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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

versão On-line ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.5 no.1 Juiz de fora jun. 2012

 

ARTIGOS

 

Integração acadêmica e integração social nas primeiras semanas na universidade: percepções de estudantes universitários

 

Academic and social integration during the first weeks at the university: perceptions of university students

 

 

Marco Antonio Pereira Teixeira1; Alexandre Kurtz dos Santos Sisson de Castro; Ana Paula Couto Zoltowski

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil

 

 


RESUMO

Integração acadêmica e social são processos que influenciam a adaptação de alunos de ensino superior ao ambiente acadêmico. O objetivo deste estudo foi descrever como estudantes ingressantes percebem a sua integração acadêmica e social nas primeiras semanas de curso. Participaram 17 estudantes em seu primeiro curso universitário, com idades entre 18 e 28 anos, de quatro graduações: Engenharia Civil, Enfermagem, Farmácia e Jornalismo. As entrevistas individuais ocorreram entre a quarta e a oitava semanas de aulas, sendo submetidas à análise temática de conteúdo. Os resultados apontaram que os processos de integração acadêmica e social já ocorrem em um período recente no curso, envolvendo contextos de pares, disciplinas, professores e instituição. Observou-se que a integração pode ser compreendida como um fenômeno multifacetado, que não se resume à descrição de quais pessoas ou contextos estão envolvidos, mas à forma como as relações são percebidas pelo aluno.

Palavras-chave: Integração, Ensino Superior, Universitários


ABSTRACT

Social and academic integration are processes which influence the adaptation of higher education to the academic environment. The aim of this study was to describe how first-year students perceive their academic and social integration in the first weeks of university. The subjects were 17 students in their first year of university, with 18 to 28 years of age, from four undergraduate programs: civil engineering, nursing, pharmacy, and journalism. The individual interviews occurred between the fourth and eighth weeks of classes, being submitted to the thematic analysis of content. The results suggested that the processes of academic and social integration start in the beginning of the program, involving contexts of pairs, courses, professors, and institution. It is observed that the integration may be understood as a multifaceted phenomenon which is not simply the description of which persons or contexts are involved, but the manner with which the relations are perceived by the students.

Keywords: Integration, Higher Education, University Students


 

 

O panorama do ensino superior no Brasil foi bastante alterado nas duas últimas décadas. De 1996 até 2009, o número de instituições de ensino superior aumentou em 144,2%, sendo um aumento de 11,8% das instituições públicas e 183,5% das particulares. Contudo, esse crescimento parece estabilizado, uma vez que nos últimos cinco anos o crescimento das instituições públicas e privadas tem se mantido entre 3,5 e 4,5%. No quadro atual, observa-se que apenas cerca de 15% das instituições de ensino superior no Brasil são públicas. Mesmo com programas de expansão e acesso ao ensino superior, como o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) e o Programa Universidade para Todos (PROUNI), a razão entre o número de sujeitos aptos ao ingresso no ensino superior e o número de vagas disponíveis ainda é insatisfatória. Em 2007, por exemplo, apenas 2.823.942 vagas estavam disponíveis para as mais de 22 milhões de pessoas aptas ao ingresso no ensino superior. Apesar disso, apenas cerca de 1,8 milhões de pessoas ingressaram no ensino superior (INEP/MEC, 2010; Tavares et al., 2011).

Assim, ingressar em uma universidade ou faculdade, e com isso ampliar a educação e obter uma qualificação profissional, é uma experiência importante na vida de muitos jovens, especialmente no contexto brasileiro, no qual muitos ainda são excluídos desse processo. Há evidências de que a busca pelo ensino superior constitui-se em um dos principais objetivos de vida de adolescentes que concluem o ensino médio (Sparta & Gomes, 2005). As expectativas relacionadas ao curso superior podem ser variadas, mas em geral englobam pelo menos dois aspectos: a realização pessoal, pela opção por uma profissão que seja um meio de expressão e desenvolvimento dos interesses, valores e aptidões pessoais, e a sustentabilidade financeira, ou seja, a expectativa de que, pelo trabalho profissional, o indivíduo consiga manter a si mesmo e seus dependentes com um padrão de vida considerado satisfatório (Pachane, 2004).

O ingresso no ensino superior é uma transição que traz potenciais repercussões para o desenvolvimento psicológico dos jovens estudantes (Pereira et al., 2006). Em primeiro lugar, ela representa muitas vezes a primeira tentativa importante de implementar um senso de identidade autônomo, tentativa traduzida por meio da adolescência para a vida adulta (Erikson, 1976). No entanto, nem sempre a profissão escolhida possui um caráter central na constituição da identidade de calouros universitários. Para alguns, o simples fato de ingressar no ensino superior e identificar-se como estudante universitário parece ser um aspecto mais saliente do que a própria profissão (ou curso) em si (Lassance & Gocks, 1995).

