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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.21 no.4 Brasília out./dez. 2021

https://doi.org/10.5935/rpot/2021.4.23198 

10.5935/rpot/2021.4.23198

 

Home Office e COVID-19: investigação meta-analítica dos efeitos de trabalhar de casa

 

Home Office and COVID-19: meta-analytical research about effects of working from home

 

Home Office y COVID-19: investigación metanalítica sobre los efectos de trabajar desde casa

 

 

Alanny Nunes de Santana; Antonio Roazzi

Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Brasil

Informações sobre o autor principal

 

 


RESUMO

Com a pandemia da COVID-19 surgiram desafios sem precedentes para a força de trabalho global, que precisou se adaptar rapidamente a novas condições e formas de trabalho, especificamente ao home office/trabalho remoto. Nesse contexto, objetivou-se com este estudo de metanálise explorar os efeitos de aspectos positivos e negativos de trabalhar em regime de home office sobre os sintomas de Síndrome de Burnout antes e durante a pandemia. Foram consultadas as bases SCOPUS, ScienceDirect e listas de referências dos estudos. Seis artigos foram incluídos, abrangendo 4.082 participantes com idade média de 38 anos, sendo 67% do sexo masculino. Os resultados sugeriram que o home office impacta diferentemente os trabalhadores que precisaram se adaptar a essa nova condição de trabalho no período pandêmico, sendo tanto aspectos protetivos quanto de risco mais relevantes no desenvolvimento de sintomas de burnout. Novas pesquisas ainda são necessárias para reconhecer implicações específicas do home office na pandemia.

Palavras-chave: COVID-19, burnout, trabalho.


ABSTRACT

With the emergence of the COVID-19 pandemic, unprecedented challenges emerged for the global workforce, which needed to quickly adapt to new conditions and ways of working, specifically home office/remote work. In this context, the present meta-analysis study aimed to explore the effects of positive and negative aspects of working from home on symptoms associated with burnout before and during the pandemic. The SCOPUS and ScienceDirect databases and reference lists of the studies were consulted. Six articles were included, covering 4,082 participants with a mean age of 38 years, 67% male. The results suggest that remote work had a different impact on workers who needed to adapt to this new working condition during the pandemic period, evidencing that the protective and risk aspects are more relevant in developing burnout symptoms. Further research is still needed to recognize specific home office implications in the pandemic.

Keywords: COVID-19, burnout, smart working.


RESUMEN

Con la pandemia de COVID-19 surgieron desafíos sin precedentes para la fuerza laboral global, que debió adaptarse rápidamente a nuevas condiciones y formas de trabajo, específicamente al home office / trabajo remoto. En este contexto, el objetico de este estudio de metaanálisis fue explorar los efectos de los aspectos positivos y negativos de trabajar bajo el régimen home office sobre los síntomas del Síndrome de Burnout antes y durante la pandemia. Se consultaron las bases SCOPUS, ScienceDirect y listas de referencias de los estudios. Se incluyeron seis artículos, que abarcan 4.082 participantes con edad media de 38 años, 67% del sexo masculino. Los resultados sugieren que el home office impacta de forma diferente en trabajadores que debieron adaptarse a esta nueva condición laboral durante el período pandémico, evidenciando que aspectos protectores y de riesgo son más relevantes en el desarrollo de síntomas de Burnout. Aún se necesitan más investigaciones para reconocer implicaciones específicas del home office en pandemia.

Palabras clave: COVID-19, burnout, trabajo.


 

 

Nos últimos anos os avanços na comunicação e tecnologia da informação vêm permitindo o aumento da flexibilidade no trabalho, de modo que alguns funcionários passaram a poder optar por trabalhar em outros lugares, como nas suas casas (Bhumika, 2020; Kaduk, Genadek, Kelly, & Moen, 2019; Vander Elst et al., 2017). Nesse sentido, muitas pesquisas destacam que os arranjos de trabalho flexíveis permitem que os trabalhadores ajustem melhor sua força de trabalho e não necessitem de apoio nos cuidados familiares ou domésticos (e.g., Bhumika, 2020; King et al., 2012). Entretanto, não existem apenas vantagens de trabalhar em casa (home office) pois, conforme Kaduk et al. (2019), as mesmas tecnologias que permitem trabalhar de forma mais flexível também podem gerar um ambiente de trabalho "sempre ativo, sempre disponível", que invade a vida familiar/privada do trabalhador.

