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Neuropsicologia Latinoamericana

versão On-line ISSN 2075-9479

Neuropsicologia Latinoamericana vol.5 no.2 Calle  2013

https://doi.org/10.5579/rnl.2013.131 

DOI: 10.5579/rnl.2013.131

 

Predomínio de Comprometimento Cognitivo Leve Disexecutivo em idosos atendidos no ambulatório da geriatria de um hospital público terciário na cidade do Rio de Janeiro

 

Disexecutive Mild Cognitive Impairment predominance in elderly assisted at geriatric clinic into public hospital in Rio de Janeiro

 

 

Helenice Charchat FichmanI; Conceição Santos FernandesI; Rosinda Martins OliveiraII; Paulo CaramelliIII; Daniele AguiarIV; Regina NovaesIV

I Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
II Universidade Federal do Rio de Janeiro
III Universidade Federal de Minas Gerais
IV Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Além da doença de Alzheimer, o comprometimento cognitivo leve (CCL) é uma entidade nosológica que tem grande prevalência na população idosa. Este conceito mostra uma fase de possível transição entre o declínio cognitivo esperado para o processo de envelhecimento e um processo demencial. A avaliação de diferentes habilidades cognitivas contribui para a identificação dos perfis neuropsicológicos e funcionais da transição entre o envelhecimento benigno e as síndromes demenciais. O objetivo do presente trabalho foi mapear o perfil neuropsicológico e identificar comprometimento cognitivo leve de uma amostra serial de idosos atendidos no ambulatório da geriatria de um hospital público terciário na cidade do Rio de Janeiro, através da aplicação de uma bateria neuropsicológica breve. Para isso foram utilizados os seguintes instrumentos baseados no estudo de Nitrini et al., (1994): 1) Mini Exame do Estado Mental, 2) Teste de memória de figuras, 3) teste de fluência verbal semântica - categoria animais, 4) desenho do Relógio, 5) Escala de atividades da vida diária Lawton e Katz. Foram descritas as frequências e proporções de comprometimento de cada função cognitiva avaliada. Os grupos de comprometimento cognitivo leve com e sem prejuízo funcional foram comparados utilizando teste t de Student. Os resultados da análise descritiva das frequências e porcentagens dos comprometimentos cognitivos mostraram um predomínio de disfunção executiva. Em um total de 88 idosos estudados, a maior parte dos sujeitos (61,36%) foi classificada em CCL não-amnéstico disexecutivo. Foi identificado um grupo com declínio e ou outro sem declínio funcional, não houve diferença entre CCL amnéstico, múltiplo domínio e executivo nestes grupos. Os resultados apontam, na amostra estudada, para uma prevalência de disfunção executiva, com um subgrupo apresentando déficit de memória. De todos os participantes com declínio cognitivo (funções executivas, memória), 31,2% já apresenta declínio funcional. Os dados encontrados trazem contribuições teóricas e clínicas interessantes, no que diz respeito ao entendimento do envelhecimento patológico e o declínio funcional.

Palavras-chave: Envelhecimento, Comprometimento cognitivo leve, Funções executivas, Memória.


ABSTRACT

Besides Alzheimer's disease, mild cognitive impairment (MCI) is a nosological entity that has a high prevalence in the elderly population. This concept shows a possible transition between the cognitive decline expected in the aging process and dementia. The evaluation of different cognitive skills contributes to the identification of functional and neuropsychological profiles in the transition between benign aging and dementia. The objective of this study was to map the neuropsychological profile and identify mild cognitive impairment in a sample of elderly outpatients from a geriatrics clinic of a tertiary public hospital in the city of Rio de Janeiro, through the application of a brief neuropsychological battery. For this purpose we used the following instruments, based on the study of Nitrini et al. (1994): Mini Mental State Examination, Memory Test figures, Semantic Verbal Fluency (animal), Clock Drawing, Lawton and Katz Daily Living Activities Scale. We described the frequencies and proportions of decline for each of the assessed cognitive functions. Groups of mild cognitive impairment were compared using Student's t test. The results of the descriptive analysis of the frequencies and percentages of impaired cognitive processes showed a predominance of executive dysfunction. Most of the subjects (61.36%) were classified as non-amnestic disexecutive MCI. It was identified a group with decline and another without functional decline, but there was no difference between these groups in terms of clinical diagnoses of multiple domains, amnestic and disexecutive MCI. The results indicate, in our sample, the prevalence of executive dysfunction, with a subset of subjects having memory deficits. Many of the participants (31,2%) with cognitive decline (executive functions, memory), already show some functional decline. This data set brings interesting theoretical and clinical contributions in relation to the understanding of pathological aging and functional decline.

