Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Psicologia: teoria e prática
versão impressa ISSN 1516-3687
Psicol. teor. prat. v.8 n.1 São Paulo 2006
ARTIGO
Drogas na adolescência: temores e reações dos pais
Drogas en la adolescencia: temores y reacciones de los padres
Adolescence drug use: parent´s fears and reactions
Eroy Aparecida da Silva; Denise De Micheli; Beatriz Marra Vaz de Camargo; Delmara Buscatti; Marlene Asevêdo Passos de Alencar; Maria Lucia Oliveira Souza Formigoni
Universidade Federal de São Paulo
RESUMO
São escassos os programas de prevenção primária ao uso de drogas dirigidos a adolescentes, que envolvam a família e, em particular, os pais. A forma como as drogas são tratadas pela mídia causa muitas dúvidas e temores nas famílias, aumentando, por vezes, suas preocupações e preconceitos. O objetivo deste estudo foi investigar os temores e as reações de pais de adolescentes em relação ao uso de drogas de seus filhos. Foi elaborado um questionário com 40 questões, aplicado em 87 pais de estudantes adolescentes (de 12 a 19 anos). A amostra foi composta por 73% de mães, com média de idade de 42 anos. Os assuntos mais prevalentes nas conversas foram: sexo (23%), drogas e profissão (19% cada um). O temor ao uso de drogas pelos filhos foi relatado por 94% dos entrevistados. Do total de pais, 32% mencionaram ter conhecimento do uso de alguma droga pelos filhos(as). As reações ao saberem do uso foram: “conversar com os filhos” (81%) e “procurar orientação” (62%). Os sentimentos mais freqüentes foram: medo (69%) e impotência (25%). Esses dados não devem ser generalizados por serem obtidos em uma amostra de conveniência. No entanto, os resultados do estudo podem enriquecer a discussão sobre a importância de programas de prevenção primária e secundária, ainda incipiente no Brasil.
Palavras-chave: Relações familiares, Família, Adolescentes, Prevenção, Drogas
RESUMEN
Son escasos los programas de prevención primaria sobre el uso de drogas dirigidos a adolescentes, que envuelvan la familia y, en particular, los padres. La forma como las drogas son tratadas por la prensa causa muchas dudas y temores en las familias, aumentando, a veces, sus preocupaciones y preconceptos. El objetivo de este estudio fue investigar los temores y las reacciones de padres de adolescentes en relación al uso de drogas de sus hijos. Fue elaborado un cuestionario con 40 cuestiones, aplicado a 87 padres de estudiantes adolescentes (de 12 a 19 años). La muestra fue compuesta por 73% de madres, con media de edad de 42 años. Los asuntos más prevalecientes en las conversaciones fueron: sexo (23%), drogas y profesión (19% cada uno). El temor al uso de drogas por los hijos fue relatado por 94% de los entrevistados. Del total de padres, 32% mencionaron tener conocimiento del uso de alguna droga por los hijos(as). Las reacciones al saber del uso fueron: “conversar con los hijos” (81%) y “procurar orientación” (62%). Los sentimientos más frecuentes fueron: miedo (69%) e impotencia (25%). Esos datos no deben ser generalizados por ser obtenidos en una muestra de conveniencia. Sin embargo los resultados del estudio pueden enriquecer la discusión sobre la importancia de programas de prevención primaria y secundaria, todavía incipiente en Brasil.
Palabras clave: Relaciones familiares, Familia, Adolescentes, Prevención, Drogas
ABSTRACT
Scarce are the primary prevention programs to the use of drugs aimed at adolescents, mainly those which involve the family, particularly the parents. The way drugs are focused by the media raises many doubts and fears in the families, often increasing their concerns and prejudices. The objective of this study was to investigate the fears and reactions of adolescents' parents in relation to their children's drug use. We prepared a questionnaire comprising 40 questions and applied it to 87 parents of adolescent students (aged 12 to 19). The sample was made up of 73% of mothers with a means age of 42. The most prevalent issues during the conversations were sex (23%), drugs and profession (19% each). The fear of their children's drug use was reported by 94% of the interviewees. Out of the total number of fathers, 32% reported being aware of the use of some kind of drug by their children. Their reactions when they knew about the use were "talking with their children" (81%) and "looking for guidance" (62%). The most frequent feelings were fear (69%) and helplessness (25%). These data should not be generalized, since they were obtained from a convenience sample. However, the study points to the importance of enlarging the programs of primary and secondary prevention, still incipient in Brazil.
