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Psicologia: teoria e prática
versão impressa ISSN 1516-3687
Psicol. teor. prat. v.6 n.2 São Paulo dez. 2004
ARTIGO
A importância da humanização profissional no diagnóstico das deficiências
The importance of professional humanization in deficiency diagnosis
Fernanda Vilhena Mafra Bazon; Eloísa Amicucci Campanelli; Silvana Maria Blascovi-Assis
Universidade Presbiteriana Mackenzie
RESUMO
A humanização tem sido estudada no âmbito da saúde visando proporcionar um tratamento que leve em conta a totalidade do indivíduo. A humanização em saúde pode ser definida como o resgate do respeito à vida humana, levando–se em conta as circunstâncias sociais, éticas, educacionais, psíquicas e emocionais presentes em todo relacionamento. Ao se falar do momento diagnóstico de uma deficiência acredita–se que a humanização torna–se importante, pois estudos apontam que a atitude do profissional frente à família pode amenizar o choque causado pela notícia. Este trabalho tem como objetivo a reflexão sobre a importância da humanização dos profissionais presentes no momento em que o diagnóstico de uma deficiência é comunicado à família ou aos cuidadores. O método consistiu de revisão bibliográfica sobre humanização, diagnóstico e deficiência e de entrevista semi-estruturada, com duração de uma hora, realizada com a irmã de uma pessoa com Síndrome de West. Foi constatado que a notícia do diagnóstico neste caso não foi realizada de forma adequada, pois o profissional não adotou uma atitude humanizada frente à família, sendo assim incapaz de conter a angústia e o choque da mesma. Além disso, percebe-se que por se tratar de momento de extrema importância para a manutenção posterior do tratamento e para o estabelecimento do vínculo entre família–paciente-equipe de saúde, é necessário que a formação profissional na área da saúde contemple uma visão global do indivíduo. É preciso que haja uma busca para um atendimento humanizado e não massificado tanto no sistema privado de atendimento à saúde quanto no público. No diagnóstico das deficiências a humanização é importante, pois o vínculo estabelecido entre profissional da saúde e familiares, no caso do diagnóstico das deficiências influenciará as atitudes familiares posteriores frente ao indivíduo com deficiência.
Palavras-chave: Comunicação, Transtornos do desenvolvimento infantil, Desenvolvimento humano.
ABSTRACT
Humanization has been studied in the scope of health, aiming at to provide a treatment that has taken in account the totality of the individual. Humanization in health can be defined as the rescue of the respect to the human life, taking itself in account the social, ethical, educational, psychic and emotional circumstances shown in all relationships. As to speak of the diagnostic of a deficiency, one gives credit that humanization becomes important, therefore studies point that the attitude of the professional in front of the family can soften up the shock caused by the notice. This work has as its objective, the reflection on the importance of the humanization of the professionals present at the moment the diagnosis of a deficiency is communicated to the family or to its carers. The method used consisted of bibliographical revision on humanization, diagnosis and deficiency and of semi–structuralized interview, with duration of one hour, carried through with the sister of a person with West Syndrome. Its been evidenced that the act of giving notice of the diagnosis in this case were not carried through of adjusted form, therefore the professional did not adopt a humanized attitude in front of the family, being thus incapable to contain the anguish and the shock of the same one. Moreover, one perceives that for it to be dealing with a moment of extreme importance for the posterior maintenance of the treatment and for the establishment of a bond among health family–patient–health team, it is necessary that the professional education in the health area contemplates a global vision of the individual. Its necessary to have a search for a humanized and not massified caring in the private system of health care and that also goes for public care. In the diagnosis of deficiencies, humanization plays a important role, therefore the bond established among health professionals and families in such case of deficiency diagnosis will influence the posterior family attitudes in front of the individual with deficiency.
Keywords: Communication, Child developmental disabilities, Human development.
