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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.12 no.2 São Paulo fev. 2010

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Vivências de exclusão em crianças abrigadas

 

Experiences of exclusion in children in institutions

 

Vivencias de exclusion en niños acobijados

 

 

Carolina Gobato Buffa; Sueli Cristina de Pauli Teixeira; Maria Clotilde Rossetti-Ferreira

Universidade de São Paulo – Ribeirão Preto

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O abrigamento é visto como fator de risco desenvolvimental, fortalecendo o estigma e a exclusão social que sofrem crianças abrigadas. O objetivo deste estudo foi investigar como a condição de abrigamento perpassa as vivências e relações dessas crianças na escola, com base nas narrativas de crianças e técnicos de um abrigo. Participaram desta pesquisa duas meninas e dois meninos, de 10 a 13 anos, abrigados na mesma instituição, a coordenadora e a pedagoga desta. Utilizaram-se entrevistas semiestruturadas com cada participante e elaboração de narrativas pelas crianças. Trechos das narrativas que enfatizavam aspectos das relações das crianças na escola foram recortados e analisados. As crianças descreveram as interações escolares como conflituosas, frequentemente violentas. As profissionais do abrigo relacionaram isso ao abrigamento das crianças, apontando uma atitude de preconceito e exclusão. Tais interações parecem retomar o discurso do abrigado como fracassada, (re)atualizando a exclusão que sofrem. Ademais, indicam o fracasso da escola ao desempenhar seu papel de inclusão.

Palavras-chave: Abrigo, Escola, Interação, Exclusão, Crianças abrigadas.


ABSTRACT

Institutionalization is seen as a developmental risk factor, which, strengths the social stigma and exclusion that institutionalized children already face. The aims of this study was to investigate how the condition of being under care permeates the experiences and relationships of institutionalized children, from their own perspective and that of the professionals of the foster institution. The participants of this study were two girls and two boys, 10 to 13 years-old, attending the same institution, its coordinator and pedagogue. Semi-structured interviews were realized with all participants and some narratives produced by children on proposed themes. Some episodes which emphasize aspects of children's relationship at school have been selected and analyzed. Children described their interactions at school as conflictive and often violent. Professionals of the foster institution related those facts to their condition of being under care, pointing to attitudes of prejudice and exclusion. Those results emphasize the discourse that positions institutionalized children as unsuccessful people, stimulating the social exclusion that they are victims. It also suggests that the school is being unsuccessful as an inclusive institution.

Keywords: Foster institution, School, Interaction, Exclusion, Foster children.


RESUMEN

El acobijamiento es uno de los factores de riesgo para el desarollo, fortaleciendo el estigma y exclusión social que sufren los niños acobijados. El objetivo de este estudio fue investigar como la condición de al acobijamiento perpasa las vivencias e sus relaciones establecidas en la escuela, bajo la perspectiva de niños acobijados e de los profesionales del cobijo. Participaron de este estudio dos niñas y dos niños, de 10 a 13 años, acobijados en la misma institución, la coordinadora y la pedagoga de la institución. Entrevistas semi estructuradas fueron utilizadas con cada participante y elaboración de narrativas por los niños. Fragmentos de narrativas que enfatizavam aspectos de las relaciones de los niños en la escuela fueran recortados e analizados. Resultados: los niños describieron las interacciones en la escuela como conflictuosas, frecuentemente violentas. Los profesionales del cobijo relacionaron eso al acobijamiento de los niños, dando origen a una actitud de prejuicio y exclusión. Tales interacciones parecen retomar el discurso del niño acobijado como fracasado, (re)actualizando la exclusión que sufre. Además, indicam el fracaso de la escuela al desempeñar su papel de inclusión.

Palabras clave: Cobijo, Escuela, Interacción, Exclusión, Niños acobijados.


 

 

Introdução

A ideia inicial deste estudo partiu do projeto de pós-doutorado "Dificuldades de aprendizagem de crianças adotivas" (PAULI, 2002), ao observar que muitas pesquisas consideravam a história de abrigamento de crianças adotadas como causa dos problemas em seu desenvolvimento posterior (PAULI; ROSSETTI-FERREIRA, 2009), como uma possível dificuldade de aprendizagem, apontando a necessidade de maior investigação sobre a vivência escolar de crianças abrigadas.

O abrigamento como modalidade de assistência à infância é comum na história do país, a qual, segundo Marcílio (1998), está dividida em três fases: caritativa (do período colonial até meados do século XIX), em que crianças abandonadas nas Santas Casas de Misericórdia e na Roda e Casa dos Expostos eram transformadas em mão de obra pela elite; filantrópica (do final do século XIX a meados da década de 1960), na qual as famílias, por serem consideradas culpadas pelo aumento da criminalidade e do abandono infantil, tinham seus filhos internados em instituições totais (GOFFMAN, 1974), para transformá-los em bons trabalhadores e cidadãos; e a do Estado-protetor (início na década de 1980), marcada por mudanças na política de atenção a crianças e adolescentes.