Keywords: Aging, Mild cognitive impairment, Executive functions, Memory.


 

 

O envelhecimento é um fenômeno mundial (World Health Organization (WHO), 2009). No Brasil, o processo de envelhecimento vem crescendo de forma expressiva nas últimas décadas, ao contrário de países do primeiro mundo (Santiago, 2007). Estimativas mostram que, em 2025, o Brasil poderá ser o sexto país do mundo com maior proporção de idosos (Banhato & Nascimento, 2007; Kalache et al., 1987; Kalache, 1991).

Estudos comprovam que no processo de envelhecimento saudável observam-se alterações cognitivas leves envolvendo diminuição na velocidade do processamento de informação (Mattos & Paixão Junior, 2010), déficits atencionais e de funções executivas (Zibetti et al., 2010), dificuldades no raciocínio abstrato, controle inibitório e flexibilidade cognitiva (Green, 2000), assim como na capacidade de aprender novas informações (Kirshner, 2002). A redução na capacidade cognitiva global do idoso tem como consequência prejuízo na qualidade de vida, baixa autoestima, transtornos de humor e ansiedade, entre outros (Argimon, Bicca, Timm & Vivan, 2006).

Esta etapa da vida gera maior vulnerabilidade orgânica, associada ao declínio físico e cognitivo natural, e neste contexto predispõem mais facilmente a doenças (Santiago, 2007). Charchat-Fichman, Caramelli, Sameshima e Nitrini, (2005) revisaram a literatura a respeito dos achados neuropatológicos que diferenciam idosos com declínio cognitivo de idosos sem declínio cognitivo, sendo que os primeiros apresentam perfil próximo ao de idosos com demência.

Na população idosa, a demência tem alta prevalência, especialmente a doença de Alzheimer (DA) (Herrera et al, 2002; Lopes & Bottino, 2002; Oliveira, Duarte, Lebrão & Laurenti, 2007). De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV-TR), a DA é caracterizada pela perda de memória associada com outras alterações cognitivas e prejuízos no desempenho das atividades de vida diária (American Psychiatric Association - APA, 2004).

Outra entidade nosológica da clínica geriátrica se refere ao comprometimento cognitivo leve (CCL). Este conceito se refere à fase de possível transição entre as modificações cognitivas esperadas para o processo de envelhecimento e um processo demencial, que compreenderia queixa subjetiva e prejuízo objetivo de funções cognitivas, especialmente memória episódica anterógrada. Nesta entidade diagnóstica, os idosos devem ter preservadas as atividades da vida diária e o funcionamento cognitivo global (Petersen et al., 1999).

Revisões do conceito CCL resultaram em uma distinção entre CCL amnéstico e CCL não amnéstico. Além disso, cada um destes dois tipos de CCL compreende dois subtipos: classificações de domínio simples e de múltiplos domínios. Assim, o conceito de CCL inclui atualmente quatro subtipos: a) CCL amnéstico de domínio único, que tem como requisito principal déficit de memória, mas não em outro domínio cognitivo; b) CCL amnéstico de múltiplos domínios, com a principal exigência do comprometimento objetivo de memória e de pelo menos outro domínio cognitivo; c) CCL não-amnéstico de domínio único, caracterizado por comprometimento de um único domínio cognitivo que não a memória, e d) CCL não-amnéstico de múltiplos domínios, marcado por comprometimento de pelo menos dois domínios cognitivos que não a memória (Petersen, 2004; Petersen et al., 2009; Winblad et al., 2004).

