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Psicologia Ensino & Formação
versão impressa ISSN 2177-2061
Psicol. Ensino & Form. vol.4 no.2 Brasília 2013
ARTIGOS
O ensino de Psicologia no Ensino Médio: relatos de professores da rede pública do estado de São Paulo
Teaching Psychology in higher secondary education: the experiences of teachers in the São Paulo state education system
Lineu Norio Kohatsu
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Doutorado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano. lineubr@gmail.com
RESUMO
No artigo, são apresentados os resultados de uma pesquisa realizada com professores de Psicologia do ensino médio da rede pública do Estado de São Paulo. Iniciada em 2008, a pesquisa teve como objetivo coletar dados sobre os professores e suas práticas. O projeto foi proposto considerando a retirada da disciplina de Psicologia do ensino médio, a existência de poucas informações sobre a prática dos professores de Psicologia na educação básica, a inexpressiva produção acadêmica sobre o tema e a necessidade de dados para subsidiar os cursos de Licenciatura em Psicologia. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista semiestruturada com 13 professores de Psicologia. Foram identificados aspectos comuns e particulares das práticas dos professores e também informações sobre as escolas públicas. Por fim, o estudo propõe uma discussão sobre as contribuições da Psicologia para a formação dos jovens.
Palavras-chave: Ensino de Psicologia; Ensino médio; Escola pública; Licenciatura em Psicologia.
ABSTRACT
The article presents the results of a survey conducted among psychology teachers in higher secondary education schools run by the São Paulo state government. The study began in 2008 with the aim of gathering data on teachers and their practices. The survey proposal was made in the light of: the withdrawal of psychology as a higher secondary study discipline; the scarcity of information on the practices of psychology teachers in basic education; the inexpressive academic production on the subject, and the need for data to complement and support psychology teaching degree courses. Data gathering was done through semi-structured interviews with 13 psychology teachers. Common aspects of their teaching practice were identified as well as aspects peculiar to each one, and information on government-run schools was also registered. Finally the article puts forward a discussion of psychology's contribution to the formation of young people.
Keywords: Psychology teaching, Higher secondary education, Government-run schools, Psychology teaching degree.
1 INTRODUÇÃO
Contexto
Em dezembro de 2007, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo1 apresentou uma reformulação na organização curricular do ensino médio da rede pública que resultou, a partir de 2008, na retirada da disciplina de Psicologia do currículo do ensino médio da rede pública.
No Estado de São Paulo2, em 2009, havia 125 professores de Psicologia concursados e efetivos, número em redução gradativa na medida em que os professores estão se aposentando. Com relação aos professores de outras categorias que não foram contratados por concurso público, denominados como OFA (Ocupantes de Função Atividade), não há dados precisos, mas, segundo o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo – CRP-06, estimava-se, em 2008, cerca de 700 professores de Psicologia na rede estadual.
Com a retirada da disciplina de Psicologia do currículo do ensino médio, os professores efetivos e concursados deixaram de ministrar aulas, passando a exercer funções administrativas ou pedagógicas nas escolas ou nas Diretorias de Ensino. Sobre os professores denominados OFA, alguns foram exonerados e outros passaram a ministrar outras disciplinas, como Filosofia, Sociologia ou Biologia, conforme avaliação do currículo realizada pelas Diretorias de Ensino.
As pesquisas sobre o ensino de Psicologia no ensino médio
Com base em levantamento realizado no Banco de Dissertações e Teses da Capes, foram encontradas somente duas pesquisa sobre o ensino de Psicologia no ensino médio e suas contribuições para a formação do jovem. Uma delas, a dissertação de mestrado em Psicologia realizada por Pilão (2001) intitulada "O lirismo na metamorfose da identidade de "Eteobaldo" e seu percurso como aluno da disciplina psicologia no ensino médio da rede pública do Estado de São Paulo", focou nas condições psicossociais e pedagógicas que contribuíram para a metamorfose da identidade de um aluno de ensino médio da rede pública estadual. O estudo mostra a contribuição das disciplinas humanistas para reflexão e crescimento, e aponta a importância da formação do professor nesse processo. A outra, tese de doutorado em Educação de Silva (2005) intitulada "As políticas educacionais e o ensino de psicologia no ensino médio: uma análise da implementação na rede pública estadual de Maringá, PR (1999 - 2002)", investigou as contribuições que a Psicologia pode oferecer para o jovem do ensino médio. A autora ressalta a importância do estudo diante das mudanças nas Políticas Educacionais, após a vigência da LDB 9394/96 e dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio que desfavorecem o ensino da Psicologia no nível médio.
Também foram encontrados artigos que abordam o ensino de Psicologia no ensino médio, como os artigos de Barros (2007), Leite (2007), Souza (2007), Mrech (2007), Dadico (2009), Kohatsu (2010), Klinko e Sekkel (2010) e Silva (2011). Entre eles, apenas o artigo de Dadico e Silva são resultados de pesquisa empírica realizada com base em observações de aulas de Psicologia; os demais se caracterizam como estudos e ensaios que problematizam o ensino de Psicologia no ensino médio, merecendo destaque o artigo do Professor Sergio Leite. Intitulado "Psicologia no Ensino Médio: desafios e perspectivas", o artigo (Leite, 2007) situou historicamente o ensino de Psicologia no contexto educacional brasileiro, com destaque para o trabalho realizado, na década de 1980, pela Comissão de Ensino composta por representantes do Conselho Regional de Psicologia – SP, do Sindicato dos Psicólogos de São Paulo e da CENP (Coordenadoria de Ensino e Normas Pedagógicas). O autor referiu que a Comissão realizou atividades importantes para a categoria, como o curso "Psicólogo – Docente no Ensino de 2º grau", que resultou na publicação do livro "Psicologia no Ensino de 2º grau – uma proposta emancipadora", em 1986. Leite relatou também o refluxo na década de 1990, após conquistas políticas importantes na década anterior, como o concurso de ingresso para professores, inclusive de Psicologia, realizado pela Secretaria da Educação, em 1986. Por fim, o autor apresentou os desafios e as perspectivas atuais do ensino de Psicologia no nível médio.
O número pouco expressivo de publicações sobre o tema pode ser uma decorrência do desprestígio que a docência na educação básica tem entre os profissionais da Psicologia, tal como citado por Mrech:
O ensino de Psicologia no ensino médio sempre foi desprezado. Desprezo este vindo de quem? Dos próprios profissionais da Psicologia. A começar pelas universidades que nunca deram a merecida atenção aos cursos de Licenciatura. Como conseqüência, os próprios profissionais, bem como os estudantes de Psicologia, enxergam a Licenciatura como uma opção menor ou de menos brilho social. Ser professor de Psicologia? Dar aulas em colégios? Ora, isto não é trabalho de psicólogo! (...) É por esta visão limitada e estereotipada de nossa profissão que estamos perdendo um campo rico e importantíssimo de atuação profissional (citado por MRECH3, 2001, p.156).
Diante desse cenário e considerando a necessidade de dados sobre a prática docente para subsidiar a formação de professores no curso de Licenciatura em Psicologia da Universidade de São Paulo, foi iniciada, em 2008, uma pesquisa para conhecer quem são os professores de Psicologia e que práticas desenvolveram no período em que a Psicologia figurava como parte do currículo do ensino médio.
Este artigo tem como propósito contribuir para o registro e a divulgação do trabalho realizado pelos professores de Psicologia no ensino médio. Nesse sentido, como uma primeira tentativa de sistematização, este trabalho apresentará informações gerais sobre os professores de Psicologia da rede pública de São Paulo e trará dados sobre suas práticas.
2. A PESQUISA
A pesquisa teve por objetivo conhecer quem são os professores de Psicologia e como atuam no ensino médio da rede pública de São Paulo. Participaram 13 professores de Psicologia do ensino médio da rede pública do Estado de São Paulo. Foram selecionados professores de nove Diretorias de Ensino da Capital, da Grande São Paulo e também do interior.
Foram realizadas entrevistas semiestruturadas, gravadas em áudio, após esclarecimento, consentimento e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos entrevistados. As entrevistas duraram, em média, uma hora e meia e foram realizadas em locais escolhidos pelos entrevistados.
Desse modo, a maior parte das entrevistas foi realizada nas escolas-sede dos professores, algumas nos consultórios dos entrevistados, uma em Diretoria Regional de Ensino e uma no Instituto de Psicologia da USP.