Esse movimento de mudança ganha força com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que "representa mudança de paradigma nas questões da criança e do adolescente, que passam a ser definidos como sujeitos de direitos e seres em condição peculiar de desenvolvimento" (SERRANO, 2008, p. 42). O ECA também diferencia a criança vitimizada da criança infratora, antes agrupadas na mesma categoria pelo Código de Menores (BRASIL, 1979), levando a propostas diferentes de intervenção com cada um desses grupos, uma vez que o segundo grupo demanda medidas de proteção e também socioeducativas. Para o primeiro grupo, é formulada uma nova política de acolhimento, uma mudança nos cuidados despendidos à criança e ao adolescente em situação de risco, antagônica à prática de confinamento e segregação social e à cultura da institucionalização de forma geral (RIZZINI, 2006).

O artigo 101 do ECA (BRASIL, 1990) define o abrigamento como última medida, de caráter provisório e excepcional, consideradas todas as possibilidades de a criança permanecer com familiares. Porém, cerca de 80.000 crianças e adolescentes vivem hoje em abrigos no Brasil, segundo o estudo do Instituto de Pesquisa econômica Aplicada (2003). Embora outras formas de acolhimento, como o acolhimento familiar e a adoção, sejam possibilidades legais, a institucionalização ainda é a medida de proteção mais comum a crianças em condição de vulnerabilidade social (COSTA; ROSSETTI-FERREIRA, 2009). Ao propor o acolhimento institucional como medida de proteção, o ECA lhe atribui trabalhos direcionados para a reinserção dessas crianças em uma família, com função de preservar a vida em família. Porém, sem políticas de apoio, as crianças e os adolescentes que chegam aos abrigos não podem retornar a suas casas, permanecendo institucionalizados por vários meses ou anos (RIZZINI, 2006). Em estudo sobre a caracterização de abrigos para crianças de 0 a 6 anos em Ribeirão Preto (SP), Serrano (2008) constatou que, das 258 crianças investigadas, 43% permaneceram abrigadas por menos de um mês, e 28%, de um a quatro anos ou mais, com reincidência de abrigamento em 27% dos casos.

Além de falhas na reinserção das crianças na vida familiar, as instituições também apresentam um modo de funcionar inadequado e prejudicial àqueles que atendem, tais como práticas disciplinares exercidas pelo controle coercitivo e a não preservação da individualidade (PRADA; WILLIAMS; WEBER, 2007), que podem prejudicar o desenvolvimento das crianças atendidas (ALTOÉ, 1999). Por sua vez, pesquisas sobre o tema tendem a enfatizar os efeitos prejudiciais do abrigamento para a criança, sem considerar sua história pregressa e as condições específicas a que estão submetidas (ALEXANDRE; VIEIRA, 2004; CAVALCANTE; MAGALHÃES; PONTES, 2007; NOGUEIRA; COSTA, 2005; SIQUEIRA; DELL'AGLIO, 2006). De acordo com esses estudos, a instituição é vista como "um lugar de fracasso, um lugar sem saída e sem perspectivas" (ARPINI, 2003, p. 72). O fato de a sociedade considerar o abrigo um local inadequado e de as pesquisas fortalecerem essa posição acaba por excluí-lo ainda mais, pois não há interesse em investir em um contexto inadequado ao desenvolvimento infantil (ROSSETTI-FERREIRA, 2006). Ademais, os próprios profissionais do abrigo podem sentir-se impotentes ao trabalharem em um lugar desse tipo.

Outros estudos têm relativizado os prejuízos desenvolvimentais das crianças abrigadas, apontando a necessidade de, ao investigar a influência da institucionalização no desenvolvimento da criança, considerar não só a institucionalização, mas também as condições de abrigamento a que está submetida e também sua história pregressa (PASIAN; JACQUEMIN, 1999; ARPINI, 2003; SIQUEIRA; DELL'AGLIO, 2006). Para muitas crianças, privadas da vida em família, o abrigo se constitui como fonte de apoio social, desempenhando papel fundamental em seu desenvolvimento (CARREIRÃO, 2004; POLETTO; WAGNER; KOLLER, 2004; SIQUEIRA; DELL'AGLIO, 2006).

Na visão da rede de significações (RedSig), o abrigo é considerado uma instituição educacional, contexto de desenvolvimento e aprendizagem, com uma proposta pedagógica especifica. Para a RedSig, contexto é entendido como meio, no sentido de ambiente em que as interações ocorrem, e de instrumento para o desenvolvimento (ROSSETTI-FERREIRA; AMORIM; SILVA, 2004), contribuindo para a formação de relações e para novas aprendizagens.

As interações estabelecidas na instituição de abrigo são perpassadas por uma matriz sócio-histórica, de natureza semiótica, composta por múltiplas condições e discursos (ROSSETTI-FERREIRA; AMORIM; SILVA, 2004), perpassadas pelas diversas significações atribuídas às crianças abrigadas, entre elas o estigma de fracasso (ARPINI, 2003; SIQUEIRA; DELL'AGLIO, 2006). Assim, o abrigamento pode ser visto como um circunscritor, que estabelece, ao mesmo tempo, um conjunto de possibilidades e limites, havendo não um único caminho, mas diversas possibilidades desenvolvimentais (ROSSETTI-FERREIRA; AMORIM; SILVA, 2004).

Sendo os abrigos necessários em nossa sociedade, não se deveria permanecer questionando sobre a possibilidade de esse ambiente ser prejudicial para quem dele precisa, mas sim investir em sua qualidade, como já ocorre em alguns locais (SIQUEIRA; DELL'AGLIO, 2006), atribuindo-lhes novos significados, que colaborem para a construção de um local favorecedor do desenvolvimento.

