aterros e lixões. Além dessas economias ambientais, para alguns materiais, como o alumínio, a economia de insumos é tão significativa que os produtos reciclados são mais baratos que os produtos feitos com matéria-prima virgem (Calderoni, 2003; IPEA, 2010). Essa economia direta nos processos de produção não acontece para todos os materiais: o papel reciclado ainda é mais caro que o papel comum. Evidentemente, os preços de mercado não refletem todos os custos e benefícios de uma dada opção tecnológica, o que exigiria um balanço global de custos diretos, indiretos e externalidades sociais e ambientais ao longo das cadeias produtivas das tecnologias comparadas. Avaliações desse porte não são realizadas, existindo apenas balanços pontuais ou focalizando-se apenas uma variável, comumente a energia. Não é raro que sejam verificados balanços energéticos negativos em cadeias produtivas sustentáveis economicamente, pois a energia não é o único insumo a ser considerado na composição dos preços. Avaliações técnicas dos impactos ambientais utilizadas para orientar decisões políticas são, assim, sempre parciais, combinandose a outros critérios ou valores. Comparações mais localizadas podem oferecer bases mais objetivas para avaliar a sustentabilidade de opções tecnológicas alternativas, sem pretensão de se tomá-las como o critério decisivo. Interessa-nos, aqui, a controvérsia atual entre reciclagem e incineração.
A incineração começa a ser adotada no Brasil como forma de tratamento de lixo, complexificando as decisões e desenhos dos sistemas de gestão dos resíduos sólidos urbanos (RSU). Desde que controladas as emissões de poluentes (em especial a dioxina, altamente cancerígena), a incineração tem a vantagem de reduzir a quantidade de resíduos destinados aos aterros. Atualmente, os ganhos diretos com a produção de energia são pequenos em relação aos custos globais, contribuindo em menos de 24% do orçamento necessário para manter um sistema de incineração6. Comparativamente, as grandes dimensões dos aterros, consequência, em parte, das baixas performances dos sistemas de reciclagem, parece colocarem em questão a eficácia da reciclagem como forma prioritária de tratamento dos resíduos sólidos.
Vimos como as diversas formas de tratamento são hierarquizadas nos textos jurídicos, priorizando a reciclagem em relação à incineração (União Europeia, 2008; Brasil, 1991; Lei n. 18.031, de 12 de janeiro de 2009). Apenas quando forem esgotadas as possibilidades de um determinado tratamento, pode-se recorrer ao subsequente, e assim sucessivamente. As incoerências que existem por trás dessa hierarquia, assim como seus limites na garantia da eficiência da GIRSU, serão abordadas a seguir.
Nenhuma dessas opções: reciclagem, aterro e incineração adquiriu legitimidade hegemônica e nem pode ser considerada como mais eficiente segundo todos os critérios técnicos, ambientais, econômicos e sociais, existindo, na prática, sistemas mistos que combinam diferentes tratamentos. Em consequência, se a cadeia contém um mix de tratamentos, como se dá essa combinação e a sua organização? Que relações, trade-offs, conflitos e contradições se colocam no interior dessa cadeia e entre os processos de tratamento que a compõem?
A hierarquia das formas de tratamento de resíduos
A hierarquização das formas de tratamento dos resíduos é um dos eixos estruturantes das políticas de resíduos instituídas pelos poderes públicos, como a Diretiva Europeia relativa a resíduos (União Europeia, 2008), a Política Estadual de Resíduos Sólidos de Minas Gerais (Lei n. 18.031, de 12 de janeiro de 2009) e a lei que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos do Brasil (Brasil, 1991). Uma ordenação usual da hierarquia de tratamento de resíduos, segundo Porter (2005), é a seguinte: 1) Redução na fonte, 2) Reutilização, 3) Reciclagem, 4) Compostagem, 5) Incineração com recuperação energética, 6) Aterro com recuperação energética, 7) Incineração sem recuperação energética e 8) Aterro sem recuperação energética.