Após a gravação, foi realizada a transcrição das entrevistas4 e, finalizadas, foram enviadas para os respectivos participantes para apreciação. Com base na leitura do material, o conteúdo foi agrupado em torno das questões norteadoras e, posteriormente, os depoimentos foram comparados e analisados, com destaque dos aspectos mais relevantes.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
A apresentação dos resultados foi organizada em três segmentos:
3.1. Informações gerais sobre os participantes
Com relação à faixa etária, como se pode ver no quadro abaixo, a professora mais nova (P2) tinha 35 anos e o professor mais idoso (P13), aposentado, 67 anos.
Dos 13 entrevistados, seis professores eram de escolas de São Paulo – Capital, três de escolas de municípios da Grande São Paulo e três eram de escolas do interior.
Referente à situação funcional/contratual, dez professores eram concursados e efetivos. Três eram OFA. Após a retirada da Psicologia do currículo do ensino médio, os professores efetivos se tornaram adidos, desempenhando funções administrativas e/ou pedagógicas nas escolas ou Diretorias de Ensino. P3, P6, P11 e P12 estavam trabalhando em salas de leitura ou bibliotecas; P5 estava atuando como professor-mediador; P7 atuava como vice-diretor; P10 estava como assistente na Diretoria de Ensino. Com relação aos professores OFA, P1 assumiu aulas de Filosofia; P2 assumiu o cargo de professor-mediador e P8 ficou sem aulas.
Com relação à educação básica, a maioria estudou em escolas públicas. Quatro professores estudaram em escolas públicas e privadas (P1, 9, 11 e 12) e somente um estudou apenas em escola particular (P13).
Com relação ao ensino superior, todos são graduados em Psicologia. Duas professoras estudaram em universidades públicas (P6 e 12) e os demais, em faculdades particulares; três professores cursaram também Pedagogia (P3, 5 e 7) e um cursou Filosofia e Teologia (P13). Apenas uma professora não cursou a licenciatura em Psicologia (P3).
Com referência à pós-graduação, uma professora possuía o título de mestre e doutora em Psicologia da Educação (P9) em instituição confessional; uma possuía o título de mestre em Psicologia da Educação (P2), também em instituição confessional; uma havia iniciado, mas não concluído o mestrado em Psicologia da Educação (P10); três realizaram cursos de especialização na área da educação (P7-Psicopedagogia, P11-Gestão Escolar, P12 Docência no Ensino Superior); e quatro cursaram especialização em outra área (P4-Terapia Familiar, P5-Neurociências, P6 Saúde Pública, P13-Psicanálise). Apenas três professoras não cursaram pós-graduação (P1, 3 e 8), mas uma delas (P3) possuía duas graduações (Psicologia e Pedagogia).
Conforme os dados, nota-se que o grupo de entrevistados investiu na formação, seja cursando outra graduação além da Psicologia ou mesmo pós-graduação; o fato de terem cursado Pedagogia como segunda graduação e/ou pós-graduação em educação mostra o investimento na carreira docente. Mesmo entre os professores que cursaram pós-graduação em outra área, é importante destacar que um deles (P5) cursou Pedagogia, mostrando também investimento na educação.
Um aspecto interessante sobre o ingresso na docência é que, segundo entrevistados, o ingresso não se deu pela convicção (querer ser professor); aliás, alguns relataram que a clínica era a primeira opção, tal como se pode ver nos relatos abaixo:
Como não tinha nada fixo pra mim, eu fui pegando as coisas que foram aparecendo e eu não sei através de quem foi que eu fiquei sabendo que tinha aula em (no bairro) J., que eram aulas noturnas e me ofereceram (P4).
Inicialmente, eu não pensava, mesmo, em dar aula. Eu pensava, no começo, em ser psicólogo. Na área clínica, inclusive. Sempre gostei muito da área clínica (P5).
No início, não tinha essa visão de docência. Era mais na área clínica. A propensão era mais na área clínica (P7).
(...) quando eu comecei a lecionar, fui pegando gosto. Porque até então eu não tinha essa intenção como carreira. Meu alvo sempre foi a Psicologia clínica (P10).
Porém, alguns entrevistados já revelavam interesse pela educação desde a graduação:
Eu entrei em 1981 com aquela ideia de que... todo mundo entra na faculdade de Psicologia, de trabalhar em consultório, que é a ideia que a gente tem de psicólogo. (...) Durante a faculdade, eu fui me apaixonando muito pela área da educação. Todas as disciplinas de Psicologia Escolar, as disciplinas relacionadas a essa parte de educação me chamavam atenção. Então, eu tinha meio que me decidido que ia para essa área. Quando a gente soube que tinha licenciatura, eu falei: "ah, eu vou fazer porque é mais uma opção de trabalho, dar aula". (...) Eu já gostava da área escolar, sempre gostei de criança, gostei de escola. Na verdade, eu fiquei em dúvida entre fazer Pedagogia ou Psicologia e resolvi fazer Psicologia. Eu já tinha meu encantamento pela área da educação, mas acho que a professora Maria Helena (Patto) foi importante, sim. Acho que foi a primeira disciplina que a gente teve nessa área de escolar, tinha uns textos interessantes, eu achei bem legal (P12).
O ingresso de muitos professores na carreira docente ocorreu como relatado por P4, que começou a lecionar quando não tinha atividade fixa. Nesse contexto, ao saberem de escolas que necessitavam de professores de Psicologia, eles começaram, inicialmente, a lecionar como professores temporários (P3, 4, 7, 10 e 12) - denominados ACT5 e, atualmente, OFA - até o concurso que lhes possibilitou a mudança para professores efetivos. Ainda que o ingresso na carreira docente tenha ocorrido desse modo para muitos professores, como relatado por P4, é importante ressaltar que os professores relataram também interesse, envolvimento e dedicação crescentes, como referido pela professora P10.
Muitos professores efetivos, após serem aprovados em concurso, tiveram que aguardar alguns anos para serem efetivados e, ao assumirem, foram enviados para escolas distantes, algumas localizadas em outros municípios (P3, 4, 5, 6, 12). Todavia, esses professores relataram que puderam lecionar em escolas mais próximas até conseguirem a realocação em escola no município onde moravam.
Sobre a jornada, pelo relato dos professores, a carga horária variava conforme a disponibilidade de aulas em cada época. Alguns professores efetivos possuíam em torno de 30 a 35 horas-aula por semana (P3, 5, 7, 9, 11,13), mas, para completar a carga horária, tinham que lecionar em várias escolas; P3 e P11, por exemplo, deram aula em até cinco escolas; P4, 5 e 6, professores do interior, lecionavam em vários municípios. Por sua vez, P9 e 13, puderam permanecer a maior parte do tempo ensinando somente numa escola.
Os professores OFA também relataram que tiveram de lecionar em várias escolas; P1, por exemplo, contou que ensinou em cerca de nove escolas e, simultaneamente, em três escolas; P2, em duas escolas e P8, em quatro. Deve-se considerar que a carga horária dos professores OFA era cerca de 24 horas-aula semanais.
Como se pode notar, a carga horária variava pela disponibilidade das aulas nas escolas. A variação ocorria em função do número de turmas e das séries em que a disciplina era oferecida. Em algumas escolas, dependendo da época, a disciplina de Psicologia era oferecida aos três anos do ensino médio; em outras, apenas para dois anos até, finalmente, ser oferecida somente para o terceiro ano, como passou a ocorrer na maioria das escolas, implicando a redução de carga horária para os professores. É importante recordar que muitos professores lecionaram disciplinas de Psicologia (Psicologia da Educação, Psicologia da Aprendizagem, Psicologia do Desenvolvimento) também para o magistério (P1, 3, 4, 5, 6, 7, 9, 10, 12). Isso colaborou na complementação e no aumento da carga horária durante certo período, pois, na medida em que os cursos de magistério começaram a ser extintos e as aulas deixaram de ser oferecidas, a carga horária dos professores diminuiu consideravelmente.
Embora a maioria dos professores tivesse a docência como principal atividade profissional – apenas um (P7) se dedicava exclusivamente ao ensino (médio e técnico) –, muitos exerciam paralelamente outras atividades. Dos 13 entrevistados, seis declararam que mantinham ou mantiveram trabalho clínico em consultório particular, complementando a docência (P1, 4, 5, 8, 10 e 13). Duas professoras atuavam também como psicólogas escolares - uma (P2) trabalhava na rede pública e a outra (P12), em escola particular; P4 relatou que trabalhava como orientadora profissional em escola particular; P11 declarou que também atuou como psicóloga escolar durante três anos (1986-1989). Uma professora (P6) era psicóloga em hospital público e uma professora (P9), consultora na área de recursos humanos e também docente em curso de pós-graduação em instituição particular.