Introdução
A discussão sobre a humanização dos profissionais de saúde vem crescendo nos últimos anos. Este fato pode ser percebido pelo aumento na publicação de artigos sobre o tema e pela criação de programas político-sociais que visam à humanização do ambiente hospitalar e da assistência em saúde. Este trabalho tem como objetivo a reflexão sobre a importância da humanização dos profissionais presentes no momento em que o diagnóstico de uma deficiência é comunicado à família ou aos cuidadores. Será feita a análise teórica sobre o tema e posteriormente, apresentar–se–ão reflexões a partir de uma entrevista semi–estruturada realizada com a irmã de uma pessoa com Síndrome de West.
Segundo Mayrink (1986), ao nascimento de uma criança, os pais se preocupam com a saúde de seu filho e a ansiedade em saber se ele é normal sempre está presente, podendo ser explicitada pela pergunta tão comum: “Meu filho é normal, doutor?”. Quando está tudo bem com a criança, as respostas são fáceis, porém ao se detectar de imediato um problema, notam–se as reticências dos profissionais.
"A tempestade começa na maternidade, quando o problema é evidente e permite chegar a um diagnóstico imediato. Mas, na grande maioria dos casos, é somente após meses ou anos que se identifica a excepcionalidade –grave ou leve –de uma criança que até então não tinha diagnóstico conclusivo. Quando o especialista descobre, quase sempre depois de uma interminável peregrinação dos pais pelos consultórios o impacto não é menor"(p.18).
Toda situação diagnóstica é caracterizada por uma relação de ajuda, na qual o paciente necessita do profissional para a resolução de uma situação de crise. Esta situação é permeada por sentimentos tanto do profissional quanto do paciente/família. Por parte do primeiro, existe a expectativa pelo estabelecimento de um novo contato, no qual ele deseja atuar de forma competente, útil, compreensiva, acolhedora e principalmente, tolerante ao sofrimento alheio (SALZBERGER-WITTENBERG, 1973). De acordo com Tetelbom e colaboradores (1993), o profissional também tem dificuldade em lidar com suas limitações e com a própria condição de mortal, bem como com os sentimentos provocados pelo encontro dele com as famílias (contratransferência). O paciente e sua família têm a esperança de que o profissional seja o responsável pela diminuição do sofrimento e da angústia, assim como desejam ser acolhidos, amparados e não responsabilizados pela situação em que se encontram.
Humanização
Dado ao aumento da discussão sobre a humanização da saúde, podem ser encontradas na literatura muitas definições do termo. Segundo Ferreira (1986), o termo humanizar significa: tornar humano, dar condição humana.
Em saúde, Souza (1985) afirma que humanizar é o processo que busca oferecer ao paciente um tratamento que leva em conta a totalidade do indivíduo. Lerch (1983) conceitua a humanização hospitalar como a principal característica de uma administração eficaz e como o objetivo primordial de qualquer profissional prestador de serviço em saúde. O foco dessa filosofia é o bem-estar físico, psíquico, social e moral do paciente.
A humanização na área da saúde entrou em discussão no “Movimento da Reforma Sanitária”, ocorrido nos anos 70 e 80 do século XX, quando se iniciaram os questionamentos acerca do modelo assistencial vigente na saúde, centrado no médico, no biologicismo e nas práticas curativas. Este modelo era oneroso e muito especializado, focando a doença e não a promoção da saúde “e, configurava-se como desumano na forma de assistir, tanto pelo uso exagerado de tecnologias como pelo relacionamento que se estabelecia entre os profissionais de saúde e os usuários do sistema” (RIZZOTTO, 2002, p. 197).
Nos anos 70, a saúde no Brasil era assegurada apenas aos trabalhadores com carteira assinada e pagadores da Previdência Social, o restante da população tinha que dispor de seus próprios recursos para obter serviços médicos. A partir do “Movimento da Reforma Sanitária” surge o projeto do Sistema Único de Saúde (SUS) que visa resolver os graves problemas enfrentados pelo setor público, como a falta de atendimento para toda a população. O SUS ainda é um projeto inacabado, distorcido ao longo do tempo com a massificação dos atendimentos, porém é o germe de uma política de humanização da saúde no Brasil (RIZZOTTO, 2002).
