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Revista de Psicología Universidad de Antioquia
versão On-line ISSN 2145-4892
rev. psicol. univ. antioquia vol.4 no.1 Medelin jun. 2012
ARTÍCULOS Y ENSAYOS DE REFLEXIÓN
Violência contra as mulheres: O ''privilégio'' de qualquer uma! Uma análise de trechos do Filme ''Te doy mis ojos''
Violence against women: The ''privilege'' of any woman! An analysis of some fragments from the film ''Take My Eyes''
Bruna Krimberg von Mühlen1, Diego Dewes2 y Marlene Neves Strey3
1 Psicóloga e Mestranda em Psicologia Social na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul com bolsa CNPq
2 Psicólogo e Mestrando em Psicologia Social na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul com bolsa CNPq.
3 Psicóloga Pos Doutora e Professora Adjunta da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Resumen
Este artigo foi elaborado a partir da constatação de que a violência contra a mulher com origem no patriarcado coloca a mulher em lugar de subordinação em relação ao homem, e que as estatísticas demonstram dados alarmantes. O estudo teve como objeto de análise algumas cenas de maior poder ilustrativo do filme espanhol Te doy mis ojos, que retrata a vida de uma mulher vítima de violência doméstica. A partir deste filme discutimos a violência contra a mulher. Também utilizamos a música Sem Açúcar de Chico Buarque. A utilização de recursos que são comuns a nossa cognição - vídeo, música e texto – facilitam a compreensão, proporcionando um olhar crítico que tenta vislumbrar o desenvolvimento de práticas libertadoras para as mulheres.
Palabras Clave:Violência contra mulheres, Te doy mis Ojos, Sem Açúcar, Olhar Crítico e Práticas Libertadoras.
Abstract
This article was prepared from the fact that violence against women with origins in patriarchy puts the woman in place of subordination to man, and that statistics show alarming data. The study aimed to review some more powerful illustrative scenes of the Spanish film Te doy mis ojos, which portrays the life of a woman victim of domestic violence. From this film we discussed violence against women. We also use the music of Chico Buarque Sem Açucar. The use of features that are common to our cognition - video, music and text - facilitate the understanding, providing a critical view that tries to envision the development of practices for liberating women.
Key Words:Violence against women, Te doy mis Ojos, Sem Açucar, Critical view, and Liberating practices.
''... María Isabel era una adolescente de quince años, alta, delgada, tez blanca y pelo largo castaño. Acababa de terminar el tercer grado de educación básica...era una niña alegre, divertida y amigable...le gustaba oír música, cantar y bailar... La mamá recuerda: ''no puedo olvidar cómo le desfiguraron sus ojos, le quebraron una pierna y le hirieron la cabeza...la pierna izquierda cortada con machete, el cerebro herido con una piocha [picareta], las manos y los pies amarrados con alambre de púas [arame farpado]...''(Femicidio... la pena capital por ser Mujer. Ana Letícia Aguilar)
INTRODUÇAO
A violência de gênero pode ser compreendida nas desigualdades de gênero entre mulheres e homens (Meneghel & Martini Vial, 2008). Violências no âmbito familiar devem ser percebidas não como resultado de eventos escabrosos ou de comportamentos patológicos, mas sim como um conjunto de práticas aprendidas, através de uma organização social calcada na desigualdade. Assim, com o objetivo de dar-se poder, intimidar e controlar os demais em seu meio familiar há a tentativa de um dos indivíduos em estabelecer relações hierárquicas por meio da violência intrafamiliar, que constitui uma das causas determinantes de relações violentas (Sagot & Carcedo, 2000).
As mulheres, independentemente de raça, classe social, religião, idade ou qualquer outra condição – sem privilégios, são vítimas de violência de gênero produto de um sistema social que subordina o sexo feminino, tornando-as alvo de uma rota crítica que se inicia no contexto familiar, quando a família deveria propiciar conforto e segurança, além da manutenção de práticas que viabilizem seu desenvolvimento libertário nas diversas áreas sociais. No filme espanhol Te doy mis ojos, dirigido por Icíar Bollaín, é possível encontrar de forma bastante ilustrativa como essas violências de gênero são realizadas. Nenhuma mulher está livre desse tipo de violência, e cabe a todos quebrar os mitos de que a violência só ocorre entre famílias pobres e de baixa instrução, ou que as mulheres gostam ou provocam a violência, ou ainda que os agressores simplesmente não conseguem controlar suas emoções. Além disso, o mito de que a violência doméstica é proveniente de problemas com álcool, drogas ou doenças mentais é apenas mais uma forma de corroborar essas práticas destrutivas. Assim, conceitos como gênero e suas formas de violência são importantes de serem abarcados para uma melhor acepção do trabalho.
''As mulheres, independentemente de raça, classe social, religião, idade ou qualquer outra condição – sem privilégios, são vítimas de violência de gênero produto de um sistema social que subordina o sexo feminino...''