3.2. O ensino de psicologia no ensino médio
Neste segmento, são apresentados os dados sobre o trabalho dos professores até o ano de 2007, pois, a partir de 2008, a disciplina de Psicologia saiu do currículo do ensino médio.
Foram abordados basicamente dois aspectos:
- caracterização das escolas
- trabalho em sala de aula
3.2.1. Caracterização das escolas
As informações apresentadas neste item se referem principalmente às escolas-sede ou àquelas em que os professores de Psicologia tinham mais aulas e permaneciam a maior parte do tempo, pois, como mostrado, muitos professores eram obrigados a lecionar em mais de uma escola para completar a carga horária.
Os dados sobre as escolas foram organizados nas seguintes categorias:
a. Estrutura física e recursos materiais das escolas
b. Projeto político-pedagógico
c. Direção
d. Corpo docente
e. Alunos
a. Estrutura física e recursos materiais das escolas: alguns professores (P1, P5) relataram que as escolas onde lecionavam tinham em torno de 1600 alunos. Também foram indicadas escolas maiores (P3, P12), em que havia 2000 alunos ou mais. Havia também escolas de menor porte, com cerca de 800 alunos (P4). Nas escolas, dependendo do porte, funcionavam de 13 a 27 salas em cada período (manhã, tarde e noite), com 40 a 45 alunos por classe, chegando, em alguns casos, a 55 alunos, conforme P2.
Muitos professores lecionavam em escolas em bairros pobres, de difícil acesso. Contudo, com o passar do tempo, principalmente os professores efetivos conseguiam se mudar para escolas mais centrais, com melhores recursos. Desse modo, as condições das escolas variavam: algumas com estrutura física precária e falta de materiais e outras com recursos equivalentes aos de escolas particulares mais ricas.
A professora P8 relata sua experiência em uma escola pobre da periferia: (Escola D.) era "fechada a 7 chaves" porque é perigoso. Final de semana, no outro dia, de manhã, você chegava, as paredes todas pichadas. Eles pintavam um dia e no outro dia estava toda pichada.
Mas, mesmo em escolas centrais, os recursos, quando existentes, nem sempre estavam disponíveis ou em condições de uso, como relata P2:
Todas as escolas em que eu trabalhei tinham sala de informática, nunca consegui usar sala de informática porque os computadores não funcionavam; sala de vídeo tem um vídeo e você nunca consegue usar porque sempre alguém está usando; você quer usar uma música, que eu gostava de levar um som, cadê o som para você ouvir uma música?
Embora houvesse associação entre pobreza, violência e precariedade da escola no seu discurso, a própria professora P8 revela outra visão dessa relação ao comentar sobre a escola E.:
É uma escola que tem uma comunidade boa. É um bairro pobre, mas tem uma comunidade boa. A comunidade ajuda muito a cuidar da escola. (...) Das seis (em que a professora lecionou) a que eu sinto que a comunidade participa, que a escola é mais cuidada pela comunidade é a escola E. (...) Na escola E. nem drogas eu nunca tinha ouvido falar. (...) É o que eu te falei: a comunidade é diferente, a direção é diferente. (...) Eu acho que porque lá tem muita congregação, muito evangélico (P8).
Por outro lado, como apontado, muitas escolas públicas apresentavam condições bastante favoráveis. O relato da P9 é um exemplo:
(A escola) L. tinha essa cara boa, de escola bem cuidada fisicamente/estruturalmente e as relações (com a comunidade) faziam também com que ela conseguisse as coisas como computadores, biblioteca etc. E isso trazia esse tom que parecia uma escola de primeira linha. (...) Nunca houve na (escola) L., por exemplo, não ter giz, cadeira, papel para uma atividade. Isso não é uma realidade. Os livros são sempre das primeiras escolas-referência. E como ela está em uma região muito rica ela recebe muita doação (P9).
b. Projeto político pedagógico: assim como a estrutura física, os projetos das escolas eram distintos.
Alguns professores relataram que o projeto "geralmente vem de cima para baixo" (P3), ou era entendido como um planejamento anual que as escolas da rede pública obrigatoriamente tinham que fazer. Segundo eles, "as metas são bonitas, mas nem sempre se consegue atingi-las" (P8).
Segundo P2, os projetos eram quase sempre feitos pelos professores, individualmente:
E na escola, apesar de se falar de termos projetos políticos pedagógicos, de ter um monte de coisa, o trabalho continua sendo muito isolado, as áreas dificilmente se conversam. (...) Olha, às vezes que tentamos fazer isso nas escolas nunca saiu do papel, pouquíssimas vezes você conseguia fazer alguma coisa. (...) Normalmente, projetos, o que os professores fazem? Uma feira cultural, mas cada professor faz na sua sala. Não tem a comunicação.
Outros professores (P4, P5, P8, P10) também associaram projeto pedagógico a eventos (passeios, palestras e feiras culturais). Porém, diferentemente da descrição de P2, esses professores falaram em envolvimento e mobilização do coletivo da escola. Não foi possível saber, no entanto, se essa mobilização era pontual ou cotidiana nas respectivas salas de aula. Um exemplo de trabalho articulado e interdisciplinar foi dado pela P10, que contou ter reunido professores de História e Português/Literatura.
Embora a P2 tenha relatado que as práticas dos professores eram predominantemente isoladas, a professora também recorda uma experiência coletiva e interdisciplinar. Segue o relato:
Uma das seis, sete, escolas que eu passei, teve uma escola em que o coordenador conseguia que a gente fizesse o projeto interdisciplinar mesmo: "A gente vai falar de biocombustíveis, energias renováveis". Todos os professores, de todas as áreas, estavam envolvidos para falar sobre isso. Os alunos tinham que preparar a apresentação, mas estava todo mundo envolvido. Isso eu achei legal, mas foi uma escola que aconteceu. Aí você vê a importância do papel do coordenador.
Para P4, que também relata experiência de um trabalho interdisciplinar com os colegas da Biologia sobre a gravidez, a dificuldade era provocada pela rotatividade dos professores na escola e também pela falta de tempo para se dedicar aos projetos, visto que muitos tinham que lecionar em várias escolas.
O modo como as escolas organizavam suas práticas – um modo muitas vezes tradicional e disciplinar, voltado ao vestibular (cf. P6, P7, P12) - talvez não favorecesse a proposição e a realização de projetos pedagógicos interdisciplinares. Porém, diferentemente da experiência desses professores, o P13 relata que a escola em que trabalhava era orientada por outros princípios pedagógicos:
A escola renovada era aquela em que não era uma reprodução pura e simplesmente de conhecimento. Havia uma preocupação dinâmica, pedagógica do adolescente, da criança e o Ensino Fundamental e o Ensino Médio no sentido de que ele fosse co-partícipe, em que ele participasse do processo, que ele tivesse essa visão de mundo.
c. Direção: alguns professores entrevistados atribuíram as boas condições e a organização das escolas à atuação de suas diretoras. Essa boa atuação das diretoras era favorecida pela permanência no cargo, tal como pode ser visto nos depoimentos que se seguem:
Foi um trabalho feito ao longo de muitos anos porque a diretora é muito antiga e ela fez um trabalho há muitos anos, a mesma direção, porque tem muita escola que muda muito de direção/coordenação. Então eles não pegam amizade com a comunidade (P8 sobre diretora da escola E).
A diretora, que era essa pessoa que eu te disse, era uma pessoa difícil, mas extremamente qualificada (...), mestre e doutora (...) Ela tinha essa preocupação com a beleza da escola. Então todo ano ela reformava, arrumava dinheiro pra pintar, alugava outdoor, investia aquilo para a escola. (...) ela tinha a escola realmente como um lugar de carinho. (...) Ela se aposentou há um ano e meio. Ela entrou depois de mim. Eu entrei em 1994 e ela entrou em 1995 ou 1996 (depoimento P9).
Ela foi diretora daqui há mais de vinte anos. Essa diretora, a fama corria aí, todo mundo sabia da tal da Dona D. e os pais traziam os filhos para estudar na escola da Dona D.; era uma diretora linha dura, os alunos levavam muito a sério o estudo. (...) Ela ia para sala de aula quando faltava professor, para não deixar aluno sem matéria. Ela varria chão, era pau pra toda obra e acabava todo mundo entrando no esquema, os professores, e a escola tinha um nível melhor. (...) Na hora do intervalo ela ia à sala dos professores conversar. Ela vinha discutir planejamento com você (depoimento P12).
d. Corpo docente: três aspectos foram apontados como responsáveis pela qualidade do trabalho na escola: 1) efetividade dos professores, 2) rotatividade diminuída e 3) formação acadêmica.