Da mesma forma que o abrigo, a escola pode ser compreendida como um contexto desenvolvimental importante, já que é o local em que a criança passa grande parte do seu dia. A perspectiva da RedSig considera a instituição escolar um contexto de desenvolvimento perpassado pela matriz sócio-histórica, composta por múltiplas significações, que (im)possibilita diversos caminhos para as pessoas que nela interagem (ROSSETTI-FERREIRA; AMORIN; SILVA, 2004), sendo necessário, assim, compreender alguns elementos que compõem esse contexto.

As visões que norteiam as várias investigações acerca da escola e da educação são divergentes. Uma delas encara a escola como reprodutora do contexto social em que se insere (SAVIANI, 1983). No caso de uma sociedade desigual, violenta, a instituição escolar tenderia a legitimar a marginalização e a exclusão de determinados grupos, e a apresentar traços de violência (ANSER; JOLY; VENDRAMINI, 2003; DUBET, 2003; ITANI, 1998; SAVIANI, 1983).

Segundo Silva (1997), o fato de o Estado não garantir o total acesso à escola pública, obrigatório segundo a Constituição, acaba por desencadear novas modalidades de exclusão. Para Aquino (1996), a principal dificuldade não se encontra no acesso, mas na permanência de um grupo de alunos socialmente desfavorecidos, entre eles os abrigados, que acaba por ser excluído pelo processo de fracasso escolar (CASTILHO, [s. d.]; PATTO, 1992; SILVA, 1997). Isso porque a escola pública não é para todos, mas para um sujeito idealizado, unificado e imutável, que deve se submeter à educação formal para ser elevado à condição de "civilizado" (SENNA, 2004; SUPLINO, 2005). A massificação da educação, segundo Chrispino (2007), fez que a escola tivesse que aceitar um contingente de alunos heterogêneo, para o qual não estava preparada, acabando por culpar o próprio aluno por não corresponder à imagem esperada. Segundo Aquino (1998, p. 142), "o perfil e os hábitos da clientela não são compatíveis com os de uma instituição clássica como a escola".

A diferença entre alunos idealizados e os reais parece estar na origem de diversos conflitos escolares, os quais são inevitáveis, fazem parte do desenvolvimento e podem trazer benefícios para as relações estabelecidas na escola. Porém, podem ser encarados de forma menos construtiva, acarretando a exclusão de alunos que, por não corresponderem ao ideal, são vistos de forma preconceituosa pelos demais. Patto (1992) aponta que o preconceito contra crianças de pobres e "não brancas" e a culpabilização de suas famílias quanto ao fracasso escolar são fatores que existem há séculos.

Por ser a escola um local onde são estabelecidas diversas relações, a construção e o fortalecimento de preconceitos como sua desconstrução são possíveis. Nesse caso, a educação pode ser utilizada como instrumento de inclusão quando rompe o compromisso com uma categoria idealizada de alunos e passa a aceitar a diversidade, oferecendo condições compatíveis com tais diferenças (CASTILHO, 2008; SUPLINO, 2008).

A escola não está isenta de influências sociais, mas é perpassada pela matriz sócio-histórica, constituída por múltiplos discursos, inclusive o que significa a criança abrigada como a que "carrega algum problema em sua 'bagagem'" (ARPINI, 2003, p. 72), distante do "aluno ideal". Resta saber se as interações estabelecidas nesse contexto permitem a negociação das posições que lhes são atribuídas.

Considerando que a escola pode se constituir um espaço tanto de construção como de desconstrução do preconceito existente sobre a criança abrigada, este trabalho teve por objetivo investigar, pela perspectiva de crianças e técnicos de um abrigo, como a condição de abrigamento perpassa as vivências e relações dessas crianças no contexto escolar.

 

Metodologia

O presente estudo teve como base teórico-metodológica a perspectiva da rede de significações, que entende o desenvolvimento humano como um processo de construção social que "se dá nas e através das ações e interações estabelecidas pelas pessoas em contextos social e culturalmente organizados" (ROSSETTI-FERREIRA; AMORIM; SILVA, 2004, p. 23).

Considerando a participação de crianças na coleta de dados do presente estudo, optou-se pela narrativa como recurso metodológico, a qual parece ser um instrumento adequado para a investigação com essa população, pois possibilita que elas se coloquem como sujeitos capazes de falar sobre assuntos que lhes dizem respeito (CRUZ, 2006; DELGADO; MÜLLER, 2005; REIS, 2005; SILVA; BARBOSA; KRAMER, 2005; SÓLON, 2006). Além disso, ela permite que o participante tome certo distanciamento do tema a ser abordado, para poder acessar conteúdos que não seriam explicitados de forma direta (CRUZ, 2006; DELGADO; MÜLLER, 2005).

A narrativa tem sido estudada sob diferentes ângulos. Para a RedSig e neste estudo, a narrativa é considerada não apenas um produto individual, mas uma construção dialógica, produzida na relação com o outro (PAULI, 2001), na interação pesquisador-pesquisado (SILVA, 2003; SÓLON, 2006). Trata-se assim de uma construção através da interação com o entrevistador, uma forma de dar sentido e organizar as experiências vividas pelo sujeito que narra (VIEIRA; SPERB, 1998; GOULART; SPERB, 2003), possibilitando tanto a ressignificação das experiências quanto a produção ativa de sentidos pelo próprio sujeito (SILVA, 2003). é uma forma de o indivíduo falar de si, deixando suas marcas ao escolher o que será dito e a forma como será dito (CARREIRA, 2002).

