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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. v.4 n.1 Florianópolis jun. 2004

 

ARTIGOS

 

Clima organizacional e stressnuma empresa de comércio varejista

 

Organizational climate and work stress

 

 

Cristina Lúcia Maia Coelho

Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, professora adjunta da Universidade Federal Fluminense (crismaia84@hotmail.com)

 

 


RESUMO

O objetivo do presente estudo é analisar como o clima organizacional, nas suas diferentes dimensões baseadas nos novos padrões culturais, pode se relacionar com o nível de stressdesenvolvido entre trabalhadores de uma empresa de comércio varejista. Para a compreensão do clima organizacional consideramos a percepção do trabalhador sobre valores como o grau de autonomia vivido, as práticas de liderança, o grau de reconhecimento pelo trabalho realizado, o sentimento de eqüidade e justiça, entre outros. Dentro dos novos padrões da cultura da qualidade total, a empresa vem impondo transformações, criando um imaginário "moderno" para si, tais como os espaços dajustiça, da ética, da excelência e da responsabilidade social. Dentre os resultados encontrados destacamos as médias altas na percepção das dimensões relativas a padrões de excelência, autonomia, percepção de controle e confiança, colaboração e ajuda mútua; assim como percentuais altos em alguns itens referentes ao nível de stress. Por fim, consideramos a busca da produção de um saber comprometido com alguma reflexão sobre o significado do trabalho na vida humana, dando destaque ao impacto dos fatores sócio-culturais nas variáveis subjetivas.

Palavras-chave: clima organizacional; cultura organizacional; stress.


ABSTRACT

This paper analyses how organizational climate is concerned with stress levels among workers of a familiar commercial institution. Workers' perceptions about values like empowerment, leadership, recognition, equity and justice etc., are discussed here. As the corporation tried to create a new "modern" representation fot itself, following the new patterns of total quality culture, opening spaces for ethics, justice, excellence and social responsibility, deep changes took place. The results showed high levels in perception of positive organizational climate values, but also in stress leveis. The impact of social and cultural factors in results was considered, leading to some reflections on the meaning of work in different cultural environments.

Keywords: organizational climate; organizational culture; stress


 

 

1. Introdução

A empresa já não é um lugar de produção, onde existem relações hierárquicas, mais ou menos conflituosas, ela torna-se uma comunidade, isto é um lugar onde a libido permite afeição dos indivíduos uns com outros, sua identificação mútua e adesão de todos aos valores e às normas (Enriquez, 1996: 17).

As organizações modernas não são apenas locais de trabalho, elas constituem espaços de interação e representações humanas, habitadas por um imaginário socialmente construído e veiculado dentro e fora delas. Recentes tendências como qualidade total, globalização, reestruturação tecnológica impõem uma preocupação primordial a todas elas: o elemento humano. Nesse sentido, consideramos que o trabalho consiste numa grande fonte de referência para a construção social dos homens e de sua auto-estima, o que significa dizer que essa relação passa pelo afetivo e pelo psicológico. Assim, nossa intenção consiste em empreender investigações nas organizações de trabalho não orientadas pelo preocupação de sua utilização objetivada e utilitarista, mas no interesse de desvendar a natureza de uma relação que cada vez mais assume relevância na vida das pessoas.

No debate a respeito das questões de qualidade, produtividade e competitividade empresarial, o tema cultura aparece com freqüência cada vez maior. As instituições, enquanto sistemas organizacionais, visam atingir certos níveis de eficácia e eficiência. A eficácia pode ser alcançada por meio da adaptação da organização à dinâmica do seu ambiente externo. A eficiência dos sistemas pode ser alcançada pela criação de um clima organizacional que satisfaça as necessidades de seus membros e, ao mesmo tempo, analise esse comportamento motivado na direção dos objetivos organizacionais. Entendemos por clima organizacional a atmosfera carregada de subjetividade que envolve: as organizações. Composto fundamentalmente pela percepção individual das qualidades e das propriedades desses meios - atravessada por dimensões organizacionais como comunicação, motivação, crenças, valores, liderança, reconhecimento e outras - o clima pode ser considerado um mediador entre os membros de uma organização e os sintomas indicadores de stress (Michaela, Lukaszewski e Allegrante, 1995).

Determinados atributos - como sexo, carreira, idade e cargo ocupado - influenciam o clima organizacional, além de dimensões como estrutura da tarefa, relações interpessoais e autonomia. A relevância teórica do tema se vincula ao estudo do funcionamento da organização por intermédio de um elenco de variáveis articuladas, fugindo, assim, à abordagem linear e unilateral.

O diagnóstico do clima organizacional - tanto em seus efeitos sobre os sujeitos trabalhadores como sobre as organizações - pode ser visto pelo gestor como uma ferramenta de ajuste contínuo e fundamental na relação sujeito-organização, contribuindo para o desenvolvimento e a compreensão da dinâmica organizacional. Uma análise abrange!lte do clima envolve tanto medições objetivas como avaliações subjetivas. Do ponto de vista pragmático, a' análise do clima dá subsídios ao gestor, como o diagnóstico motivacional e dos pontos de maior e menor satisfação os quais, por sua vez, relacionam-se com crenças e valores presentes na cultura organizacional.