Sete professores relataram que a maior parte do corpo docente de suas escolas era formada por professores efetivos (P1, 4, 8, 9, 11, 12, 13) e, portanto, remanescentes há anos, muitos até a aposentadoria.
(...) eram professores que eu acho que estavam mais engajados. Que eram professores da escola há muitos anos. Não tinha muita rotatividade (P4).
O corpo docente de lá é de 70/80% de efetivos. (...) Lá existem poucas mudanças de professor. Que ingressam e ficam na escola (P8).
Eu acho que é um pessoal muito sério aqui, em geral. A maioria é efetiva (P12).
Os grupos, em geral, se mantinham ali. (...) Era uma escola em que os professores que ali trabalhavam também não tinham interesse em sair (P13).
É importante ressaltar que a permanência dos professores era motivada pela organização, infra-estrutura, recursos e localização das escolas. Como foi apontado pelos entrevistados, as escolas com quadro de professores efetivos eram mais centrais, com boa localização e bom acesso, como se pode ver no relato a seguir:
Os mesmos professores que atuaram comigo desde 1994 e que não se aposentaram estão lá. Raramente um professor vai embora da (escola) L. A menos que mude de estado ou qualquer coisa do gênero. Eu acho que tanto pela localização que eu te falei, muito bem localizada, um lugar de fácil acesso, tem metrô perto e é uma escola que tem essa coisa do recurso e do cuidado (P9).
Sobre a formação, nota-se a ênfase na boa qualificação dos professores. Seguem dois trechos de relatos:
Tem muito professor lá que fez mestrado/doutorado, (...) dá aula em outras escolas, não só na escola pública como dá aula em faculdade. Esse era um ponto forte (P9).
Quando eu entrei no Estado, eu tinha aqueles professores, todos eles, em geral, fazendo pós-graduação, eu cheguei vendo aquele pessoal, que para mim eram paradigmas (P13).
e. Alunos: segundo relato dos professores, parecia haver dois públicos nas escolas: os alunos do período matutino e os alunos do período noturno. De modo geral, no período da manhã, estudavam alunos de nível socioeconômico maior, com idade adequada à série e com expectativas de continuar a estudar no ensino superior ou técnico. Segundo o relato, os alunos do período noturno tinham nível socioeconômico mais baixo; a maioria trabalhava em empregos formais e informais, e poucos esperavam continuar com os estudos.
Os alunos da manhã estão mais pensando em fazer uma faculdade, estão mais descansados, a maioria não trabalha e eles querem estudar. Muitos fazem curso de manhã e fazem um curso à tarde, de informática, de língua, sei lá, qualquer outra coisa, é um pessoal mais engajado, não todos, mas uma porcentagem maior (P2).
(Sobre nível socioeconômico) Da manhã é um nível um pouco melhor, a noite é um nível mais baixo. (...) A maioria não presta (vestibular), não. (…) Os alunos da noite vem para noite porque arrumam um trabalho (P3).
Os da manhã e os da tarde eram alunos que estavam em uma faixa etária mesmo normal da escola. (...) Uma boa parte não trabalhava. (...) E os da noite eram os trabalhadores. (...) Então eles seguiam à noite, trabalhavam durante o dia e tinham aula à noite. (...) Sempre os alunos da noite são um pouco mais velhos (P4).
(...) pessoal do período diurno, os terceiros (anos) do período da manhã fazem ensino médio e à tarde fazem o cursinho. É diferente uma clientela do pessoal do noturno. Diferente porque o pessoal da noite trabalha durante o dia. Ajuda a família. Ou chega uma idade... Então trabalha durante o dia e à noite eles terminam o ensino médio (P7).
Como se pode ver, muitos professores relataram diferenças entre o público da noite e da manhã. Embora não fosse regra, professores (P1, 4, 5, 7, 8, 10, 12, 11, 13) citaram casos de alunos da manhã que conseguiram ingressar em universidades públicas.
Outro aspecto diferenciador, apontado por alguns professores, era o fato da escola atender alunos de outras localidades no período noturno. Em função da localização, a escola noturna se tornava escola de passagem: De manhã, a maioria é da região, agora à noite é uma escola de passagem – a maioria mora em Diadema, Parque Bristol – são poucos os que moram por aqui. Geralmente trabalham na região, no centro, aqui é uma passagem (P3).
Os dados revelam aspectos comuns sobre as escolas. Com relação à estrutura, alguns professores relataram que as escolas onde trabalhavam possuíam boa estrutura, eram bem conservadas, o que contraria o estereótipo da escola pública depredada e deteriorada. Contudo, é importante salientar que a maioria dessas escolas se localizava em regiões mais centrais ou em bairros mais ricos (embora uma das professoras tenha relatado também a existência de uma escola bem conservada em bairro pobre, fato devido à boa relação com a comunidade). Além da relação com a comunidade, outro fator citado para a boa conservação da escola era a atuação das diretoras, muitas delas com longa permanência na mesma unidade. Esse aspecto também foi apontado em relação ao corpo docente. As escolas mais bem situadas possuíam maior número de professores efetivos, que permaneciam na unidade por muitos anos, alguns até a aposentadoria. Muitas dessas escolas com quadro dirigente e docente estável eram consideradas de melhor qualidade pelos alunos e pelos pais – segundo eles, essas escolas tinham mais chances de colocar alunos nas melhores universidades públicas. Mas essa realidade não pode ser generalizada, pois os entrevistados apontavam diferenças significativas entre os alunos da manhã e da noite. Segundo Kuenzer (2005), a dualidade estrutural presente no ensino médio é histórica, pois, desde o início do século passado, a oferta de escolarização diferia conforme a classe social: para uns, a perspectiva eram a educação propedêutica e a universidade; para outros, a formação técnica e profissional para o mercado de trabalho. Pode-se dizer que havia, e ainda há, duas escolas distintas, com objetivos diferentes, reforçando, desse modo, a divisão da sociedade em classes.
É importante ressaltar ainda que o ensino médio é a etapa mais marcada pela exclusão escolar, de acordo com Ferraro (2004) e com relatório do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA - (2009) que aponta que cerca de "82% dos jovens de 15 a 17 anos frequentavam, em 2007, algum nível ou modalidade de ensino, mas apenas 48% deles cursavam o ensino médio, considerado o nível de ensino adequado à faixa etária".
Entretanto, com os obtidos, percebe-se que existem ainda outros desdobramentos da exclusão no ensino médio: há, na mesma rede de ensino, escolas com bons recursos humanos e materiais e escolas com condições precárias; e mais, no interior de cada escola, há mais divisões: uma escola para aqueles que, mesmo marginalizados, têm expectativa de seguir os estudos no ensino superior e outra para aqueles que devem permanecer segregados e isolados, sem chance de romper o ciclo da exclusão social.
3.2.2. O trabalho em sala de aula
Neste item, são apresentados aspectos do ensino de Psicologia. Foram abordados os seguintes tópicos:
a. Conteúdos trabalhados
b. Metodologia de ensino
c. Avaliação
d. Contribuição da Psicologia para a formação dos jovens
a. Conteúdos trabalhados: referente ao conteúdo teórico, os autores e as abordagens mais citadas foram: Psicanálise e/ou Freud (P1, 3, 6, 7, 8, 9 e 10); Jung (P8, 9, 10 e 12); Behaviorismo (P7, 10 e 13); Gestalt (P1 e 13); Piaget (P1 e 5) e Psicologia Humanista (P10). Ainda com relação aos conteúdos teóricos, oito professores (P3, 4, 5, 6, 8, 10, 11 e 13) começavam seus cursos, quando a disciplina era oferecida no primeiro ano, com discussão sobre o que é Psicologia, Psicologia como ciência, e história da Psicologia; dois professores discutiam também a multideterminação do ser humano (P7 e 11).