Dados epidemiológicos, de diferentes países, têm mostrado taxas de prevalência de CCL entre 14 e 18%, para os indivíduos com idade superior a 70 anos (Busse et al., 2006; Chaves et al., 2009; Fischer et al, 2007; Ganguli, Dodge, Shen & DeKosky, 2004; Hänninen et al., 2002; Lopez et al., 2003; Palmer, Bäckman, Winglad & Fratiglioni, 2008; Petersen et al., 2009; Plassman et al., 2008; Roberts et al., 2008; Unverzagt et al., 2001).

A partir da revisão da literatura percebe-se a existência de heterogeneidade diagnóstica, particularmente nos estágios de transição para o desenvolvimento de uma síndrome demencial. Entender essa heterogeneidade é fundamental para diagnósticos precoces e mais precisos, bem como para o planejamento de intervenções apropriadas. A avaliação de diferentes habilidades cognitivas contribui para a identificação dos perfis neuropsicológicos e funcionais da transição entre o envelhecimento saudável e as síndromes demenciais (Paula et al., 2010). Entretanto, em muitos contextos uma avaliação longa não é possível de ser realizada, ou não é a mais indicada. Nesse caso, buscam-se avaliações breves, de rápida e fácil aplicação. Nitrini et al. (1994), sugere, por exemplo, que para avaliações epidemiológicas, testes de aplicação rápida são os mais indicados, assim como em estudos que exigem amostras extensas, como estudos multicêntricos (Michieletto, Binkin, Saugo, Boorson & Scanlan, 2006). Também se considera que baterias rápidas facilitariam o exame e a triagem de pacientes (Takeshi & Dodge, 2010).

Esses estudos apresentam como objetivo detecção de demências e outros comprometimentos neurológicos em processos de triagem e em avaliações longitudinais, identificando a sensibilidade e especificidade dos testes para diagnóstico e avaliações da eficácia de intervenções. Vitiello et al. (2007), por exemplo, aplicaram uma avaliação cognitiva breve em pacientes sem queixas de alteração de memória, para verificar seu papel no contexto da semiologia neurológica. Em outro estudo (Gallagher et al., 2010) avalia-se quais os subtestes do CAMCOG, uma mini bateria neuropsicológica de rápida aplicação, seriam preditores para demência, pela avaliação de 182 pacientes com CCL atendidos de forma sequencial em um ambulatório. Schmitt, Saxton, Xu, McRae, Sun, Richardson e Li (2009), por sua vez, buscaram avaliar brevemente a resposta a tratamentos em pacientes com demência avançada. Os autores mostraram que, além de detectar respostas ao tratamento, o CampCog seria sensível a mudanças ao longo da evolução da doença.

Em meio a esta conjuntura, onde entender o processo do envelhecimento apresenta grande relevância clínica para favorecer intervenções bem-sucedidas, a identificação de indivíduos com declínio natural ou com potencial risco de desenvolver demência e outros processos patológicos do envelhecimento, como o CCL, torna-se fundamental. Aliado a isto, os estudos também apontam que em contextos com grande fluxo de pacientes - onde é necessário um exame rápido e eficaz para rastreio diagnóstico - como ambulatórios, as baterias breves são as mais indicadas por serem eficazes e sensíveis na identificação de déficits cognitivos.

O objetivo do presente trabalho foi mapear o perfil neuropsicológico e identificar casos de CCL em uma amostra serial de idosos atendidos no ambulatório da Geriatria de um hospital público terciário na cidade do Rio de Janeiro, por meio de uma bateria neuropsicológica breve.