O desafio no desempenho da função gerencial tende, cada vez mais, a concentrar-se no desenvolvimento de diagnósticos e planos de ação que permitam ajustar continuamente a relação sujeito-organização. Os resultados das pesquisas de clima proporcionam aos gestores subsídios para que, por meio da identificação do perfil organizacional, criem em suas unidades ambientes que favoreçam a motivação individual, o desempenho, a criatividade e a satisfação. Em suma, pela complexidade de campos analisados pela pesquisa do clima organizacional, a sua instrumentalização constitui-se numa rica ferramenta de apoio estratégico nas organizações.

De acordo com Tagiuri e Litwin (1968:87) o clima organizacional pode ser definido como: "uma qualidade relativamente permanente do ambiente interno da organização que: a) é percebido pelos seus membros; b) influencia seu comportamento; c) pode ser descrito em termos de valores de um conjunto de características (ou atributos) da organização".

Para cada sujeito-trabalhador, o clima assume a forma de um conjunto de atitudes e de expectativas que descrevem a organização em termos de características subjetivas, como grau de percepção de autonomia ou de reconhecimento. É significativo lembrar que a unidade de análise no clima organizacional é a organização ao passo que é percebida pelos sujeitos e da forma pela qual as suas dimensões - autonomia, desafios, conflitos, eqüidade, colaboração, apoio, confiança e calor interpessoal - são interpretadas, generalizadas e inferidas.

A escala de Kolb et al.(1978), bastante conhecida, é baseada nas pesquisas de Litwin e Stringer (1968) que identificaram as influências dos motivos sociais básicos de MacClelland (1961) (realização, afiliação e poder) sobre o clima organizacional. Assim, o motivo de realização levaria as pessoas a assumir responsabilidades, a adotar altos padrões de desempenho e a delinear com clareza os objetivos que desejam alcançar. Já o motivo de afiliação levaria as pessoas a procurar reconhecimento, calor humano e apoio. Finalmente, o motivo de poder levaria as pessoas a valorizar a autoridade (normas e líderes), quer como gerentes quer como subordinados.

1.1 O imaginário organizacional contemporâneo

Empreender um estudo da cultura e do clima organizacionais remete à análise das dimensões simbólicas da organização. Nesse sentido, consideramos significativas as seguintes palavras de Freitas (2000:42):

As organizações não são apenas lugares onde o trabalho é executado. Elas são também lugares onde sonhos coexistem com pesadelos; são também lugares onde o desejo e as aspirações podem encontrar espaço de realização; são também lugares onde a excitação do prazer da conquista convive com a angústia do fracasso. As organizações, em particular as empresas, não são o império da racionalidade por natureza, elas são alimentadas pela emoção, pela fantasia, pelos fantasmas que cada ser humano abriga em si.

Entre as dimensões que pretendemos estudar, parecem-nos mais significativas o reconhecimento, a autonomia e os vínculos sociais desenvolvidos no cenário do trabalho. O reconhecimento social constitui condição fundamental para a conquista da identidade, função essencial na saúde mental. Muitos sujeitos só conseguem manter o seu equilíbrio e obter satisfação afetiva graças à sua atividade de trabalho. Aqui, o trabalhador leva a cabo a resolução dos problemas que lhe são colocados (por meio da atividade de concepção; ver Dejours, 1993), obtendo em troca o reconhecimento social pelo seu trabalho.

O indivíduo não se liga a uma organização por vínculos apenas materiais, mas também afetivos. As pessoas disputam postos, influência e desejam ocupar lugares que pertencem a outros. Como as empresas modernas exercem uma forte mfluência sobre os indivíduos, muitas das fontes de motivação e prazer que nelas se encontram podem ser versões atualizadas de desejos, fantasmas e temores infantis. Assim, por intermedio de seus projetos e de suas políticas de desenvolvimento de pessoal, as empresas assumem o lugar que dá sentido e significado à vida e tornam-se objeto dessas relações transferenciais.

A cultura é a realidade decorrente da vida cotidiana, que se apresenta interpretada pelos homens e é subjetivamente dotada de sentido para eles, à medida que forma um mundo coerente (Berger e Luckmann, 1987). Em suas pesquisas, Schein (1985) define cultura como sendo o conjunto dos pressupostos básicos que um grupo cria para lidar com problemas de adaptação externa e integração interna, que se baseia em tres níveis: a) dos artefatos e das criações, que são visíveis; b) dos valores, que são em larga escala conscientes; e c) dos pressupostos, que são essencialmente inconscientes.

Enriquez (1997) admite que a organização se apresenta como um sistema cultural, simbólico e imaginário. Sistema cultural, porque possui uma estrutura de valores, um modo de apreensão do mundo que orienta a conduta de seus atores, tratando-se de uma série de representações sociais historicamente constituídas, que se traduzem em expectativas de papéis a cumprir; e, ainda, porque desenvolve um processo de socialização relativo a um ideal proposto. Entendida como sistema simbólico, a organização não pode viver sem produzir mitos unificadores, sem instituir ritos de iniciação e de passagem, sem formar os seus heróis fundadores nem sem inventar sagas que lhe sirvam de sistema de legitimação. A organização impõe a cada ser, movido pelo orgulho do trabalho, a cumprir a verdadeira missão de vocação salvadora. Como sistema imaginário, a organização admite duas formas: o enganador e o motor. A primeira: "[...] tenta prender os indivíduos nas armadilhas de seus próprios desejos de afirmação narcísica, no seu fantasma de onipotência ou de sua carência de amor, em se fazendo forte para poder corresponder aos seus desejos naquilo que eles têm de mais arcaicos" (Enriquez, 1997:35). Já o imaginário motor implica a possibilidade da organização permitir que as pessoas se deixem levar pela sua imaginação criativa sem se sentirem reprimidas pelas regras imperativas.