Keywords: Family relations, Family, Adolescents, Prevention, Drugs
Introdução
O uso de drogas na adolescência é um tema que preocupa famílias, educadores e profissionais da saúde. Tem aumentado, nas últimas décadas, o interesse nesse fenômeno por parte dos pesquisadores. Os estudos investigam desde a idade em que ocorreu o primeiro uso até as principais influências ou fatores de risco para o estabelecimento do comportamento de consumo de substâncias, como também os aspectos familiares envolvidos no processo.
Os levantamentos nacionais realizados pelo CEBRID (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas), de 1987, 1989, 1993 e 1997, entre estudantes brasileiros, mostraram que houve crescimento significativo tanto do uso freqüente quanto do uso pesado de álcool. Em relação a outras drogas (maconha, cocaína e anticolinérgicos), esses estudos também apontaram crescimento significativo de uso na vida (GALDURÓZ; NOTO; CARLINI, 1997).
A precocidade do início do uso de álcool e outras drogas também tem sido alvo de preocupação. Vários estudos indicam que crianças e adolescentes estão se envolvendo cada vez mais cedo com álcool e outras drogas (DE MICHELI; FORMIGONI, 2002; NEEDLE; MCCUBBIN; WILSON; REINECK; LAZAR, 1986; MOREY; SKINNER; BLASHFIELD, 1994; BABOR; HOFMAN; DELBOLCA; HESSELBROCK; MAYER; DOLINSKY; ROUNSAVILLE, 1992; ZUCKER, 1994; GALDURÓZ; NOTO; CARLINI, 1997).
A análise da história pessoal de pacientes (adolescentes e adultos) dependentes de substâncias psicoativas aponta que o uso inicial ocorreu prematuramente na maioria dos casos, indicando uma possível relação entre precocidade do consumo e desenvolvimento da dependência (DE MICHELI; FORMIGONI, 2002; DUNCAN; TILDESLEY; DUNCAN; HIMAN, 1995; SLOBODA; DAVID, 1997; GRANT; DAWSON, 1997; CLARCK; KIRISCI; TARTER, 1998).
Kandel, Yamaguchi e Chen (1992), em estudo sobre os antecedentes do uso inicial de álcool e drogas entre adolescentes, chamam a atenção para a escassez de informações a respeito dos problemas relacionados a esse uso, embora afirmem que nem todo uso inicial leva a um uso problemático no futuro. Kaplan e Johnson (1992) ressaltam a importância de se conhecer os diferentes estágios de envolvimento com as drogas e de se analisar as variáveis envolvidas, tais como as psicossociais, o padrão de consumo e as razões atribuídas para o uso inicial.
Alguns dos fatores fortemente associados ao uso de drogas por adolescentes são: a facilidade de obtenção, a disponibilidade e o consumo de drogas pelos amigos (TOWBERMAN; MCDONALD, 1993). Na adolescência, a tendência grupal assume grande importância e torna cada jovem do grupo mais forte e menos solitário. As atitudes impostas pelo grupo passam a ser soberanas, pois dele advém o suporte emocional e a aprovação dos outros componentes (SAITO, 1997). Segundo Becker (1953), ter amigos que fazem uso de drogas é a condição principal para ocorrer a experimentação inicial. Ong (1989), em um estudo com adolescentes em tratamento para dependência de drogas, concluiu que, pelo menos para essa parcela da população, os pares ou amigos foram uma influência decisiva na experimentação inicial. Johnson, Marcos, Bahr (1987) também concluíram que ter amigos que usam ou toleram o uso de drogas é um forte indicador do uso de drogas por adolescentes. Em contrapartida, a desaprovação do uso de drogas pelos pares e pelos familiares significantes é considerada um fator protetor ao uso de drogas
Existem inúmeras razões relacionadas ao uso inicial de álcool e outras drogas, mas o aspecto familiar e o relacionamento com amigos têm recebido maior atenção. A presença de conflitos familiares e a influência dos amigos estão associadas a altos níveis de uso de drogas (DE MICHELI; FORMIGONI, 2002; NEWCOMB; MADDHIAN; BENTLER; 1986; BROOK; WHITEMAN; NOMURA; GORDON; COHEN, 1988).