Dessa forma, a experiência universitária não se resume à formação profissional. Especialmente nos anos iniciais, e para aqueles jovens que concluem o ensino médio e ingressam logo em seguida em um curso superior, a universidade tem um impacto que vai além da profissionalização (Almeida & Soares, 2003). A entrada na universidade implica uma série de transformações nas redes de amizade e de apoio social dos jovens estudantes (Tao, Dong, Pratt, Hunsberger, & Pancer, 2000). Geralmente, até o término do ensino médio, uma significativa parcela da vida dos adolescentes gira em torno da escola: é nela que passam a maior parte do tempo e costumam ter a maioria dos amigos; é também, principalmente, a escola que lhes cobra desempenho e responsabilidade sob pena de sanções diversas. O mundo universitário, por outro lado, é bem menos estruturado que o mundo escolar. Os colegas não são mais os mesmos, havendo a necessidade de se estabelecerem novos vínculos de amizade. Enquanto tais vínculos não se estabelecem, o jovem conta apenas com seus próprios recursos psicológicos e com o apoio das redes formadas anteriormente ao ingresso na universidade (outros amigos e família) para enfrentar eventuais dificuldades que possam surgir na trajetória acadêmica. A transição escola/universidade é um processo ativo por parte dos estudantes, que traçam estratégias para superar os desafios presentes tanto no meio acadêmico quanto fora dele (Clark, 2005; Yazedjian, Toews, Sevin, & Purswell, 2008). Ajustar-se à universidade implica, assim, integrar-se socialmente com as pessoas desse novo contexto, participando de atividades sociais e desenvolvendo relações interpessoais satisfatórias (Diniz & Almeida, 2006; Pascarella & Terenzini, 2005).

As rupturas impostas pela vida universitária repercutem ainda em outros âmbitos além das redes sociais dos estudantes. A universidade é um ambiente distinto do escolar, onde a monitoração e o interesse da instituição pelo estudante são notadamente diminuídos. Isso faz com que o envolvimento do estudante com sua formação dependa muito mais dele do que da universidade. A responsabilidade pelo aprendizado, antes centrada na escola, é agora deslocada para o jovem. Dele, esperase autonomia na aprendizagem, na administração do tempo e na definição de metas e estratégias para os estudos (Soares, Almeida, Diniz, & Guisande, 2006). Apesar deste aumento na expectativa de responsabilidade individual por parte do aluno em sua formação e adesão ao curso, verifica-se que certas características do ambiente universitário, tais como a oportunidade de interação com professores e de envolvimento em atividades extraclasse, favorecem a integração do aluno ao contexto universitário (Capovilla & Santos, 2001; Fior & Mercuri, 2004; Kuh & Hu, 2001).

Dentre os diversos fatores que compõem a experiência acadêmica e o sucesso nela destacam-se a integração social e a integração acadêmica (Robbins et al., 2004). A importância da integração social e da integração acadêmica para a adaptação e o consequente sucesso no ensino superior foi introduzida por Tinto (Cabrera, Castañeda, Nora, & Hengstler, 1992). Em seu Modelo de Integração do Estudante (Student Integration Model), o autor indica que a integração acadêmica e a integração social estão relacionadas com as decisões de permanecer ou abandonar um curso. A integração acadêmica refere-se ao sentimento de estar integrado ao ambiente da universidade, ao seu contexto e às demandas que ela impõe. Incluem-se nessa dimensão acadêmica questões vinculadas ao papel de estudante, como a percepção em relação ao rendimento acadêmico e a autoestima relacionada a este; a satisfação com o desenvolvimento pessoal/intelectual a partir das atividades e vivências acadêmicas; o sentimento de gostar dos conteúdos do curso e uma identificação com as normas e valores do curso; e também a percepção de qualidades, aplicação e apoio por parte dos professores. Já a integração social refere-se à satisfação pessoal vinculada ao convívio com outras pessoas (colegas, professores e funcionários) no ambiente universitário e ao desenvolvimento pessoal atrelado a esse convívio. A integração social engloba questões como sentir-se parte do grupo e sentir-se bem no ambiente universitário, além de participação em atividades de cunho social, formais ou informais na universidade. O Modelo de Integração do Estudante ainda trabalha com outras duas variáveis: compromisso com a instituição (importância de ser aluno de uma determinada universidade) e com a meta de concluir a graduação/importância de obter o diploma (Cabrera et al., 1992; Tinto, 1975).

A literatura mostra que as primeiras experiências vividas pelos estudantes ao longo do primeiro ano de seus cursos são importantes para o desenvolvimento de carreira (Bohnert, Aikins, & Edidin, 2007; Haussmann, Schofield, & Woods, 2007; Pascarella & Terenzini, 2005; Reason, Terenzini, & Domingo, 2006). Assim, o modo como os alunos se integram ao contexto do ensino superior faz com que eles possam aproveitar melhor (ou não) as oportunidades oferecidas pela universidade tanto em termos da formação profissional quanto do seu desenvolvimento psicossocial (Pachane, 2004). Nesse sentido, manter um relacionamento com um amigo dos tempos de escola nas primeiras semanas na universidade parece facilitar a integração à universidade. Contudo, ao longo do primeiro ano, a ampliação da rede social, com a formação de novas amizades, facilita a adaptação ao ambiente universitário (Swenson, Nordstron, & Hiester, 2008). Estudantes que se integram acadêmica e socialmente desde o início de seus cursos têm possivelmente mais chances de crescerem intelectual e pessoalmente do que aqueles que enfrentam mais dificuldades na transição à universidade (Pascarella & Terenzini, 2005). Além disso, o primeiro ano universitário é o período crítico no qual ocorre a maior parte dos abandonos de curso (Silva Filho, Motejunas, Hipólito, & Lobo, 2007; Reason et al., 2006), um fenômeno que traz prejuízos tanto para os alunos quanto para as instituições.