 

Método

Sujeitos

Participaram deste estudo 88 idosos atendidos consecutivamente no período de um ano (março de 2011 a março de 2012). Foram incluídos no estudo idosos encaminhados para consulta médica no ambulatório de Geriatria do Hospital Servidores do Estado do Rio de Janeiro (HSE) que não apresentavam diagnóstico clinicamente provável de demência seguindo os critérios do DSM-IV (American Psychiatric Association - APA, 1994) e estabelecido por protocolo adotado no Serviço e realizado em consenso por diferentes profissionais da área da saúde (geriatra, assistente social, enfermeira). Foram excluídos pacientes com traumatismo crânio-encefálico, acidentes vasculares, doença de Parkinson ou outras doenças neurológicas ou psiquiátricas diagnosticadas previamente pela equipe médica. O ambulatório de geriatria tem como critério de inclusão para atendimento, "idosos com idade superior a 60 anos e acometidos por alguma enfermidade que afete sua condição física ou mental", portando idosos fragilizados.

Dos 88 participantes, 69 eram mulheres e 14, homens. A idade média foi de 77,80 anos e desvio-padrão de 7,02, com média de escolaridade de 4,70 anos e desvio-padrão de 3,37.

Instrumentos

A avaliação cognitiva foi composta pelos seguintes instrumentos baseados no estudo de Nitrini et al. (1994): 1) Mini-Exame do Estado Mental (MEEM), 2) Teste de memória de figuras, 3) teste de fluência verbal semântica categoria animais, 4) desenho do Relógio, 5) Escala de atividades da vida diária Lawton (Lawton & Brody, 1969) e Katz (Katz, Ford, Moskowitz, Jackson & Jaffe, 1963). Os testes e escalas serão descritos abaixo:
MEEM: Avalia de forma rápida e fácil o funcionamento cognitivo global. O teste investiga orientação para tempo e espaço, atenção, linguagem, habilidades construtivas e memória imediata/tardia (Brucki et al., 2003; Folstein et al., 1975).

Teste de Memória de Figuras: Avalia memória episódica de objetos apresentados como figuras simples. A tarefa consiste nas seguintes etapas:

1) Nomeação e Percepção: O examinado é solicitado a nomear 10 figuras concretas. O número de figuras nomeadas será registrado. Instrução: "Que figuras são estas?"

2) Memória incidental: O indivíduo é solicitado a evocar livremente as figuras nomeadas na etapa 1. Instrução: "Que figuras eu acabei de lhe mostrar?". O número de figuras recordadas será registrado.

3) Memória imediata 1: A folha com as 10 figuras é mostrada novamente por 30 segundos e o examinador oferecerá as seguintes instruções: "Olhe bem e procure memorizar as figuras". A folha será escondida e a seguinte pergunta será feita: "Que figuras eu acabei de lhe mostrar?" O indivíduo tem um tempo máximo de 60 segundos para evocar. O número de figuras recordadas será registrado.

4) Aprendizado: A folha com as 10 figuras é mostrada novamente por 30 segundo e o examinador oferecerá as seguintes instruções: "Olhe bem e procure memorizar as figuras". A folha será escondida e a seguinte pergunta será feita: "Que figuras eu acabei de lhe mostrar?" O tempo máximo de evocação será novamente 60 segundos. O número de figuras recordadas será registrado.

5) Memória tardia: Após um intervalo em torno de 5 minutos, o examinador pergunta: "Que figuras eu lhe mostrei há alguns minutos?" O número de figuras recordadas corretamente será registrado.

6) Reconhecimento: Uma folha contendo 20 figuras é mostrada (10 mostradas anteriormente e 10 distratores) e as seguintes instruções serão oferecidas: "Aqui estão as figuras que eu lhe mostrei hoje e outras figuras novas, quero que você aponte as que você já tinha visto há alguns minutos." O número de figuras corretamente identificadas menos o número de falsas identificações será registrado.