A empresa, na contemporaneidade assume uma dimensão e um espaço social bem mais amplos, tendo por base as mudanças da tecnologia, das fronteiras concorrenciais e da política externa, com ênfase na integração. Freitas (2000) alerta sobre a visibilidade que as empresas hoje manifestam, numa nítida tendência para o marketing social, ao contrário da discrição cultivada no passado. As imagens negativas tradicionalmente vinculadas aos empresários como produtores de desemprego, sonegadores de impostos criadores de conchavos com os governos e causadores de danos ecológicos vão sendo lentamente substituídos pela divulgação de imagens positivas atreladas ao cenário neoliberal, destacando as imagens vinculadas à responsabilidade social. Assumindo, por vezes, algumas funções do Estado como: a) a educação, por intermédio das universidades corporativas; b) as ações comunitárias, por meio de projetos que empregam deficientes; c) a saúde, com campanhas para hospitais infantis e campanhas preventivas de alcoolismo e câncer de mama; as empresas passam a investir em responsabilidade social. Tornam-se, assim, modelos de gestão e tentam romper com o ideário taylorista mecanicista, para imprimirem um padrão de relações cuja palavra-chave é flexibilidade e cuja estratégia se volta para a competitividade. O passado deixa de ser referência e a noção atual é tornar tudo provisório, temporário e mutável.

Numa nítida mudança de paradigma tecnocrático para estratégico, os fluxos de produção tornam-se mais curtos e o controle do trabalho mais rigoroso. O especialista dá lugar ao polivalente. Como uma top model do mundo da moda, as empresas estão sempre controlando o peso das calorias representadas pelo custo da mão-de-obra. Nesse aspecto, Freitas (2000) chama a atenção para um paradoxo: ao mesmo tempo em que as empresas têm a prerrogativa de - pela demissão - romper o vínculo a qualquer momento, para os ajustes temporários que consideram adequados à manutenção dos níveis de competitividade, elas precisam de um maior envolvimento e comprometimento de todos.

Segundo Pagès (1987), a atual dinâmica organizacional deixa de exercer um poder explícito, externo, visível, para exercer um poder sutil, ideológico e, até mesmo, sedutor e psicológico, dando menos ênfase à figura dos gerentes, para fortalecer o papel dos grupos. Poderíamos acrescentar que o poder funcional manifestado pelas ordens por meio das linhas hierárquicas vai sendo progressivamente substituído pelo poder das normas institucionais expressas pela adesão à missão da empresa e pela responsabilidade introjetada pelo sujeito. Nesse sentido, a aspereza da autoridade hierárquica se dilui na suavidade do controle que cada um toma para si. O controle passa a ser internalizado pelo próprio sujeito no compromisso com as suas metas; a figura do chefe controlador é suavizada e o processo decisório torna-se mais participativo (Coelho, 2000).

Com a transparência típica de mudanças culturais significativas os objetivos e as estratégias passariam a ser de domínio não apenas da cúpula diretiva mas de todos os níveis organizacionais. O movimento de revalorização do papel das empresas se deve, em grande medida, à confirmação do capitalismo como a única via capaz de promover o desenvolvimento económico e a crescente legitimação da ideologia neoliberal, na qual o aspecto económico assume o papel predominante e subordina todas as outras esferas da vida social. Assim, a crise de identidade vivida pelos indivíduos permite a ampliação do papel das empresas modernas. "Quanto mais as referências culturais e religiosas, tradicionais se quebram, tanto mais os indivíduos e os grupos se mostram receptivos a acatar mensagens e líderes que [...] traduzam um pouco mais de certeza e de significado para as suas vidas" (Freitas, 2000:47).

Numa sociedade onde é exaltada permanentemente a importância da imagem, da aparência e do consumo, as empresas modernas encontram um terreno fértil para se marcarem como o grande referente que propõe uma forma de vida de sucesso e uma missão nobre a realizar. Assim, as empresas modernas constroem para si e de si uma imagem grandiosa, que vai enraizar-se num imaginário próprio que é repassado não só para os seus membros internos, como também para a sociedade em seu todo. Alguns temas são privilegiados na construção dessa imagem organizacional, que é considerada pelas grandes empresas Como um capital a ser zelado. A idéia de empresa cidadã, muito próxima do que entendemos por democracia, envolve a superação de interesses particulares, na consciência do bem comum. A despeito do fato de ser a lógica empresarial uma lógica económica, as empresas tendem a reforçar o discurso da cidadania, privilegiando em particular campos como o da cultura e do meio ambiente. A idéia de empresa-excelente assumiu um significado especial. Freitas (2000) chama a atenção para que, com o seu uso com o gerúndio - a empresa sendo excelente - a palavra ganha mobilidade, numa seqüência sempre ascendente de busca de mais altos padrões de desempenho; num quebra-recordes sem limites. E interessante lembrar que o sujeito-trabalhador passa a ser o competidor dele mesmo, à medida que precisa se superar sempre. Perseguir a excelência mutável não é somente obrigação, é também a sina de todos (Freitas, 2000).