Os estudos brasileiros sobre desenvolvimento de carreira de estudantes universitários, em sua maioria, abordam tópicos como: os fatores que influenciam a escolha profissional, a satisfação e a integração com o ensino superior, as mudanças de curso e a evasão universitária (por exemplo, Bardagi & Hutz, 2009; Granado, Santos, Almeida, Soares, & Guisande, 2005; Lehman, 2005; Magalhães & Redivo, 1998; Primi, Santos, & Vendramini, 2002; Schleich, Polydoro, & Santos, 2006; Sisto et al., 2011; Vendramini et al., 2004). Especificamente sobre desenvolvimento de carreira no primeiro ano da experiência universitária, percebe-se que até meados da década passada não se encontravam estudos nacionais focados nesse assunto. Entretanto, nota-se, nos últimos anos, uma dedicação maior dos pesquisadores da área ao tema, mesmo que ainda seja discreta. Destacam-se tanto trabalhos exclusivamente focados em calouros (Guerreiro-Casanova & Polydoro, 2010a, 2010b, 2011; Teixeira, Dias, Wothich, & Oliveira, 2008) como estudos que comparam calouros com estudantes de outros anos (Carmo & Polydoro, 2010; Igue, Bariani, & Milanesi, 2008; Schleich et al., 2006). Desses estudos, apenas um focou exclusivamente a questão da integração ao ensino superior (Guerreiro-Casanova & Polydoro, 2010b).

Guerreiro-Casanova e Polydoro (2010b) realizaram um estudo longitudinal e quantitativo (a primeira fase no meio do primeiro semestre e a segunda fase no meio do segundo), em que foi aplicado o Questionário de Vivências Acadêmicas - reduzido (QVA-r) a 189 alunos calouros (45% do sexo masculino). Nesse estudo, observou-se diminuição na integração ao Ensino Superior ao longo do primeiro ano de curso. Nesse sentido, pode-se pensar que os estudantes vivenciam mudanças e possíveis dificuldades ao longo do ano letivo quanto à forma de se integrarem ao novo ambiente. Uma das possíveis explicações para esse fenômeno talvez seja o efeito da empolgação relativa à entrada na universidade, o que pode influenciar na qualidade da percepção dos calouros, maximizando os aspectos positivos acerca da vivência e da integração ao ensino superior. Entretanto, é possível se observar que esses resultados ainda são incipientes e, com isso, merecem ser mais bem explorados para que se compreenda como a integração ocorre desde os momentos iniciais do curso.

Dessa forma, considerando o papel da integração acadêmica e social para o sucesso adaptativo do estudante frente a nova transição de carreira, o objetivo deste estudo foi descrever qualitativamente como estudantes ingressantes percebem sua experiência de adaptação à universidade a partir das dimensões de integração, tendo como recorte temporal as primeiras semanas de aula. Como objetivos específicos, encontram-se: a) a identificação de um panorama de possibilidades acerca da integração acadêmica e social ainda em um momento inicial do curso; e b) a investigação dos fatores que compõem cada dimensão de integração.

 

Método

Delineamento

Empregou-se um delineamento de estudo de caso coletivo (Stake, 1994), qualitativo e exploratório, uma vez que o objetivo do estudo foi descrever a experiência de integração acadêmica e social de estudantes universitários ingressantes. Buscou-se analisar os casos em conjunto como forma de observar os aspectos (positivos e negativos) da integração acadêmica e da integração social de uma forma integrada. Dessa forma, ressalta-se que o intuito desta pesquisa não foi descrever os casos em si ou mesmo contrastá-los, mas apresentar um panorama das possibilidades que constituem a experiência de integração ao curso.

Participantes

Participaram desta pesquisa 17 alunas calouras de quatro cursos de graduação (Enfermagem, Engenharia Civil, Farmácia e Jornalismo) de uma universidade federal da região Sul do Brasil. Essa instituição caracteriza-se por ser uma universidade tradicional e bem conceituada, tendo aproximadamente 40.000 alunos, divididos entre os cerca de 90 cursos de graduação e 70 programas de pós-graduação. A universidade é referência em ensino e pesquisa em diversas áreas e seu vestibular é bastante concorrido. Todas as entrevistadas estavam em sua primeira experiência universitária, cursando entre a quarta e a décima semana de aulas. As idades das estudantes variaram entre 18 e 28 anos. O fato de apenas mulheres terem participado do estudo foi em decorrência da disponibilidade das participantes (ver seção Procedimentos) e não corresponde a um recorte de gênero determinado previamente. A Tabela 1 traz outras informações sobre o perfil das participantes.

Instrumento

Utilizou-se uma entrevista semiestruturada acerca da experiência de integração à vida universitária. A entrevista baseou-se em questões norteadoras que abrangeram temas como processo de escolha do curso, sentimentos e significados acerca do contexto universitário, aspectos positivos e negativos dessa vivência, dificuldades percebidas e expectativas sobre o curso e a profissão.