Na pandemia da COVID-19, o home office deixou de ser opção para diversas profissões e passou a ser a única saída para muitas empresas e trabalhadores (Lopez-Leon, Forero & Ruiz-Díaz, 2020). Nesse novo contexto, o home office se distingue do vivenciado pelos trabalhadores em tempos anteriores, na medida em que deixa de ser uma escolha e inclui a presença de membros da família no mesmo ambiente, tendo em vista as medidas de distanciamento social de outras pessoas (Bhumika, 2020). Ademais, em período pandêmico, os desafios próprios do trabalho remoto podem ser agravados por consequências específicas da pandemia, notadamente as vivências de luto, o isolamento social, as incertezas sobre o futuro e a redução de redes de apoio/suporte (Pietrabissa & Simpson, 2020).

Conforme estudos recentes, as consequências para a saúde mental do prolongado distanciamento social e da vivência de sucessivos lutos diante da COVID-19 já são visíveis e provavelmente sobreviverão à atual pandemia, podendo fazer emergir transtornos psicológicos como ansiedade, depressão, pânico e transtornos relacionados ao estresse e à exaustão emocional (Pietrabissa & Simpson, 2020; Rogers et al., 2020). Desse modo, pode-se compreender que a pandemia traz novos fatores que impactam tanto a vida pessoal quanto a laboral dos indivíduos.

De acordo com Yang (2020), o uso de estratégias de comunicação e de informação já convencionais, como o trabalho remoto, gera desafios pessoais e organizacionais em situações de crise global. As tentativas de manter o equilíbrio entre vida profissional e familiar, na modalidade remota, permanecem sendo objeto de discussão na literatura especializada. Se, por um lado, o home office aumenta o controle dos trabalhadores sobre o desempenho das atividades no contexto espaço-temporal de trabalho, por outro, os trabalhadores estão propensos a vivenciar conflitos entre a vida profissional e a vida pessoal, tendo em vista a necessidade de se colocarem disponíveis para trabalhar em tempos tradicionalmente reservados para a sua vida pessoal/familiar, assim como trabalhar em horários imprevisíveis, sem necessariamente ganhos adicionais (Bhumika, 2020; Henly & Lambert, 2014). Desse modo, coexistem aspectos positivos e negativos no trabalho remoto.

Estudos apontam que o home office está associado à maior percepção de autonomia, mais engajamento, produtividade e comprometimento dos funcionários, fatores esses reconhecidos como protetivos da saúde mental dos trabalhadores (e.g., Bhumika, 2020; Schade, Digutsch, Kleinsorge, & Fan, 2021). Todavia, o trabalho em regime de home office também apresenta aspectos negativos identificados como fatores de risco à saúde mental, tais como o aumento dos conflitos familiares, a falta de estabilidade nos horários de trabalho e menor percepção de suporte dos colegas (e.g., Bhumika, 2020; Pluut & Wonders, 2020).

No âmbito da pandemia da COVID-19, tendo em vista as incertezas e inseguranças no mundo do trabalho, assim como os conflitos entre trabalho e vida pessoal associados ao trabalho remoto, tem sido observada a manifestação de sintomas de exaustão emocional, dentre outros comumente associados à síndrome de burnout (SB) em trabalhadores (Abacar, Roazzi, & Bueno, 2017; Azevêdo & Roazzi, 2021; Bhumika, 2020; Roazzi, Carvalho, & Guimarães, 2000). A SB ou síndrome do esgotamento profissional é reconhecida como um processo de adoecimento no qual os aspectos do contexto de trabalho e interpessoais contribuem para o desenvolvimento de desgaste emocional, despersonalização, incompetência e baixas realizações profissional e pessoal (Lorenz, Benatti, & Sabino, 2010).