A hierarquia fornece um ranking de qualidade ambiental nas atividades de gestão de resíduos, que serve para orientar as políticas públicas e para respaldar opções eficientes do ponto de vista ambiental (EEB, 2008). Desde a metade dos anos 1970, a hierarquia de tratamentos de resíduos desempenhou um importante papel na política de resíduos da União Europeia, difundido-se em todo o mundo, inclusive no Brasil. A racionalidade por trás dessa hierarquia é a minimização dos impactos ambientais da disposição de resíduos (Rasmussen & Vigsø, 2005). Na Diretiva Europeia, os Estadosmembros que realizam ações que não seguem a hierarquia devem se justificar mediante análises que contemplem todo o ciclo de vida dos produtos.
Tanto a reciclagem quanto os outros dispositivos de tratamento e disposição de resíduos geram impactos ambientais negativos e positivos durante o tratamento. Os métodos utilizados para avaliações de impactos ambientais, como Avaliação do Ciclo de Vida (ACV), respaldam a hierarquia, porém podem justificar outras tendências.
Esse tipo de avaliação consiste em colocar em uma mesma escala comparativa impactos ambientais distintos. Entretanto, como não existe uma unidade de medida comum entre os danos, a avaliação relativa de formas de tratamento e destinação fica comprometida. O desafio está em pesar e traduzir, numa escala comparativa, por exemplo, emissões de dióxido de carbono e de nitrogênio (Rasmussen & Vigsø, 2005). Outros desafios estão relacionados com quais impactos devem ser considerados e se devem ser considerados impactos numa escala global ou local e a curto ou a longo prazo. Apesar de ser uma análise objetiva, os meios para se chegar aos resultados são subjetivos, fazendo com que em um mesmo caso concreto haja diferentes resultados nas análises do ciclo de vida (Bertolini, 2005).
Quando se volta a atenção para a realidade dos países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos, onde o nível de controle ambiental é baixo, falta infraestrutura e há miséria e muitos outros problemas sociais, econômicos e técnicoambientais graves. Assim, o drama dos impactos ambientais dos lixões e dos milhares de catadores que trabalham em situações precárias se coloca de forma mais patente. Nesse contexto, é melhor investir na redução de lixo, na minimização dos impactos do lixão ou nas condições de trabalho dos catadores? Numa perspectiva de redução dos impactos, uma recente publicação do Un-Habitat (2009) considera melhor o controle da situação dos lixões nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento.
A questão econômica tem um papel central na discussão da hierarquia: diante de recursos escassos, em que se deve investir? Do ponto de vista dos economistas, análises de custo e benefício (ACB) são métodos mais adequados para avaliar as opções (Rasmussen & Vigsø, 2005; Ackerman, 2005; Porter, 2005; Pearce, 2005; Dijkgraaf & Vollebergh, 2005). A ACB permite que os impactos ambientais, diretos e indiretos, sejam pesados em relação aos impactos econômicos positivos e negativos nas escolhas dos métodos de tratamento. Estudos socioeconômicos indicam que a hierarquia pode falhar em fornecer um guia geral de como priorizar os métodos de tratamento de acordo com o que é socialmente desejável.
Dijkgraaf and Vollebergh (2005) sistematizam os resultados dos estudos que utilizaram essa metodologia para analisar a ordem de prioridade dos tratamentos (Quadro3).
Em algumas avaliações econômicas, a reciclagem é preferida e, em outras, a incineração, o que indica que a reciclagem não é unanimemente reconhecida como a solução mais recomendável na hierarquia. Com relação a aterro versus incineração, também não há consenso. Segundo Dijkgraaf and Vollebergh (2005), na Suécia, o custo social da incineração foi estimado em seis bilhões mais alto do que o custo do aterro. Nessas abordagens de análise de custo e benefício, pode-se identificar incertezas similares as discutidas no caso da ACV. Rasmussen and Vigsø (2005), embora defensores desse tipo de abordagem, destacam alguns limites relacionados à qualidade dos estudos: os preços utilizados para monetarizar as emissões não são claros, os estudos possuem escopo local ou nacional, prejudicando sua generalização, a definição de custos privados não é clara e os benefícios dos aterros não são bem definidos. Diante das incertezas, os resultados de ACB devem ser considerados com cautela.
Em síntese, seguindo a análise econômica, o problema se resume na escolha da opção mais barata. De acordo com a lógica ambiental, deverse-ia reciclar 100% dos resíduos produzidos, o que certamente custaria muito caro. Porém, não parece coerente julgar qual forma de tratamento é a melhor tomando somente um ou dois parâmetros como referência sem discutir a complexidade que envolve a interação das dimensões sociais, econômicas e técnico-ambientais.