Assim, a empresa torna-se o lugar onde esse destino deve ser vivido com rigor e vai exigir de cada sujeito que se revele esse herói incansável, em que o seu Ideal de Ego estará sempre sedento e faminto, colocado a provas constantes em função do nível de padrão cada vez mais exigente. Nesse contexto, não haverá alternativa além de ser herói ou ser ninguém. A concepção de empresa-ética e guardiã da moral traduz um discurso em que o homem aparece como a maior prioridade. Mas, vemos uma contradição entre o discurso e as experiências vividas. Muitas vezes, as empresas tendem a querer transformar necessidade em virtude. Assim, zelar pelo planeta, ser confiável com os seus clientes, pagar os seus impostos, respeitar a dignidade de velhos, crianças e deficientes passam a ser, nas suas imagens de propaganda, virtudes e não obrigações mínimas. Outra idéia desenvolvida no imaginário da sociedade contemporânea é a da empresa-comunidade. Nas políticas atuais de desenvolvimento de pessoal, sempre se encontra, implícita, a idéia da grande família. É exigido dos sujeitos competência profissional, bem como competência interpessoal, atitudinal e comportamental. Vários mecanismos vão sendo criados para expandir as áreas de influências da empresa sobre os indivíduos. Assim, o local de trabalho deve ser também o lugar da convivência, do lazer, do poético, do lúdico. Nesse sentido, a proximidade entre os escalões hierárquicos parece diluir as diferenças e os conflitos, e o espaço-empresa passa a ser aquele onde se zela também pelos sentimentos de religiosidade e espiritualidade. Podemos supor que as empresas reproduzem aquilo que Anatrella (1998) chamou de société adolescentrique,ou seja, sociedade na qual os relacionamentos tendem a ser mais verticais que horizontais e a autoridade é negada, e onde o processo educativo ocorre pela sedução num contexto mais homogêneo. Nesse cenário, é provável que os trabalhadores desenvolvam mecanismos idealizadores ante a sua organização, minando seu potencial crítico e reflexivo.

Assim, a cultura organizacional propõe a reconciliação ilusória do indivíduo frágil, desejoso e carente com a empresa forte e potente, que pode preenchê-lo; ela desenvolve a arte do discurso e do simbolismo que a sustentam, dando ao sujeito segurança e prestígio (Freitas, 2000). Desse modo, constrói-se um narcisismo especial, o de grupo, que consiste num movimento libidinal sobre um grupo (a própria empresa) e numa orientação sobre os grupos estrangeiros (os concorrentes), numa escala que varia da idealização à repulsa. As pulsões agressivas seriam dirigidas aos outros grupos, garantindo a canalização de energias para o projeto comum, os sentimentos comuns e o inimigo a ser derrotado. A idealização da imagem da própria empresa garante a unidade do grupo e justifica todos os sacrificios (Freud, 1965).

As organizações oferecem um modelo predominante de significações imaginárias, que assume um valor social maior e sagrado, que é a economia racional; Nessa lógica, os indivíduos são percebidos sob o aspecto único de produtores-consumidores. As empresas tornaram universais alguns dos pressupostos de sua cultura: a eficácia, o desempenho, o sucesso e a visão de mundo como um universo de comportamentos estratégicos. (Enriquez, 1997).

Por fim, perguntamos, como a nova imagem da empresa imposta a si mesma se configura e quais os seus impactos no sujeito-trabalhador? Trata-se mesmo de uma nova empresa ou apenas de uma nova roupagem para a mesma alma? Como a sociedade e em especial o trabalhador, está reagindo a essas mudanças?

1.2 Stresse a organização do trabalho

Stressno ambiente de trabalho pode ser conceituado como as manifestações psicoorgânicas de desequilíbrio, descompensação ou perda da homeostase que ocorrem quando a experiência, ou a percepção de clima organizacional se torna desfavorável, combinando, obviamente, vários fatores e dimensões.

O stress e pressões não são resultados de questões interpessoais diretamente, mas sim da construção de uma organização inadequada, da definição errónea do que é administração[....] da má estruturação hierárquica, de práticas negativas de liderança administrativa que incluem a montagem do próprio contexto organizacional, do desenho das tarefas, das políticas de avaliação de efetividade do pessoal, da administração salarial do alinhamento de funções nos diversos níveis, da lealdade da liderança de primeiro nível que dão o perfil da organização (Motta, 2000:83).

Muitos contextos organizacionais refletem estruturas objetivantes que se caracterizam por uma organização do trabalho coercitiva, sem qualquer espaço para a criatividade, em que o indivíduo não tem controle sobre o seu processo de trabalho. Tarefas aborrecidas, de intensidade e duração arbitrariamente decididas, com relações de trabalho fragmentadas e competitivas têm a possibilidade de produzir experiências subjetivas de alienação, caracterizadas por sentimentos de impotência, insatisfação e frustração. Estudos desenvolvidos por Dreyfuss, Shanon e Sharon ( apudRodrigues e Gasparini, 1992) demonstram que existe maior risco de doença coronária em pessoas que experimentam sentimentos de conflito e de escasso controle sobre as suas vidas, nas quais a relação entre o esforço despendido e a realização é muito incerta. De acordo com Wolff (1950, apudRodrigues e Gasparini, 1992:97): "[...] os distúrbios da relação do homem com seu ambiente fisico e psicossocial podem gerar emoções desprazerosas e estimular reações de vários tipos".