Em relação ao funcionamento familiar, alguns estudos indicam que relacionamentos insatisfatórios e a presença de conflitos agiriam como fatores de risco para o uso de álcool e/ou drogas pelos adolescentes, enquanto que sentimentos de apoio e de interação com a família, agiriam como fatores de proteção (DE MICHELI, 2000). Pesquisas comparando usuários de drogas com não usuários concluíram que usuários e abusadores de drogas queixam-se, com maior freqüência, de pais presentes fisicamente, porém ausentes emocionalmente (JURICH, POLSON, JURICH, 1985) e da existência de conflitos entre os pais (STANTON; TODD, 1982). Vários estudos ressaltam as influências familiares negativas no envolvimento individual com drogas e delinqüência e também as percepções desfavoráveis que os adolescentes têm de suas famílias (KAUFMAN, 1991; TONRY; OHLIN; FARRINGTON, 1991; DENTON; KAMPFE, 1994). No entanto, ainda são poucos os estudos focalizando o ponto de vista dos pais de adolescentes; seus temores em relação ao futuro dos filhos; suas reações e atitudes ao tomarem conhecimento do uso de drogas pelos filhos.
Os objetivos deste estudo foram realizar uma investigação descritiva sobre os temores que os pais sentem em relação ao uso de drogas e ao futuro dos filhos, bem como avaliar as reações frente ao problema, de forma que se possa contribuir para a elaboração de programas preventivos.
Método
Amostra
Foi utilizada uma amostra de conveniência, composta por 87 pais de adolescentes, sendo 24 homens e 63 mulheres, recrutados diretamente pelos pesquisadores, tanto em locais públicos como nas próprias residências, por indicação de outros participantes. Os critérios de inclusão para participação foram: pais alfabetizados, moradores da cidade de São Paulo, com filhos adolescentes estudantes com idade entre 12 e 19 anos, e que concordaram em participar do estudo.
Todos os pais participantes foram informados sobre os objetivos do estudo, sobre a confidencialidade dos dados obtidos e assinaram um termo de Consentimento Informado, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP 546/01) da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp.
Instrumento
Um instrumento para ser auto-aplicado, anônimo, composto por 40 questões, foi elaborado pela equipe de pesquisadores da Unidade de Dependência de Drogas. O instrumento acima citado abordou os seguintes aspectos: dados pessoais, o modelo de educação recebido, o modelo de educação dado aos filhos, características do lazer familiar, uso de drogas na família, temores e reações em relação ao uso de drogas dos filhos. Devido à magnitude do instrumento, optou-se por contemplar, neste estudo, os seguintes aspectos: caracterização sócio-demográfica da amostra, prevalência dos assuntos conversados entre pais e filhos, freqüência das conversas entre pais e filhos, uso de drogas dos filhos, preocupações mais prevalentes em relação ao futuro dos filhos, temores, reações e sentimentos dos pais em relação ao uso de drogas.
O instrumento foi desenvolvido e testado em um estudo piloto para melhor adequação no levantamento das informações.
Procedimentos
A equipe de aplicadores foi composta por quatro psicólogos e uma assistente social, previamente treinados na instrução e orientação feita aos participantes quanto ao preenchimento dos questionários. Foram distribuídos 120 questionários a pais e, destes, 87 retornaram devidamente preenchidos.
Os dados coletados foram analisados através de metodologia descritiva (PAGANO; KIMBERLEE, 2004), utilizando o software STATISTICA (Statsoft).
Discussão de resultados
Tabela 1. Características sócio-demográficas da amostra
Os participantes deste estudo foram 87 pais de adolescentes que responderam ao questionário. A média de idade foi 42 anos, sendo que.73% eram do sexo feminino; 71% estavam casados e 26% separados; 64% moravam em casa própria. Quanto à religião, 64% eram católicos. Em relação à escolaridade, 73% tinham curso superior; 88% estavam empregados e 72% tinham renda familiar acima de 8 salários mínimos.
Neste estudo, as questões se referiam apenas ao filho adolescente mais velho das famílias entrevistadas. Destes, 61% eram homens e 39% mulheres, ambos com idade média de 16 anos.
Por se tratar de uma amostra de conveniência, os dados sociodemográficos têm maior representatividade de famílias de classe média paulistana.
Figura 1. Prevalência dos assuntos mais freqüentemente abordados em conversas com os filhos.