Participaram deste estudo dois meninos e duas irmãs, de 10 a 13 anos, abrigados em uma mesma instituição: Davi (11), Emanuel (13), Priscila (11) e Rafaela (10). As meninas estavam abrigadas havia dois anos e recusavam propostas de adoção. Davi morava em abrigos desde os 3 anos, por sofrer violência doméstica, tendo passado por duas instituições e algumas tentativas frustradas de adoção. Emanuel estava no abrigo havia uma semana, por conta de um desentendimento com a irmã que o criava desde a morte dos pais.

As crianças estudavam em escolas estaduais de Ribeirão Preto, com exceção de Davi, matriculado em uma escola municipal. Apresentavam defasagem idade/ano escolar (Priscila e Emanuel de um ano e Davi de dois), com exceção de Rafaela, a qual, segundo a pedagoga do abrigo, não apresentava dificuldades escolares. Priscila, na opinião da pedagoga, apresentava baixa autoestima, insegurança e dificuldades na resolução de contas simples, na leitura e compreensão de textos. Emanuel não parecia apresentar dificuldades de aprendizagem, sendo seu comportamento a principal queixa da escola. Davi foi considerado uma criança agressiva e desorganizada, com diversas mudanças de escola por causa de seu comportamento, cujo controle necessitava de medicação. Não era alfabetizado, mas cursava o quarto ano do ensino fundamental. Fora convidado pela diretora a participar apenas das aulas de reforço por ser considerado incapaz de acompanhar as aulas regulares. Também participaram da pesquisa a coordenadora e a pedagoga do abrigo.

A instituição na qual foi realizada a coleta ficava em um bairro de baixa renda e abrigava 51 crianças e adolescentes entre 2 e 14 anos. O espaço físico era precário, com cinco quartos, sem cama para todos. As crianças se alimentavam em turnos, pois não havia espaço para todos na mesa. O pátio interno inundava na época de chuva e o externo não podia ser utilizado, pois facilitava a saída das crianças para a rua. A coleta com as crianças, realizada na mesma sala utilizada para atendimentos psicológicos, foi interrompida inúmeras vezes. O corpo técnico era composto por coordenadora, assistente social, pedagoga, psicóloga, terapeuta ocupacional, enfermeira, cuidadoras, cozinheira, motorista, seguranças e estagiários de diversas áreas. Foi apresentado o Termo de Consentimento Livre e Informado1 para a coordenadora do abrigo, responsável legal das crianças. Buscou-se, então, o consentimento verbal e manifestação de interesse delas próprias em participar do estudo.

Foram realizados quatro encontros com cada criança. No primeiro, foi realizada uma entrevista semiestruturada, utilizando-se um roteiro elaborado pelas pesquisadoras sobre os assuntos escola, família e abrigo. Nos demais, elas produziram um desenho (opcional) e uma narrativa para cada tema proposto, com questões relativas à escola, à família e adoção e à identidade da criança2. Tais temas foram propostos de acordo com o objetivo do trabalho, sendo uma maneira de favorecer a elaboração de narrativas pela criança ou adolescente a partir de certos eventos, relações e situações que podem estar ocorrendo ou ter ocorrido de forma análoga com eles. As narrativas assim obtidas possibilitam investigar como a criança abrigada significa algumas questões, com as quais estão diretamente implicadas. Posteriormente, foi realizada uma entrevista semiestruturada com a coordenadora e a pedagoga do abrigo, em encontros individuais, com a finalidade de conhecer a visão das profissionais do abrigo sobre a história de vida e o percurso escolar das crianças.

Os temas das narrativas foram formulados visando à construção de um banco de dados a ser utilizado por um projeto de pós-doutorado, com objetivo de compreender a questão da dificuldade de aprendizagem de crianças adotadas, que deu origem a esta pesquisa. Após um constante movimento de ir-e-vir nas transcrições dos encontros e entrevistas, foi possível perceber a repetição de um amplo tema relacionado às vivências e às relações estabelecidas no contexto escolar pela criança abrigada. A recorrência dessa temática pareceu apontá-la como uma questão importante para os sujeitos de pesquisa que, portanto, deveria ser abordada como figura de nosso estudo, ficando as outras questões como pano de fundo. Assim, para os resultados deste estudo, realizaram-se recortes nas narrativas e entrevistas das crianças e técnicas do abrigo que enfatizavam a presença desses temas. A seleção dos recortes levou à construção de um corpus, constituído como objeto de investigação.

Após a constituição do corpus, este passou a ser analisado com base nos pressupostos teórico-metodológicos da RedSig, buscando apontar indícios linguístico-discursivos que focalizassem a produção de significações na fala das crianças abrigadas sobre as relações estabelecidas no contexto escolar. Para isso, os recortes das falas das crianças foram organizados em subtemas, relacionando-os, posteriormente, com as falas das profissionais do abrigo, na tentativa de apreender as posições assumidas/atribuídas pelos sujeitos. Foram escolhidos os recortes mais ilustrativos e utilizados grifos nas partes mais significativas para o estudo. Buscou-se interpretar esse objeto de estudo com base em um diálogo entre dados e aspectos teóricos norteadores da pesquisa, como os conceitos de matriz sócio-histórica, de natureza semiótica, composta por múltiplas condições e discursos, e de circunscritores, fatores que estabelecem possibilidades e limites ao desenvolvimento do sujeito.