Destacam-se na literatura três principais dimensões da SB: exaustão emocional, despersonalização e baixa realização pessoal no trabalho. A exaustão emocional se associa à carência de energia, entusiasmo e ao sentimento de que já não há condições de enfrentar os estressores ligados ao trabalho. A despersonalização se relaciona ao distanciamento afetivo e pessoal, caracterizado por comportamentos e atitudes negativas, cinismo e indiferença do trabalhador. Por fim, a diminuição da realização profissional, associada às duas outras dimensões, se relaciona a uma autoavaliação negativa do trabalhador, a partir da qual se tende a perceber diversos aspectos negativos da sua vida profissional (Cardoso, Baptista, Sousa, & Goulart Júnior, 2017).

A literatura disponível sobre esta síndrome destaca que a SB é uma reação à tensão emocional crônica causada pelo trabalho, tendo seus diferentes níveis de gravidade ligados a categorias profissionais e características específicas do trabalho realizado (Lorenz et al., 2010; Souza et al., 2015). Nessa direção, podemos nos questionar sobre o impacto das características específicas do home office durante a pandemia da COVID-19 sobre a ocorrência de sintomas associados ao burnout. O trabalho remoto/home office pode ser encarado da mesma forma que antes?

Este estudo teve por objetivo realizar uma metanálise para explorar os efeitos das características positivas e negativas de trabalhar de casa sobre os sintomas associados ao burnout antes e durante a pandemia da COVID-19. Destaca-se que pesquisas recentes como as de Cho (2020) e O'Connor et al. (2020) indicam a necessidade de estudos que analisem o impacto desse arranjo específico de trabalho, seus limites e implicações durante e após a pandemia da COVID-19.

 

Método

Trata-se de um estudo de revisão sistemática da literatura com metanálise realizado em conformidade com as diretrizes do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA)1

1 Dados complementares sobre os procedimentos disponibilizados no link: https://bit.ly/3kDLn5Z

.

Estratégias de Busca e Critérios de Elegibilidade

Foram consultadas, no mês de agosto de 2021, as bases de dados SCOPUS e ScienceDirect, assim como as listas de referências dos estudos incluídos utilizando as combinações de termos burnout OR "emotional exhaustion" OR depersonalization OR "personal accomplishment" AND "home office" OR "work from home" OR "virtual office" OR "work at home". A busca se restringiu à inclusão de artigos publicados nos idiomas inglês, espanhol e português, sem limitação temporal.

A elegibilidade foi inicialmente avaliada com base nos próprios mecanismos de filtragem disponíveis nas bases de dados consultadas, sendo considerados nesta primeira triagem os critérios de inclusão: (1) artigos; (2) escritos em português, inglês ou espanhol; (3) já publicados (não in press); e (4) que relatam resultados de estudos empíricos. Após a primeira seleção, os estudos foram avaliados quanto à sua inclusão ou não com base nos títulos e resumos dos artigos, aplicando-se os seguintes critérios de inclusão: (5) artigos relacionados ao tema home office e dimensões do burnout; (6) que incluíram dados de trabalhadores no regime de home office; e (7) com participantes no período de pandemia da COVID-19 ou não (anterior à pandemia). Após a leitura na íntegra, foi considerado o último critério de inclusão, a saber: (8) estudos que apresentem resultados estatísticos da relação entre dimensões da SB e aspectos relacionados ao trabalho em participantes no regime de home office. Foram excluídos os estudos: (1) teóricos; (2) em outros idiomas; e (3) repetidos (contabilizando apenas uma vez os repetidos).

Coleta e Análise dos Dados

A coleta foi realizada a partir da extração das seguintes informações dos artigos: tamanho da amostra de participantes, sexo, idade, profissão, local de realização dos estudos (países), tempo de trabalho remoto/home office, período em que foi realizada a coleta dos dados (se em período pandêmico ou antes), dimensões da SB avaliadas e suas correlações com aspectos positivos (percepção de suporte dos colegas, participação nas tomadas de decisão, autonomia, liderança participativa, estabilidade nos horários de trabalho, engajamento, satisfação, produtividade e comprometimento com o trabalho) e negativos (conflitos familiares, ambiguidade de funções, pressão por produtividade acelerada, interferência do trabalho na vida pessoal e da vida pessoal no trabalho -falta de limites-, instabilidade nos horários de trabalho e estresse) associados ao trabalho. Quando as informações referentes ao sexo e a idade não foram claramente fornecidas nos artigos o cálculo aproximado foi realizado pelos autores (p. ex., quando apenas o número de participantes do sexo masculino era relatado e não a porcentagem).