Gênero pode ser conceituado como o conjunto de condicionamentos realizados pela sociedade na tentativa de transformar a sexualidade biológica em produtos da atividade humana e no qual essas necessidades sexuais são satisfeitas. É um elemento constitutivo das relações sociais e históricas subjacentes às diferenças percebidas entre os dois sexos, que não pode ser definido como consequência direta da fisiologia nem da biologia, mas explicam as diversas desigualdades entre homens e mulheres (Saffioti & Vargas, 1999; Scott, 1995). Violência de gênero são ações ou circunstâncias que submetem unidirecionalmente, física e/ou emocionalmente, visível e/ou invisivelmente as pessoas em função de seu sexo (Marinheiro, Vieira, & Souza, 2006). Mais especificamente, a violência contra a mulher corresponde a qualquer ato ou omissão de discriminação, agressão ou coerção que cause dano, morte, constrangimento, sofrimento – seja ele físico, sexual, moral, psicológico, social, político, econômico, patrimonial –, limitação, que seja ocasionada pelo simples fato da vítima ser mulher (Narvaz & Koller, 2006).
Muitas mulheres padecem apenas pelo fato de serem mulheres, sofrendo violência física, cultural, psicológica, sexual, patrimonial, podendo culminar em sua faceta mais terrível, denominada femicídio (matar porque a pessoa é mulher) (Aguilar, 2005). Uma em cada três mulheres já sofreu violência intrafamiliar na América Latina; dessas, as que vão para o hospital por sofrerem atos de violência doméstica, mais de um quarto – 29% – esteve internada mais de 24 horas; 30% das mulheres agredidas não contaram ao médico que recorreram ao hospital por motivo de violência; as marcas psicológicas da violência doméstica levaram 20% das mulheres a consultar psiquiatras ou psicólogos; a mulher que sofre de violência doméstica tem nove vezes mais chances de tentar o suicídio do que as não vítimas; a agressão sexual e a violência roubam um de cada cinco anos de vida às mulheres dos países industrializados com idades compreendidas entre os 15 a 34 anos (Heise, Pitanguy, & Germain, 1993; Massula, 2005). Uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo do ano 2000, intitulada ''A Mulher Brasileira nos Espaços Público e Privado'', estima que 2,1 milhões de mulheres sofrem espancamento em todo ano no País; 175 mil por mês, 5,8 mil por dia, 243 por hora, 4 por minuto, uma a cada 15 segundos (Venturi, Recamán, & Oliveira, 2004).
''A Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) reconhecem a violência contra as mulheres como um problema de Saúde Pública...''
1. Dados, políticas e práticas governamentais para enfrentamento da violência
A Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) reconhecem a violência contra as mulheres como um problema de Saúde Pública. Na maior parte das vezes em que ocorre está relacionada a problemas de saúde física, reprodutiva e mental, necessitando de maior uso dos serviços de saúde por parte das vítimas (Schraiber, 2002). Além disso, a OMS, via relatório anual da Anistia Internacional, comenta que 70% das mulheres assassinadas no mundo foram mortas por seus maridos (Massula, 2005). A violência doméstica já atingiu cerca de metade da população feminina mundial ao menos uma vez em sua vida (entre 20% e 50%) (Heise, et al., 1993), necessitando de serviços de saúde, que muitas vezes não estão devidamente preparados para o atendimento, podendo gerar ainda mais sofrimento para a vítima.
Tendo em vista que a violência é considerada pela OMS um dos problemas de saúde pública do mundo (Krug, Dahlberg, Mercy, Zwi, & Lozano, 2002), programas de atenção à violência são incentivados e realizados em muitos países. No Brasil, há muitos planos especializados para essa população de usuários dos órgãos públicos, como o Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-juvenil, previsto no Estatuto da criança e do adolescente (ECA), os Centros de Referência à Vítima de Violência (CRVV), ligado à Secretaria Estadual de Direitos Humanos (SEDH). Os objetivos desses programas e políticas é desenvolver uma intervenção técnico-política financeira para auxiliar no enfrentamento da violência e exploração sexual (Barcelos, 2006). Essas políticas, atreladas ao Ministério da Saúde, se propõem a desenvolver uma rede de cuidado que excede a perspectiva reducionista da medicina e tem a intenção de abranger uma perspectiva mais subjetiva e compreensiva dessas mulheres que chegam com tamanha fragilidade e sensação de impotência e ameaça (Moreira, Magnago, Sakae, & Magajewski, 2009).
Desde os anos 70 as mulheres têm se organizado em movimentos de resistência feminista que incentivam as denúncias de violência no âmbito familiar, com slogans como: ''Quem ama não mata!'' e ''O silêncio é cúmplice da violência'' (Bandeira, 2008; Lima, Büchele, & Clímaco, 2008). Nesse contexto, o surgimento das Delegacias Especiais de Atendimento a Mulher (DEAMs) (1985), o Programa de Atenção Integral a Saúde da Mulher (1983), a criação dos Centros de Referência a Vítimas de Violência (1993) – além de Organizações Não Governamentais (ONGs) – se propõem a desenvolver uma rede de cuidado que excede a perspectiva fisiológica da medicina e tem a intenção de abranger uma perspectiva mais subjetiva e compreensiva dessas mulheres que chegam com tamanha fragilidade e sensação de impotência e ameaça (Bandeira, 2008; Venturi, et al., 2004).