Procedimentos

Os cursos foram escolhidos por conveniência dos pesquisadores (Flick, 2009), em virtude de contatos anteriores que já haviam sido feitos com as coordenações de alguns cursos. Porém, buscou-se abranger três áreas de ensino distintas (Humanas, Exatas e Biomédicas). Em seguida, as coordenações dos cursos de graduação foram contatadas e a proposta da pesquisa foi apresentada. Com o aval dos cursos, entrou-se em contato com os professores de disciplinas obrigatórias do primeiro semestre e agendou-se uma visita às salas de aula. Nesse momento, explicaram-se os objetivos da pesquisa, assim como a forma de participação.

Aqueles alunos que se mostraram interessados e com disponibilidade em participar preencheram uma breve ficha contendo seus dados para contato posterior. Nessa etapa, tanto homens quanto mulheres haviam se prontificado a participar.

Entretanto, ao serem realizados os contatos, por telefone ou endereço eletrônico, a fim de agendar a entrevista, apenas mulheres mostraram-se ainda interessadas e com disponibilidade. Dessa forma, cabe ressaltar que o fato de apenas alunas calouras participarem da pesquisa não foi uma escolha a priori dos pesquisadores.

As entrevistas foram realizadas por dois pesquisadores envolvidos no estudo, gravadas em áudio e, posteriormente, transcritas para análise. Os locais de realização das entrevistas foram salas de trabalho na própria universidade. Inicialmente, foram analisadas e discutidas duas entrevistas (uma de cada entrevistador) para se observar a adequação do roteiro aos propósitos do estudo, não tendo sido identificada necessidade de alteração no roteiro. O estudo foi conduzido após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Psicologia da universidade onde se realizou o estudo, sendo seguidos os demais cuidados éticos com a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes da realização das entrevistas.

 

Análise dos dados

As entrevistas foram analisadas qualitativamente por meio da análise temática de conteúdo (Bardin, 1977). A análise partiu de dois temas gerais previamente definidos; no caso, integração acadêmica e integração social. Entretanto, subcategorias foram construídas a partir da leitura e categorização dos dados.

 

Resultados

Os resultados foram organizados em duas grandes áreas temáticas: integração acadêmica e integração social. Cada tema possui subcategorias, sendo integração acadêmica composta por quatro categorias: pares, disciplinas, professores e instituição; e integração social por: pares, instituição e professores.

Integração acadêmica - Pares

Esta categoria contempla relatos referentes à percepção que as estudantes possuem acerca do contato com colegas e veteranos no que diz respeito a assuntos acadêmicos. Nesse primeiro momento de entrada no curso, ressalta-se a importância do papel dos veteranos como modelos de sucesso acadêmico e conhecedores do funcionamento das disciplinas e da instituição como um todo.

Tu vê eles [veteranos] lá e vê que eles já estão quase se formando, assim tão bons sabe, tipo estagiando em empresas boas, grandes, fazendo, felizes assim sabe. Aí isso me dá bastante força, tipo tu vê que não tem problema rodar, que não é tão o fim do mundo assim (P8)

Além de representarem exemplos daqueles que conseguiram superar as dificuldades acadêmicas, os veteranos tornam-se também fontes de apoio instrumental para as novas alunas. O recebimento de dicas sobre disciplinas e sobre aspectos práticos do cotidiano da vida universitária mostram-se facilitadores para a transição nesse novo ambiente. Uma aluna do curso de Farmácia relata quais foram as dicas práticas que recebeu dos seus veteranos e a importância que estas tiveram nesse momento inicial:

Ah, dicas, que nem pra estudar pra uma prova, por exemplo, estuda tal coisa, decorem isso que precisa. Ou pra Química, façam os exercícios com antecedência, não deixem acumular. [...] Daí é assim, ah, por exemplo, esse ônibus chega mais rápido, por outro lado, o outro é mais vazio e tu podes vir sentada. E daí essas coisas, bem básicas que tu não precisa aprender quebrando a cara, é bem mais fácil daí (P11)

Integração acadêmica - Disciplinas

As disciplinas cursadas no primeiro semestre da faculdade tendem a focar tópicos mais gerais sobre o curso além de apresentarem conteúdos mais introdutórios. Entretanto, mesmo nesse panorama de baixa especificidade, as alunas percebem que as demandas acadêmicas da universidade diferem das demandas acadêmicas do ensino médio e do curso pré-vestibular. Nesse sentido, lidar com uma nova configuração de disciplinas pauta-se tanto em avaliações sobre os aspectos positivos quanto sobre os aspectos negativos dessa experiência. Como fator positivo, pode-se citar a importância das disciplinas introdutórias como disciplinas iniciais caracterizadas pela apresentação de pontos básicos sobre o curso e a profissão, enriquecendo o nível de informação das estudantes.

A gente teve que fazer um trabalho de introdução à Engenharia Civil. A gente entrevistou um engenheiro e foi bem legal, porque nos mostrou, assim mais ou menos, a rotina, o cotidiano, e eu achei interessante. Achei bem legal (P9)

Ao mesmo tempo, sente-se falta de disciplinas mais específicas que proporcionem maior contato com a área de atuação escolhida. As estudantes sinalizam uma necessidade de aproximação com o curso e a profissão, o que, por vezes, as disciplinas iniciais, por serem mais genéricas, não conseguem proporcionar.