Um aspecto interessante foi que muitos professores, embora trabalhassem com conteúdos teóricos, enfatizavam a discussão dos temas por se aproximarem da vivência dos alunos. Dos 13 professores, cinco (P3, 4, 5, 8 e 9) disseram, explicitamente, que não se preocupavam com o aprofundamento das teorias e dos conceitos, justificando que os alunos se desinteressavam pelas aulas estritamente teóricas, pois não conseguiam ver a relação com suas vivências. A seguir, três exemplos que ilustram esse entendimento sobre o ensino das teorias:
Eu evitava falar das linhas teóricas da Psicologia (...) não eram interessantes para eles saberem do Behaviorismo, Psicanálise – falava que existia, um panorama, o que era Psicologia, que teorias existiam, de onde vieram, da história da Psicologia. (...) Mas não apresentava os conceitos (P4).
Porque eu comecei a perceber que não adiantava dar aula teórica. Eu vou ensinar Freud para aquele aluno? A ideia dele não "bate" para eu ensinar Freud pra ele. Eu vou ensinar Piaget pra aquele menino? Eu vou ensinar Vigotski? Não "bate" na cabeça dele (P5).
Em vez de falar da teoria, trazer o sujeito para a sala de aula e trabalhar com ele, a partir dele, trazendo elementos de autoconhecimento para que ele pudesse se interessar por aquele conteúdo. Na questão do Freud, sobre educação sexual, tabus, Freud como pano de fundo. Que adiantava falar de inconsciente, ego, superego? (P9).
Uma professora (P12) disse que, quando começou a lecionar, ocupava-se mais com o ensino teórico, mas, com a experiência, passou a enfatizar os temas do cotidiano dos alunos. Contou também que os alunos questionavam o ensino das teorias, dizendo que esse conteúdo não era exigido no vestibular. Dois dos entrevistados (P5 e P10) disseram ainda que não aprofundavam a discussão teórica porque o objetivo do curso no ensino médio não era formar psicólogos. Apenas uma professora (P6) declarou ser importante o trabalho com as teorias, desde que não se ficasse restrito a elas.
Como referido acima, embora trabalhassem com teoria da Psicologia, de modo mais ou menos aprofundado, conforme cada professor e cada turma, os entrevistados se preocupavam com abordar conteúdos significativos para os alunos. Seis professores (P1, 2, 3, 6, 9 e 12) buscavam temas relacionados a "vivência", "universo" ou "prática" dos alunos; os demais, ainda que não tenham usado explicitamente esses termos, também buscavam essa aproximação ao trabalharem com temas relacionados à adolescência e juventude.
Os temas mais citados foram: sexualidade (P2, 5, 6, 7, 8, 9, 11 e 12); drogas (P1, 2, 6, 7 e 12); família (P2, 3, 5 e 11); identidade e autoconhecimento (P6, 9 e 11); relacionamento (P2, 5 e 6); violência e agressividade (P4 e 7). Outros temas como preconceito (P4), comunicação de massa (P5) e autoestima (P4) foram citados apenas uma vez. Além desses temas, profissão/trabalho foi o tópico mais citado pelos professores. Nove dos 13 (P2, 3, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e12) referiram trabalhar o tema com os alunos, por meio de discussão, dinâmicas, orientação profissional ou orientação vocacional. Segundo os professores, este tema era trabalhado no terceiro ano do ensino médio, período em que alunos se preparavam para ingressar no mercado de trabalho ou para mudar de profissão (como no caso da maioria dos alunos do período noturno).
Pode-se notar que muitos professores iniciavam o ensino com aspectos mais gerais e introdutórios da Psicologia, como história da Psicologia e Psicologia e Ciência, para, posteriormente, ingressarem no universo das teorias psicológicas, ainda que brevemente. Em seguida, era comum partirem para o trabalho com os temas, sejam eles sugeridos pelos professores ou propostos pelos alunos. Por fim, o trabalho era finalizado com a discussão sobre trabalho e profissão.
Observação importante: conforme se depreende do relato dos professores, os temas eram relacionados e trabalhados de modo dinâmico, não de maneira estanque. E, ainda que algum professor não tenha citado determinado assunto, isso não indica, de forma alguma, que tal assunto não tenha sido considerado pelo professor.
É importante ressaltar que esse conteúdo programático era desenvolvido em função do tempo disponível, conforme o número de aulas em cada ano. Como foi explicado, dependendo da escola e da época, a disciplina era oferecida para o primeiro, o segundo ou o terceiro ano do ensino médio, às vezes para os três anos, outras vezes, somente para o terceiro ano. Sendo assim, se a disciplina era oferecida nos três anos para determinada turma, o conteúdo era trabalhado de modo mais detalhado e aprofundado, diferentemente se oferecida apenas no terceiro ano. Nesse caso, conforme relato dos professores, enfatizava-se a discussão sobre profissão e mercado de trabalho.
Sobre as referências bibliográficas, nove professores (P3, 4, 5, 6, 7, 9, 10, 11 e 12) disseram utilizar o livro "Psicologias: uma introdução ao estudo de Psicologia", de Bock, Furtado e Teixeira (2001). Alguns professores referiram outros livros; outros professores disseram que utilizavam materiais como revistas e jornais.
b. Metodologia de ensino: aqui, nota-se uma coerência interessante. Todos os professores disseram que, ao trabalharem com temas da vivência dos alunos, optavam por estratégias de aula mais participativa: discussão e debate em pequenos grupos (P3, 4, 6, 7, 8, 11, 12 e 13), dinâmicas de grupo (P4, 5, 7 e 8), trabalho com projetos (P3, 9 e 10), seminários (P3 e 6), palestras (P3 e 9), dramatização (P3) e grupo operativo (P13). Quatro professores (P3, 6, 7 e 12) relataram ainda que utilizavam vídeos e músicas. Professores que trabalhavam com orientação profissional e/ou vocacional comentaram que realizavam sondagens e usavam instrumentos para auxiliar os jovens na escolha profissional.
Embora os professores tenham relatado uma variedade de estratégias de aula, quatro entrevistados afirmaram que ministravam aulas expositivas (P1, 3, 6 e 7) quando trabalhavam os conteúdos teóricos. Dois deles disseram que usavam a lousa (P6 e 7) e distribuíam textos.
c. Avaliação: os professores buscavam modos de avaliação coerentes com a proposta de trabalho. Embora esses modos fossem distintos, observaram-se aspectos comuns. Alguns professores (P3, 4, 7, 10, 11) disseram que realizavam prova escrita e dissertativa, mas não exigiam exclusivamente o domínio de conteúdos teóricos e conceituais. P4, por exemplo, solicitava a dissertação sobre um tema trabalhado em aula: "Fale um pouco do que você entendeu/entende sobre o preconceito ou sobre a violência"; P10 pedia que os alunos relacionassem o conteúdo teórico da Psicologia com um determinado assunto: "Eu sempre pegava uma reportagem e tentava fazer com que ele (aluno) associasse com algum conhecimento da Psicologia". Mesmo os professores que exigiam conhecimento teórico nas provas (P3, 7 e 11), utilizavam outros instrumentos de avaliação como trabalhos, seminários, debates, exercícios - alguns realizados em grupo, conforme explicado por P11.
O professor P5, quando começou a lecionar, realizava provas, mas, conforme suas aulas deixaram de abordar apenas a teoria da Psicologia, ele passou a utilizar outros meios de avaliação, como trabalhos, debates, grupos operativos etc. P6 declarou que nunca trabalhou com prova individual, optando por resenhas e trabalhos escritos em grupo sobre algum tema discutido. P8 também contou que não realizava provas, mas trabalhos individuais. Relatou que, certa vez, uma aluna que foi gestante escreveu um trabalho sobre lactação e amamentação do bebê durante os seis primeiros meses. P12 e P13 informaram que trabalhavam com autoavaliação; porém, P12 considerava, também, a produção dos alunos (como trabalhos em grupo) e ainda solicitava redação individual. Já P13 esclarece sobre o modo como lidava com a autoavaliação: "A partir dessa autoavaliação dele (aluno), ela era discutida e conversada com ele - ele como um elemento muito atuante no processo. Desenvolvia-se muito esse aspecto da autocrítica".
d. Contribuição da Psicologia para a formação dos jovens:
a despeito das diferentes visões e concepções, aspectos comuns nos relatos puderam ser destacados, como: contribuição para a formação crítica e para a autoreflexão; oportunidade dos jovens discutirem temas e questões relacionadas à vida; reflexões sobre suas experiências e sobre as relações com os outros e com o mundo; compreensão e aceitação das diferenças. Esses aspectos podem ser vistos em alguns relatos:
Crítica. Você poder fazer eles pararem para pensar e refletir sobre alguma coisa. (...) que existem outras visões sobre as coisas, para tentar desmistificar algumas concepções que eles têm, que nem às vezes a gente discutia a homossexualidade com eles. (...) Eu acho que a contribuição é a reflexão. Pelo menos eu sempre quis que eles parassem para pensar nas coisas (P4).