Em 2001, foi elaborado o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar do Ministério da Saúde que busca estender o conceito de humanização para toda a instituição hospitalar, através da implantação de uma cultura organizacional diferenciada que visa o respeito, a solidariedade e o desenvolvimento da autonomia e da cidadania dos profissionais de saúde e dos pacientes.
"Assim humanizar em saúde é resgatar o respeito à vida humana, levando-se em conta as circunstâncias sociais, éticas, educacionais e psíquicas presentes em todo relacionamento humano... é resgatar a importância dos aspectos emocionais, indissociáveis dos aspectos físicos na intervenção em saúde" (BRASIL/PNH, 2001, p.33).
O PNH destaca que
"No campo das relações humanas que caracterizam qualquer atendimento à saúde, é essencial agregar à eficiência técnica e científica uma ética que considere e respeite a singularidade das necessidades do usuário e do profissional, que acolha o desconhecido e imprevisível, que aceite os limites de cada situação" (BRASIL/PNH, 2001, p.5).
Considera-se então, que o serviço de saúde deve ter como eixo central a humanização e os aspectos subjetivos da condição humana, pois a interação dos conhecimentos técnico-científico com os aspectos afetivos, sociais, culturais e éticos na relação entre o profissional e o paciente garantem maior eficácia do serviço (Brasil/PNH, 2003; Humaniza SUS/ Política Nacional de Humanização, 2003).
Relacionamento profissional-paciente-família
A relação profissional-paciente/familiares é muito importante no momento diagnóstico e ao longo do tratamento. Esta relação deve ser caracterizada pelo estabelecimento de vínculo, o qual é definido por Ferreira (1986) como: tudo que ata, liga, ligação moral; relação, nexo; prender, unir. No âmbito da saúde, criar vínculos requer o estabelecimento de relações próximas e claras, de forma que o sofrimento do outro seja sensibilizador. Visa estabelecer processo que busca a autonomia do paciente, bem como o compartilhamento da responsabilidade por sua vida ou morte (RIZZOTTO, 2002).
Para Rocha (1999) o paciente (deficiente ou familiar) precisa vincular–se ao profissional da área da saúde para que este possa transmitir–lhe o diagnóstico. Deve-se oferecer um número suficiente de informações que possibilitem ao indivíduo compreender as peculiaridades da deficiência. No diagnóstico são necessários elementos que permitam a melhor aceitação do mesmo e consequentemente a terapia a ser realizada.
O estabelecimento do vínculo entre profissional–paciente/familiares pressupõe a aproximação para a compreensão da pessoa enferma e uma empatia mínima entre as partes envolvidas, desta forma, o paciente passa da situação de “caso para a de “pessoa”. Isto é possível através da disposição do profissional em relacionar-se de forma mais personalizada, menos objetada e mais humanizada, características do profissional aberto para a exploração dos relacionamentos humanos e menos defendido pelos conhecimentos científicos.
"A vinculação é uma tarefa nobre e não um jogo de sedução para perpetuar a necessidade de lisonja do profissional. A vinculação é um compromisso, uma manobra bem intencionada, calculada, sem ser fria, movida basicamente pela intuição e pelo sentimento do profissional" (Benetton, 2002 p.77).
Dinâmica Familiar
A família pode ser caracterizada como
"Um núcleo de pessoas que convivem em determinado lugar, durante um lapso de tempo mais ou menos longo e que se acham unidas (ou não) por laços consangüíneos. Este núcleo se acha relacionado com a sociedade, que lhe impõe uma cultura e ideologia particulares, bem como recebe dele influências específicas" (Soifer, 1989, p.22).
A família se modifica ao longo do tempo e, portanto, sua dinâmica e estrutura variam nas diversas sociedades e épocas históricas (LAING, 1971).