Desenho do Relógio: Avalia habilidades visuais-espaciais e construtivas. O procedimento consiste no desenho da face de um relógio em uma folha em branco. A seguinte instrução será oferecida: "Desenhe um relógio com todos os números. Coloque os ponteiros marcando 2h45minutos". A pontuação será feita de 1 a 10 conforme os critérios adaptados por Sunderland et al. (1989).

Fluência verbal: o teste de fluência de animais (associação semântica). Neste, o examinado é solicitado a falar o maior número possível de animais no período de um minuto. O idoso é informado que poderá falar qualquer espécie de animal: terrestre, de quatro patas, pássaros, peixes e insetos. Quando o paciente falar uma classe (peixe) e uma espécie pertencente a esta classe (sardinha), apenas a espécie será considerada correta. Quando o paciente falar apenas a classe, esta será considerada correta. Derivações de gênero com nomes diferentes (boi e vaca) foram consideradas corretas. Para mais detalhes consultar Mitrushina (1999) e Strauss, Sherman, Spreen e Strauss (2006).

Escala de atividades da vida diária Lawton (Lawton & Brody, 1969; Lopes dos Santos et al., 2008; Paixão et al., 2005). Esta escala investiga o grau de independência nas tarefas da vida diária. Ela possui ao todo, 30 subitens distribuídos nos seguintes fatores: uso do telefone, compras, preparação da comida, reparos domésticos, cuidado com a roupa, uso de transporte, administração dos medicamentos, e manejo da vida financeira. Há quatro opções de respostas, numeradas de 0 a 3. Esta numeração corresponde aos escores. Quanto maior o escore total obtido na escala, maior será o nível de incapacidade da pessoa para lidar com as tarefas da vida diária.

Escala de atividades da vida diária índice de Katz (Katz et al., 1963; Lino et al., 2008; Paixão et al., 2005). Avalia a capacidade funcional do indivíduo idoso. Estabelece uma lista de seis itens que são hierarquicamente relacionados e refletem os padrões de desenvolvimento infantil, ou seja, que a perda da função no idoso começa pelas atividades mais complexas, como vestir-se, banhar-se, até chegar as de autorregulação como alimentar-se e as de eliminação ou excreção. Cada tarefa foi pontuada, recebendo pontuação específica que varia de 0 para a independência a 3 para dependência total.

O Quadro 1 define as variáveis e os respectivos pontos de corte utilizados para definir comprometimento cognitivo e funcional.

 

 

Procedimentos

Todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre esclarecido quanto à aceitação em participar da pesquisa aprovado pelo comitê de ética da instituição. Os idosos foram submetidos a uma avaliação geriátrica global para definição diagnóstica composta por uma consulta médica, entrevista com assistente social e com enfermeira, bem como aplicação de instrumentos de rastreio diferentes da bateria breve proposta neste estudo. A bateria breve de avaliação cognitiva foi realizada em uma sala do ambulatório da Geriatria no hospital antes ou após uma consulta médica de rotina. A bateria foi aplicada por neuropsicólogos treinados na aplicação destes instrumentos. Baseado exclusivamente nos resultados da avaliação neuropsicológica breve, os idosos foram classificados em: 1) normais (todas as variáveis cognitivas e funcionais preservadas), 2) demência (todas as variáveis cognitivas e funcionais comprometidas), 3) comprometimento cognitivo leve amnésico (preservação do MEEM, comprometimento de pelo menos uma variável de memória, preservação do Desenho do relógio e fluência verbal), 4) comprometimento cognitivo leve em múltiplos domínios (comprometimento de pelo menos uma variável de memória e uma variável de funções executivas – DR ou FV ou memória incidental) - a figura 1 descreve o algoritmo, 5) comprometimento cognitivo leve não-amnésico disexecutivo (preservação da memória e comprometimento de pelo menos uma variável de função executiva) - a figura 2 descreve o algoritmo. Os idosos com comprometimento foram divididos em dois grupos: 1) declínio funcional (dependente em pelo menos uma escala funcional – Lawton ou Katz), 2) sem declínio funcional (independente em ambas as escalas funcionais – Lawton e Katz).