Eu acho que a Psicologia ajuda (os alunos) a se entenderem, entenderem o mundo, mostrar para eles as perspectivas. Outras disciplinas naturalmente podem fazer isso, mas a Psicologia pode abordar de uma forma mais contundente esses aspectos. Através do conteúdo que ela trabalha, ela pode ajudar o jovem a entender mais especificamente todos os dramas que ele vive. Entender um pouco da dinâmica da psique dele. Eu acho que tudo isso é possível se você trabalha o conteúdo de forma séria (P10).
(...) despertar no aluno uma capacidade de reflexão sobre si mesmo, sobre o mundo que ele vive, ele como elemento transformador de si mesmo e do meio onde ele vive. Como ele é transformado a partir dos fatores sociais, históricos, biológicos, os aspectos biopsíquicos e socioculturais (P11).
Eu acho, nessa questão mesmo – quando eu falei de você mostrar diferenças pessoais, o respeito pelas diferenças, eu acho que era o espaço... Então eu acho que, no fim foi, era um espaço interessante para eles conversarem. Não era uma aula de Biologia, sobre sexualidade, que mostra os aparelhos reprodutores. Não, a gente discutia coisas, questões práticas, mesmo: "vamos discutir o ficar, o que é o ficar, quais as consequências disso, é bom, não é, o namorar, qual a diferença"(P12).
Indiscutivelmente, eu insisto, para mim é muito claro: os conteúdos são instrumentos que faltam, o que importa é a formação da vida, não nos esqueçamos de que é um ser que adentra na adolescência e o que marca profundamente esta adolescência é o advento do pensamento (...) (P13).
Outro aspecto foi a contribuição da Psicologia para a multi e interdisciplinaridade. Segundo os entrevistados, a complementaridade oferecida pela Psicologia no conjunto das disciplinas da área de Humanas ocorre justamente pela sua especificidade, diferenciando-a da Filosofia e Sociologia:
Eu falaria assim: Ao invés de pegar esse monte de disciplina, colocar esse monte de disciplina trabalhando em conjunto. Uma equipe multidisciplinar. A escola tem que ser uma equipe multidisciplinar. Você não vai trabalhar sozinho, você tem que trabalhar em conjunto. Você não está trabalhando em conjunto. Não está. Você pega a Sociologia, por exemplo, e a Filosofia, teria que ajudar as pessoas a trabalharem em conjunto e não está. De repente, a nossa profissão/disciplina poderia fazer esse elo. O psicólogo, em todas as áreas em que ele vai, consegue fazer equipe multidisciplinar de qualquer coisa. Em todas as áreas que ele entra. Porque ele sabe que ele não trabalha sozinho. (...) Acho que são três profissões (Psicologia, Filosofia e Sociologia) que, juntas, fazem muito; sozinhas, mas divididas, elas não fazem nada. (P5)
(Sobre o professor de Filosofia) Não consegue trabalhar com emoção de jeito algum. Não consegue. Ele vai conseguir racionalizar o namoro, mas ele não vai conseguir ver o aluno namorando. Ele não trabalha com emoção. (...) Ele não consegue trabalhar com a questão do irracional/emocional. Ele não consegue trabalhar. A lógica que ele trabalha é pura mente. Ele não consegue trabalhar com uma lógica que fale do racional e do irracional. O sociólogo, eu acho que ainda chega um pouco nisso, mas o sociólogo não consegue ver a pessoa. Consegue ver o grupo. Então, eu acho que nós poderíamos trabalhar junto com os outros. A gente tem como contribuir, mas separadas, as três vão ser falhas. Eu não vejo as três disciplinas independentes, separadas. Não consigo. Qualquer uma delas sozinha na área escolar está perdida (P5).
É interessante notar aspectos semelhantes nos relatos dos professores, pois práticas distintas seriam esperadas em virtude da maioria dos entrevistados ter dito que não recebeu nenhuma orientação comum da Secretaria da Educação a respeito do ensino de Psicologia. A diversidade de práticas foi apontada por Dadico (2009) em seu artigo "Práticas educacionais distintas: a Psicologia no ensino médio Paulista", resultado de pesquisa etnográfica em escola particular e escola pública no município de São Paulo. É importante ressaltar que a pesquisadora se valeu também de observações feitas nas salas de aula, diferentemente desta pesquisa que pode contar somente com os relatos dos professores, visto que, à época, a disciplina já não era mais oferecida, tal como explicado inicialmente neste artigo. De toda forma, merece atenção o fato dos professores entrevistados terem relatado, coincidentemente, a ênfase no trabalho com temas da vivência dos alunos e estratégias semelhantes de aula. Aqui, pergunta-se: como professores de escolas diferentes puderam apresentar aspectos tão semelhantes em suas práticas?
Em um primeiro momento, levantou-se a hipótese de que os professores poderiam ter o livro "Psicologia no ensino de 2º grau: uma proposta emancipadora" como referência para organização de seus programas. Como o livro foi um trabalho de formação de professores de Psicologia organizado por comissão de ensino do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo – CRP-06, Sindicato dos Psicólogos e CENP6, esperava-se que os professores conhecessem essa publicação.
Essa hipótese foi levantada porque, no livro, há uma proposta explícita de organização curricular por temas, como mostra o seguinte trecho:
(...) assumimos que a Psicologia pode contribuir no sentido de oferecer elementos que auxiliem o Homem a analisar as suas relações com o Mundo, ou seja, identificar e discutir os fatores mediatos e imediatos que determinam ou interferem no seu comportamento (...). Assim, entendemos que a Psicologia no 2º grau não deverá ser caracterizada como mero grupo de encontro, vestígio de uma ênfase clínico-terapêutica, como também não deverá cair no extremo oposto, caracterizando-se como uma disciplina burocrática em que o aluno deverá aprender uma série de informações irrelevantes para a sua vida. Nossa proposta é que a disciplina deve desenvolver um conteúdo básico, que seja relevante para o jovem, como um instrumento que o auxilie a analisar suas relações com o mundo" (CRP-06, 1987, p.13) (grifos meus).
Em artigo recente, Sergio Leite (2007), participante da comissão organizadora do livro acima citado, justifica a proposta de trabalho com temas:
Nesse período, uma decisão importante assumida pela comissão foi que o recorte deveria ser por temas e não por correntes teóricas. Isto porque, a avaliação realizada pela Comissão de Ensino sobre o trabalho dos docentes remanescentes na rede, que ministravam a disciplina Psicologia no 2º grau, indicava que os cursos desenvolvidos em torno das teorias psicológicas conhecidas mostravam-se como propostas burocratizadas, dificultando a contribuição da área para a análise das condições de vida dos jovens. Eram cursos que reproduziam disciplinas teóricas da Graduação, onde se ensinavam as escolas psicológicas.
Ao optar por uma organização por temas, a comissão acreditava na possibilidade de abordar assuntos que, de um lado, possibilitassem uma relação com as condições de vida dos jovens e, por outro, permitissem uma análise teórica, a partir das contribuições das várias correntes psicológicas existentes (LEITE, 2007, p.14) (grifos meus).
Como se pode ver, a proposta de trabalho com temas, presente na publicação mencionada, vai ao encontro do que os professores dizem sobre tornar o programa menos burocrático e mais significativo para os jovens, auxiliando-os na reflexão sobre si e sobre sua relação com o mundo.
Por outro lado, é importante observar que o livro publicado pelo CRP adverte para que a disciplina de Psicologia não seja "caracterizada como mero grupo de encontro, vestígio de uma ênfase clínico-terapêutica". Nas entrevistas, foi perguntado aos professores se a proposta de trabalho com temas, com recursos como dinâmicas de grupo e outras estratégias citadas, não poderia se confundir com grupos de encontro e se aproximar do trabalho clínico ou do trabalho do psicólogo escolar, como observado por Mrech (2001) e Souza (2007). Alguns professores falaram sobre o cuidado para que não se confundissem esses papéis, e disseram que a experiência ajudava na condução das atividades, evitando situações de exposição demasiada dos alunos e de perda da finalidade do trabalho na sala de aula.