Ah, dicas, que nem pra estudar pra uma prova, por exemplo, estuda tal coisa, decorem isso que precisa. Ou pra Química, façam os exercícios com antecedência, não deixem acumular. [...] Daí é assim, ah, por exemplo, esse ônibus chega mais rápido, por outro lado, o outro é mais vazio e tu podes vir sentada. E daí essas coisas, bem básicas que tu não precisa aprender quebrando a cara, é bem mais fácil daí (P11)

Eu só gostaria que tivesse um pouquinho mais de Engenharia Civil no começo do curso. A única cadeira que nós temos que realmente trata isso é Introdução Civil, o resto é tudo de outras áreas... Matemática, Física, Programação. Só isso que falta, falta isso. Porque isso estimula a estudar outras coisas (P7)

Por outro lado, mesmo que o contato ainda seja incipiente, as estudantes já compreendem que as disciplinas possuem outro grau de exigência e de cobrança. Adota-se como parâmetro de comparação as vivências anteriores à faculdade, o que proporciona maior saliência às diferenças entre os dois contextos.

Por exemplo, tem uma aula de Anatomia, daí tem 100 páginas para ler e tem um conteúdo que se fosse lá... Lá no primeiro grau, no segundo grau, tu ia ver em um mês inteiro. Aqui, tu vai ver em uma aula, e é muita coisa (P5)

Integração acadêmica - Instituição

Além da vivência cotidiana das disciplinas e do contato com colegas e veteranos, o ingresso acadêmico engloba a percepção acerca do ambiente universitário como um todo, ressaltando-se as características da instituição. Assim como as disciplinas, a instituição, entendida aqui como a universidade, suas políticas de ação e seus diferentes espaços, é percebida por meio de aspectos facilitadores de adaptação, assim como de pontos a serem melhorados. Como fator positivo, relatou-se o suporte institucional no provimento de ações acadêmicas de monitoria e Programas de Apoio à Graduação (PAG).

Ah, tu está com dúvida numa coisa, tu não entendeu, daí tu vai lá, daí os alunos dos semestres que já passaram... Daí eles explicam direitinho o que tu não entendeu. Tem aulas no sábado também com os professores, que é o PAG de Química, que eu faço, que é pra quem está com um pouco de dificuldade, daí eu vou para ver se ajuda (P12)

A universidade, mediante os meios de divulgação de cada curso, proporciona aos alunos o conhecimento de oportunidades de estágio na própria instituição. Além disso, as estudantes percebem que o Diretório Acadêmico constitui-se como um espaço dentro da instituição voltado a informar os estudantes sobre o que está acontecendo no curso.

Sim, eles [o curso] oferecem trabalhar ali no rádio e tal, que é bolsa assim... Mas tu não recebes nada, é só por experiência assim. [...] No portal do aluno, tu já pode ver os estágios, ver as bolsas. Então eles abrem também um leque muito grande de opções pra ti (P13)

Eu gosto da infraestrutura da universidade, ainda tem, por exemplo, o Diretório da Farmácia, junto com todas as coisas, sempre deixa a gente informado sobre o que está acontecendo, sobre propostas de bolsa, de emprego, pesquisa. Eu acho muito legal (P11)

É possível notar a presença de diferentes ambientes, sejam virtuais, como o portal do aluno (sistema online que contém informações do aluno no curso); sejam coletivos, como o diretório acadêmico, inseridos dentro do espaço de ação da universidade e que colaboram na integração do aluno. Entretanto, assim como esses espaços são elogiados pelas estudantes, a estrutura da universidade também deixa a desejar em alguns aspectos, por exemplo, o deslocamento entre os campi.

A gente tem aula no [campus] A, na B e no C. Aí a gente está no C, tem que vim para a B, a gente está na B, tem que ir para o C. Daí de manhã, a gente tem aula no A. Tipo, terça-feira eu tenho aula no A, na B e no C. Aí, eu acho que isso... É... Chega a ser um ponto negativo porque acaba te cansando (P1)

Por vezes, a forma como o currículo de cada curso se organiza inclui disciplinas em campi diferentes, demandando dos alunos um dispêndio de tempo e de energia para o deslocamento. Nesse sentido, são citadas dificuldades de se chegar no horário de início das disciplinas, já que o intervalo entre as aulas pode não ser tempo suficiente para as estudantes se deslocarem de um espaço a outro na universidade.

Integração acadêmica - Professores

Os professores são percebidos principalmente pela forma como transmitem o conteúdo das disciplinas, sendo valorizadas a competência técnica sobre os assuntos explanados e a didática utilizada. Entretanto, a didática de cada professor torna-se um dos pontos mais salientes percebidos pelas alunas. Professores são elogiados pela sua didática, enquanto outros são criticados por isso.

Eu troquei para outro [professor] agora, que ele é mais estilo professor de cursinho assim, mais ensino médio e cursinho, então ele é muito mais próximo do que eu estava acostumada e os meus colegas também, então a gente já está conseguindo entender melhor assim, sabe. E os outros professores também são nesse estilo, que conseguem passar bem (P8).