De acordo com a hierarquia normativa das políticas públicas, a reciclagem é preferível à incineração ou ao aterro, o que teoricamente garantiria o espaço da reciclagem, respondendo positivamente à questão colocada quanto à sua sustentabilidade. No entanto, postular a hierarquia é suficiente para que a reciclagem assuma um papel relevante no interior da GIRSU? O modo de aplicação da hierarquia não é claro: o que é esgotaras possibilidades de uma opção antes de passar para a opção subsequente? Seguindo essa lógica da hierarquia, poder-se-ia, por exemplo, reciclar 1 ou 2% do lixo, como acontece nas poucas cidades brasileiras com programas de coleta seletiva, e concluir que a exigência foi atendida. No relatório de uma conferência realizada para discutir a Diretiva Europeia, em que as principais ONGs ambientalistas estavam presentes, foi enfatizada esta preocupação: garantida a hierarquia na diretiva, "resta saber como ela será implementada na prática" (EEB, 2008).
Na prática, as diferentes tecnologias podem coexistir. Dessa forma, o ponto central da discussão não é contrapor as tecnologias se a reciclagem é melhor que a incineração ou o aterro, ou vice-versa, mas, sim, quais materiais e qual proporção dos resíduos devem ser reciclados, incinerados ou aterrados. Essa questão dificilmente vai ser respondida de forma objetiva, simplesmente levando em consideração aspectos técnicos ou econômicos. As decisões resultam de uma conflituosa e intrincada negociação social, gerando as mais diversas combinações ou mix de tratamentos. Essas configurações diversificadas dos sistemas de GIRSU se darão de acordo com os contextos de cada país, região e cidade, considerando ainda que em uma mesma cidade possa haver diferentes regiões com experiências sociais e condicionantes técnicas, ambientais e econômicas muito distintas, o que resulta em sistemas locais heterogêneos.
A hierarquia deve ser tratada, segundo Bertolini (2005), como uma hierarquia de princípios e ser objeto de estudos mais aprofundados, com base em casos concretos. Para Rasmussen and Vigsø (2005), a hierarquia deve ser tratada como um princípio flexível somente para recomendações políticas. Talvez, o estabelecimento de metas de reciclagem assegure politicamente que a reciclagem assuma um papel importante. Porém, a dificuldade das metas não está em estabelecê-las, mas em conseguir alcançá-las.
Conclusão: estratégias de coordenação da rede social pró-catadores e reciclagem
Parece ser natural que os movimentos sociais direcionem suas lutas para transformar ações e programas de governo em políticas públicas. Um quadro normativo institucionalizado em leis, com princípios e regulamentação consequente, dá mais estabilidade e segurança que a luta cotidiana.
Tentamos argumentar, tomando como exemplo nossa atuação com os catadores e pesquisas sobre reciclagem, que essas conquistas não são sustentáveis a longo prazo sem que seja construído o "caminho de volta". Políticas públicas não representam o ápice da conquista de um movimento, apenas criam um quadro institucional favorável para que as ações sejam mais efetivas. Caso esse caminho de volta não seja construído, as políticas conquistadas podem permanecer meras intenções.
O maior risco, como mostram as deficiências que impedem o desenvolvimento da reciclagem com inserção dos catadores, é que a implementação dessas políticas perca aderência com a realidade que as conquistou. A institucionalização parece retirar do movimento social a força da qual é resultante e se volta contra seus sujeitos originários. Também neste momento, e principalmente aqui, o controle social sobre os instrumentos das políticas públicas deve ser mais intenso. Dizemos principalmente porque a orientação ascendente antes da conquista é natural e as forças sociais mobilizadas informam e moldam as políticas públicas. No caminho de volta, a direção se inverte. Nesse momento, os técnicos e os gestores tomam a frente, começam a definir padrões e pacotes tecnológicos que supostamente atendem aos interesses dos movimentos sociais, mas, na prática, se afastam deles. A política deixa de ser social e se torna administrada.