De toda forma, a hipótese do livro "Psicologia no ensino de 2º grau: uma proposta emancipadora" ter servido como referência ao trabalho dos professores de Psicologia não pode ser confirmada, pois poucos entrevistados (como P3) conheciam a publicação ou participaram do curso de formação oferecidos pela Comissão de Educação. Diante disso, a dúvida se manteve e outra hipótese foi levantada, com base na constatação de que muitos professores utilizavam o mesmo livro como referência bibliográfica.
A análise do livro "Psicologias" (Bock, Furtado e Teixeira, 2001), citado como referência por nove entrevistados, possibilitou notar semelhanças entre sua organização e o programa das aulas de muitos professores. Dividido em três partes, o livro inicia com uma discussão sobre a Psicologia, a Psicologia como ciência, história da Psicologia e as principais teorias. Na segunda parte, são apresentados temas teóricos como a multideterminação do homem, inteligência, vida afetiva, grupos sociais, identidade e sexualidade. Na última parte, são propostos temas relacionados à vivência dos jovens, como família, escola, adolescência, escolha profissional, violência. Como se pode notar, há uma coincidência bastante interessante, mas ainda assim se coloca em dúvida se somente o uso da mesma referência seria suficiente para tornar os discursos, para não dizer as práticas, tão próximos.
É importante destacar também que, embora a Resolução CEB nº 3 de 1998, sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, não tenha sido referida pelos professores, seus princípios se assemelham às práticas dos professores. A Interdisciplinaridade, como princípio norteador do documento, foi citada explicitamente pelos entrevistados; já a Contextualização aparece de maneira implícita, mas a aproximação desse princípio com os relatos pode ser notada pela leitura dos três itens presentes no Artigo 9º da Resolução:
Art.9º Na observância da Contextualização as escolas terão presente que:
I – na situação de ensino e aprendizagem, o conhecimento é transposto da situação em que foi criado, inventado ou produzido, e por causa desta transposição didática deve ser relacionado com a prática ou a experiência do aluno a fim de adquirir significado;
II – a relação entre teoria e prática requer a concretização dos conteúdos curriculares em situações mais próximas de familiares do aluno, nas quais se incluem as do trabalho e do exercício da cidadania;
III – a aplicação de conhecimentos constituídos na escola às situações da vida cotidiana e da experiência espontânea permite seu entendimento, crítica e revisão.
Diante da impossibilidade de identificar com clareza as referências que nortearam os professores de Psicologia, caberia uma investigação futura para aprofundar a compreensão sobre as concepções e as práticas desses professores. E mereceria também uma reflexão mais detalhadas sobre como os professores de Psicologia compreendem a relação entre teoria(s) e prática, assim como a relação entre as diversas teorias do campo da Psicologia.
3.3. Sobre a retirada e o retorno da Psicologia no ensino médio
Neste terceiro e último segmento, são apresentados trechos dos relatos dos professores em duas partes: na primeira, referente à retirada da disciplina do currículo, abordaram-se aspectos como a transmissão da notícia, a dificuldade de mobilização da categoria, a atuação das entidades representativas de classe e o sentimento decorrente da situação de adido; na segunda, sobre o posicionamento frente ao retorno da disciplina de Psicologia ao currículo do ensino médio.
Sobre a retirada da disciplina:
Eu briguei muito para que não houvesse a retirada das aulas. A gente entrou em contato com muita gente, só que eu me vi sozinha. (...). Chegou um momento em que eu me vi sozinha. (...) Quando retiraram as aulas, eu fiquei adida, só que eu fiquei adida com metade do salário. Eu ganho por vinte aulas. (...) Agora eu poderia, por exemplo, pegar Sociologia, só que não é minha disciplina, eu não vou fazer isso. Eu sei que vou ficar na mesma situação de ir para um monte de escolas, porque está com uma aula por semana, e numa disciplina que eu não tenho muito a ver. (...) Agora minha mágoa foi muito grande, eu quase fiquei doente, em depressão, porque... Eu vou para onde hoje? Eu me pergunto, procuro uma motivação, talvez até encontre, mas está difícil. Você fica anos e anos, você se dedica para ter uma redução de salário e ficar assim. É complicado (P3).
Foi a minha vice (diretora) que veio no ano de 2007, que foi o ano que foi retirado, uma semana antes da gente ir pra atribuição de aula falou: "Não precisa vir porque não tem aula. (...) Falaram pra você ir à atribuição de aulas, na diretoria, que lá eles vão falar pra você". Chegando na diretoria a comunicação que eles falaram: "Vocês vão cumprir horas. Vocês saíram da grade.(...).Ninguém sabe por que". Só verbalmente: "Saiu da grade". Não houve preparação, nada que pudesse mostrar pra gente por que a gente estava fora da grade. Que a gente ficaria fora da grade. E aí foram exonerando, exonerando... (...) Acho que a própria classe se boicotou. (...) Eu estou na escola como um enfeite, não sou ninguém lá. Não tem espaço para sala de aula, não tem nada (P4).
A supervisora de ensino falou assim para mim, um dia, eu fiquei muito chateada - eu gostava muito de dar aula – então, ela falou assim: "ah, o pessoal do Drhu7 nem sabe que vocês existem". E é bem isso mesmo, aquilo me doeu. Saí daqui arrasada, nossa, faz vinte anos que eu trabalho e ninguém sabe que eu existo. Eles não estão nem aí com o que foi feito com os professores de Psicologia. (...) O problema aqui (na sala de leitura) é que não tem muita perspectiva, é isso que eu tenho me revoltado um pouco, com a minha situação, entendeu, porque eu não vou sair dessas vinte aulas que eu ganho e vou terminar minha carreira aqui. Não vejo muita possibilidade de reverter isso aí. Assim que eu enxergo. Na verdade, assim, este ano eu fiz 21 anos, que eu entrei em 89, então faltariam quatro (anos), só que eu tirei aqueles dois anos lá, então eu tenho seis, na verdade, faltam seis (anos para aposentadoria), não é tão pouco assim, mas não tenho muito para onde correr (P12).
Sobre a atuação das entidades de classe:
Houve uma mobilização dessas categorias (Filosofia e Sociologia) na questão dos Conselhos deles. O nosso... Existe uma mea culpa do Conselho da Psicologia que não fez nada. (...) Aqui houve algumas reuniões. O Sindicato dos Professores, na época, teve uma discussão, mas o próprio Sindicato não ia bancar essa discussão pra gente. (...) APEOESP. Tanto que eu até saí. Não vou ficar. Eles estão interessados em outras coisas. Eu fiz parte. Saí (P6).
Mas infelizmente ainda tem essa visão de que o Conselho Regional de Psicologia tardou enquanto outras disciplinas componentes (como) Filosofia... (...) Eu não percebi que o Conselho Regional de Psicologia... Inclusive eu me desliguei, cancelei a minha inscrição junto ao Conselho Regional de Psicologia temporariamente porque eu não vi o Conselho ter uma preocupação, que acabou com toda essa situação tirando o componente de Psicologia na formação do ensino médio (P7).
(...) Lamentavelmente eu senti uma falta de uma atuação maior do Conselho Federal de Psicologia e dos Conselhos Regionais, em termos de justificar, de trazer à tona a importância da disciplina (...) No meu entender, eu gritei sozinho. (...) Havia também pouca representatividade. (...) Eram pouquíssimos e nem todos muito conscientes, alguns sim, mas muitos poucos (...).Veja, não é que eu esteja lamentando ou chorando, o que eu estou fazendo é uma análise política e sinto até hoje, o Conselho faz convocações para decisões e aparecem O quanto eu sozinho batalhei, agilizei, tentei, falei... Eu me sentia realmente uma andorinha sozinha. 12, 11 psicólogos, como representação, é muito frágil. (...) Eu sempre senti que a Apeoesp, a Associação dos Professores, sempre acolheu os meus artigos, sempre deu muito apoio ao longo dos anos, eu mandava artigos, mandava informação, publicava todos (P13).
Nota-se que, primeiramente, os professores não perceberam preocupação das Diretorias de Ensino da Secretaria da Educação com justificar a retirada da Psicologia do currículo do ensino médio. Muitos professores, como P3, 4 e 12, sentiram-se desrespeitados e humilhados, com salário reduzido, mesmo depois de anos dedicados à docência na escola pública. Na situação de adidos, sentiram-se esquecidos e desvalorizados e, o pior, sem perspectivas de mudança até a aposentadoria.
Alguns professores (P6, 7 e 13) relataram pouco apoio das entidades representativas8 como o Conselho Federal e Regional de Psicologia e o próprio Sindicado dos Professores, mas admitiram também a baixa mobilização dos professores de Psicologia, com exceção de poucos que se viram lutando sozinhos.