 

Resultados e discussão

No momento da coleta, foi possível perceber a importância das relações estabelecidas entre as crianças e os diversos atores do contexto escolar para os participantes da pesquisa. Essas relações são descritas como permeadas por situações de conflito, como pode ser visto a seguir:

R: Ela chegou na escola, ela sentou na mesa e ninguém quis sentar perto dela, aí na hora do recreio, a mesma coisa... ninguém quis sentar perto dela, aí ela começou a chorar [...] (Rafaela, 10 anos, trecho da narrativa sobre o tema "Aconteceu na escola").

R: Um dia iam fazer piquenique e me chamaram pra fazer, aí eu tinha que dá cinquenta centavos, aí eu dei e todo mundo deu, chegou no dia ela num quis que eu fizesse e me deu os cinquenta centavos de volta. (Rafaela, 10 anos, trecho da entrevista).

C: Aí a diretora chamou e falou: "Eu num quero essa menina aqui". Eu falei: "Mas como num quer?". "é, num posso expulsar, mas vocês dão um jeito". (Coordenadora do abrigo, trecho da entrevista).

C: Ele [Davi] não consegue acompanhá, tanto que ela [diretora da escola] fez a proposta pra gente dele frequentá só o reforço, porque o ano letivo normal num tinha condições, tá? (Coordenadora do abrigo, trecho da entrevista).

Pd: Então eu acho que ainda tem uma certa exclusão, uma visão do nosso abrigo é, acham que nós somos negligentes, [...] tem uma certa... negatividade da escola, mesmo por parte dos colegas: "Ah, chegou da perua do [nome do abrigo]" (Pedagoga do abrigo, trecho da entrevista).

Situações de conflito são inevitáveis e mesmo imprescindíveis para o desenvolvimento humano (BLEGER, 1992; CHRISPINO, 2007), constituindo-se como circunscritores na vida de uma pessoa, sendo encarado ora como um delimitador, ora como uma possibilidade de desenvolvimento. As crianças que participaram do estudo e seus responsáveis no abrigo, no entanto, parecem enxergar tais conflitos como algo negativo, significando-os como perpassados pela exclusão.

Tal exclusão, que parecem vivenciar na escola, é sentida de duas formas. Primeiro, na relação com seus colegas, que parecem não se envolver com a criança, não a incluindo nas brincadeiras, atitudes que constituem uma situação denominada bullying, segundo Antunes e Zuin (2008, p. 34), "um conjunto de comportamentos agressivos, físicos ou psicológicos [...] que ocorrem entre colegas sem motivação evidente, e repetidas vezes". Tais comportamentos incluiriam não apenas a exclusão sistemática de um indivíduo, mas também agressões físicas, roubos, insultos e comentários racistas, e suas causas estariam relacionadas a fatores econômicos, sociais e culturais e às relações de desigualdade e de poder que existem na escola (ANTUNES; ZUIN, 2008; LOPES NETO, 2005). Dessa forma, para Antunes e Zuin (2008, p. 36), o bullying se aproximaria do "preconceito, principalmente quando se reflete sobre os fatores sociais que determinam os grupos-alvo".

Em segundo lugar, fica clara uma atitude de exclusão das figuras de autoridade da escola em relação às crianças do estudo, que pode ser ilustrada pelos recortes da fala da coordenadora do abrigo, sobre uma diretora que não queria uma criança abrigada em sua escola e outra que não acreditava no potencial do aluno. Segundo Brancalhone, Fogo e Williams (2004, p. 116), essa baixa expectativa de professores e diretores com relação aos alunos pode ser muito prejudicial, já que "expectativas negativas criam e perpetuam oportunidades desiguais para aprender", como é o caso de Davi, que deixou de ter a oportunidade de frequentar as aulas regulares por conta do descrédito da diretora, um exemplo de como, ao longo do processo educativo, a noção e prática do preconceito, historicamente presente, encarado pela intolerância, pela vontade de aniquilar o diferente, de não aceitar o outro tal como é (ITANI, 1998), também são transmitidas quando a escola exerce um papel de instituição de seleção e diferenciação social, priorizando um determinado grupo de alunos em detrimento de outro, decidindo quem faz parte dela e quem não faz, quem tem condições de se apropriar de seu discurso e quem não tem, levando o grupo dito "incapaz" - geralmente composto pela classe mais pobre - ao fracasso escolar (ORLANDI, 1987; PATTO, 1992; SUPLINO, 2008).

Nota-se que as profissionais do abrigo não só sentem que as crianças sob sua responsabilidade são excluídas pelo fato de serem abrigadas, mas também que a instituição é injustiçada, na fala da pedagoga, "acham que nós somos negligentes", mostrando que a significação de fracassado não é atribuída apenas ao abrigado, mas à instituição em geral, tornando o estigma mais forte e, portanto, mais difícil de ser negociado.