Schwartz e Durrive (2007), quando desenham relações tripolares para dar conta dos processos sociais, sempre atribuem um lugar às forças de convocação da experiência do trabalho como garantia permanente de que os conceitos (e qualquer forma de abstração, como planos e políticas públicas) não percam a aderência com o real. Essa vigilância permanentemente exercida pelo trabalho é condição sine qua non para efetivar qualquer política por si só impotente para transformar virtualidades em realidade. A reciclagem e a coleta seletiva solidária são políticas virtuais que precisam reencontrar a energia vital dos catadores para se concretizarem. Para isso, seus instrumentos precisam ser construídos e reconstruídos a partir das necessidades dos processos de coleta, triagem e comercialização, de forma a superar os obstáculos que impedem o desenvolvimento dessa opção socioambiental de tratamento do lixo. Como dizia um de nós a respeito da produção de conhecimentos interdisciplinares sobre o trabalho:
A necessidade posta pelo objeto é que leva a reinventar projetos que não foram bem-sucedidos. No entanto, para que essas deficiências possam ser superadas, é necessário contrapor ao viés epistemológico das sínteses disciplinares a força de convocação da experiência do trabalho. Isso exige que os dispositivos tripolares assumam um reposicionamento ontológico, criando condições para que a força do sujeito/objeto possa operar tanto para desestabilizar conhecimentos estabelecidos quanto para forçar a síntese de novos conceitos e conhecimentos. O que se separou pela obra do conhecimento disciplinar somente pode ser reunificado por obra da própria realidade a ser desvendada (Lima, 2007, p. 258).
Essa experiência nos reconfortou a certeza de que
somente a experiência do trabalho, dada sua natureza totalizante e global, pois todas as determinações estão presentes na situação de trabalho, [...] possui força de atração suficiente para operar as sínteses entre conhecimentos dispersos e exercer um controle ontológico sobre as disciplinas especializadas e seus inevitáveis vieses epistemológicos. O elemento catalisador da produção desse conhecimento totalizante é, paradoxalmente, o desconhecimento do trabalho (Lima, 2007, p. 253).
Deparamo-nos, no caso da reciclagem e dos catadores, com um problema semelhante que reafirma nossas convicções e confirma nossa experiência: a sustentabilidade dessa alternativa depende das forças de convocação da experiência do trabalho, que deve, mesmo após suas conquistas políticas, se reapropriar dos instrumentos de sua implementação, que nada mais são que as condições de sua própria vida.
Referências
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Recebido em: 25/08/11
Aceito em: 25/11/11
1 Contato: fabiana.goulart@yahoo.com.br
2 Evidentemente, não assumimos a produção atual do lixo como algo dado ou necessário, mas como resultante da subordinação do consumo à produção de valor, em um modo de produção cuja eventual transformação mudaria completamente os termos do problema. Nas condições atuais, o lema dos 3Rs (Redução, Reutilização e Reciclagem) é, na prática, reduzido à reciclagem, pois a quantidade de lixo aumenta continuamente. A redução do lixo não é uma estratégia viável para transformar o metabolismo homem-natureza quando consumo e produção servem ao processo de valorização. Para uma análise crítica da ideologia da reciclagem, ver Layrargues (2011), e sobre como o descartável alimenta a produção de valor, Mészàros (1995).
3 Na Europa, discute-se, por exemplo, se as cinzas resultantes da incineração, aproveitadas em obras civis, devem ser contabilizadas nas metas de reciclagem.
4 Repete-se no Brasil o mesmo mecanismo de desenvolvimento subordinado ou dependente que caracteriza o Terceiro Mundo em relação aos países centrais. Mais acertadamente que a Teoria da Dependência, Chasin (2000) caracteriza a via colonial de desenvolvimento como subordinada aos processos de acumulação dos países centrais, que condiciona o "desenvolvimento" periférico a uma função sempre subalterna dada a incompletude dos capitais nacionais.
5 Normalmente, na formação de Arranjos Produtivos, Clusters e outras redes de empresas, há uma empresa mãe, principal interessada nos benefícios do processo de enredamento que financia os custos e promove a organização da rede.
6 Essa proporção é registrada em incineradores franceses da região parisiense. Os ganhos somam o faturamento obtido com a venda de energia e de materiais recicláveis, incluindo parte das cinzas residuais (Sytcom, 2009).