Conforme o gráfico da Figura 1, os assuntos mais abordados foram: “sexo” e “drogas” (63%), “profissão” (61%), “amizades” (58%), “dinheiro” (50%), “religião” (37%). Os demais assuntos foram pouco prevalentes.
Figura 2. Porcentagem de pais que conversam com os filhos sobre o uso de álcool, maconha, cocaína, inalantes e tabaco
Considerando a existência das conversas sobre drogas, foi observado que 91% dos pais conversam sobre álcool, 61% sobre inalantes e 78% sobre cigarro. Sobre as drogas ilícitas, 80% dos pais conversam sobre maconha e 68% sobre cocaína.
O conteúdo das conversas sugere que, na maioria dos casos, estas têm caráter meramente informativo ou se restringem ao compartilhamento dos temores pelas possíveis conseqüências do uso de drogas. Esse tipo de comunicação pode não ser uma forma efetiva de prevenção e, ao contrário, gerar ansiedade e temor nos pais.
Figura 3. Preocupações mais freqüentemente relatadas pelos pais em relação ao futuro de seus filhos(as)
O gráfico da Figura 3 apresenta as preocupações mais prevalentes dos pais em relação a filhos e filhas. Embora não tenham sido observadas diferenças estatisticamente significativas quanto ao gênero, observou-se maior prevalência de preocupações quanto a amizades, escolha de profissão e uso de drogas (lícitas e ilícitas). A preocupação quanto ao futuro profissional do filho(a) sugere as expectativas dos pais quanto ao sucesso dos filhos. Por outro lado, preocupações com as amizades e as drogas sinalizariam os ”perigos potenciais” para a não concretização dessas expectativas. Em estudo realizado com estudantes brasileiros, a influência dos amigos, a busca do prazer e a curiosidade foram as razões mais freqüentemente atribuídas ao uso inicial de drogas (DE MICHELI; FORMIGONI, 2002)
Os dados acima citados indicam que, apesar de a maioria dos pais conversar com os filhos a respeito do uso de drogas, eles se sentem preocupados em relação a esta questão. Essas preocupações podem ser agravadas pela forma sensacionalista e dramática como a droga é abordada nos principais meios de comunicação. A desinformação geral da sociedade e, especificamente dos pais de adolescentes, pode concorrer para a supervalorização dos perigos oferecidos pelas drogas ilícitas e minimização dos problemas decorrentes do uso de drogas lícitas. Diante de fatos, na maioria das vezes, tratados de forma sensacionalista, é prudente lembrar que devem se considerar o contexto, a história e o vínculo dos usuários com as drogas, além do conhecimento dos efeitos característicos de cada tipo de substância, antes de fazer a conexão entre um evento, muitas vezes traumático, e o uso de drogas.
Figura 4. Temores dos pais.
Os temores dos pais em relação ao futuro de seus filhos(as), no que diz respeito às drogas, foram bastante freqüentes. Observaram-se dois tipos principais de temor: os relacionados ao mundo externo (influências de amigos/ambientais, marginalidade) e os relacionados às conseqüências pessoais do uso (dependência, overdose, internações).
Vários estudos indicam a relação entre uso experimental com influência dos amigos ou de pessoas vistas como modelos e com a necessidade do adolescente de pertencer ao grupo (JURICH; POLSON; JURICH, 1985; GRIFFITH, KNIGHT, JOE, SIMPSON, 1998).
Esses dados justificariam, em parte, os receios dos pais em relação às influências externas. Por outro lado, estudos de Jurich, Polson e Jurich (1985) enfatizaram que o papel da disciplina, a qualidade da comunicação, o uso de drogas na família e a maneira peculiar de cada grupo familiar em lidar com estressores podem ser fatores de risco ou de proteção para o desenvolvimento de dependência de drogas. Smart e Fejer (1972), em um estudo com adolescentes, relataram que o uso social do álcool ocorre a princípio dentro de casa, na presença dos pais. Esse uso pode ser muitas vezes uma imitação do modelo parental. Se os pais utilizam bebidas alcoólicas de modo controlado, este pode ser um fator de proteção do uso problemático. Entretanto, se os pais fazem uso excessivo, com episódios de clara embriaguez, a mensagem subliminar transmitida é que este seria um padrão aceitável. Neste caso, o modelo parental pode ser um fator de risco para o uso excessivo de álcool pelos filhos. No presente estudo, os pais não fizeram referência a possíveis influências familiares negativas. O “perigo” foi colocado fora de casa. Porém, se os pais utilizam rotineiramente álcool ou outras drogas lícitas como ansiolíticos para lidar com situações de estresse, os filhos sem dúvida perceberão este comportamento como um modo legítimo de "enfrentar" situações. Essa é uma cena trivial na cultura ocidental e nos meios de comunicação. Em filmes, novelas e comerciais, as situações de tensão, ansiedade ou timidez são comumente acompanhadas da ingestão de bebidas alcoólicas ou outros ansiolíticos.