Geralmente, os papéis sociais desempenhados por membros da família são definidos pelo contexto cultural, o qual favorece um determinado tipo de interação permeado por valores e regras (CARVALHO, 2000). A maioria das famílias é uma organização com certa estabilidade social, promotora de apoio emocional e é onde se adquire senso de identidade, aceitação própria e solidariedade. Dessa forma, as famílias são locais de resistência à pressão externa exercida pelo mundo (MUNCIE e colaboradores, 1999).
No entanto, essa estrutura sólida e acolhedora parece ser abalada com o nascimento de uma criança com deficiência (FIUMI, 2003) e por isso, os profissionais envolvidos no diagnóstico e tratamento dessa criança devem se preocupar com a forma mais adequada de fazer esse comunicado à família, para que ela se sinta amparada e orientada em relação aos cuidados necessários. A maneira como o profissional comunica a deficiência pode amenizar o choque dos familiares ou cuidadores; atitudes de apoio são extremamente importantes neste momento (FINNIE, 1980). Embora os pais tenham o direito de saber o diagnóstico do seu filho, cabe à equipe de saúde a escolha do momento mais oportuno e da maneira mais adequada (SCHWARTZMAN, 1999).
Embora não exista a forma ideal para essa tarefa, os estudos apontam algumas abordagens consideradas mais adequadas. A comunicação deve ser feita de preferência com a presença da mãe e pai juntos, num lugar de privacidade, onde não ocorram interrupções, para que os pais possam tirar todas as dúvidas existentes no momento. A pessoa responsável pelo comunicado deve inspirar confiança e não utilizar vocabulário técnico-científico que dificulte a compreensão, além disso, ela deve estar consciente de que neste momento, os pais estão sujeitos a reações emocionais e muitas vezes, precisam contar com uma atitude de continência do profissional. Essas atitudes poderão ajudar no estabelecimento do vínculo dos pais e da criança posteriormente (SCHWARTZMAN, 1999).
O momento da comunicação do diagnóstico de uma deficiência é considerado muito importante tanto para a família quanto para o desenvolvimento da pessoa com deficiência, por isso a APAE de São Paulo elaborou um programa chamado “Momento da Notícia”. Este programa conta com uma equipe de profissionais da APAE–SP que realiza um trabalho de sensibilização e capacitação destinado à profissionais da área da saúde, visando a transmissão do conhecimento acerca do conteúdo da notícia a ser dado para os pais, bem como descobertas sobre as deficiências.O objetivo desse trabalho é a humanização do momento diagnóstico e a mudança no olhar dos profissionais frente à pessoa com deficiência e sua família (APAE-SP, 2004).
É importante informar os pais, no momento da notícia, sobre as próximas etapas a serem realizadas com a criança: exames, instituições especializadas a serem procuradas e os tipos de tratamentos necessários (SCHWARTZMAN, 1999). Após o diagnóstico, a família deve entrar em contato com profissionais de várias áreas para sanar eventuais dúvidas não esclarecidas no momento diagnóstico, visto o elevado número de informações transmitidas na ocasião e a impossibilidade de assimilação total. A relação dos pais com a equipe responsável pelo tratamento, geralmente, é permeada por diversos sentimentos, tais como: insegurança em relação à competência da equipe e inibição para o questionamento acerca do que é realizado com a criança, isto ocorre pela crença que a cura do filho depende somente do que é proposto (FIUMI, 2003).
Cada família reage de forma muito peculiar à notícia da deficiência, algumas passam por período de crise aguda e recuperam–se gradativamente, outras apresentam mais dificuldades e acabam estabelecendo uma situação crônica de desequilíbrio. Essas duas situações têm em comum o processo de luto (SCHWARTZMAN, 1999). O descobrimento da deficiência de um filho, tanto no seu nascimento quanto crescimento, representa o fim do sonho de criar um ser perfeito e requer que os pais façam o luto da criança idealizada durante o período de gestação para assim, aceitar esta criança com suas reais potencialidades. Sentimentos como incapacidade, choque, tristeza, confusão, ambigüidade, culpa, medo, raiva, lamentação, auto-piedade e frustração são esperados da família, já que seu núcleo encontra–se debilitado e vulnerável (FINNIE, 1980).