Por exemplo, a aula de [disciplina] que todo mundo detesta, não é que ela [professora] seja uma má pessoa, mas ela não consegue nos mostrar como a gente vai utilizar a [conhecimento da disciplina] na nossa área, na Enfermagem mesmo. Então, fica muito vago (P4)

A didática utilizada pelo professor pode ser vista como um dos fatores associados à qualidade da compreensão dos conteúdos acadêmicos, indicando que as alunas percebem as nuanças de estilo de cada professor, valorizando não apenas o quanto o professor sabe, mas como ele transmite o que sabe.

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Integração social - Pares

A presença dos pares cumpre importante papel na integração social dos alunos ingressantes na universidade. A socialização entre os colegas de turma proporciona que esse envolvimento caracterize-se por interações e relações de amizade.

No primeiro dia já foi integração. Que nem tem umas amigas minhas que já faziam Enfermagem, e o pessoal é muito receptivo, sabe... Teve a recepção do Diretório, todo mundo ali, conversaram, deixam esse clima bem íntimo, bem de amizade. Os veteranos também fizeram um trote bem diferente, e sempre que a gente precisa, eles estão à disposição (P2)

Eu tenho essa necessidade de ter um bom relacionamento com as pessoas, e daí como é muita mulher, normalmente dá fofoca, mas foi bem ao contrário do que eu esperava. Minha turma é muito legal, muito unida, um ajuda o outro (P4)

Entretanto, a integração com os colegas de turma pode ser prejudicada por uma percepção de diferença de idade e consequente falta de maturidade dos colegas frente ao novo ambiente. Dessa forma, há a expectativa de que os colegas tenham uma postura mais responsável e condizente com o papel de estudante universitário, o que influencia na forma como ocorre a interação entre a turma.

As pessoas parecem que são muito infantis, sabe? Eles nem parecem que são universitários, porque levam na brincadeira, sabe? Aí conversam demais e falam muito alto. Nas aulas, eles conversam, me parece que não se preocupam tanto, sabe? Eles são... Realmente atrapalha, assim, o aprendizado. Pra mim esse é um ponto negativo (P10)

Além dos colegas, outra fonte importante de socialização para as estudantes são os veteranos. Nesse caso, estes contribuem como apoio emocional para as alunas ingressantes, realizando o acolhimento das principais ansiedades referentes às demandas do curso. O compartilhamento de experiências entre aqueles que já vivenciaram a etapa inicial do curso e os que a estão vivenciando agora é percebida como fonte importante de conforto emocional e tranquilidade.

Como é o primeiro semestre, as pessoas ficaram em recuperação, a gente foi recorrer pra elas [colegas do semestre seguinte]: 'Ah, gurias como é que foi a prova? Ah, tranquila. E a recuperação? Ah, nem te estressa... Fica calma'. Por exemplo, eu fiquei em recuperação em Anatomia, eu chorei horrores quando eu peguei a recuperação e aí eu fui conversar com nossos veteranos, e elas 'ah fica tranquila, recém é o início, é o nervosismo também na hora da prova, tu vai conseguir' (P2)

Integração social - Professores

A integração com os professores não se deu apenas em nível acadêmico, com a explicitação sobre a didática e a competência técnica. O contato com os professores englobou também referências de envolvimento social, principalmente a percepção de que eles proporcionaram abertura e acolhimento que extrapolaram as atividades dentro de sala de aula.

Eu senti também os professores muito abertos. No dia da matrícula, a coordenadora do curso de Farmácia conversou com a gente, disse que a gente podia se sentir bem à vontade, eu me senti bem acolhida pelo curso. Qualquer professor disse onde era o local da sala, questão de tirar dúvidas, que a gente podia aparecer. Eu me senti acolhida assim, me senti a vontade, isso eu achei muito bom, faz a gente se sentir melhor no ambiente que a gente estuda (P10)

 

Discussão

O relato das participantes demonstrou que os processos de integração ao ambiente universitário já ocorrem em um período recente de entrada no curso. Observou-se que a percepção acerca da instituição, das disciplinas, dos pares e dos professores vai sendo construída aos poucos, ao mesmo tempo em que as experiências anteriores do ensino médio e/ou de cursos prévestibulares ainda funcionam como referência. Esse achado está de acordo com a observação de Guerreiro-Casanova e Polydoro (2010b), que constataram maiores níveis de integração no início do curso do que ao final do primeiro ano letivo. Tal integração inicial pode relacionar-se tanto à construção de expectativas idealizadas acerca do curso, em função do desconhecimento dos processos acadêmicos, quanto à influência da euforia do ingresso (Teixeira et al., 2008).

As novas demandas acadêmicas são percebidas pelas calouras mediante a exigência de uma nova postura e responsabilização para o alcance dos objetivos do curso. As disciplinas caracterizam-se por um misto de aspectos positivos e negativos: por um lado, disciplinas introdutórias mostram-se importantes para uma apresentação mais genérica da profissão; por outro lado, as estudantes sentem a necessidade de disciplinas mais específicas que estimulem e apresentem com maior discriminação a que se propõem o curso e a profissão escolhida. Assim, ter disciplinas que informam e discutem questões relativas à prática profissional pode tanto fomentar o comportamento exploratório (Teixeira, Bardagi, & Hutz, 2007) quanto, de certo modo, suprir uma lacuna no conhecimento acerca da profissão escolhida por parte dos calouros. Um baixo nível de conhecimento prévio acerca do curso (associado à percepção de uma dissonância entre os valores e objetivos do curso e os valores e objetivos pessoais) pode levar a um baixo compromisso com o mesmo, o que é apontado na literatura como um fator que pode levar à evasão no ensino superior (Mercuri & Polydoro, 2004).