A análise dos dados foi realizada a partir do uso do pacote para análise estatística Jamovi (The Jamovi Project, 2021) . O modelo de efeitos aleatórios e a diferença média padronizada (DMP) foram utilizados. O índice de heterogeneidade (I2) foi classificado como: não heterogêneo (valores próximos a 0%), baixo (próximos a 25%), moderado (próximos a 50%) e alto (acima de 75%) (Higgins, Thompson, Deeks, & Altman, 2003). O intervalo de confiança de 95% foi calculado para cada tamanho de efeito. O tamanho dos efeitos foi calculado para cada desfecho relatado nos estudos, utilizando-se as correlações. Foi considerado um tamanho de efeito pequeno quando os resultados não ultrapassam 0,10; moderado quando igual ou superior a 0,30; e grande se excederem 0,50 (Cohen, 2013).

 

Resultados

A busca inicial nas bases de dados resultou na identificação de 110 estudos. Com base nos filtros dos buscadores das bases de dados (ferramentas das bases de dados), foram excluídos 11 estudos. Considerando os títulos e resumos, foram excluídos 94 estudos, resultando em cinco artigos que foram lidos na íntegra e incluídos. Artigos adicionais foram identificados a partir de uma busca manual nas listas de referências dos cinco artigos incluídos, resultando em mais 17 estudos potenciais. Posteriormente, os artigos identificados também foram filtrados de acordo com os critérios de inclusão mencionados acima, resultando em mais uma inclusão, totalizando seis artigos. De acordo com as diretrizes do PRISMA, a Figura 1 fornece uma visão geral do processo de seleção dos estudos (Page et al., 2020).

Os seis conjuntos de dados incluíram 4.082 participantes com idade média de 38 anos (DP = 7,4), sendo 67% do sexo masculino. Participaram trabalhadores de diversos países, com destaque para Estados Unidos (em dois estudos), incluindo também participantes indianos, holandeses, belgas e mexicanos (1 estudo cada). O ano de publicação dos estudos variou entre 2012 e 2021, abrangendo três estudos realizados antes da pandemia da COVID-19 e três com participantes trabalhando em regime de home office apenas durante a pandemia. Desse modo, foi possível a divisão dos resultados da amostra de estudos incluída em dois grupos, um com trabalhadores antes e outro com trabalhadores durante a pandemia. Os grupos de trabalho não foram especificados na maioria dos estudos, sendo relatados como "diversos". Ademais, foram incluídos funcionários dos setores de atendimento ao cliente (Sardeshmukh, Sharma, & Golden, 2012), de telecomunicação (Vander Elst et al., 2017) e funcionários de universidades públicas (Garcia-Contreras, Munoz-Chavez, Valle-Cruz, Ruvalcaba-Gomez, & Becerra-Santiago, 2021). 72% dos participantes incluídos apresentavam ensino superior completo ou pós-graduação (concluída ou em andamento), estando todos os trabalhadores em regime remoto por tempo integral.

Dois estudos não especificaram o tempo que os participantes vinham trabalhando em regime remoto, sendo em dois estudos relatado o período de menos de um ano, um com período de um ano ou mais e o outro por período menor do que 5 anos. Em quatro estudos foi utilizado o Inventário Maslach de Burnout (Maslach & Jackson, 1981), e suas variações, para avaliar a SB. No estudo desenvolvido por Garcia-Contreras et al. (2021) foi utilizada uma escala de sete itens, elaborada para a pesquisa, e no estudo de Vander Elst et al. (2017) foi utilizada a escala de burnout Utrecht (UBOS-A). A dimensão de exaustão emocional foi a mais avaliada nos estudos (5 estudos), só sendo possível generalizar os resultados para esta dimensão da SB. Na Tabela 1 são apresentadas as características gerais dos estudos incluídos.