Segundo Bromberg (2000), o processo de luto pode ser dividido em fases, porém estas não são rígidas e definitivas e estão sujeitas às diferenças individuais. Dessa forma, as etapas desse processo são: entorpecimento (ocorrência de choque e descrença frente ao acontecimento, tem duração de horas ou dias, pode ser acompanhada de crises de raiva ou desespero e alguns sintomas somáticos. Outra característica é a tentativa de retomar o estilo de vida anterior ao nascimento da criança); anseio e protesto (há muito sofrimento psicológico e agitação física. Ao perceber de forma mais consciente a perda, a pessoa enlutada busca ansiosamente pelo “objeto perdido”1 e muitas vezes surge a raiva contra si e contra outras pessoas); desespero (há o reconhecimento da irreversibilidade da perda, instala-se então a apatia e a depressão, bem como o afastamento de atividades e de pessoas); recuperação e restituição (a depressão e a apatia dão espaço a sentimentos mais favoráveis, surge nova identidade que favorece o estabelecimento de novas relações de amizade e o resgate de antigos laços).
A vivência das fases de luto é importante para que a família se reestabeleça e se adapte à nova realidade, modificando hábitos e situações cotidianas para o melhor acolhimento dessa criança.
MÉTODO
O método deste trabalho consistiu de revisão bibliográfica sobre os temas abordados e entrevista semi–estruturada, com duração de uma hora, realizada com a irmã de uma pessoa com deficiência mental e motora que possibilitou a obtenção de elementos para a reflexão sobre a humanização. Nesta entrevista, buscou–se a compreensão dos sentimentos envolvidos na situação diagnóstica e na dinâmica familiar estabelecida após o surgimento da deficiência da filha mais nova do casal.
A entrevistada assinou um termo de consentimento livre e esclarecido permitindo que a entrevista fosse gravada perante a garantia de sigilo de sua identidade.
Para tal procedimento, foi elaborado roteiro com alguns temas a serem abordados tais como: o momento da notícia; a reação dos familiares; o vínculo entre profissional-paciente e profissional–familiares. Após a transcrição da entrevista, a entrevistada leu o texto e autorizou sua publicação, visto ser condizente com suas palavras.
Resultados
Foi realizada entrevista semi–dirigida com Mariana2, irmã de Carolina, que tem deficiência mental e apresenta convulsões de difícil controle. A entrevista teve como objetivo a investigação dos sentimentos que permearam o momento diagnóstico de Carolina.
Histórico Familiar
Carolina, 24 anos, é a filha mais nova de um casamento com três filhas, apresenta deficiência mental e motora severa e convulsões de difícil controle sem causa diagnosticada. A família a ser estudada foi representada pelo genograma seguinte. A entrevistada é a segunda filha, Mariana. (P=pai; M=mãe; M1= Mariana; J=Juliana3; C=Carolina):
FIGURA 1: Caracterização da família.
Carolina nasceu quando Mariana (primeira filha – a entrevistada) tinha aproximadamente 6 anos. Segundo ela, na época do nascimento, não havia nenhum tipo de deficiência diagnosticada ou sinais característicos que chamassem a atenção da família ou pediatra que fazia o acompanhamento.
Segundo Mariana, quando Carolina estava com três meses, apresentou convulsões pela primeira vez, as quais não foram diagnosticadas de imediato pelos profissionais que a atenderam no hospital. Passados dois dias, a criança mantinha o quadro e por isso, decidiu–se por sua internação, porém não houve nenhum laudo conclusivo. Em seguida a este episódio, a família se mobilizou na busca de profissionais capacitados que pudessem fazer um diagnóstico e esclarecer o que havia acontecido, assim como orientar sobre os tratamentos necessários e profissionais. Foram realizados vários exames, inclusive o cariótipo, mas nenhum resultado conclusivo foi encontrado.