No contexto contemporâneo, vemos que o homem responde às ameaças simbólicas decorrentes da interação social tanto quanto às ameaças concretas (biológicas ou químicas). Assim, obstáculos à realização profissional e perdas de diferentes níveis são potencialmente nocivos à pessoa. Nesse sentido, é significativo compreender que a situação de conflito, seja do indivíduo consigo, seja do indivíduo com a situação de trabalho na qual está inserido - geradora de emoção -, é suficiente para originar transtornos funcionais e estes, se repetidos e persistentes, alteram a vida celular, acarretando a lesão orgânica e as suas complicações (Pontes, 1987). Considerando o estudo clássico de Hans Selye (1947) sobre o stress, podemos defini-lo como consistindo num conjunto de reações que todo organismo desenvolve ao ser submetido a situações que exigem esforço continuado para a adaptação. Tanto o stressde origem fisico-orgânica (lesões ou traumatismos continuados, infecções repetidas etc.) como o de origem emocional deságuam nas mesmas vias neurofisiológicas (eixo hipotálamo-hipofisário, sistema endócrino, sistema nervoso autônomo). Assim como todos os sentimentos - medo" raiva, tristeza ou alegria - têm a sua expressão fisiológica, também o esgotamento afetivo e cognitivo se expressa concomitantemente no corpo por meio de alterações nas funções motoras, secretoras e de irrigação sangüínea, e, postenormente, em modificações patológicas tissulares (Bastos, 1999).

O contexto de trabalho em que se espera produzir cada vez mais e melhor, em prazos cada vez mais rigorosos, freqüentemente, exige que o trabalhador assuma riscos e faça escolhas, agindo do modo operacionalmente diferente daquilo que é prescrito pela organização. Essas decisões não justificáveis do ponto de vista das medidas regulamentares podem ser origem de conflitos entre pares ou entre trabalhadores e gerentes. Assim, quanto maior a tendência do trabalhador a se identificar com a cultura da empresa, maior a exigência interna a "lutar contra as emergências de seu pensamento e de sua atividade fantasmática" (Dejours, 1993: 162). Para tanto, o trabalhador promove uma intensa repressão da sua atividade espontânea e imaginativa, para dar conta das exigências do padrão de excelência imposto, sem que receba as mesmas gratificações que a vinculação a um ambiente cultural (ou subcultural) normalmente proporciona, como os sentimentos de lealdade, fraternidade, pertencimento, familiaridade, segurança, unidade etc.

Nessas condições, o sujeito envolve-se numa espécie de embotamento, provocando algo como um torpor psíquico, como que se desvinculando da sua vida emocional. Esse estado mental assemelha-se ao encontrado naquilo que autores como Sifneos (1975) denominam de alexitimia, uma incapacidade observada nos doentes psicossomáticos de se expressarem afetivamente por intermédio da palavra, restando-lhes somente a expressão orgânica.

1.3 Hipótese básica

Os fatores socioculturais se mostram decisivos na percepção e interpretação das dimensões do clima organizacional, de forma especial daquelas relativas à experiência de autonomia. Assim, de forma oposta aos resultados encontrados no estudo de Michaela et al.(1995) - realizados nos Estados Unidos - a demanda por autonomia pode contribuir para a geração de stress entre trabalhadores do meio cultural brasileiro. Na pesquisa americana, a dimensão do clima organizacional relativa à autonomia no trabalho correlacionou-se negativamente com o stress, fator que atribuímos a elementos ideológicos típicos da cultura norte-americana. Nesse estudo, a dimensão relacionamento interpessoal (calor humano, confiança) também se correlacionou negativamente com o stress,e a dimensão relativa à exigência por altos padrões de desempenho, associou-se positivamente com a medida de stress.

No presente trabalho, partimos do suposto de que a dimensão autonomia, assim como a dimensão relativa à exigência por altos padrões de desempenho - levando a um fator de sobrecarga - tenderiam a se correlacionar positivamente com a experiência de stressno trabalho. Por fim, a dimensão do clima organizacional relacionamento interpessoal - ou seja, a percepção de calor humano, vínculos entre companheiros, que envolvam ajuda mútua e confiança - estaria relacionada negativamente à tensão, com base nos efeitos demonstrados de apoio social.

 

2. Método

2.1 Amostra

Realizamos uma pesquisa de campo cujo contexto organizacional referia-se a uma empresa que pertence ao ramo do comércio varejista. Ela envolve uma rede de lojas, um centro de distribuição, uma fábrica de roupas e possui cerca de dois mil funcionários. A amostra do presente estudo foi composta de cinqüenta funcionários de uma das lojas. Na Tabela 1 apresentamos a composição demográfica da amostra. Quanto ao tempo de casa, 40% dos trabalhadores tinham de um a três anos, 40% menos de um ano e 20% entre três a cinco anos. Quanto ao cargo, 60% eram atendentes plenos e juniores, 8% caixas e 32% embaladores. Os funcionários categorizados como atendentes (tanto plenos como juniores) tinham como tarefa fundamental orientar os clientes na compra, no salão da loja, considerando-se que se tratava de auto-atendimento. Excluímos da amostra os supervisores, a fim de obter uma maior homogeneidade na amostra quanto ao nível hierárquico.