Figura 5. Reação dos pais ao terem tido conhecimento sobre o uso de drogas por seus filhos (n=28). Dados expressos em porcentagem.
O gráfico da Figura 5 enfoca especificamente a reação dos pais ao saberem do uso de drogas dos filhos (32%). Diante do uso de drogas lícitas (álcool e tabaco), as reações mais prevalentes foram conversar com os filhos e encarar o consumo com naturalidade. Poucos pais relataram conhecer o uso de drogas ilícitas de seus filhos, sendo que, nestes casos, a maioria reagiu desacreditando da informação ou brigando verbalmente. Esse dado reforça a observação de que existe maior tolerância e permissividade dos pais em relação ao uso de drogas lícitas.
Figura 6. Sentimento dos pais ao saberem sobre o uso de drogas dos filhos (n=28). Dados expressos em porcentagem.
Os dados mais prevalentes quanto aos sentimentos dos pais (n=28) ao tomarem conhecimento de uso de drogas lícitas (álcool e tabaco) pelos filhos foram: indiferença e tristeza. Os sentimentos diante do uso de drogas ilícitas (maconha e cocaína) foram: tristeza, impotência e medo.
A análise dos sentimentos dos pais possibilita uma reflexão do paradoxo sobre drogas existente na nossa sociedade em relação às drogas. Por um lado, através dos meios de comunicação e em reuniões sociais, o uso de bebidas alcoólicas é apresentado como símbolo de sucesso, prazer ou como uma ferramenta útil no enfrentamento de problemas ou para redução da ansiedade.
De outro lado, há uma condenação ou “demonização” do uso das drogas ilícitas, às quais só são atribuídos efeitos prejudiciais, como se fosse a legalidade que determinasse a periculosidade do uso.
Considerações Finais
Embora seja senso comum a percepção do temor e da preocupação dos pais em relação à presença da droga na vida dos filhos, na literatura especializada são escassos os estudos que abordam esses aspectos, o que motivou os objetivos deste projeto. Esse é um tema relevante, ainda pouco considerado no Brasil, e pode fornecer informações importantes para a elaboração de políticas preventivas voltadas para adolescentes e suas famílias.
Os trabalhos recentes sobre prevenção ao uso de drogas têm demonstrado a pouca efetividade dos modelos baseados apenas na divulgação de informações ou no amedrontamento (CARLINI-COTRIM, 1998). No Brasil, a cultura preventiva ainda é incipiente. Nas escolas, são raros os programas de prevenção ao uso de drogas que considerem o tema de maneira transversal, ou seja, sob a perspectiva da saúde integral da criança, do adolescente e da família, e envolvam a participação efetiva de pais e corpo docente na prevenção primária. O tema “drogas” amedronta pais e educadores, que são muitas vezes influenciados pelo tratamento dado pela sociedade (com conotação moralista e culpabilizadora) ou ainda por informações paradoxais veiculadas pela mídia, que “glamouriza” as drogas lícitas e “demoniza” as ilícitas. Isso dificulta uma discussão ampla, envolvendo a saúde coletiva e os fatores de risco e de proteção tanto para drogas lícitas como ilícitas. Os fatores de proteção ao uso abusivo de drogas parecem estar correlacionados a habilidades de competência social, mediadas pelo bem-estar psicológico (GRIFFIN; SCHEIR; BOTVIN; DIAZ, 2001). De Micheli e Formigoni (2002), em estudo brasileiro, encontraram associações significativas entre uso regular e problemático de drogas com o baixo nível econômico, a defasagem escolar, o fato de morar apenas com a mãe e ter um relacionamento familiar ruim. Esses dados podem justificar, em parte, o número pequeno de usuários na nossa amostra de conveniência.
