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Psicologia: teoria e prática
versão impressa ISSN 1516-3687
Psicol. teor. prat. v.9 n.2 São Paulo dez. 2007
INFORME BREVE
Estimulação cerebral para o tratamento de dor neuropática
Brain stimulation for the neuropathic pain’s treatment
Estimulacion cerebral para el tratamiento del dolor neuropatico
Moisés da Cunha LimaI; Marcelo RibertoI; Linamara Rizzo BatistellaI; Paulo Sérgio BoggioII; Felipe FregniIII
IUniversidade de São Paulo
IIUniversidade Presbiteriana Mackenzie
III Harvard Medical School
RESUMO
As alternativas terapêuticas para o tratamento da dor neuropática ainda são insatisfatórias apesar de a terapia farmacológica ter avançado muito nas últimas décadas. O completo restabelecimento do paciente em suas atividades diárias ainda é um desafio e tem como base uma abordagem interdisciplinar e o uso de outras intervenções além dos fármacos. Um dos desafios no tratamento de dor crônica é que esse distúrbio leva a modificações plásticas no cérebro que sustentam o quadro. O desenvolvimento das técnicas de estimulação cerebral demonstra que esses métodos podem ser uma opção importante no manejo da dor. Estudos recentes têm mostrado que essas técnicas revertem modificações plásticas por um longo período de tempo. Uma técnica de estimulação cerebral simples, de baixo custo e segura é a estimulação transcraniana por corrente contínua de baixa intensidade. Trata-se de procedimento não-invasivo e indolor capaz de modular a atividade cerebral localmente, apresentando efeitos terapêuticos. Pelo fato de a dor crônica ser um sintoma debilitante, contribuir com a diminuição da qualidade de vida e estar associada a uma disfunção do sistema nervoso central, a estimulação cerebral pode ter um resultado benéfico nesse grupo de pacientes.
Palavras-chave: Estimulação cerebral não-invasiva, Dor neuropática, Manejo da dor, Tratamento, Neurociências.
ABSTRACT
Despite of the advance of pharmacological therapies in the last decades, therapeutic approaches to the treatment of neuropathic pain are still non-satisfactory. The patient full recovery in their daily activities is still a challenge and is based on an interdisciplinary approach involving others interventions than pharmacological one. One of the challenges in treating chronic pain is that the disorder leads to plastic changes in the brain that support this condition. The development of brain stimulation techniques shows that these methods can be an important option in pain management. Recent studies have shown that these techniques revert plastic alterations for a long period of time. One simple, low-cost and secure technique of brain stimulation is the transcranial direct current stimulation. It is a non-invasive and painless procedure able to modulate locally the brain activity, providing therapeutic effects. Because of chronic pain is a debilitating symptom, one of the most important in the quality of life and is associated with a dysfunction of the central nervous system, brain stimulation may have a beneficial effect in this group of patients.
Keywords: Non-invasive brain stimulation, Neurophatic pain, Pain management, Treatment, Neurosciences.
RESUMEN
Aunque la terapia farmacológica haya avanzado mucho em las últimas décadas, las alternativas terapéuticas para el tratamiento del dolor neuropático todavia son insatisfatorias. El completo reestablecimiento del paciente en sus actividades diarias todavia es un desafio y tiene como base un abordaje interdisciplinario y el uso de otras intervenciones además de los fármacos. Uno de los desafíos en el tratamiento del dolor crónico es que ese trastorno lleva a modificaciones plásticas en el cerebro que sustentan el cuadro. El desarrollo de las técnicas de estimulación cerebral demuestra que esos métodos pueden ser una opción importante en el manejo del dolor. Estudios recientes han mostrado que esas técnicas se revierten en modificaciones plásticas por un largo período de tiempo. Una técnica de estimulación cerebral simple, de bajo costo y segura es la estimulación transcraneana por corriente contínua de baja intensidad. Se trata de un procedimiento no invasivo e indoloro capaz de modular la actividad cerebral localmente, apresentando efectos terapéuticos. Debido al hecho del dolor crónica ser un síntoma debilitante, contribuir con la disminución de la calidad de vida y estar asociado a una disfunción del sistema nervioso central, la estimulación cerebral puede tener un resultado benéfico en ese grupo de pacientes.
Palabras clave: Estimulación cerebral no invasiva, Dolor neuropático, Manejo del dolor, Tratamiento, Neurociencias.
Introdução
A International Association for Study of Pain (Iasp) define dor neuropática como a dor causada ou iniciada por uma lesão primária ou disfunção no sistema nervoso (MERSKEY; BOGDUK, 1994). Juntamente com outras causas de dor crônica, representa um problema de saúde pública significativo, de custos elevados e devastador para a qualidade de vida dos pacientes por ser um sintoma incapacitante. Estudos epidemiológicos demonstram que cerca de 1,5% da população geral nos Estados Unidos (CARTER; GALER, 2001) e pelo menos 1% no Reino Unido (BOWSHER, 1991) sofrem de dor neuropática, determinando um gasto de quarenta bilhões de dólares anuais só nos Estados Unidos (TURK, 2002).