Sobre a vivência universitária, em geral, os ara as mulheres, as relações sociais na universidade desempenham um papel importante para uma boa adaptação a esse novo ambiente, visto que podem atuar como suporte emocional na presença de alguma dificuldade percebida (Weckwerth & Flynn, 2006). O compartilhamento de experiências com os pares gera a oportunidade de um apoio mútuo. Já os professores foram vistos não apenas como figuras ligadas às questões acadêmicas ou de sala de aula. As calouras relataram a flexível e aberta por parte dos seus professores. A construção dessa proximidade parece confluir para a percepção de um ambiente acadêmico menos ansiogênico. O acolhimento exercido por pares e professores parece fundamental para a integração social do estudante, uma vez que a entrada na universidade promove transformações nas relações sociais, muitas vezes associadas a rupturas e modificações acerca dos contatos sociais estabelecidos na escola (Tao et al., 2000; Teixeira et al., 2008). Com isso, torna-se necessário que a instituição, respeitando as especificidades de cada curso, possibilite espaços de trocas e convivência entre os pares e professores, a fim de potencializar os processos de integração social.

Nesse sentido, um fator que parece importante para diminuir as potenciais ansiedades envolvidas no ingresso na universidade é a familiaridade que os calouros percebem entre esse novo contexto educacional com suas experiências prévias. Por exemplo, professores com um estilo de ensinar mais parecido com os de professores de ensino médio ou cursinho foram valorizados pela sua didática quando comparados a outros professores que dominavam os conteúdos, mas não sabiam transmiti-los. Ainda que se possa questionar uma possível passividade dos alunos ante o processo de construção do conhecimento, a congruência entre suas expectativas e as interações concretas que ocorrem em sala de aula contribui para que a experiência de aprendizagem ganhe sentido e até mesmo seja possível, pelo menos nos momentos iniciais do curso, o que favorece a integração acadêmica.

Por um lado, portanto, pode-se pensar que a transição para o mundo universitário seja facilitada pela presença de fatores que conectem diferentes experiências escolares, contribuindo para um ingresso no ensino superior menos abrupto. Por outro lado, o aluno talvez não esteja preparado para a mudança que ocorre ao trocar a escola pela universidade. Pensando pela perspectiva de Erikson (1976) sobre o desenvolvimento psicossocial, a autonomia é um elemento fundamental na transição da adolescência para a idade adulta. Sendo assim, cabe pensar também no papel da escola para o desenvolvimento dessa competência nos estudantes. Sabe-se que tradicionalmente o ensino superior caracteriza-se por esta exigência de autonomia e responsabilização de si (Teixeira et al., 2008); porém, o que se verifica é que o estudante universitário encontra-se muitas vezes despreparado para lidar com esse nível de autonomia requerido pela universidade.

Pode-se questionar, assim, o papel da instituição universitária para o desenvolvimento de práticas que potencializem os processos de integração acadêmica e social dos alunos. As participantes relataram a importância das políticas de apoio à graduação, dos diretórios acadêmicos, das informações via sistemas online e outras formas de informação para a apropriação do espaço institucional. Nesse sentido, Haussman et al., (2007) ressaltam a importância desses incentivos institucionais à integração do aluno no ensino superior. Nesse momento de entrada no curso, torna-se necessário que esses espaços sejam tornados ainda mais visíveis aos estudantes, visto que os calouros precisam acessar diversos tipos de informações, a fim de se adaptarem satisfatoriamente à vida universitária. Além de enriquecerem os aspectos relativos à integração acadêmica, os espaços e as políticas institucionais podem promover maiores níveis de compromisso com a instituição. Em relação ao aumento de compromisso com a instituição, informar e promover os valores e atividades da instituição podem ajudar na incorporação destes por parte do estudante, algo fundamental para o desenvolvimento do comprometimento institucional e o fortalecimento do vínculo do aluno (Tinto, 1975; Pascarella & Terenzini, 2005). Portanto, mesmo o indivíduo tendo um papel ativo nas estratégias utilizadas para vencer os desafios impostos pelo mundo acadêmico, a universidade deveria investir em políticas e ações que auxiliassem o estudante na elaboração dessas estratégias (Clark, 2005; Yazedjian et al., 2008).

A evasão é uma problemática constante no âmbito do ensino superior (Bardagi & Hutz, 2009; Cabrera et al., 1992; Mercuri & Polydoro, 2004; Robbins et al., 2004; Tinto, 1975). Neste estudo, não foram observados aspectos relacionados a um desejo ou intenção de evasão de forma explícita. Esse fato talvez se explique pelo recorte temporal utilizado e pelo fato de que as estudantes ou entraram no curso escolhido/desejado, ou estavam gostando do curso, mesmo tendo outra preferência anterior. Nesse quadro, a empolgação com o ingresso na universidade pode estar mais presente do que a observação dos problemas do dia a dia universitário. Contudo, já foi possível observar problemáticas referentes à dissonância entre os valores pessoais e os valores dos colegas e dificuldades associadas à infraestrutura e ao desempenho acadêmico. Tais fatores prejudicam a integração acadêmica e social e, com isso, podem contribuir para uma situação de evasão posterior.