Especificamente para fins de análise do tamanho do efeito, este estudo incluiu 41 correlações, que geraram efeitos estatisticamente significativos. O efeito geral da relação entre a SB e aspectos positivos associados ao trabalho, em regime remoto/home office, foi moderado e com alta heterogeneidade (DMP= -0,32; IC 95% = 0,27 a 0,38; p <0,001; I2 = 91,56%). Já com aspectos negativos associados ao trabalho em regime remoto/home office apresentou tamanho de efeito geral maior, mas ainda moderado e com alta heterogeneidade (DMP= 0,39; IC 95% = 0,27 a 0,51; p <0,001; I2 = 96,52%). Tais resultados indicam que tanto aspectos positivos (como maior flexibilidade) quanto negativos (como mais conflitos familiares) do trabalho remoto se relacionam significativamente e tem efeitos sobre o aparecimento ou não de sintomas da SB, mais especificamente da exaustão emocional.

Analisando separadamente os estudos com participantes trabalhando em home office antes e os estudos com participantes que passaram a trabalhar nesse regime, durante a pandemia da COVID-19, foram observadas diferenças importantes (ver Figuras 2 e 3). Antes da pandemia, com o trabalho remoto sendo voluntário, o tamanho de efeito geral dos aspectos associados ao home office nos participantes foi consideravelmente menor do que nos estudos com participantes que passaram a trabalhar de casa devido a pandemia (Resultados antes: DMP= 0,23; IC 95% = 0,17 a 0,28; p <0,001; I2 = 94,98%. Resultados durante a pandemia: DMP= 0,44; IC 95% = 0,28 a 0,59; p <0,001; I2 = 97,23%).

Quanto à relação entre aspectos positivos no trabalho remoto e a manifestação de sintomas da SB em participantes antes da pandemia, verificou-se que essa relação teve tamanho de efeito menor do que em participantes que passaram a trabalhar em home office durante a pandemia (Resultados antes: DMP= 0,31; IC 95% = 0,24 a 0,37; p <0,001; I2 = 89,89%. Resultados durante a pandemia: DMP= 0,35; IC 95% = 0,23 a 0,48; p <0,001; I2 = 94,36%). Especificamente sobre a relação entre aspectos negativos no trabalho remoto e sintomas de SB, observou-se uma considerável diferença entre os grupos de estudos. Indica-se que esta relação teve tamanho de efeito maior nos participantes que passaram a trabalhar em home office durante a pandemia do que nos que trabalhavam antes (Resultados antes: DMP= 0,32; IC 95% = 0,23 a 0,41; p <0,001; I2 = 91,99%. Resultados durante a pandemia: DMP= 0,62; IC 95% = 0,24 a 0,99; p <0,001; I2 = 96,77%).

Observou-se que em participantes avaliados antes da pandemia o tamanho de efeito da relação entre engajamento com o trabalho remoto e sintomas de burnout foi pequeno, enquanto nos participantes avaliados durante a pandemia foi moderado (Resultados antes: DMP= -0,14; IC 95% = 0,05 a 0,23; p=0,002; I2 = 96,09%. Resultados durante a pandemia: DMP= -0,42; IC 95% = 0,24 a 0,59; p <0,001; I2 = 97,23%). Tais resultados podem indicar que durante a pandemia o engajamento com o trabalho remoto passa a ser um fator protetivo ainda mais relevante. Destaca-se que a heterogeneidade entre os estudos incluídos em todas as análises acima apresentadas foi alta (I2>75%).

 

Discussão

Objetivou-se com este estudo explorar os efeitos das características positivas e negativas de trabalhar de casa/home office sobre os sintomas de burnout antes e durante a pandemia da COVID-19. Evidenciou-se, de maneira ainda não explorada pela literatura, mas corroborando Yang (2020), que mesmo uma prática já conhecida e utilizada por muitos, como é o caso do trabalho remoto, em contexto pandêmico precisa ser reavaliada, na medida em que gera novas consequências.

O observado efeito geral da relação entre burnout e aspectos positivos e negativos associados ao trabalho em regime remoto/home office revela o quanto as condições de trabalho influenciam na saúde mental do trabalhador, sejam estas condições positivas, que atuam como fatores protetivos, ou negativas, que facilitam o surgimento de sintomas da SB. Sobre esse impacto em condições normais de home office, não pandêmicas, a literatura já apresenta algumas conclusões (e.g., Allen, Herst, Bruck, & Sutton, 2000; Gajendran & Harrison, 2007). Em uma metanálise com 46 estudos, Gajendran e Harrison (2007) destacam um claro lado positivo do home office, associado à percepção da autonomia, à satisfação no trabalho, ao desempenho e ao estresse; bem como um claro lado negativo, relacionado ao isolamento social, à estagnação de carreira e ao conflito familiar, também evidenciados neste estudo.