Sendo a escola um contexto desenvolvimental, considera-se que ela é perpassada pela matriz sócio-histórica, composta por múltiplas significações, entre elas a que considera a criança abrigada fracassada (ARPINI, 2003; SIQUEIRA; DELL'AGLIO, 2006), não correspondendo ao ideal de aluno para quem a escola estaria preparada (AQUINO, 1996; CHRISPINO, 2007; SUPLINO, 2008). Tais significações podem ser consideradas circunscritores, estabelecendo, ao mesmo tempo, possibilidades e limites (ROSSETTI-FERREIRA; AMORIM; SILVA, 2004) na construção das relações estabelecidas entre a criança abrigada e os demais atores escolares.

Em outros trechos, é possível perceber mais claramente algumas atitudes de exclusão, e até mesmo de violência, direcionadas às crianças participantes do estudo:

R: Minha professora de física, um dia uma menina falou palavrão, ela falou que fui eu... e eu falei: "Professora, num fui eu"; e ela: "Senta", ficou brigando comigo [...] por uma coisa que eu não fiz (Rafaela, 10 anos, trecho da entrevista).

C: "ó, o menino pulou o muro", quanto menino pula muro e ela num liga pra mãe [...] só que porque é do abrigo, "ó, pulou o muro, vocês vêm buscar" (Coordenadora do abrigo, trecho da entrevista).

Pd: A criança quando briga, eles num pergunta o porquê que brigou [...] liga pra nós, porque a criança é do [nome do abrigo], então... a tolerância da escola com as nossas crianças eu acho que é [...] mínima (Pedagoga do abrigo, trecho da entrevista).

C: E fora aquela coisa ainda que é o preconceito, que é um abrigado [...] "Ai, mas ele num tem condições", acaba convidando pra que, assim, a gente retire essa criança da escola, né? (Coordenadora do abrigo, trecho da entrevista).

Pd: Quando tem alguma coisa de agressividade, alguma briga entre os colega, "ai, só podia ser você, do [nome do abrigo]", num tem um diálogo [...] vou dá um exemplo ontem da menina, o menino mexeu com ela, ela ficou nervosa, [...] deu uma tamancada no menino, o menino machucou... né? Aí é, vem "ai, porque a menina é do [nome do abrigo]", entendeu? (Pedagoga do abrigo, trecho da entrevista).

A vivência de situações conflituosas no contexto escolar, assim como o bullying, não é situação exclusiva de crianças abrigadas. Segundo Francischini e Souza Neto (2007), a violência contra a criança pode ser física e psicológica, incluindo humilhações, discriminações, abandonos e maus-tratos, podendo ocorrer, segundo estudo da Organização das Nações Unidas (2006), no lar, na família, em sistemas assistenciais e jurídicos e nas escolas. Apesar de o artigo 5º do ECA (BRASIL, 1990) assegurar a não violência contra as crianças, estudos afirmam que diversos tipos de violência têm ocorrido nas escolas, principalmente nas que atendem população de baixa renda, na interação com professores, funcionários e pares (LOUREIRO; QUEIROZ, 2005; ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2006; ZALUAR; LEAL, 2001).

Alguns trabalhos mostram que muitos alunos entendem o autoritarismo e a falta de respeito dos professores como atos de violência (SILVA, 1997; ZALUAR; LEAL, 2001) e respondem a isso violentamente, como em atos de depredação do prédio escolar e dos bens de professores (CUBAS, 2006). No entanto, pelos trechos apontados, notamos que a criança demonstra um sentimento de injustiça na relação com a professora. Já as funcionárias do abrigo percebem tais situações como uma "perseguição" pelo fato de as crianças serem abrigadas, uma intolerância característica do preconceito, entendida como "a negação da existência do outro, que é diferente. É a atitude de recusa da aceitação do outro tal como é" (ITANI, 1998, p. 128). Essa "perseguição", que não é exclusiva de crianças abrigadas, também é percebida na forma como se fala que a escola soluciona alguns conflitos que envolvem essas crianças, ilustrada claramente pelos dois últimos recortes.

A escola, como sugerem esses trechos, parece negar a existência de um conflito instalado em sua própria instituição, culpando a criança e o ambiente em que ela vive, tendo por base o estigma social que circunscreve a criança abrigada (ARPINI, 2003; SIQUEIRA; DELL'AGLIO, 2006), em vez de lidar com a problemática do próprio contexto escolar. A forma encontrada para solucionar tais situações, nesse caso, é excluindo a criança mais uma vez. Já quando o conflito é encarado como pertencente à escola, as soluções que se apresentam são diferentes, mas não mais adequadas.

Pr: O aluno respondeu pra professora [...] e a professora deu um tapa na na boca dele (Priscila, 11 anos, trecho da narrativa sobre o tema "A professora e o aluno").

P: é? E por que que você num gosta dela?

E: é porque lá, porque lá é... a professora bate, xinga, dá reguada (Emanuel, 13 anos, trecho da entrevista).

Pr: Uma menina pensou que a minha irmã falou que eu chamei ela [...] de alguma coisa que ela não gostou e ela queria me bater [...] (Priscila, 11 anos, trecho da narrativa sobre o tema "Aconteceu no recreio").

D: Eu briguei com o meu amigo [...] arranquei sangue da boca do moleque.
P: Que que ele fez?
D: Ele veio brigar comigo
P: Por que que ele veio brigar?
D: Co'a bolada que eu di nele [...] aí ela fez um bilhetinho de suspensão, aí eu fui embora (Davi, 11 anos, trecho da narrativa sobre o tema "Aconteceu na escola").