Programas de prevenção devem ter como meta a promoção do bem-estar e da competência dos adolescentes para lidar com situações de risco, incluir a participação de pais e educadores no processo e considerar as influências das preocupações e dos temores por parte dos adultos (TOZZI; BOUER, 1998). Para atingir tal objetivo, é de fundamental importância o envolvimento da família e dos grupos de amigos, por serem eles os principais meios sociais nos quais convivem os jovens, em uma ampla perspectiva de qualidade de vida, que privilegie ações de bem-estar físico, psicológico e social.
Os resultados deste estudo não podem ser generalizados, devido às limitações da amostra: ser de conveniência, composta por maioria de mulheres, com perfil de classe média, da cidade de São Paulo. Estudos futuros devem contemplar uma amostra ampliada, mais representativa, além da utilização de metodologia qualitativa com vistas a fornecer subsídios para políticas públicas na área de prevenção.
Referências
BABOR, T. F.; HOFMAN, M.; DELBOCA, F. K.; HESSELBROCK, V.; MEYER, R. E.; DOLINSKY, Z. S.; ROUNSAVILLE, B. Types of alcoholics I. Evidence of vulnerability and severity. Archives of General Psychiatry, v. 49, p. 599-608, 1992. [ Links ]
BECKER, H. S. Becoming a marijuana user. The American Journal of Sociology, v. 59, p. 235-242, 1953. [ Links ]
BROOK, J. S.; WHITEMAN, M.; NOMURA, C.; GORDON, A. S.; COHEN, P., Personality, family and ecological influences on adolescent drug use: a development analysis. Journal of Chemical Dependence Treatment, v. 1, p. 123-161, 1988. [ Links ]
CARLINI-COTRIM, B. Drogas na escola: prevenção, tolerância e pluralidade. In: AQUINO, J. G. (Org.). Drogas na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus Ed., 1998. [ Links ]
CLARCK, D. B.; KIRISCI, L.; TARTER, R. E. Adolescent versus adult onset and the development of substance use disorders in males. Drug and Alcohol Dependence, v. 49, n. 2, p. 115-121, 1998. [ Links ]
DENTON, R. E.; KAMPFE, C. M. The relationship between family variables and adolescent substance abuse: A literature review. Adolescence, v. 29, n. 114, p. 475-495, 1994. [ Links ]
DE MICHELI, D. Uso de Drogas por adolescentes: Adaptação e Validação de um Instrumento de Triagem (DUSI) e Estudo das Razões do Uso Inicial. 2000. Tese (Doutorado em Ciências) - Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 2000. [ Links ]
___________; FORMIGONI, M. L. O. S. Are reasons for the first use drugs and family circumstances predictors of future us patterns? Addictive Behaviors - v. 27, n. 1, p. 87-100, 2002. [ Links ]
DUNCAN, T. E.; TILDESLEY, E.; DUNCAN, S. C.; HIMAN, H. The consistency off family and peer influences on the development of substance use in adolescence. Addiction, v. 90, n. 12, p. 1.647-1.660, 1995. [ Links ]
GALDURÓZ, J. C. F.; NOTO, A. R.; CARLINI, E. A. IV Levantamento sobre o Uso de Drogas entre Estudantes de 1? e 2? graus em 10 Capitais Brasileiras. São Paulo: Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID), 1997. [ Links ]
GRANT, B. F.; DAWSON, D. A. Age at onset of alcohol use and its association with DSM-IV alcohol abuse and dependence. Journal of Substance Abuse, v. 9, p. 103-110, 1997. [ Links ]
GRIFFIN, K. W., SCHEIR, L. M.; BOTVIN, G. J.; DIAZ, T.; Proctective Role of Personal Competence Skills in Adolescent Substance Use: Psychological Well-Being as a Mediating Factor. Psychology of Addictive Behaviors, v. 15, n. 3, p. 194-203, 2001. [ Links ]
GRIFFITH, J. D.; KNIGHT, D. K.; JOE, G, W.; SIMPSON, D, D.; Implications of Family and Peer Relations for Treatment Engagement and Follow-Up Outcomes: An Integrative Model. Psychology of Addictive Behaviors, v. 12, n. 2, p. 113-126, 1998. [ Links ]