2. A Lei Maria da Penha: Uma luz no fim do túnel?
A Lei Maria da Penha no Brasil (criada em 2006), especificamente, tenta amparar as mulheres vítimas de qualquer tipo de violência em termos de saúde mental, fisiológica e jurídica, representando uma ruptura com as restrições do conteúdo das denúncias acolhidas nas DEAMs, condicionadas na ordem da violência doméstica, sem, contudo, possuir a compreensão da dinâmica e complexidade dos conflitos interpessoais que caracterizavam o cotidiano das mulheres (Bandeira & Soares, 2002). Essa lei inspirou-se na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção realizada em Belém do Pará), que começou a ampliar a compreensão sobre as diferentes formas da violência contra a mulher.
A Lei Maria da Penha (2006) pressupõe cinco tipos de violência: (1) violência física, quando o agressor bate na mulher, deixando marcas, hematomas, cortes, arranhões, manchas, fraturas ou ainda a impede de sair de casa; (2) violência psicológica, quando o agressor insinua a existência de amantes, ofende a mulher ou seus familiares com frequência, desrespeita o seu trabalho, critica sua atuação como mãe, fala mal do seu corpo, como também não a deixa se maquiar, cortar o cabelo e usar a roupa que gosta; (3) violência sexual, quando força relações sexuais com a parceira, obrigando-a a praticar atos sexuais que não lhe agradam, critica seu desempenho sexual e pratica sexo com sadismo; (4) violência patrimonial, quando o agressor quebra utensílios pessoais, rasga suas roupas, destrói ou esconde seus documentos pessoais, profissionais ou mesmo fotos e objeto de valor sentimental; e (5) violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, injúria ou difamação. Esses tipo de violência podem conduzir a sofrimentos que culminam em estados psicológicos variados, podendo levar ao desenvolvimento de depressão, que atua em níveis cognitivos, afetivos e corporais (Molina, 2009), decorrendo em outra forma de agressão ao corpo dessa mulher.
Em relação à violência moral, importante esclarecer o dispositivo que faz o homem optar ou não, nesse caso, por um comportamento moral. Segundo Alvarez (2010), o dispositivo moral é composto de 3 níveis: O primeiro de sentimentos morais como empatia, reciprocidade e o sentido de justiça (necessário para que não ocorra violência contra a mulher); o segundo seria a pressão social para adequar os comportamentos a expectativas da comunidade (no caso, um comportamento não violento); e o terceiro seria o juízo que envolve a interiorização de necessidades dos demais cujo se realizam juízos morais autorreflexivos. Assim podemos concluir que o agressor tem dispositivo moral deficiente.
A violência contra as mulheres é considerada de alta frequência em serviços de saúde, sendo vista como um problema de saúde pública, elevando anualmente seus índices, necessitando de maior qualificação por parte dos trabalhadores que auxiliam pessoas nesse contexto (De Ferrante, dos Santos, & Vieira, 2009; Garcia-Moreno, Jansen, Ellsberg, Heise, & Watts, 2006; ILO, 2004; Marinheiro, et al., 2006; Schraiber, d'Oliveira, França-Junior, & Pinho, 2002). Contudo, o que ocorre é que essas e outras tentativas de auxílio à mulher vitimada muitas vezes não estão claras nem para os profissionais que atuam atendendo nessa área – muito menos para as mulheres que procuram ajuda e são ''empoderadas'' por propagandas referentes a esta lei – podendo gerar constrangimentos, frustrações e aumento da ferida aberta pelo ato de violência sofrido. Pode-se dizer que esse problema pode culminar, para a mulher vitimada, em uma cumplicidade do estado com o agressor, pela impunidade, tolerância social e falta de vontade política em desenvolver mecanismos de proteção mais eficazes e que promovam justiça com menores danos às mulheres.
''...Esses tipo de violência podem conduzir a sofrimentos que culminam em estados psicológicos variados, podendo levar ao desenvolvimento de depressão, que atua em níveis cognitivos, afetivos e corporais...''
Essa questão abordada não compreende somente a Lei Maria da Penha, que ampara eficazmente mulheres vítimas de violência doméstica, mas toda rede apoio que tem dificuldade em encaminhar as mulheres que não se enquadram nessa legislação e sentem-se obrigados a auxiliá-las de forma efetiva, o que nem sempre é possível (de Aguiar, 2007). Então, as violências se manifestam mais uma vez na vida dessas mulheres. É recomendado que os profissionais da área de atendimento às vítimas de violência possuam maior conhecimento acerca das estatísticas e práticas de acolhimento a essas vítimas, necessitando de treinamento para assegurar que elas não voltem a ser ''revitimizadas'' por esses serviços (Giffin, 1994). Essa falta de preparo pode ser identificada quando o profissional desqualifica a fala da mulher, adota uma atitude parcial (julgamento) ou de indiferença, minimiza a situação de violência relatada (Marinheiro, et al., 2006).