Todavia, quando analisamos separadamente os estudos com participantes trabalhando em home office antes e durante a pandemia da COVID-19, observamos consideráveis diferenças, especialmente quanto ao impacto dos aspectos negativos. Nesse sentido, pode-se compreender que os aspectos negativos associados às condições de trabalho em casa têm maior força sobre o desenvolvimento de sintomas de exaustão emocional em contexto pandêmico. Conforme Bhumika (2020), durante a pandemia, especialmente em períodos de mais restrito isolamento social, o cenário em casa é bem diferente do normal, pois toda a família precisa se privar da socialização e a casa passa a ser o único espaço para a realização de todas as atividades. Desse modo, demandas profissionais e da vida pessoal tiveram que se concentrar em um único lugar.

Afirma-se que especialmente em contexto pandêmico, para o qual não houve planejamento prévio, ocorre a sobreposição entre vida privada e trabalho, levando a uma maior dificuldade de estabelecer limites e a maior contaminação de preocupações pessoais e deveres de trabalho, alterando o equilíbrio trabalho-vida pessoal (Bhumika, 2020; Pluut & Wonders, 2020). Como a pandemia da COVID-19 chegou abruptamente e trabalhar de casa foi a mais célere saída encontrada para manter empresas funcionando e empregos existindo, esse novo regime de trabalho foi rapidamente implementado, por vezes sem o devido planejamento e instrumentalização dos funcionários.

Nesse contexto, podemos pensar em uma forma involuntária de flexibilidade no trabalho, como apontam Kaduk et al. (2019). Conforme esses autores, o trabalho remoto voluntário é um protetor à saúde mental, mas o involuntário e com horários variáveis (imprevisível) está fortemente associado a maior conflito trabalho-família, estresse, esgotamento emocional e menor satisfação no trabalho. Do ponto de vista psicológico, essa mudança se constituiu como uma intervenção em massa quase experimental que desafiou as capacidades de autorregulação das pessoas e, devido à natureza transversal desse desafio, atingiu indivíduos com pré-condições pessoais e recursos sociais diferentes para lidar com essa nova situação de uma maneira mais ou menos bem-sucedida (Schade et al., 2021).

Resultados de pesquisas observacionais já mostram que as alterações nas dinâmicas sociais provocadas pela COVID-19 têm um impacto considerável no estilo de vida das pessoas em termos de menos contatos sociais, atividade física reduzida, hábitos alimentares alterados, qualidade do sono diminuída e alterações em fatores psicológicos, o que gera novos desafios para o home office em função da pandemia (Pluut & Wonders, 2020). Em estudos relacionados à COVID-19 como o de Brooks et al. (2020) e o de Pluut e Wonders (2020) argumenta-se que trabalhar em casa no período pandêmico se relaciona a riscos psicossociais, como o tédio e a própria exaustão emocional. De fato, mesmo no período anterior à pandemia da COVID-19, trabalhar em casa já poderia trazer algumas desvantagens, especialmente associadas à visibilidade organizacional prejudicada e à uma sobreposição entre compromissos de trabalho e assuntos pessoais do dia a dia (Pluut & Wonders, 2020), entretanto, com a pandemia essas e outras desvantagens se tornaram ainda mais perceptíveis e importantes.

Além do agravamento das problemáticas já vivenciadas anteriormente, novos desafios do home office surgiram junto a pandemia, como a necessidade de lidar com uma rápida e inquestionável adaptação à tecnologia e às novas formas de comunicação, o aumento das incertezas econômicas e da própria manutenção do emprego, a redução de redes de apoio/suporte, o aumento nas vivências de luto e o isolamento social (Pietrabissa & Simpson, 2020; Pluut & Wonders, 2020; Schade et al., 2021). Diferentemente do período pré pandêmico, durante a pandemia não somente a interação com os colegas de trabalho é reduzida e restrita às telas, mas também a interação com amigos e familiares, o que conforme Pietrabissa e Simpson (2020) gera consequências para a saúde mental especialmente associadas à ansiedade, ao estresse e à exaustão emocional. Nessa direção, em função da pandemia importantes aspectos preditores de sintomas de transtornos psicológicos se tornaram mais frequentes, tais como problemas jurídicos e financeiros, o medo de contrair a COVID-19 e especialmente o medo da doença ou morte de um ente querido (Murata et al., 2021), de modo a demandar maior atenção à saúde mental dos trabalhadores.