Uma das formas de solucionar conflitos, relatadas pelos participantes nesses trechos, seria por meio da violência, entendida como uma forma de impossibilitar a manutenção do conflito pela desistência do adversário, forçada pela destruição física ou pelo silenciamento imposto (ZALUAR; LEAL, 2001). Esse modo de "solucionar" conflitos parece ser utilizado não só pelos professores, mas também pelos próprios alunos, quando do surgimento de problemas entre eles.

A violência física, ilustrada por esses recortes, parece ser constante nesse contexto, mas não único: a escola também apresenta outras formas de lidar com os conflitos, como podemos perceber na fala de Davi, que, ao brigar com um colega, recebe um bilhete de suspensão da diretora. Esse recorte indica que a escola tem procurado solucionar conflitos por meio de atitudes de exclusão. As crianças nos mostram que a bronca e o castigo também parecem ser formas comuns de resolução:

P: Por que que você não gosta da diretora?
Pr: Sabe, ela não sabia que que podia ir de saia, ela veio, ela veio me dando bronca (Priscila, 11 anos, trecho da entrevista).

E: Eu tava na escola, aí eu peguei e num queria desenhar, num fazia nada, né? Aí a tia falou assim: "Você num faz nada, vai ficar de castigo", aí eu fiquei de castigo (Emanuel, 11 anos, trecho da narrativa sobre o tema "O primeiro dia de aula").

E: Aí eu pedi o livro pra professora, é porque os livros que nós usava ficava com a diretora, aí eu tava fazendo bagunça, aí o resto da sala ganhou e eu num ganhei porque eu tava fazendo bagunça (Emanuel, 13 anos, trecho da narrativa sobre o tema "Meus livros e cadernos").

Certamente há dúvidas quanto à adequação dessas formas de resolução, pois quanto contribuiria para a educação e o desenvolvimento de uma criança a bronca sem a explicação ou a impossibilidade de pegar um livro como forma de castigo? No entanto, outras formas de lidar com os conflitos parecem ainda mais inadequadas:

R: [...] ela num foi no banheiro na hora que tava pra formar a fila [...] aí na hora de fazer a prova ela, ela num tava conseguindo fazer a prova porque ela tava muito apertada pra ir no banheiro [...] pediu pra professora: "Professora, eu posso ir no banheiro?". A professora falou: "Não, no dia de prova também num pode ir". "Por que não?" "Por que você num foi no banheiro antes da prova?" Aí ela falou: "Ah, é que eu num tava com vontade aquela hora". [...] aí ela falou: "Ah, professora, então eu vou no banheiro sem querer?". Aí a professora falou assim: "Senta agora senão você vai levar zero nessa prova" [...] ela terminou a prova: "Professora, posso ir? Terminei a prova", aí a professora: "Não, porque você respondeu pra mim e sua nota vai ser baixa"... aí ela mijou nas calça (Rafaela, 10 anos, trecho da narrativa sobre o tema "Um dia de prova").

A forma de a professora dessa narrativa lidar com a situação pode ser considerada um exemplo de violência psicológica, exercida "pelo poder das palavras, que negam, oprimem ou destroem psicologicamente o outro" (ZALUAR; LEAL, 2001, p. 148). A professora tenta seguir as regras de forma tão rígida que chega a humilhar aquele que ousa questionar, silenciando, desse modo, a criança que tenta negociar um espaço para ser ouvida.

No geral, as falas das crianças que participaram do estudo foram marcadas pelo silenciamento:

P: E você fica preocupada com isso? Você queria aprender a ler direitinho?
Pr: Uhum...

P: Você acha que as tias aqui tinham que se preocupar mais com isso ou você acha que não? (silêncio)...
pode falar, não precisa ter vergonha (silêncio)... tudo que você falar aqui, ninguém vai saber, viu? (silêncio) (Priscila, 11 anos, trecho da entrevista).

O silenciamento que parece lhes ser imposto no contexto escolar também permeia a relação com a pesquisadora: a criança, muitas vezes oprimida em sala de aula, como já apontado em outros recortes, não consegue, nessa nova relação, ter voz ativa, reclamar um cuidado que lhe é de direito. Seu discurso parece ser de alguém que assume o papel de vítima em suas relações, talvez, justamente, pela falta de espaço para a negociação que lhe permitiria sair desse lugar que a criança, especialmente a abrigada, tem ocupado na nossa sociedade. Já o discurso das técnicas do abrigo tem um tom quase de denúncia,
ainda que passiva, das atitudes de exclusão da escola contra as crianças.

Pd: "Eu num dou conta de você, você, é, liga pro abrigo", o abrigo é, vai buscá-lo (Pedagoga do abrigo, trecho da entrevista).

P: E que você acha que poderia ter sido feito, pra ter mudado esse percurso [escolar], então? Você acha que é de responsabilidade de quem?

C: Eu vejo que é muito da educação mesmo [...] às vezes eu brinco que tudo eles acham que é o social [...] eu acho que isso não é um problema da gente, entendeu? (Coordenadora do abrigo, trecho da entrevista).

Não se percebe, nesses nem em outros recortes apresentados, um movimento ativo da instituição em intervir a favor dessas crianças: não há uma tentativa de empoderar a criança para que ela possa enfrentar a situação e nem mesmo uma discussão com diretores e professores que pudesse protegê-las, o que pode ser um sinal do quanto a matriz sócio-histórica que envolve o abrigado e, em especial, o discurso que o aproxima da imagem de "marginal" estão arraigados, a ponto de circunscrevem as ações até mesmo dos responsáveis por essas crianças.