3. Formas de Violência e Repercussões
A expressão ''violência contra a mulher'' pode estar contemplada nas mais diversas situações, como: violência física, sexual, psicológica, cometida por parceiro íntimo; estupro; abuso sexual de meninas; assédio sexual no local de trabalho; violência étnica e racial; violência realizada pelo estado por ação ou omissão; mutilação genital; violência e assassinatos ligados ao dote; estupro em massa nas guerras e conflitos armados (OEA, 1996). Mesmo que esse ato de crueldade possa ser cometido por diversos ''criminosos'', é muito mais comum encontrar, em estudos de levantamento nos serviços de saúde, pessoas do âmbito íntimo cometendo essas atrocidades do que estranhos (Deslandes, Gomes, & Silva, 2000; Schraiber, 2002). A frequência desses episódios violentos realizados por parceiros não para, eles tendem a tornar-se repetitivos e mais graves com o passar do tempo caso não haja alguma ação efetiva que coloque fim nessa situação (dos Santos Borsoi, et al., 2009). No sentido de atender essas demandas, as delegacias de defesa da mulher, as casas-abrigo e os centros de referência multiprofissionais, foram desenvolvidas no Brasil (Schraiber, 2002).
''Essas violências são verificadas em determinados momentos da vida familiar do casal, podendo ser identificado através do Ciclo da Violência, dividido em três fases: a fase de tensão, a fase de explosão e a fase de lua de mel...''
Essas violências são verificadas em determinados momentos da vida familiar do casal, podendo ser identificado através do Ciclo da Violência, dividido em três fases: a fase de tensão, a fase de explosão e a fase de lua de mel. Podem-se identificar perfeitamente essas fases nos trechos do filme que queremos comentar. A primeira fase, a de tensão, é identificada pela presença de agressões verbais, acusações quanto à fidelidade da parceira, destruição de alguns objetos e diversas ameaças, amedrontando a mulher que procura acalmar o agressor e evitar discussões, levando a uma postura de submissão e culpa pela situação de violência. A segunda fase, a de violência aguda (ou explosão), é caracterizada por agressões físicas e verbais veementes e de forma mais rápida que a primeira – apesar de ser fatal em algumas ocasiões – provocando imensa sensação de ansiedade e medo na vítima. A fase de lua de mel corresponde ao processo de arrependimento por parte do agressor, que se mostra carinhoso, culpado, com remorsos, mas também apaixonado, prometendo que as ações violentas nunca mais irão acontecer. Contudo, o mais comum é que esse ciclo se repita, com intensidade cada vez maior e em períodos mais curtos, terminando somente em lesões graves ou o próprio femicidio (APAV, 2010).
Portanto, considerando a violência doméstica contra a mulher, os conceitos acima expostos, as barbaridades mostradas nas estatísticas e as tentativas de auxílio à população vitimada, este trabalho pretende ter como pano de fundo o filme ''Te doy mis Ojos'', que consegue ilustrar de forma muito convincente essas práticas deploráveis de violação dos direitos da mulher.
4. Te doy mis Ojos – A negação da liberdade e poder da mulher
O objeto de estudo deste artigo foi o filme espanhol, de 2003, Te Doy Mis, dirigido por Icíar Bollaín, interpretado pelo ator Luis Tosar e pelas atrizes Laia Marull, Candela Pena Rosa Maria Sardà e Kiti Manver. Além deste filme, foram utilizados trechos da música ''sem Açúcar'' do compositor brasileiro Chico Buarque, que retrata uma temática semelhante a do filme em forma de música e poesia.
Este filme retrata a história de uma mulher que vive em contexto de violência doméstica, perpetrado por seu marido. Retrata a retirada da liberdade da mulher, de sua capacidade de sentir-se empoderada. Em determinada noite de inverno, Pilar (papel representada pela atriz Laia Marull) foge para a casa da irmã levando seu filho consigo, com medo de seu marido, Antonio, (interpretado pelo ator Luis tosar), que vai procurá-la. Ela tem muita representatividade na vida dele, comentando em determinado momento que dera a ele seus olhos. Apesar do choque da violência, ela não resiste e acaba voltando a morar com seu marido, que procura ajuda profissional para controlar sua ira. No decorrer do filme, essa relação nos apresenta diversos exemplos de violência intrafamiliar, transformado o amor em ódio, medo e rancor.
5. Método
O método empregado neste texto se resume na análise de algumas cenas do filme ''Te doy mis Ojos''. Segundo Penafria (2009), analisar um filme significa decompor esse filme. E, embora não exista uma metodologia universalmente aceita para se realizar a análise de um filme, é comum aceitar que analisar implica duas etapas importantes: primeiro, decompor, isto é, descrever e, depois, estabelecer e compreender as relações entre esses elementos, ou seja, interpretar. O que é diferente de fazer uma crítica de um filme, que tem como objetivo atribuir um juízo de valor.