Além dos aspectos negativos, os positivos também diferiram entre participantes trabalhando antes e durante a pandemia. Este resultado aponta a importância da atenção aos fatores positivos como protetivos e mais impactantes em períodos de crise. Pluut e Wonders (2020) enfatizam que pessoas que trabalham remotamente em casa estão propensas a serem produtivas e a sofrerem menos conflitos relacionados ao trabalho, além de poderem ter maior plasticidade de compromissos e a oportunidade de trabalhar em um ambiente familiar. No contexto pandêmico, soma-se aos aspectos positivos já associados ao home office a maior sensação de segurança no trabalho, especialmente relacionada à redução no risco de contaminação pelo vírus (Garcia-Contreras et al.,2021). Desse modo, considerando que tanto aspectos positivos quanto negativos ligados ao home office impactam sobre o surgimento de sintomas de burnout, especialmente relacionados à dimensão de exaustão emocional, torna-se importante pensar em ações que potencializem os aspectos positivos e reduzam os negativos.

Nessa direção, Lopez-Leon et al. (2020) fazem recomendações para o home office durante a pandemia, dentre estas: criar rotinas, buscar a organização (de tarefas e horários), procurar um local de trabalho ergonômico, ser responsável com as obrigações essenciais, evitar a realização de múltiplas tarefas simultaneamente e utilizar adequadamente programas e plataformas que auxiliem o processo de trabalho e a interação com colegas (tais como Skype e Google Meet). Todavia, sabe-se que não é possível seguir as recomendações destes autores em todos os casos de indivíduos que passaram a trabalhar em home office, especialmente porque nem sempre a casa é um ambiente adequado e confortável para o trabalho; além das condições estruturais, nem todos os trabalhadores conseguem se engajar com o trabalho da mesma forma que presencialmente.

Desse modo, avaliamos o impacto do engajamento com o trabalho em período pandêmico sobre o surgimento da exaustão emocional e verificamos a sua maior importância durante a pandemia, relevando o quanto este fator é desejável e passa a ser um fator protetivo ainda mais relevante. Segundo Bakker e Albrecht (2018), é importante saber que trabalhadores experimentam níveis flutuantes de engajamento ao executar seu trabalho, mas também que o engajamento pode ser influenciado por práticas de recursos humanos. Nessa direção, estudos recentes indicam preditores do engajamento que podem ser utilizados pelas organizações, tais como o redesenho de cargos, o treinamento de líderes e o alinhamento estratégico de metas (e.g., Breevaart et al., 2014; Holman & Axtell, 2016). Tais práticas de recursos humanos, de acordo com os resultados evidenciados neste estudo, podem ser ainda mais relevantes nos tempos atuais.

Ademais, pode-se considerar, para limitar e conter os efeitos da COVID-19 no mundo do trabalho, as estratégias propostas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT- 2020a,b), que se estruturam em quatro pilares principais: (i) proteger os trabalhadores(as) no local de trabalho; (ii) apoiar a economia e a demanda de trabalho; (iii) apoiar trabalho e renda; e (iv) encontrar soluções compartilhadas por meio do diálogo social. Adicionalmente, de acordo com a OIT, as políticas deveriam se concentrar em dois objetivos imediatos: medidas de proteção à saúde e apoio econômico tanto do lado da demanda quanto da oferta. Em primeiro lugar, os trabalhadores e suas famílias precisariam ser protegidos dos riscos à saúde, fortalecendo as políticas e medidas de saúde e segurança no local de trabalho. Em segundo lugar, seria necessário adotar respostas por meio de políticas oportunas e coordenadas em grande escala para apoiar o emprego e a renda e para apoiar as empresas, a economia e a demanda de trabalho.