A dor neuropática pode ser classificada em central ou periférica, sendo a dor central proveniente de lesões ou doenças que acometem o encéfalo ou a medula espinal (acidente vascular encefálico, traumatismos mecânicos, lesão medular, afecções desmielinizantes, doenças inflamatórias, entre outras), e as dores provenientes de alterações nervosas periféricas (traumáticas, alcoólicas, diabetes, infecciosas, radiculopatias, entre outras) (BARON, 2006).
Apesar do grande avanço farmacológico nas últimas décadas, as drogas ainda não têm uma eficácia satisfatória para o tratamento da dor crônica: menos da metade dos pacientes relatam benefícios significativos com qualquer tipo de medicamento (FINNERUP et al., 2005). A abordagem, portanto, deve ser interdisciplinar e usar outras modalidades terapêuticas para reduzir a sintomatologia do paciente, promovendo a máxima independência funcional, melhora do estado psicossocial e rápida reintegração à sociedade (STANOS; TYBURSKI; HARDEN, 2007). As modalidades terapêuticas para o tratamento da dor neuropática resumem-se a medicamentos, terapias físicas, psicoterapia, acupuntura, procedimentos anestésicos, como os bloqueios nervosos com anestésicos locais, e, por fim, a procedimentos neurocirúrgicos (cirurgias descompressivas, neurotomias, rizotomias, psicocirurgias e implante de eletrodos de estimulação elétrica do sistema nervoso central) (TEIXEIRA, 1999). Em relação à estimulação do sistema nervoso central para o alívio da dor, dois métodos têm sido investigados: o uso de estimulação cortical invasiva e a estimulação cerebral não-invasiva, dividida em duas modalidades: a estimulação magnética transcraniana (EMT) e a estimulação transcraniana por corrente contínua (ETCC). Apesar de a estimulação cerebral invasiva ter a vantagem de ser uma estimulação focal e poder ser usada por um longo período de tempo, esse método é caro e envolve riscos cirúrgicos de hemorragia e infecção elevados. Nesse contexto, o desenvolvimento de métodos de estimulação cerebral não-invasiva pode representar um passo importante no uso clínico da estimulação cortical para o tratamento de dor crônica. Neste artigo, serão revisadas de forma breve essas duas modalidades de tratamento: a estimulação cortical invasiva e a não-invasiva para o tratamento da dor crônica.
Estimulação cortical invasiva
A estimulação cortical invasiva consiste na implantação definitiva de eletrodos no córtex motor via cirurgia esterotática. Essa técnica foi empregada pela primeira vez no início dos anos 1990 (TSUBOKAWA, 1991). Os mecanismos de ação da estimulação invasiva do córtex motor para o tratamento da dor ainda não foram elucidados, apesar de existirem algumas hipóteses. Estudos em animais demonstram que a dor reduz respostas aferentes na medula espinal, aparentemente por uma inibição pré-sináptica. Outros trabalhos demonstraram que a estimulação do córtex motor e não a do córtex sensitivo pode deprimir atividade espontânea dos neurônios talâmicos que se exacerbaram após a lesão do trato espinotalâmico. Recentes avanços nas técnicas de captação de imagem encefálica como a tomografia por emissão de pósitron (PET) permitiram investigar o papel do sistema nervoso central no processamento da dor (GEHA; APKARIAN, 2005). Por meio dessa técnica, foi possível detectar aumento do fluxo sangüíneo cerebral do tálamo ventro-lateral, tálamo medial, ínsula, giro do cíngulo anterior e tronco encefálico proporcionadas pela estimulação cortical motora (GARCIA-LARREA et al., 1999). Um estudo publicado recentemente sugere que o alívio da dor induzido pela estimulação cortical invasiva se dá por ativação de sistemas opióides endógenos (MAARRAWI et al., 2007). Apesar do grande avanço nos últimos anos, essas teorias ainda se mostram insuficientes para explicar por que a estimulação do córtex motor em detrimento do córtex sensitivo é a responsável pelo alívio da sintomatologia, e futuros estudos deverão ser realizados a fim de encontrar a resposta adequada. Por fim, apesar dos resultados da estimulação cortical invasiva na melhora da dor neuropática, esses procedimentos têm uma limitação inerente ao ato operatório, estando associados a riscos cirúrgicos e a um alto custo operacional.
Estimulação cortical não-invasiva
Modalidades menos invasivas de estimulação cerebral, como a estimulação magnética transcraniana (EMT), têm demonstrado bons resultados em pacientes com depressão (O’REARDON et al., 2007), acidente vascular encefálico, doença de Parkinson, epilepsia (FREGNI; PASCUAL-LEONE, 2007) e, recentemente, dor crônica (LEFAUCHEUR, 2006) e dor em pacientes com quadro depressivo (AVERY et al., 2007). Essas novas ferramentas de estimulação cerebral não-invasiva podem ser opções mais seguras com efeitos terapêuticos similares aos da estimulação previamente apresentada. A estimulação magnética transcraniana (EMT), por exemplo, é uma técnica segura de estimulação cerebral que apresenta efeitos positivos em pacientes com dor neuropática (LEFAUCHEUR, 2006). Entretanto, a EMT ainda é uma ferramenta de alto custo. Outra possibilidade de uso simples e seguro que tem demonstrado resultados positivos na modulação da atividade cerebral é a chamada estimulação transcraniana por corrente contínua de baixa intensidade.