 

 

2.2 Instrumentos

Foi utilizada uma escala de clima organizacional adaptada de Litwin e String (1968), cuja medida envolve afirmativas nas quais os trabalhadores revelam a sua percepção sobre o ambiente profissional. Por exemplo, a questão "Trabalhadores que fazem as mesmas atribuições tendem a obter as mesmas recompensas" no local de trabalho seria referente à percepção de eqüidade e de justiça. As alternativas de respostas variam em quatro níveis desde "concordo inteiramente" até "discordo inteiramente" .

A escala é constituída de quarenta e cinco itens que se agrupam em nove dimensões, a saber: I) excelência e padrões de desempenho; 2) reconhecimento; 3)relacionamento; 4) autonomia; 5) gestão e autoridade; 6) desenvolvimento e aperfeiçoamento do pessoal; 7) justiça e eqüidade; 8) missão da empresa e 9) saúde e segurança. Assim, cada sujeito respondeu a cada item e o seu resultado final constituiu uma média ponderada em cada dimensão da escala de clima, à medida que os itens são distribuídos desigualmente nas dimensões.

A escala de medida do stress refere-se a uma lista de sintomas apresentados com freqüência pelos trabalhadores, em que em cada item, o sujeito marca sim ou não. O escore individual constitui o número de respostas sim (ver Michaela et al., 1995).

2.3 Procedimentos

Utilizamos o próprio ambiente de trabalho para a aplicação das escalas. Obtivemos previamente a autorização do gerente do setor e cada aplicação teve uma duração de cerca de quinze minutos, considerando-se que poderíamos estar abertos a comentários além da mera marcação objetiva de cada item.

Foram utilizadas análises estatisticas descritivas, sendo calculadas as médias para cada dimensão do clima organizacional.

Para a escala de stress,calculamos a freqüência e o percentual de cada item marcado "sim". Foram calculadas as correlações entre os escores de stressde cada sujeito e aqueles obtidos em cada dimensão.

Visando à indicadores da validade da escala de clima organizacional numa amostra brasileira, calculamos por intermédio do teste T-Student, a significância da diferença entre médias das amostras com grupos extremos dentro de cada dimensão. O coeficiente alpha de Cronbach foi calculado para cada dimensão da escala, com o intuito de analisar a precisão da escalà de clima.

 

3. Resultados e análise dos dados

As médias aritméticas nas nove dimensões de clima organizacional foram todas acima de três e estão apresentadas no Gráfico 1. Observamos que houve uma concentração em valores de 3,1 a 3,6, o que indica uma percepção bastante satisfatória do clima organizacional pelos funcionários, considerando-se que a amplitude é de 1 a 4 na escala.

 

 

Os resultados da escala de stress indicaram muita heterogeneidade entre os itens, ou seja, a baixa consistência interna (Gráfico 2). Enquanto o item "Tenho dores na região lombar" obteve um percentual de 60%, o item "Sinto-me freqüentemente sobrecarregado" obteve um percentual de 50% e "Sinto-me freqüentemente tenso" 46%. "Falta de ar" e "Perda de apetite" corresponderam a percentuais baixos, respectivamente 8% e 14%. O item "Tomo comprimidos para dormir, freqüentemente" teve um percentual de 0% (zero). Compreendemos este último resultado como referente a uma prática que supõe orientação médica.

 

 

Os coeficientes alpha de Cronbach obtidos em todas as dimensões da escala de clima foram significativos, conforme a Tabela 2, o que indica alta fidedignidade da escala de clima organizacional.

 

 

As correlações encontradas entre as dimensões do clima e os níveis de stress não foram significativas, fato que podemos atribuir à falta de consistência interna da escala de stress (Tabela 3).

 

 

Como indicador davalidade da escala de clima numa amostra brasileira, obtivemos evidências de diferenças significativas entre as médias na percepção de clima entre grupos extremos (quinze para cada grupo) para cada dimensão, por meio do Teste T-Student com valores significativos em níveis de 0,01, conforme a Tabela 4.

 

 

4. Considerações Finais

O objetivo primário neste trabalho consistiu em proporcionar uma demonstração empírica de como o clima organizacional nas suas diferentes dimensões se correlaciona com o desenvolvimento de tensões vividas pelos trabalhadores de uma empresa de comércio e varejo. No entanto, entendemos que a análise da experiência do stress no trabalho não pode ser descontextualizada do meio sociocultural.

De acordo com os resultados, as médias altas de clima indicam que a amostra de trabalhadores do presente estudo tende a julgar o clima organizacional favoravelmente nas suas diferentes dimensões, de uma forma geral. Podemos atribuir esse resultado ao investimento da empresa nos últimos anos, no sentido de imprimir uma política de pessoal que destaca valores como a excelência nos padrões de atendimento, serviços e processos, além da co-responsabilidade, criando laços de interação, comunicação, integridade e qualidade, assim como melhores oportunidades aos funcionários quanto ao crescimento, conhecimento compartilhado e comprometimento. É interessante notar que a missão da empresa, propondo consideração pelo cliente externo e pelos trabalhadores da empresa, além de vir impressa em diversos materiais divulgados no interior da loja, era sempre ressaltada nos seminários de treinamento. A comemoração de cinqüenta anos da rede de lojas, do ponto de vista cultural, funcionou como um elemento reforçador da identificação dos funcionários com a imagem e a história da organização.