''O método empregado neste texto se resume na análise de algumas cenas do filme Te doy mis ojos...''
Analisar um filme na sua totalidade configura-se uma tarefa quase interminável, por isso optamos selecionar algumas cenas para analisá-las (Penafria, 2009). O critério utilizado foi o poder ilustrativo das cenas, em relação ao Ciclo da Violência contra a mulher.
Em relação ao procedimento de análise, as cenas escolhidas tiveram suas narrativas transcritas em texto relacionando os elementos centrais de análise, a partir do eixo teórico violência contra mulher. Tendo como pano de fundo as questões teóricas, a análise consistiu em destacar e comentar os temas das cenas que relacionassem a narrativa com a teoria para direcionar uma discussão sobre a violência doméstica.
6. Resultados e Discussão
Sete cenas tiveram um forte poder ilustrativo acerca da violência doméstica. Nelas, podem-se notar claramente as fases do Ciclo da Violência, a falta de controle da ira e o descarregamento dessa na mulher, as tentativas em buscar ajuda, e a forma de envolvimento da família.
1ª Cena: Vê-se o marido em uma sessão de terapia de grupo, que é frequentada por um conjunto de homens que possuem muita dificuldade em controlar sua ira perante suas mulheres. Coordenado por um psicólogo, o grupo tenta desenvolver estratégias para não cometer mais violências contra suas esposas. Contudo o grupo é composto por homens que aparentam um machismo bastante prosaico, o que dificulta o trabalho do psicólogo, que denota uma dificuldade de atuar com essa população agressora em intervenções psicossociais. Nota-se em muitos dos homens uma tentativa de resgate de emoções perdidas, como empatia, amor, respeito e, principalmente, autocontrole. Contudo, ao mesmo tempo se notava um constante reforço do grupo a atitudes sexistas, que culminavam em brincadeiras pouco produtivas para o escopo do trabalho. Nesse contexto Antonio, após sua mulher, Pilar, deixar a casa deles e ir morar na casa da irmã, com o filho, provoca em Antonio o desejo de mudar, o que lhe fez buscar ajuda do grupo terapêutico. Ao longo do filme Antonio busca muitas vezes ajuda do psicólogo que comanda o grupo, para sessões individuais. A procura acontece em momentos de descontrole, como quando Pilar, depois de ter voltado para casa, não atende o celular; o que para Antonio signifi ca que ela esta com outro homem e esqueceu ele. Ou quando Antonio acha que Pilar esta se arrumado mais, e algum cliente que ganhe mais que ele pode se apaixonar por ela, e ela abandona-lo. O psicólogo faz com que Antonio olhe outras inúmeras possibilidades para que ele se acalme. Como o fato de Pilar estar se arrumado mais provavelmente seja por ela ter começado a trabalhar, depois de ter saído de casa. Ou que ao invés de temer que Pilar o abandone, ela pode admira-lo se ele respeita-la e deixar de humilha-la. A primeira vez que Antonio se descontrolou por que Pilar não atendeu o celular, ela estava com amigas do trabalho e tinha simplesmente esquecido de ligar o celular após sair do trabalho.
Sabe-se que o agressor envolvido no contexto de uma relação violenta deve ter o desejo de mudar, porém sem muito crédito por parte dos profi ssionais, já que não se acredita em uma mudança radical de uma relação violenta, podendo até agravar algumas vezes o problema, já que se apenas uma parte se modifi ca, os comportamentos do outro permanecem os mesmos. Uma modifi cação conjunta deve ser preconizada para promover uma verdadeira mudança nos comportamentos agressivos (Saffi oti, 2004).
2 ª Cena: Na cena do passeio no parque evidencia- se de maneira bastante evidente a fase de lua de mel. Nesse momento o telespectador fi ca ambivalente quanto às emoções do casal, pois não podemos acreditar em uma melhora do comportamento agressivo e impulsivo de Antonio, mas ver Pilar tendo momentos de felicidade é algo reconfortante. Contudo, é uma felicidade produzida por ele, o dono do poder e do controle das situações. Nessa fase o marido coloca-se como modifi cado, com estratégias de controle de sua raiva bem treinadas, com juras de amor eterno, denotando arrependimento pelo que fez, paixão por sua esposa, muito carinhoso, simpático, com a promessa de que nunca mais irão ocorrer atos de violência, já que ele havia buscado ajuda de um psicólogo. Assim Pilar deveria fi car do lado dele.