JOHNSON, R. E.; MARCOS, A. C.; BAHR, S. J. The role of peers in the complex etiology of adolescent drug use. Criminology, v. 25, n. 2, p. 323-340, 1987. [ Links ]
JURICH, A. P.; POLSON, C. J. JURICH, J. A. Family factors in the lives of drug users and abusers. Adolescence, v. 20, n. 77, p. 143-159, 1985. [ Links ]
KANDEL, D. B.; YAMAGUCHI, K.; CHEN, K. Stages of progression in drug involvement from adolescence to adulthood: further evidence for the gateway theory. Journal of Studies on Alcohol, v. 53, n. 5, p. 447-457, 1992. [ Links ]
KAPLAN, H. B.; JOHNSON, R. J. Relationships between circumstances surrounding initial illicit drug use and escalation of drug use: Moderating effects of gender and early adolescent experiences. In: GLANTZ, M.; PICKENS, M. (Eds.). Vulnerability of Drug Abuse. Washington D. C.: American Psychological Association, 1992, p. 229-359. [ Links ]
KAUFMAN, E. The family in drug and alcohol addiction. In: MILLER, N. S. (Ed.). Comprehensive Handbook of Drug and Alcohol Addiction. New York: Marcel Dekker, 1991, p. 851-876. [ Links ]
MOREY, L. C.; SKINNER, H. A.; BLASHFIELD, R. K. A tipology of alcohol abusers: correlates and implications. Journal of Abnormal Psychology, v. 9, p. 408-417, 1994. [ Links ]
NEEDLE, R.; MCCUBBIN, H.; WILSON, M.; REINECK, R.; LAZAR, A. Interpessoal influences in adolescent drug use – the role of older siblings, parents and peers. International Journal of the Addictions, v. 21, n. 7, p. 739-766, 1986. [ Links ]
NEWCOMB, M. D.; MADDHIAN, E.; BENTLER, P. M. Risk factors for drug use among adolescents concurrent and longitudinal analysis. American Journal of Public Health, v. 76, p. 525-531, 1986. [ Links ]
ONG, T. H. Peers as perceived by drug abusers in their drug-seeking behavior. British Journal Addiction, v. 84, p. 631-637, 1989. [ Links ]
PAGANO, M.; KIMBERLEE, G. Princípios de Bioestatística. Trad. Luiz Sérgio de Castro Paiva. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004. [ Links ]
SAITO, M. I. Desenvolvimento do Adolescente – Síndrome de Adolescência Normal. In: SCIVOLETO, S. (Org.). Manual de Medicina da Adolescência. São Paulo: Health, 1997. [ Links ]
SLOBODA, Z.; DAVID, S. I. Preventing drug use among children and adolescent. In: NATIONAL INSTITUTE ON DRUG ABUSE PUBLICATION, Brochure, 97-4212, Bethesda, MD: National Institute on Drug Abuse (NIDA), 1997. [ Links ]
SMART R. G.; FEJER, D. Drug use among adolescents and their parents: Closing the generation gap in mood-modification. Journal of Abnormal Psychology, v. 79, p. 153-160, 1972. [ Links ]
STANTON, M. D.; TODD, T. C. & Associates. Family Therapy of Drug Abuse and Addiction. New York: Guilford Press, 1982. [ Links ]
TONRY, M.; OHLIN, L. E.; FARRINGTON, D. P. Human Development and Criminal Behavior. New York: Springer-Verlag, 1991. [ Links ]
TOWBERMAN, D. B.; MCDONALD, R. M. Dimensions of Adolescent self-concept associated with substance abuse. The Journal of Drug Issues v. 23, n. 3, p. 25-533, 1993. [ Links ]
TOZZI, D.; BOUER, J. Prevenção também se ensina? In: AQUINO, J. G. (Org.). Drogas na Escola - Alternativas Teóricas e Práticas. São Paulo: Summus editorial, 1998, p. 105-121. [ Links ]
ZUCKER, R. A. Pathways to alcohol problems and alcoholism: A developmental account of the evidence for multiple alcoholism and for contextual contributions to risk. In: ZUCKER, R. A.; BOYD, G. M.; HOWARD, J. (Eds.). The Developmental of alcohol problems: exploring the biopsychosocial matrix of risk. NIAAA Research Monograf 26. Rockville, MD, p. 225-289, Department of Health and Human Services, 1994. [ Links ]
Eroy Aparecida da Silva
Unidade de Dependência de Drogas
Departamento de Psicobiologia
Universidade Federal de São Paulo.
Rua Napoleão de Barros, 925
Vila Clementino – São Paulo.- SP
CEP: 04024-002
E-mail: eroy@psicobio.epm.br
Tramitação:
Recebido em julho de 2005
Aceito em dezembro de 2005