Tratando-se de uma empresa familiar, havia um herói-fundador evocado em cada história e em cada episódio. Um deles se referia à venda de sapatos a quilo, com a finalidade de se livrar de um estoque encalhado, num pequeno bazar, em uma cidade do interior, origem da grande empresa. Certamente, esse episódio estimula a criatividade de seus membros, ainda que numa condição de escassez. Nesse sentido, a trajetória do herói-fundador da rede reproduz o mito do self made manque, se no Brasil não desperta profundas identificações, pelo menos angaria respeito e admiração, com certeza. O herói-fundador que, mesmo sofrendo a concorrência do ex-patrão, decidiu seguir em frente -"não tínhamos capital mas muita confiança nos clientes, que vale mais que dinheiro" - desperta um modelo de personalidade baseado no sucesso, na conquista e na dominação de si; ou seja, numa vitória dos valores capitalistas sobre a hierarquia tradicional. Vale ainda lembrar, que a empresa familiar na sociedade patriarcal funciona como elemento catalizador de formação de referência positiva, sedução e fortes identificações, que geram atitudes de dedicação e comprometimento com as metas da empresa. Lammers e Hickson (1979) sugerem que as empresas tradicionais familiares tendem a ser caracterizadas pela grande centralização nas decisões, menor formalização das regras e maior paternalismo. Ainda no estudo intercultural realizado por Hofstede (1985) entre empregados da multinacional IBM, o qual destaca as diferenças culturais nacionais na gestão, o Brasil aparece como um dos países que apresentou maiores índices de aversão ao risco, o que é caracterizado por uma cultura administrativa cujas práticas e valores privilegiam um bom relacionamento no trabalho, uma rígida estrutura hierárquica e uma visão negativa da competição individual, em oposição a valores tais como alta motivação para o desempenho, ambição de ascensão e de sucesso individual. Diversos outros estudos corroboram essas observações.

As correlações não-significativas encontradas entre os níveis de stresse as dimensões do clima organizacional podem ser compreendidas a partir das características do contexto sócio-histórico-cultural, no qual a amostra se encontra. Ainda assim, as freqüências de stress em vários itens foram bastante elevadas. Ao fazer uma análise comparativa deste estudo com os encontrados por Michaela et al(1995) nos Estados Unidos, numa amostra de professores, não podemos deixar de observar certas peculiaridades. Na pesquisa americana, a dimensão do clima organizacional relativa à autonomia correlacionou-se negativamente com o stress,fator que atribuímos a alguns elementos típicos da cultura norte-americana, indicando a necessidade de se avaliar o peso das diferenças socioculturais das amostras. Com esse objetivo, consideramos com especial atenção, essas discrepâncias evidenciadas na dimensão autonomia. Os Estados Unidos se - caracterizam por uma cultura na qual o trabalho e a empresa privada constituem princípios fundamentais. É na empresa onde ocorre a maior fonte de expressão de autonomia e onde se realiza o American dream - o sonho americano - no qual o indivíduo ascende pelo que faz e não pelo seu nascimento e pela sua posição social. Já em nossa cultura, sempre tendeu a predominar um estilo paternalista e protecionista que tende a eximir de responsabilidade pessoal o trabalhador (Da Matta, 1979). Em contrapartida, mais especificamente, deve-se levar em conta que a amostra americana era constituída de professores, na qual naturalmente, a exigência de autonomia seria bastante importante, senão fundamental.

Em estudos desenvolvidos por Barbosa (1994) observamos uma tentativa de oferecer um entendimento das práticas e políticas administrativas, por intermédio dos conceitos de cultura organizacional e nacional, tanto no Brasil quanto nos Estados Urudos, em destaque ao peso da dimensão simbólica nas organizações e nas diferentes formas de gestão. Para a autora, a empresa privada constitui a instituição que melhor sintetiza os princípios ideológicos centrais da cultura norte-americana. Em suas palavras:

Nos Estados Unidos, a empresa privada é, do ponto de vista ideológico, a expressão concreta e substantiva da idéia de livre iniciativa, de liberdade econômica e do direito individual de produzir. Ela é percebida como a raiz do desenvolvimento econômico e a seara privilegiada para a expressão da autonomia e do desenvolvimento individual; a medida pela qual, num universo individualista, igualitário e moderno um indivíduo pode ser, legitimamente, diferenciado do outro. À representação simbólica da empresa, junta-se uma ética no trabalho que vê nos bens materiais e no lucro a recompensa legítima pelo trabalho árduo, o instrumento pelo qual todos podem realizar o sonho americano. O sonho de uma terra onde o indivíduo vale e ascende socialmente pelo que faz (Barbosa, 1994:10).

Ao contrário da sociedade anglo-saxã, nas sociedades latinas, a ideologia prevalecente em relação ao trabalho, principalmente o manual, sempre tendeu a desestimular a autonomia e as iniciativas individuais, já que nela o homem não se define pelas suas atividades de trabalho e sim pela sua rede de relações sociais. Nesse ideário, o lucro não pode ser considerado como uma recompensa pelo trabalho árduo, uma vez que este tende a ser visto como algo degradante e não-dignificante. Assim, embora se exercite um discurso liberal nas empresas brasileiras, em que valores como a autonomia predominam, as representações que os trabalhadores fazem de suas atividades práticas são bem distintas.