Apesar da tentativa de Antonio de lidar melhor com seus impulsos e parar os atos agressivos, se sabe que na maioria dos casos o homem acaba violentando a mulher novamente (Lima, et al., 2008). ''A cerveja dele é sagrada, a vontade dele é a mais justa/ A minha paixão é piada, sua risada me assusta'', estes versos da canção de Chico Buarque permitem entender novamente a questão da submissão da mulher, que acede aos desejos de seu marido (agressor) para ver o bem dele e tentar se satisfi zer com isso, pois o que é dele é sagrado, suas vontades têm mais poder, mas e as dela? Parecia preferir as risadas dele ao invés de sofrer violência, mas eram risadas incomuns nesse casal, principalmente para Pilar. Essas risadas também possuem um aspecto ambivalente, de glória e de incerteza.
3 ª Cena: O casamento da irmã de Pilar. Ocorre uma cena que defi ne como ocorre o processo de entrada na ''lua de mel'', uma das fases do ciclo da violência. Em determinado momento Antonio convence Pilar com promessas de mudança de que sua irmã não devia controlar seus comportamentos [apenas ele] e que o lugar dela era ao lado dele e de seu filho, e que por isso ela deveria voltar para casa. Ela, incentivada por essa sensação, discute com a irmã defendendo Antonio, que fica em um canto, esperando-a para conversarem. Porém, nesse diálogo, notase também o medo de Pilar negar ao desejo do marido e voltar a ser agredida. Na discussão com a irmã, diversas emoções reprimidas dominam sua percepção, como raiva, medo, rancor, frustração, e fica bastante evidente o deslocamento dessas emoções evocadas por seu marido para sua irmã que, apenas tentava ajudá-la.
Essa etapa do filme fica bem ilustrada na parte da música de Chico Buarque, quando ele diz: ''Dia ímpar tem chocolate, dia par eu vivo de brisa/ Dia útil ele me bate, dia santo ele me alisa'', pois ainda há a incerteza de sofrer agressão, mas ela se satisfaz com os galanteios do marido em um dia (chocolate), se sente vazia em outros dias, quando ela se opõe a ele, apanha, mas ainda é a mulher de Antonio, mulher que ele alisa.
''...Pilar havia conseguido uma vaga de assistente em um trabalho que lhe traria bastante prazer. Estava satisfeita pela possibilidade de conseguir um emprego. Até aí, apesar do marido não ficar muito satisfeito, ele aceita...''
4ª Cena: Na cena do carro, Antonio inicia um desabafo com Pilar, descontando nela a discussão que teve com seu irmão. Pilar permanece calada e passiva, evitando revidar ou confrontar o marido. Contudo, o agressor pergunta o que ela esta pensando, ela responde que nada. Antonio freia o carro e insiste para ela responder o que pensa. Antonio se considera menosprezado por sua esposa, e começa a agredi-la verbalmente, sob a testemunha do filho, que estava dormindo no banco de trás, mas acorda assustado. Pilar tenta proteger seu filho, mas a raiva do pai não permite. Nesta etapa, fica clara a fase de tensão do ciclo de violência, havendo agressões verbais que são proferidas diretamente e injustamente à mulher, que prefere ficar passiva e tentar acalmá-lo ao invés de se defender e arriscar a ser agredida. Então, ela é colocada em um lugar de submissão pelo descontrole do marido e pela pressão de evitar maiores danos para a criança, de forma que Antonio sai do carro e começa a desferir chutes contra a lataria do carro e a gritar de raiva contra sua mulher, que acaba sendo o ''para-raios'' da sensação de baixa autoestima do marido.
Sagot (2000) comenta que o homem utiliza a violência como forma de controle da mulher, o que acaba ocorrendo, por medo de piorar o desfecho. A quietude e submissão de Pilar frente ao acontecido pode também ser ilustrada na música Sem Açúcar, de Chico Buarque (anexo 1), quando ele diz: Longe dele eu tremo de amor, na presença dele me calo/ Eu de dia sou sua flor, eu de noite sou seu cavalo. O jogo de palavras deixa clara a ironia.
5 ª e 6 ª Cena: Pilar havia conseguido uma vaga de assistente em um trabalho que lhe traria bastante prazer. Estava satisfeita pela possibilidade de conseguir um emprego. Até aí, apesar do marido não ficar muito satisfeito, ele aceita. No entanto surge uma oportunidade de guiar exposições em um banco de Madri. Ao informar o marido, ele pergunta para que ir para Madri, ela diz que ela gosta, e que pode fazer; ele responde que para coisas inúteis ela sempre foi muito boa. Ela insiste que pode ir e vir, ou sugere que os 3 deixem Toledo e vão para Madri. Ele pergunta se eles não estão bem em Toledo, para deixar tudo. Ela diz para ele não ter medo. Ele vai embora e joga no rio o bloquinho de anotações que o psicólogo tinha dado para ele, para desabafar em momentos de descontrole. Pilar chora. A próxima cena representa o clímax da agressão física, psicológica, patrimonial, moral e até mesmo sexual de Antonio para com Pilar. Ela diz que ira para Madri trabalhar no dia seguinte. Antonio sai de casa, insatisfeito, para não a agredir – naquele momento. Ele dorme no sofá na companhia algumas cervejas e, na manhã seguinte, Pilar se arruma cautelosamente para não acordá-lo. Ele acorda quando ela já está quase pronta e a impede de sair, fazendo ofensas verbais inicialmente, enquanto a chamam pelo interfone. Em seguida, enquanto ela pede para sair, ele a faz recuar da porta de entrada, rasgando páginas de o livro de artes do trabalho de Pilar, novamente denotando baixa autoestima e descontando nela. Nesse ínterim, ele a acusa de querer se arrumar e sair de casa para se mostrar para outros homens e para ser bajulada por todos, em uma crise de ciúmes. Contudo, não se contenta com agressões verbais, rasga suas roupas e coloca ela nua na sacada do apartamento para que ela pudesse ser olhada por outros homens, que para Antonio, era o que Pilar queria. Ele fecha a porta da sacada, enquanto ela insiste para ele abrir e deixa-la entrar. Em seguida ele a coloca para dentro e a estrangula até que ela se desespere e urine. Após soltá-la manda ela se lavar, mas ela se senta na própria urina como se nada mais importasse em sua vida.