 

 

 

 

Análise estatística

Foram calculadas as frequências e proporções de comprometimento de cada função cognitiva avaliada e a frequência e proporção de idosos classificados em normais, demência, CCL baseado no algoritmo diagnóstico definido na metodologia. Teste de qui-quadrado e teste t foram realizados para comparar o grupo com e sem declínio funcional nas diferentes variáveis cognitivas e demográficas. Os testes t e qui-quadrado também foram utilizados para comparar o perfil cognitivo e demográfico do grupo com CCL múltiplos domínios e disexecutivo.

 

Resultados

Os resultados da análise descritiva das frequências e porcentagens dos padrões de comprometimento cognitivo mostraram predomínio de disfunção executiva (94,32%), seguido de prejuízo da memória de trabalho (36,36%), aprendizagem (31,82%), rebaixamento do funcionamento cognitivo global (30,68%), reduzida evocação tardia (18,18%) e reconhecimento tardio (3,41%). Dos idosos avaliados, 19,31% apresentaram declínio das atividades instrumentais e 17,40% das atividades básicas. A Tabela 1 descreve estes resultados.

 

 

Ao aplicar o algoritmo diagnóstico, diferentes entidades clínicas foram representadas na amostra. A maior parte dos sujeitos (61,36%) foi classificada em CCL nãoamnéstico disexecutivo (Figura 1), a segunda categoria mais frequente foi o CCL amnéstico de múltiplos domínios (32,95%). Não foram observados idosos classificados como CCL amnéstico domínio único ou CCL não-amnéstico de múltiplos domínios. Apenas dois idosos foram classificados (Tabela 2) como demência (2,27%) e um único idoso foi classificado como normal (1,14%). Dos idosos classificados como CCL, 31,2% apresentaram declínio funcional (prejuízo nas atividades da vida diária em pelo menos uma das escalas Lawton e/ou Katz). Destes, 31,1% foram classificados em CCL amnéstico de múltiplos domínios e 35,18% como CCL disexecutivo.

 

 

A Tabela 3 demonstra a comparação das variáveis idade, escolaridade, domínios cognitivos e status funcional entre os grupos de CCL com e sem declínio funcional Os grupos com CCL com declínio funcional e sem declínio funcional não mostraram diferença significativa entre os diagnósticos clínicos CCL améstico de múltiplos domínios e CCL disexecutivo (p>0,05). O grupo com declínio funcional apresentou menor escolaridade e pior desempenho nos testes de memória imediata 1, memória imediata 2, evocação tardia, fluência verbal animais, desenho do relógio, MEEM e desempenho no Lawton (p<0,05).

 

 

O grupo com CCL amnéstico de múltiplos domínios apresentou desempenho significativamente pior nos testes de memória (incidental, aprendizagem, evocação tardia) quando comparado com o grupo CCL disexecutivo. Não houve diferença significativa em relação às variáveis de funções executivas (desenho do relógio e fluência verbal), bem como MEEM e atividades de vida diária. Os grupos com CCL múltiplos domínios e disexecutivo não diferiram quanto à idade e escolaridade. A Tabela 4 descreve estes resultados.

 

 

 

Discussão

Os resultados apontam, na amostra estudada, elevada frequência de disfunção executiva, com um subgrupo apresentando déficit de memória. De todos os participantes com declínio cognitivo (funções executivas, memória), cerca de 1/3 já apresenta declínio funcional. Este subgrupo tem menor escolaridade e pior desempenho dos testes, indicando maior prejuízo destes participantes. Aplicando o algoritmo diagnóstico, identifica-se um grupo com CCL não amnéstico - disexecutivo e um grupo com CCL amnéstico de múltiplos domínios. A principal diferença entre eles foi o comprometimento de memória, ou seja, avaliando outras funções cognitivas e variáveis sociodemográficas, não foram observadas variações.