Carolina não reagia a medicamentos anticonvulsionantes e o posicionamento dos especialistas era de que ela não resistiria por muito tempo. Quando tinha aproximadamente um ano, foi atendida por um neurologista, que será chamado de Dr. Y. Ele explicou a impossibilidade de definir o diagnóstico naquele momento, porém, mostrou a importância de iniciar tratamentos para as necessidades que ela já apresentava, a partir deste momento, ela começou o acompanhamento com o fonoaudiólogo, fisioterapeuta e terapeuta ocupacional. Hoje, existe a suspeita de que o quadro tenha se iniciado em reposta a uma reação alérgica tardia da vacina Sabin e a partir de um exame de ressonância magnética recente, foi constatada uma pequena atrofia cerebral generalizada, porém não justifica o quadro clínico apresentado, segundo os especialistas. Atualmente, ela faz tratamento com um neurologista que a diagnosticou com Síndrome de West.
Quanto ao seu desenvolvimento global, não adquiriu linguagem, é totalmente dependente nas suas atividades cotidianas de locomoção, alimentação e higiene, tem convulsões freqüentes e apresenta retardo mental severo.
Reações familiares
Através do relato de Mariana, infere-se que os primeiros atendimentos foram incipientes no suporte emocional e científico à família. Ela afirma que mesmo havendo uma busca constante dos pais por tratamento, eles sentiam-se abandonados pelos profissionais, pois estes não nortearam suas ações e interromperam o atendimento perante a justificativa de que não havia outros recursos a serem disponibilizados para o caso. Outra falta de adequação constatada refere-se à forma como foi comunicado à família o fato de que ela corria risco de morte, Mariana reproduz a fala de um dos profissionais: “...vão embora para sua casa, mãe e pai, deixem de lutar porque esta criança não vai sobreviver”.
Quando Carolina foi atendida pelo Dr. Y, um ano após seu nascimento, seus pais sentiram-se tranqüilizados, pois foi sinalizada a chance de sobrevivência para Carolina e a importância de se fazer outros tratamentos como a fisioterapia e a Terapia Ocupacional. Mariana fala: “ ele norteou a nossa vida”, por que foi o primeiro profissional a acreditar na sobrevivência de Carolina e se propor a trabalhar com o potencial apresentado no momento. Diz ainda, referindo-se ao relacionamento dos pais com este neurologista:
"[...] quando eles falam, eu percebo que era uma busca, uma busca, uma busca direto, e de repente chegaram lá e ele falou tudo aquilo, foi como se ‘ah, então tá legal, então vamos lidar com o que ela apresenta para nós dia após dia’, e é isso que estamos fazendo até hoje."
Foi a partir desta intervenção que Carolina começou a ser atendida por uma equipe multiprofissional composta por fisioterapeuta, fonoaudiólogo e terapeuta ocupacional. Com a morte do Dr. Y. ela passou a ser atendida por outro neurologista, que a acompanha até hoje e é considerado pela família um profissional competente e interessado no atendimento.
O acompanhamento fisioterápico e fonoaudiológico foram satisfatórios, segundo Mariana, e continuam até hoje. Já em relação ao atendimento de terapia ocupacional, Mariana aponta não ter sido adequado, pois o profissional não se encontrava preparado para a complexidade do caso, o que levou os pais a interromperem o tratamento. Atualmente, Carolina também é atendida por um médico homeopata que possui uma filha com deficiência. A família está satisfeita com este atendimento e Mariana faz o seguinte comentário sobre o médico: “...ele é uma pessoa que vive a minha irmã, entende? Ele compartilha do que temos em casa.”