Essa última cena merece essa riqueza de detalhes por sua força ilustrativa. O descontrole de Antonio nos remete a primeira cena selecionada, da sua terapia. Isso demonstra que a terapia realizada não surtiu efeito duradouro. Essa falha pode levar a uma situação mais grave, como a morte da mulher. Chega-se então a fase de agressão aguda (ou explosão) do ciclo da violência. Naquele momento ele sai do ato verbal, se descontrola de tal forma que parte para a agressão física. Mas nota-se que a ferida doeu mais na ''alma'' de Pilar. O agressor não teve um motivo claro para o estopim da raiva, acionando uma cadeia de emoções e crenças que estão na base da manutenção da relação deles. Nesse sentido, ele a culpabiliza por estar sendo agredida e a subjuga, realizando uma manipulação emocional (APAV, 2010).
''...Na última cena escolhida vemos os obstáculos que a pessoa violentada precisa enfrentar para fazer uma denúncia de agressão...''
Chico Buarque comenta esse tipo de agressões em sua música nos seguintes trechos: ''A minha paixão é piada, sua risada me assusta/Dia útil ele me bate, dia santo ele me alisa/Longe dele eu tremo de amor, na presença dele me calo/ Sua boca é um cadeado e meu corpo é uma fogueira''. Ele fala da imprevisibilidade que é conviver com uma pessoa agressiva, que não valora as emoções alheias, que faz tremer de medo e ter a obrigação de amar, pois o agressor não fala, ele age (com agressões) e essa ação pode culminar em femicídio.
7 ª Cena: Na última cena escolhida vemos os obstáculos que a pessoa violentada precisa enfrentar para fazer uma denúncia de agressão. Após sofrer toda a situação de agressão a vítima precisa encorajar-se e decidir ir até a delegacia especializada dar queixa. Pilar decide vencer seus medos e tolhimentos e ir dar queixa em uma delegacia. O policial nitidamente não consegue dar o devido acolhimento para ela. Na delegacia, falta estrutura, preparo emocional, empatia. A diretora do filme tentou nos levar a entender que o profissional estava fazendo seu trabalho da melhor maneira possível, - segundo seus recursos – mas essa maneira levou a um processo de revitimização para ela. O oficial fazia perguntas pouco propícias para esse tipo de atendimento, como onde havia sido a agressão, e como o agressor havia entrado no domicilio dela. Quando ela responde que foi o marido, ele pergunta se ela tem atestado medico da agressão. Depois pergunta onde ele a agrediu, e ela diz que não tem nada por fora, mas por dentro. Quando ela diz que não foi agredii fisicamente, mas que ele a quebrou toda, ele pergunta se o marido tinha quebrado seus objetos pessoais, ao que ela respondia, sob incompreensão dele, que ele tinha quebrado tudo, tudo. O oficial insistia que ela se tranquilizasse. Ela não suporta e sai chorando da sala, apesar da tentativa dele em voltar a falar com ela. Fica evidente nessa cena a postura inadequada do profissional, que é acompanhado por uma estrutura precária. Nota-se a falta de preparo do policial e que certamente levou a um processo de revitimização da denunciante.
É interessante como os órgãos que deveriam nos alentar acabam corroborando e legitimando essas práticas de violência contra as mulheres. Além disso, sua atitude de julgamento, indiferença, não dando o real valor para o ocorrido com Pilar certamente a fará pensar mais vezes antes de ir procurar ajuda novamente, o que se repete cotidianamente na vida real (Giffin, 1994; Marinheiro, et al., 2006).