Estes achados se diferenciam dos encontrados na literatura em decorrência da especificidade da amostra estudada, que inclui exclusivamente idosos com perfil de fragilidade física ou cognitiva, limitando a generalização dos resultados para populações com características distintas. Estudos anteriores sobre o perfil do envelhecimento buscam, normalmente, a identificação de quais são os déficits cognitivos existentes nas entidades diagnósticas já estabelecidas, além de sua incidência em populações clínica ou da comunidade (Gil & Busse, 2009; Nunes et al., 2008; Scharre et al., 2010; Vitiello et al., 2007).

O que se encontra como consenso entre os resultados da literatura é o déficit de memória (Petersen et al., 2009). Tanto que as próprias entidades diagnósticas existentes privilegiam o prejuízo de memória, mais do que de outras funções cognitivas (Wagner, 2006). Observa-se, então, que a literatura aponta para um perfil patológico no idoso, onde o declínio da memória é o esperado e é o mais predominante. Um exemplo é o estudo realizado por Charchat-Fichman (2003), que mostra frequência elevada de comprometimento de memória, independente do critério diagnóstico utilizado, como fundamental para compreender a transição do normal para o patológico no processo de envelhecimento. Já Diniz et al. (2008) verificaram predominância de casos de CCL-amnéstico de múltiplos domínios.

Poucos estudos encontraram predominância de acometimento de outro domínio cognitivo. Entre eles, Lehrner, Maly, Gleiss, Auff, e Dal-Bianco (2008) observaram número significativo de pacientes com CCL-não amnéstico de domínio único e um número reduzido de CCL- amnéstico de domínio único (3,3%). Entretanto, os autores não discutem essa diferença na prevalência e não relatam se há uma função que se destaca nos casos não amnésticos.

Da mesma forma, o presente estudo encontrou resultados diferenciados, mostrando uma frequência elevada de comprometimento de funções executivas, com um subgrupo apresentando déficit de memória. Ao aplicar o algoritmo diagnóstico proposto na metodologia, a maior parte dos sujeitos também foram classificados em CCL não-amnéstico de domínio único - disexecutivo (Petersen, 2004). Balthazar e Damasceno (2008) destacam que casos clínicos de comprometimento cognitivo leve com perfil não-amnéstico disexecutivo são descritos com pouca frequência na literatura. Esses autores discutem um caso clínico, onde havia síndrome disexecutiva com mínimo prejuízo nas atividades da vida diária. Eles pontuam que a paciente avaliada não teria demência, mas também não poderia ser considerada normal.

Esse caso, assim como os dados encontrados no presente trabalho remetem, então, a um perfil que não privilegia memória, como o que acontece nos perfis que predominaram em estudos anteriores. Além de não ter a memória como o foco do diagnóstico, ele tem características bem definidas: (a) disfunção executiva; (b) pode ter ou não um comprometimento nas atividades da vida diária; (c) sem diagnóstico de demência; (d) sem diagnóstico prévio de CCL.

Levanta-se, ainda, discussão sobre as possíveis variáveis associadas a este perfil disexecutivo. Dentre elas, encontram-se as sociodemográficas. Este grupo faz parte de uma população com baixa condição socioeconômica. A literatura já indica a escolaridade como um fator de fragilidade (Parente, Scherer, Zimmermann, & Fonseca, 2009) para as doenças relacionadas ao envelhecimento. Além disso, Ribeiro e Yassuda (2007) mostram, pela revisão de estudos mais atuais, as relações entre o estilo de vida e a capacidade cognitiva. Ou seja, não necessariamente o nível de escolaridade seja o único ou mesmo principal fator. Talvez essas pessoas façam parte de um grupo populacional socialmente menos favorecido, que receba menos estimulação intelectual ao longo da sua vida e isto favoreça a situação de fragilidade. Com o envelhecimento, há declínio acima do esperado em funções executivas, funções reconhecidamente associadas a esta estimulação.