Estudos realizados na metade do século passado mostraram que a estimulação catódica reduz o disparo espontâneo de neurônios corticais, provavelmente por causa de uma hiperpolarização do corpo celular, enquanto a estimulação anódica tem um efeito inverso (PURPURA; MCMURTRY, 1965). Recentemente, com o uso de PET, observou-se que a estimulação anódica aumenta o fluxo sangüíneo em algumas áreas corticais e subcorticais (LANG et al., 2005) e que esse método pode modular a excitabilidade cortical visual e motora (ANTAL et al., 2004; NITSCHE et al., 2003c). A aplicação de estimulação anódica no córtex motor resulta em melhor desempenho motor (ANTAL et al., 2004; KINCSES et al., 2004; NITSCHE et al., 2003b), aumento do rendimento do aprendizado motor implícito (KINCSES et al., 2004) e memória operacional em sujeitos saudáveis e pacientes com Doença de Parkinson (FREGNI et al., 2005; BOGGIO et al., 2006).
A ETCC pode ser uma ferramenta útil no tratamento de doenças neuropsiquiátricas e nos processos de reabilitação (FREGNI; PASCUAL-LEONE, 2007), como depressão (BOGGIO et al., 2007), epilepsia (FREGNI et al., 2006b), acidente vascular encefálico (FREGNI et al., 2005), Parkinson (FREGNI et al., 2006b) e dor crônica (FREGNI et al., 2006a e 2006b). Todavia, apesar de esses estudos mostrarem algum ganho em pacientes selecionados, questões relativas a aplicabilidade clínica, dosagem, posicionamento dos eletrodos e duração dos ganhos observados ainda estão inexploradas, permitindo apenas que se vislumbre uma possibilidade de intervenção com tal método. Estudos nos quais a ETCC foi utilizada para o tratamento de dor crônica mostram resultados positivos. Fregni et al. (2006a) realizaram aplicação de corrente contínua em região de córtex motor (M1), em dezessete pacientes com dor neuropática por lesão medular que apresentaram, após o tratamento, redução na escala visual analógica (EVA). Em 63% dos pacientes, esse benefício perdurou por cerca de duas semanas. Outro estudo feito pelo mesmo grupo apresentou resultados semelhantes em pacientes com diagnóstico de fibromialgia ao estimular o córtex motor (M1) (FREGNI et al., 2006b), patologia provavelmente relacionada com alterações no sistema nervoso central (KWIATEK et al., 2000), além das alterações em receptores periféricos (KIM, 2007).
Apesar de esse tipo de estimulação proporcionar uma corrente de fraca intensidade, essa corrente por tempo prolongado ocasiona alterações sinápticas que podem resultar em mudança transitória da rede neuronal. Portanto, essa terapia é um método não-invasivo e indolor, mas capaz de modular a atividade cerebral localmente e também a distância, e com isso apresentar efeitos terapêuticos.
A segurança dessa técnica também tem sido constantemente observada por diversos pontos. A possibilidade de essa técnica causar lesão cerebral pela formação de produtos tóxicos não existe, pois não há interação dos eletrodos com o córtex cerebral (NITSCHE et al., 2003b). Lesões dermatológicas pelo contato eletrodo-pele são prevenidas com o uso de esponjas embebidas em solução salina. Estudo com ressonância magnética antes e após 30 e 60 minutos da estimulação cerebral aplicada em córtex motor ou pré-frontal não indicou alteração patológica, concluindo que a ETCC não induziu edema cerebral, alterações da barreira hematoencefálica ou do tecido cerebral (NITSCHE et al., 2004). Além disso, outro estudo (NITSCHE et al., 2003c) não observou variação na concentração de enolase – isso fornece mais elementos sobre a segurança dessa técnica, uma vez que essa proteína é considerada um marcador biológico de morte neuronal. Por fim, estudo de Accornero et al. (2007) mostrou que durante e após 20 minutos do término da estimulação não são observadas variações em batimento cardíaco, pressão arterial ou temperatura.
Em resumo, a ETCC de fraca intensidade é uma modalidade de estimulação cerebral não-invasiva, indolor, que é bem tolerada e não apresenta nenhuma sensação auditiva ou sensitiva desagradável como outras técnicas de estimulação cerebral (NITSCHE et al., 2003b). Além disso, trata-se de método seguro para ser empregado em seres humanos. Com isso, a ETCC poderá ser um método adicional no tratamento da dor em pacientes com neuropatias, porém outros estudos devem ser realizados para confirmar essa hipótese.
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Endereço para correspondência
Felipe Fregni
Harvard Medical School
330 Brookline Avenue – KS 452
Boston, MA 02215, USA
e-mail: ffregni@bidmc.harvard.edu
Tramitação
Recebido em setembro de 2007
Aceito em novembro de 2007