A amostra do presente estudo constituiu-se de trabalhadores de classe socioeconômica média baixa, cujas perspectivas de vida estão muito associadas ao trabalho, mas numa atitude de forte submissão e não de experiênciade autonomia. Muitos dos sujeitos da amostra, por meio do trabalho, estão obtendo uma condição de vida não só do ponto de vista material, mas, sobretudo, simbólico, que lhes traz referências muito significativas. Assim, as suas necessidades de desenvolver laços de solidariedade, companheirismo, confiança, senso de competência e justiça funcionam como um aprendizado na construção e no redimensionamento das suas identidades. Até mesmo do ponto de vista estético, novos valores são desenvolvidos e estimulam um senso especial. Nesse sentido, no contexto brasileiro, a percepção de autonomia pode ser geradora de stress por uma excessiva demanda de responsabilidade e de controle interno.

Assim, podemos admitir que alguns aspectos da experiência dos trabalhadores da amostra são potencialmente criadores de stress como a comunicação das exigências muito altas de rendimento e de lucro, a sobrecarga no trabalho que implica o nsco do fracasso e, sobretudo, a organização do sistema de controle, visando ao respeito às exigências. Consideramos que as exigências por um alto padrão (excelência) de atendimento e de serviços, que colocam o sucesso em primeiro lugar, aliadas à percepção da ameaça do desemprego ou da exclusão, assim como as cobranças por rapidez impostas às funcionárias, associam-se a uma condição de ameaça que pode explicar os índices altos de stress,especialmente nos itens como dores na região lombar, cansaço e tensão. A euforia em obter o sucesso, alcançar as metas e o estímulo para a auto-superação se mesclam com o medo do fracasso e levam ao stress.

É bom ressaltar que no contexto das novas políticas de pessoal, e, em especial, a da qualidade total, não há muito espaço para a segurança, mas sim maiores possibilidades de realização, desde que haja empenho e comprometimento. Podemos admitir que esses novos programas implicam um forte impacto na subjetividade, por procurarem introduzir elemento de um mundo - do ponto de vista cultural - novo e estranho, que traz uma proposta de fortes identificações do empregado com a empresa e com o seu projeto de dominação (ter como visão ser a líder do mercado), reduzindo a capacidade dos trabalhadores de questionar e de criticar a empresa.

Convém ressaltar que esse empenho e comprometimento acontece mediante controles que deixam de ser externos - da organização - para serem internalizados pelos empregados como um ideal de ego. Esse controle busca levá-los a querer fazer mais e mais, a se superar a cada momento, pois a meta nunca é atingida, à medida que é sempre possível fazer mais e melhor. Assim a perda da segurança é compensada pelo reconhecimento simbólico e material.

Nesse contexto, de que maneira as condições percebidas como favoráveis de clima organizacional podem ser vividas como experiências estressantes? Possivelmente, temos o conflito: o desejo de vencer versus o medo de fracassar e de ser excluído. Surge uma espécie de dependência infantil, em que a empresa assume o poder de uma entidade poderosa que gratifica, mas, também pune e exclui. O ideal de perfeição, a adesão à missão, a execução das ordens e o respeito às proibições constituem a base do sucesso. Podemos supor que, no contexto brasileiro, uma condição de desafio com altos padrões de excelência exija do trabalhador uma adaptação a situações novas que tenha um custo subjetivo. As instituições familiares (a família) não se caracterizam basicamente por estabelecer autonomia, disciplina, autocontrole, nem altos padrões de internalização da responsabilidade. Ao contrário, onde não predomina a dependência, o paternalismo e o controle externo, o que tende a surgir é a desagregação e o caos familiar. Da mesma forma, nas instituições escolares (em geral públicas), de onde a maioria dos sujeitos da amostra são originados, jamais observamos um clima que envolva muita cobrança; ao contrário, temos um clima que se caracteriza por muita condescendência.

Por fim, consideramos significativo um comentário especial à dimensão "relacionamento", com a seguinte questão: a percepção de relacionamentos que envolvam pouca confiança podem ter efeito sobre o stressvivido? Nessa dimensão, encontramos apoio nos depoimentos dos trabalhadores de uma forma qualitativa, não por meio da escala. Muitos comentários ressaltavam a carga horária extensa, o horário de entrada ou saída, a sobrecarga típica nos períodos sazonais (como festas, dia da criança, dia das mães etc), mas a maioria ressaltou que a qualidade do clima interpessoal compensava esses aspectos negativos. Principalmente, destacou-se o papel do gerente como um profissional "atencioso", "humano" e, sobretudo, "agregador". A dimensão do clima organizacional no que se refere ao relacionamento está especialmente vinculada às possibilidades de construção de laços de afiliação baseados em solidariedade e confiança. Dejours (1993) ajuda a compreender como o espaço da palavra ou das trocas interpessoais podem servir de base para a construção do conhecimento do trabalho real. Assim, tudo o que é vivido e não é falado ou compartilhado pode, à medida que fica oculto, ser fonte de sofrimento e desenvolvimento de defesas. Ainda que o trabalho vivido implique repressão das possibilidades criativas do sujeito, as trocas entre companheiros de trabalho tendem a trazer inteligibilidade e transparência, favorecendo ao clima organizacional e, conseqüentemente, à saúde mental.

 

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Recebido: 07/03/03
Revisado: 06/04/04
Aceito: 09/06/04

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