Apesar da ocorrência frequente de disfunção executiva, encontra-se um subgrupo com déficit de memória, que compõem o grupo de CCL amnéstico de múltiplos domínios. As análises mostraram que grupos amnésticos de múltiplos domínios e de domínio único disexecutivo são iguais em tudo menos no déficit de memória. Pode-se hipotetizar, neste caso, se o déficit de memória é consequência do déficit executivo, que poderia ser melhor avaliado com uma bateria mais longa, para confirmar se é ou não um déficit de memória primário.

Verifica-se, ainda, que uma parte de cada grupo (amnéstico de múltiplos domínios e não-amnéstico de domínio único – disexecutivo) apresenta sinais de declínio funcional, mesmo sem ter diagnóstico prévio de demência. O subgrupo funcionalmente comprometido tem pior escolaridade e pior desempenho nos testes, por isso considera-se que pode ser o subgrupo mais próximo de um quadro patológico.

Quanto ao fato de uma parte do grupo disexecutivo ter declínio e outro não, pode ser explicado a partir de uma teoria de flexibilidade espontânea (intenção de pensar de uma maneira diferente) e reativa (estado de prontidão para mudar o foco). Segundo Parkin (1997), esse declínio funcional estaria associado a mais de uma função frontal, especialmente na relação entre esses dois tipos de flexibilidade. Ou seja, mesmo que não haja declínio funcional em todo grupo, todos podem fazer parte de um mesmo perfil, sendo que em uma parte dele há declínio e uma dicotomia entre as funções frontais de flexibilidade.

Estes resultados podem gerar, futuramente, estudos quanto à avaliação do declínio funcional associado a funções executivas, estudos longitudinais para avaliar a evolução deste quadro e mesmo estudos com baterias mais longas de avaliação neuropsicológica para especificar quais são os déficits executivos encontrados e o desenvolvimento de pontos de corte para esta população. Além disto, este perfil sugere o desenvolvimento de procedimentos de intervenção para este grupo. Uma intervenção que pode abranger a reabilitação de funções executivas, focando no desenvolvimento de estratégias de estimulação e também compensatórias como, por exemplo, a reorganização destas habilidades funcionais.

Algumas limitações também são observadas. Dentre elas encontra-se o uso do ponto de corte de outro estudo (Radanovic et al., 2007) que utiliza uma amostra com algumas características demográficas e clínicas distintas da amostra selecionada para o presente estudo. O estudo de Radanovic et al. (2007) é caso-controle e exclui idosos com baixa escolaridade. No presente estudo foram avaliados todos os idosos atendidos no ambulatório de geriatria independente de queixa cognitiva e nível de escolaridade, os critérios de inclusão no ambulatório são rígidos e destacam a presença de enfermidades físicas e/ou cognitivas. Neste contexto, o uso dos pontos de corte de outro estudo pode ter maximizado o efeito do comprometimento cognitivo na amostra estudada.

Por fim, acreditamos que estes dados trazem contribuições teóricas e clínicas interessantes, no que diz respeito ao entendimento do envelhecimento patológico, mostrando que: 1. Outras funções cognitivas, além da memória devem ser estudas; 2. A possibilidade de uma nova entidade diagnóstica envolvendo a síndrome disexecutiva; 3. A compreensão do declínio funcional dentro de quadro não demencial; 4. O impacto que a disfunção executiva pode ter sobre a memória. Neste contexto, novos estudos devem ser realizados para melhor compreender esses dados e corroborar algumas das hipóteses levantadas.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Helenice Charchat Fichman
Rua Visconde de Pirajá, 550/616, Bairro Ipanema
CEP 22410-002 - Rio de Janeiro, Brasil
E-mail: hcharchat@uol.com.br

Artigo recebido: 22/11/2012
Artigo revisado: 10/12/2012
Artigo revisado (2ª revisão): 17/12/2012
Artigo aceito: 23/04/2013

 

 

Agradecimento: a Cristina Miranda, Mariana Poubel, Alzira Costa, Priscila Nascimento que contribuíram com a coleta de dados; ao fomento proporcionado pelo CNPQ.

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