Os resultados desta metanálise sugerem que o home office impacta diferentemente os trabalhadores que precisaram se adaptar a essa nova condição de trabalho no período pandêmico, sendo tanto os aspectos protetivos quanto os de risco mais relevantes no desenvolvimento de sintomas de burnout, merecendo, consequentemente, maior atenção das organizações. Todavia, o presente estudo apresenta algumas limitações que merecem atenção. Primeiramente, embora tenhamos pesquisado por literatura em bases de dados relevantes e consultado listas de referências sem limitações temporais, a pesquisa empreendida foi restrita às bases utilizadas e aos idiomas indicados.

Apesar de incluir um número considerável de participantes, de ambos os sexos e de diferentes países, o baixo número de artigos também se configura como uma limitação. Além disso, apesar de ser um dos componentes mais amplamente discutidos do burnout (Bhumika, 2020), a exaustão emocional foi praticamente a única dimensão do burnout considerada nos estudos incluídos, de modo a não podermos generalizar os achados para as demais dimensões. Outras restrições à generalização dos achados deste estudo se referem a inclusão de uma maioria de participantes com alta escolarização e pouco tempo de trabalho remoto. Ademais, as comparações entre os grupos com participantes que trabalhavam antes e com participantes que passaram a trabalhar em regime de home office durante a pandemia da COVID-19 devem ser consideradas com cautela, pois se tratou de uma comparação entre grupos distintos e com diversas profissões.

Por fim, destaca-se que apesar de apresentarem baixo risco de viés (Egger regression p>0,05), a heterogeneidade entre os estudos incluídos em todas as análises foi alta (I2>75%), podendo isso ser atribuído aos diferentes aspectos positivos e negativos avaliados e as distintas medidas utilizadas para realizar as correlações. Apesar de suas limitações, este estudo permitiu explorar uma temática relevante para o atual momento histórico e social, trazendo resultados importantes e que podem direcionar futuros estudos empíricos e ações organizacionais.

Enquanto considerações finais, compreende-se que com a chegada do novo Coronavírus surgiram também desafios sem precedentes para a força de trabalho global, que precisou abruptamente se adaptar a novas condições e formas de trabalho, para muitos nunca vivenciadas. Nesse contexto, o home office, antes amplamente reconhecido quase como sinônimo de flexibilidade e liberdade, passa a precisar ser implementado involuntariamente. Desse modo, as consequências já conhecidas desse regime de trabalho precisaram ser reavaliadas e observadas nesse específico e tão atípico contexto pandêmico. Com este fim realizamos o presente estudo, a partir do qual foi possível perceber que de fato o antes conhecido home office ganhou outra roupagem e passou a impactar mais na saúde mental dos trabalhadores.

Os resultados aqui apresentados nos apontam a necessidade de uma melhor compreensão do impacto da pandemia no trabalho e na carreira dos indivíduos, para que seja possível orientá-los a navegar por essa situação da melhor forma possível. Futuras pesquisas nos níveis micro e macro são necessárias para que se conheçam mais consistentemente as implicações de trabalhar em casa para o equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Corroborando Cho (2020), precisamos saber quais tipos de suporte organizacional e de supervisão são mais eficazes para auxiliar os trabalhadores a lidarem com a nova situação e quais abordagens as empresas e as instituições de ensino devem adotar para fornecer o suporte adequado e oportuno para que os que passam por dificuldades nesse momento possam sofrer menos com problemas na saúde mental. Por fim, destaca-se que são necessários novos estudos com grupos de profissões específicas, com participantes com diferentes níveis de escolaridade e trabalhando em regime remoto por mais tempo para que o impacto do home office sobre o surgimento de sintomas associados ao burnout seja avaliado com mais precisão.

 

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Informações sobre os autores:
Alanny Nunes de Santana
Núcleo de Pesquisa em Epistemologia Experimental e Cultural (NEC)
Universidade Federal de Pernambuco - UFPE
Avenida da Arquitetura s / n, 8º Andar
Centro de Filosofia e Ciências Humanas - CFCH, Cidade Universitária
Recife, PE, Brasil
E-mail: alanny46@gmail.com

Antonio Roazzi
E-mail: roazzi@gmail.com

Submissão: 29/09/2021
Primeira Decisão Editorial: 25/11/2021
Versão Final: 29/11/2021
Aceite: 27/12/2021

 

 

Agradecimentos: Os autores agradecem à Fundação de Amparo a Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (FACEPE).

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