7. Considerações Finais
A violência contra as mulheres é um tema instigante, que propõe ao pesquisador lidar com diversos elementos presentes em suas emoções, pois, como ser social, está em uma sociedade violenta e cruel. Assistir ao filme Te doy mis Ojos e não ter o ímpeto de compreender melhor os paradigmas que concernem a perspectiva da violência feminina é no mínimo ter muita impassibilidade frente aos fatos ilustrados. Para tanto, entender melhor sobre políticas públicas nos auxilia a ter um panorama mais bem fundamentado dessa problemática, possibilitando verificar o quanto o Brasil possui de investimento na sua prevenção. Além disso, a realidade mostrada no filme, durante a entrevista do policial com Pilar possui um viés caricatural, pois, ao menos no Brasil, há toda uma rede de atendimento especializado para essa população, com profissionais qualificados – ou que estão em processo de qualificação – que possibilita uma rota inversa de vitimização. Apesar disso, as estatísticas não têm demonstrado dados muito favoráveis.
Como a questão da violência contra a mulher tem sua origem na construção cultural de gênero do patriarcado, situando o homem em posição de superioridade e a mulher em lugar de inferioridade, para modificar isso é necessária uma união entre homens – como a maioria não comete violência é importante que se manifestem – e mulheres; entre as ONGs e o governo; e entre as instituições escola e família – onde questões de identidade de gênero começam a ser construídas. Essas questões estão inseridas em um complexo paradigma nas relações sociais, as quais foram construídas evolutivamente, possibilitando o desenvolvimento de uma inteligência social que permeia todas as relações, como as ideias de hierarquia e de estratégias que possibilitam o reconhecimento das relações de domínio, além do reconhecimento de regras (Castaño, 2011). Essas ideias podem se relacionar diretamente com algumas construções destrutivas vivenciadas pelos agressores, os quais acabam se apoderando de um espaço hierárquico de forma não democrática e abusam dessas ideias de noção hierárquica ao ponto de, quando algo que não lhes agrada lhes ocorre (algumas vezes até sem motivos aparentes) agridem suas companheiras com a autoridade de um chefe – até mesmo um dono – tomando para si o espaço e o corpo dessa mulher, desconsiderando o ser que habita neste corpo alheio.
Segundo Halperin (2010), uma mescla de violência e falsidade em algumas famílias quanto à presença de gays nesse âmbito, exigindo que uma fuga desse pequeno e doloroso mundo por meio de uma postura irônica frente a esse panorama, tentando lidar com o abismo que existe entre o sentimento de amargura e sua expressão, muitas vezes tendo de ser calado por lima pressão externa. Esse mesmo tipo de preconceito sofrido por homossexuais por sua opção ocorre com mulheres, as quais, muitas vezes, não encontram outra opção a não ser se calar frente ao aprisionamento da violência.
Na América Latina este quadro de violência contra as mulheres se reproduz de maneira aterrorizante. A Guatemala, que recentemente passou por conflitos internos, apresenta uma das maiores presenças de conflito das Américas. Entre 2003 e 2005, o país apresentou aproximadamente 1400 mortes de mulheres. Em El Salvador, foram 1320. Em países como Honduras, México e Nicarágua as taxas são menores, 613, 400 e 269 mulheres assassinadas respectivamente, mas não menos preocupantes (Meneghel & Hirakata, 2011). Estes assassinatos são apenas um nível mais intenso dos fatos ocorridos no filme. Não é incomum que os comportamentos perpetrados pelo agressor culminem em assassinatos, como no ciclo da violência, na fase aguda da agressão. No filme identificamos uma mulher de classe média, branca, aparentemente fora de um grupo de risco estereotipado, de mulheres negras, pobres e de baixo padrão intelectual. Quando comentamos que a violência contra as mulheres é o privilégio de qualquer mulher, estamos nos referindo que este fenômeno destrutivo de violência contra mulheres pode ser praticado em qualquer mulher, de qualquer raça, classe econômica ou nível escolar. Na América Latina, apesar de ser enfatizado pela mídia que a maioria das mulheres assassinadas são prostitutas, operárias de fábrica, membro de gangues ou estão ligadas ao narcotráfico (Meneghel & Hirakata, 2011), sabemos que há muitas mulheres de classes sociais superiores que não possuem a mesma visibilidade, talvez pelo receio familiar de escândalos ou até mesmo medo de retaliações por parte do agressor caso haja denúncia policial.
''Na América Latina este quadro de violência contra as mulheres se reproduz de maneira aterrorizante. A Guatemala, que recentemente passou por conflitos internos, apresenta uma das maiores presenças de conflito das Américas...''
Apesar deste estudo possuir um caráter mais descritivo, de compilação de alguns dados e análises de um filme sob um único viés, trabalhos como este são importantes para dar visibilidade a essa temática, utilizando-se de recursos que são comuns a nossa cognição – vídeo, música, texto – facilitando o processo de compreensão das propostas de entendimento sobre os trechos apresentados. Assim, é interessante olhar este filme não apenas como um meio de entretenimento, mas com um olhar crítico que tenta vislumbrar o desenvolvimento de práticas libertadoras para as mulheres e que visem o empoderamento contínuo delas.
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Recibido: 2-diciembre-2011
Aprobado: 27-febrero-2012.