 

Conclusões

Abrigos e escolas são considerados contextos de desenvolvimento, constituintes das e constituídos pelas interações neles estabelecidas, perpassados pela matriz sócio-histórica, composta por múltiplas condições e discursos, entre eles o que significa a criança abrigada como fracassada.

Tal significação tem circunscrito as interações estabelecidas entre crianças abrigadas e demais atores escolares. As crianças entrevistadas descreveram suas vivências na escola como baseadas na violência, sendo excluídas, segundo as funcionárias do abrigo, por sua condição de abrigamento.

A escola brasileira, baseada na tradição moderna de educação, construiu uma categoria de aluno idealizada, para a qual estaria preparada, com a qual se identifica e da qual a criança abrigada - marginalizada e fracassada, de acordo com o discurso hegemônico - não faz parte, sendo excluída e silenciada, dificultando ainda mais a negociação desse papel de fracasso atribuído pela sociedade.

Propõe-se, hoje, um papel de inclusão para a escola que, para ser exercido, exige a não seleção prévia de uma categoria determinada de alunos, a desconstrução do preconceito, a aceitação da diversidade da clientela da escola, da contemplação das diferenças no âmbito escolar, o que poderia facilitar a negociação de papéis e a construção de novos significados para a criança abrigada.

O abrigo, como instituição pedagógica, também não está isento dessa responsabilidade. Os recortes apontam o preconceito que a criança sofre na escola, mas o próprio abrigo não parece ter um papel ativo no sentido de desconstruir tal preconceito. A matriz sócio-histórica que envolve o abrigado e, em especial, o discurso que o aproxima da imagem de "marginal" parecem estar tão arraigados que circunscrevem as ações até mesmo dos responsáveis por essas crianças, não parecendo haver movimento no sentido de preparar as crianças para a convivência escolar ou mesmo de defendê-las quando são excluídas. Essa matriz parece se fortalecer ainda mais pelos moldes atuais das instituições de abrigamento, considerados inadequados para o desenvolvimento infantil.

Assim, fica clara a necessidade de realizar novos estudos na área, a fim de investigar as significações que estão sendo atribuídas a essas crianças e ao contexto de abrigamento não só pela escola, mas também pela sociedade, e de fato questioná-las, negociá-las, ressignificá-las.

Além disso, há também a necessidade de qualificar os professores, técnicos, educadores e demais profissionais dos abrigos e das escolas, na tentativa de desconstruir preconceitos existentes e de evitar atitudes de exclusão dentro dessas instituições com relação à criança abrigada. Nota-se, aliás, todo um movimento no país no sentido de melhorar a qualidade do atendimento nos abrigos, diminuindo o tempo de permanência de crianças e adolescentes neles abrigados e tornando-os mais adequados a seu desenvolvimento atual e futuro. O grupo de pesquisa do qual fazem parte estas pesquisadoras (Grupo de Investigação sobre Acolhimento Familiar, Abrigamento e Adoção - Giaaa) tem participado ativamente desse movimento tanto em nível municipal quanto federal, contribuindo criticamente para a revisão e complementação de vários pontos importantes da Lei Nacional de Adoção, nº 12.010 (BRASIL, 2009), e das Orientações Técnicas para os Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes (BRASIL, 2008). Além disso, produziu uma série sobre Proteção Integral à Criança e ao Adolescente, composta de quatro DVDs com os respectivos encartes, um dos quais trata especificamente do abrigo como um acolhimento de qualidade à criança e ao adolescente. Esse DVD foi enviado a todos os abrigos e às equipes multidisciplinares dos Fóruns da Criança e do Adolescente do Estado de São Paulo, como um material que pode auxiliar na formação e qualificação de seus técnicos e profissionais. Esperamos contribuir assim para uma diminuição do estigma dos próprios abrigos, habilitando-os a atuar de fato como facilitadores da inclusão das crianças sob sua guarda, de maneira que novos caminhos lhes possam ser abertos.

 

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Endereço para correspondência

Contato
Carolina Gobato Buffa
CINDEDI – Centro de Investigações sobre Desenvolvimento Humano e Educação Infantil
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto
Avenida Bandeirantes, 3900 – Monte Alegre – Ribeirão Preto – SP
CEP 14040-901
e-mail: carolgbuffa@yahoo.com

Tramitação
Recebido em outubro de 2009
Aceito em janeiro de 2010

 

 

1 Aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa-FFCLRP, Processo n. 302/2007 - 2006.1.1921.59.0, conforme a Resolução n. 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.
2 Os temas propostos foram "O primeiro dia de aula"; "Um(a) menino(a) na sala de aula"; "Aconteceu na escola"; "Aconteceu no recreio"; "Um dia de prova"; "Quando meu boletim chegou em casa"; "Meus livros e cadernos"; "Hora da lição de casa"; "A professora e o aluno"; "Uma escola Nova"; "O lugar onde moro"; "Uma família"; "Era uma vez um(a) menino(a) que foi adotado(a)"; "Eu quero uma família"; "O encontro com minha mãe"; "Eu sou um(a) menino(a) que..."; "Coisas de que gosto".