Considerando o objetivo deste estudo, que foi a identificação de aspectos da integração acadêmica e da integração social no início do primeiro ano de curso, alguns pontos merecem ser ressaltados. O recorte temporal adotado (entre a quarta e a décima semanas de aula) possibilitou identificar que o processo de integração inicia-se de fato bastante precocemente, chamando a atenção para a importância que as primeiras semanas de aula possuem na formação dos vínculos do estudante com a vida universitária. A estratégia metodológica utilizada também se mostrou satisfatória, possibilitando uma descrição compreensiva do fenômeno, aspecto fundamental ao se escolher um delineamento qualitativo exploratório (Souza & Gomes, 2003).

De uma forma geral, conclui-se que a integração acadêmica e social de estudantes de ensino superior em início de curso mostra-se como um fenômeno complexo e multifacetado, assim como possivelmente em outras etapas da formação. Nesse sentido, foi possível observar que as dimensões acadêmica e social da integração podem manifestar-se simultaneamente nas relações com diferentes pessoas e contextos, como colegas e professores. Entretanto, mesmos. A forma como uma estudante é influenciada academicamente por um professor (em função da didática ou da competência técnica, por exemplo) difere da forma como ela interage socialmente com esse professor ao trocar ideias e experiências sobre a vivência da disciplina. Com isso, acredita-se que, para se compreender com clareza como ocorre a integração do aluno, não basta indicar quem são as pessoas com quem ele se relaciona, mas, sim, como ele se relaciona com essas pessoas, analisando os efeitos de vinculação acadêmica e social produzidos.

Por fim, algumas considerações sobre o estudo necessitam ser realizadas. A primeira relaciona-se ao processo de autosseleção da amostra, e consequente viés de gênero, que pode ter resultado em um perfil de informantes mais motivadas em relação ao curso e à universidade, tendo por possível consequência a composição de um quadro de experiências mais positivas do que negativas na integração acadêmica e social. Não obstante, os relatos das entrevistadas também trouxeram dificuldades enfrentadas, permitindo um olhar voltado tanto para fatores que favorecem quanto dificultam a integração.

No que diz respeito à questão de gênero, um dos aspectos a se considerar é que a vivência de estudante do ensino superior parece diferir entre homens e mulheres. De forma geral, as diferenças de gênero recaem na forma como ambos os grupos se adaptam à universidade e como percebem seu envolvimento social nesse contexto (Lee, Keough, & Sexton, 2002). As mulheres

tendem a investir mais em relacionamentos e experiências sociais do que os homens, apontando que os aspectos sociais relativos à entrada na universidade e o envolvimento com a vida do campus podem ser mais valorizados por elas (Bauer & Liang, 2003). Nesse sentido, mulheres que possuem sentimentos de baixo envolvimento social no ambiente universitário tendem a avaliar a experiência acadêmica de maneira negativa (Lee et al., 2002). Embora o envolvimento em atividades sociais e o sentimento de pertencimento a um grupo sejam importantes tanto para homens quanto para mulheres, estas tendem a expressar seus sentimentos de maneira mais aberta e, com isso, podem ser mais afetadas emocionalmente pelas interações sociais do que os homens (Enochs & Roland, 2006). Dadas essas diferenças já relatadas na literatura entre homens e mulheres, deve-se considerar que os resultados obtidos neste estudo podem apresentar alguma especificidade de gênero. Por exemplo, o papel da vinculação aos colegas, especialmente em termos de apoio emocional, pode ser percebido como mais importante pelas mulheres do que pelos homens. Por sua vez, a falta de disponibilidade dos homens para participar do estudo sugere, ela mesma, que os homens não valorizam muito o falar sobre as próprias experiências, o que pode significar tanto uma baixa relevância desse aspecto para o sentimento de integração ao ensino superior quanto uma dificuldade que mereceria ser superada. Sugere-se, assim, a realização de estudos futuros que investiguem os momentos iniciais de adaptação à universidade entre homens.

Outra consideração a ser feita refere-se aos cursos e local pesquisados: Engenharia Civil, Farmácia, Enfermagem e Jornalismo, em uma mesma universidade federal. Os processos de integração podem variar tanto entre cursos de uma mesma instituição quanto entre instituições diferentes. Ressalta-se que universidades privadas, que compõem a maior parte das instituições de ensino superior no Brasil, possuem políticas e funcionamento diferentes e que precisam ser considerados em suas especificidades. Dessa maneira, recomenda-se que futuros estudos explorem diferentes ambientes universitários, incluam participantes homens e apliquem também delineamentos quantitativos focados nesse momento de entrada no curso. Apesar das limitações apontadas, acredita-se que os achados desta pesquisa podem fomentar a exploração das particularidades de cada dimensão da integração (acadêmica e social), proporcionando uma descrição conceitual mais rica desse fenômeno.

 

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Recebido em: 31/10/2011
Aceito em: 07/03/2012

 

 

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