Sobre a situação da disciplina de Psicologia, todos os professores defenderam seu retorno ao currículo do ensino médio. Com base em suas experiências nas salas de aula e também nos depoimentos de ex-alunos reencontrados, professores afirmaram a importância da disciplina na formação dos alunos. E, pelos relatos, nota-se o quanto a experiência foi também significativa para os professores:
É uma coisa que eu vou levar para o resto da minha vida. É uma experiência muito gratificante! Como eu falei para você: eu cruzo com as pessoas que foram meus ex-alunos e isso não tem preço. Quando eu vejo que eles conseguiram galgar uma situação privilegiada eu acho que tem um pouquinho da gente ali. Isso não tem preço. Pra mim é muito gratificante! Coisa que eu não acreditava no começo da carreira (P10).
Eu tenho alunos que voltam, ex-alunos que vêm e falam: "nossa, professora, eu tenho uma saudade das aulas de Psicologia". Sabe, vêm às vezes visitar, pegar documento aí e vêm conversar: "nossa, era muito legal, as aulas de Psicologia eram muito legais". Na época em que eu dava uma parte mais teórica, chegou a voltar um aluno que estava fazendo faculdade de Pedagogia e falou: "ó professora, eu fiz um seminário com o seu material, eu peguei o seu caderno, fiz um seminário na faculdade e a professora até perguntou" - porque estava no primeiro ano – como você sabia tudo isso de Psicologia – "é, porque eu tive no ensino médio" (P12).
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo teve por objetivo apresentar dados sobre os professores de Psicologia da rede pública do Estado de São Paulo e suas práticas como docentes da disciplina de Psicologia no ensino médio. Foram entrevistados 13 professores de diferentes Diretorias de Ensino – Capital, Grande São Paulo e interior. Com base nas entrevistas, obtiveram-se dados sobre a formação dos docentes, a carreira e a experiência em sala de aula e a situação dos profissionais após a retirada da disciplina de Psicologia do currículo do ensino médio público.
Sobre a formação, destaca-se o investimento dos professores na sua formação, seja cursando outra graduação (a maioria em Pedagogia), seja optando por pós-graduação. Dos 13 professores, duas são graduadas em universidades públicas e os demais, em particulares. O ingresso dos docentes efetivos na rede pública ocorreu por meio de concurso público, mas muitos deles já lecionavam na função de professores temporários antes do concurso; as três professoras que ingressaram na rede após a realização do último concurso público se mantiveram como Ocupantes de Função Atividade (OFA) - uma delas, pelo tempo de serviço, obteve estabilidade.
Com relação à experiência docente, inicialmente os professores falaram sobre as escolas nas quais lecionavam. Essas informações foram sistematizadas e criaram um panorama diferente do estereótipo sobre a escola pública. Segundo relato dos professores, muitas escolas mantinham profissionais efetivos com longo tempo de exercício, fossem diretores ou docentes, dando estabilidade ao grupo e ao trabalho. Essas escolas apresentavam também boa conservação do espaço físico e recursos para o desenvolvimento do trabalho pedagógico. Conforme relato dos professores, essas escolas geralmente ficavam em bairros de maior poder aquisitivo e maior facilidade de acesso por meio de transporte público (embora uma professora tenha relatado a existência de uma escola, situada em bairro pobre da periferia, bem conservada pela participação da comunidade). Alguns alunos dessas escolas centrais moravam na mesma região, principalmente os do período diurno. Mas alunos de outras localidades também freqüentavam tais escolas, principalmente no período noturno – o que as caracterizava como "escolas de passagem", frequentadas por alunos trabalhadores em deslocamento entre regiões. Como consequência dessa divisão, foi observado que esses alunos tinham expectativas e destinos também diferenciados; enquanto alunos do período diurno vislumbravam o ingresso na universidade, inclusive pública, alunos do noturno, que já estavam inseridos formal ou informalmente no mercado de trabalho, esperavam apenas concluir o ensino médio e ocupar melhores postos de trabalho. A realidade descrita pelos professores revela desdobramentos da exclusão promovida pela dualidade estrutural e histórica na educação brasileira.
Quanto ao trabalho pedagógico, chamou atenção a semelhança das práticas dos professores. Partindo do entendimento de que as aulas de Psicologia deveriam desenvolver o pensamento crítico sobre as relações do jovem com o mundo, a autorreflexão e a sensibilidade para as diferenças, os professores de Psicologia se empenhavam para que as aulas fossem significativas para os alunos. Desse modo, uma forma de trabalho encontrada se relacionava com temas da vida dos alunos: adolescência, juventude, sexualidade, trabalho e profissão, entre outros. Coerentemente com a proposta, os professores utilizavam estratégias mais participativas, como trabalho em grupos, dinâmicas, dramatização, debates etc. Embora os professores tenham relatado também o desenvolvimento de aulas mais teóricas e da articulação entre os temas e as teorias, esse aspecto não pode ser devidamente aprofundado nesta pesquisa, do mesmo modo que a discussão sobre como as diferentes teorias eram relacionadas também merece ser mais aprofundada. Pode ser observado que aulas sobre a teoria mudavam conforme o professor: alguns se empenhavam mais, outros entendiam que o desenvolvimento dos conceitos e teorias era secundário, devendo-se privilegiar temas que interessavam mais os alunos. A hipótese que se levanta, a qual não pode ser verificada pela ausência das aulas de Psicologia neste momento, é que a posição dos professores com relação ao trabalho com as teorias está mais relacionada com a cultura da escola do que com a atitude individual. Em outras palavras, nas escolas mais voltadas para o vestibular, mais tradicionalistas e "conteudistas", encontram-se condições favoráveis para o desenvolvimento das aulas teóricas. Ainda que essa hipótese não possa ser verificada, aponta-se para a necessidade de se compreender a prática do professor de Psicologia, e de outras disciplinas, no contexto institucional da escola. Desse modo, entende-se que os êxitos e fracassos não devem ser atribuídos unicamente à competência individual dos professores, mas também às condições de cada escola. Sobre esse aspecto, o relato dos professores também pode contribuir para a compreensão dos limites e das possibilidades do trabalho coletivo, mostrando que práticas interdisciplinares não dependem somente da vontade dos professores, mas da atuação da coordenadora pedagógica e, sobretudo, das condições de trabalho – deve-se, em suma, levar em conta fatores como quantidade de aulas, deslocamento para completar a jornada, entre outros.
Sobre a situação atual, os professores relataram como a notícia da perda das aulas, decorrente da retirada da disciplina de Psicologia do currículo do ensino médio, foi transmitida a eles: praticamente sem nenhuma justificativa e absolutamente sem nenhuma consideração. Na condição de adidos, os professores tiveram seus salários reduzidos, tendo que desempenhar outras funções ou assumir aulas de outras disciplinas, como Filosofia, Sociologia ou Biologia.
A oportunidade de entrevistar os professores de Psicologia possibilitou não somente conhecer representantes dessa categoria e suas práticas, mas também o conhecimento da escola pública através do olhar de profissionais muitas vezes desconsiderados por colegas pesquisadores da universidade.
A reflexão sobre a experiência desses professores, relatada não raras vezes de maneira emocionada, pode contribuir não somente para a discussão sobre a presença da disciplina da Psicologia no currículo do ensino médio, mas também para a reflexão de qual currículo e qual projeto político-pedagógico se defende para a formação dos alunos das escolas públicas.
REFERÊNCIAS
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Recebido em: 27/09/2013
Aceito em: 18/02/2014
1 Resolução SE nº 92 de 19 de dezembro de 2007. Diretrizes para a Organização Curricular do Ensino Fundamental e Médio nas Escolas Estaduais.
2 Segundo listagem obtida no Departamento de Recursos Humanos da Secretaria da Educação de São Paulo.
3 O documento citado por Mrech é o Papel da Psicologia na Educação - Relatório do Conselho Regional de Psicologia 6º região, julho de 2000.
4 Para a transcrição das entrevistas, Selma Paiva e Elisa Mafra colaboraram.
5 ACT - Admitido em caráter temporário.
6 Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas, órgão da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.
7 Diretoria de Recursos Humanos da Secretaria da Educação de São Paulo.
8 Não se pretende, neste artigo, discutir a atuação das entidades representativas de classe, mas apresentar o modo como os professores perceberam o apoio delas. Sobre a atuação das entidades, pode-se consultar vários documentos publicados por elas.