Discussão de resultados
O nascimento ou a descoberta da deficiência de um filho abala a estrutura familiar estabelecida anteriormente, acredita-se que a forma de comunicação do diagnóstico influencie a reação dos familiares a esta informação e posterior adaptação dos pais à mesma (FIUMI, 2003; FINNIE, 1980). A comunicação adequada pode ainda favorecer o estabelecimento do vínculo dos pais com a criança (SCHWARTZMAN, 1999). Porém, o que acontece na maioria das vezes é que os profissionais não se encontram preparados ou não foram corretamente instruídos em como fazê-lo, relatos desta falta de preparo são exemplificados por Mayrink (1986): “Seu filho é mongolóide”; “Olhe é um anãozinho!”; “Essa criança é defeituosa” (p.18). A partir da entrevista realizada com a irmã de uma pessoa com deficiência percebe–se que a comunicação do diagnóstico e do prognóstico de uma criança com deficiência, como por exemplo, o risco do falecimento da mesma, devem ser realizados de maneira adequada, buscando a continência da família.
Quando o diagnóstico não é estabelecido ao nascimento da criança, os pais ao perceberem algo de errado no filho geralmente começam a buscar por ajuda profissional. As famílias que dependem do atendimento do SUS podem demorar meses ou anos para conseguir um atendimento eficiente, principalmente quando necessitam de exames como o de cariótipo. Esta busca constante gera na família sentimentos de impotência, ansiedade e angústia, exemplificados no relato de Mariana ao falar sobre a procura de um diagnóstico para Carolina. O sentimento de amparo, fundamental para a família, está relacionado com o vínculo estabelecido entre profissional–paciente/familiares, pois é a partir deste vínculo que a família começa a confiar nas decisões do profissional e a seguir suas orientações. O vínculo segundo Bennetton (2002), também é essencial para o profissional, pois é ele que permite a compreensão da pessoa enferma e o estabelecimento de relacionamento personalizado e humano, melhorando as relações de trabalho e aumentando a dimensão sobre o paciente.
A comunicação adequada do diagnóstico de uma deficiência torna-se atual através da discussão sobre a humanização no âmbito da saúde. Quando o profissional olha seu paciente globalmente, ele atua de forma humanizada, preocupando–se com o impacto das informações na família e no paciente. Isto pode ser ilustrado através da fala de Mariana em relação ao Dr. Y., que o considera como o primeiro profissional a se preocupar com o bem estar da família e de Carolina, buscando assim um atendimento baseado nas necessidades que ela apresentava no momento e não somente no conhecimento teórico sobre sua deficiência.
Sabe-se que a família passa por um momento de crise após a notícia da deficiência de um de seus membro, pois há a perda do filho idealizado, para Schwartzman (1999) esta crise é semelhante ao processo de luto. Acreditamos que a vivência do processo de luto pode ser facilitada pela atitude dos profissionais, pois a continência das angústias e ansiedades familiares ajuda os mesmos a se adaptarem à nova situação mais rápido e adequadamente.
Considerações finais
A formação técnico–científica aliada à humanização dos profissionais de saúde pode favorecer o atendimento e a comunicação de um diagnóstico. A mecanização, falta de preparo profissional e o grande número de atendimentos realizados por profissional no sistema público de saúde dificultam a interação médico–paciente/familiares, impedindo muitas vezes a melhor compreensão do processo da doença, fatores associados e cuidados negligenciados.
Dessa forma, a ausência desse vínculo estabelecido entre profissional da saúde e familiares, no caso do diagnóstico das deficiências influenciará as atitudes familiares posteriores frente ao indivíduo com deficiência, sua interação com a família e adaptações.
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Endereço para correspondência
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Rua da consolação, 930, Ed. João Calvino, 6º andar, sala 62 – Consolação
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CEP 01302–907
e–mail: fvmbazon@uol.com.br
Tramitação
Recebido em agosto 2004
Aceito em setembro 2004
1 O “objeto perdido” é caracterizado pela frustração do nascimento do filho idealizado
2 Nome fictício
3 Nome fictício