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Psicologia: teoria e prática
versão impressa ISSN 1516-3687
Psicol. teor. prat. vol.14 no.3 São Paulo dez. 2012
ARTIGO DE CASOS CLÍNICOS
Do luto ao sentido: aportes da logoterapia no espaço psicoterapêutico
From mourning to meaning: contributions of logotherapy in the psychotherapeutic ambience
Del duelo a lo sentido: contribuciones de la logoterapia en el espacio psicoterapético
Diogo Arnaldo Corrêa
Universidade Braz Cubas, Mogi das Cruzes – SP – Brasil
RESUMO
Do ponto de vista biológico, a morte é algo natural. Todavia, como uma experiência desafiadora, implica a vivência de diversas manifestações, o que também inclui as dimensões psicológica, social e noética. O presente estudo de caso apresenta, sob um enfoque qualitativo e vivencial, a possibilidade da descoberta de sentido na vivência do luto de uma paciente. Para isso, foi realizado um processo psicoterapêutico orientado pela logoterapia. Esse recurso utilizado, além de indicar a importância da apelação a algumas das capacidades de uma pessoa, conceituadas por Frankl como autotranscendência, valores criativos e de atitude, o amor e a responsabilidade, mostrou- -se também relevante e eficaz para a descoberta de sentido para o luto no processo de mudança preconizado numa psicoterapia.
Palavras-chave: luto; sentido; psicoterapia; morte; ser humano.
ABSTRACT
From the biological point of view, death is something natural. However, while a challenging experience involves the experience of various events which also includes psychological dimensions, social and noetic. This case study presents under a qualitative and experiential approach, the possibility of discovery of meaning in the experience the mourning of a patient. For this was accomplished a psychotherapeutic process oriented by Logotherapy. This feature used, besides to indicate the importance of the appeal to some of the capabilities of a person, conceptualized by Frankl as selftranscendence, creative values and attitudinal values , love and responsibility, was also relevant and effective for the discovery of meaning for the mourning in the change process in psychotherapy recommended.
Keywords: mourning; meaning; psychotherapy; death; human being.
RESUMEN
Del punto de vista biológico, la muerte es algo natural. Todavía, como una experiencia desafiadora, implica en la vivencia de diversas manifestaciones que tambien incluyen las dimensiones psicológica, social y noética. El presente estudio de caso presenta, a partir de un enfoque cualitativo y vivencial, la posibilidad de la descubierta de sentido en la vivencia del luto de una paciente. Para esto fue realizado un proceso psicoterapéutico orientado por logoterapia. Ese recurso utilizado, además de indicar la importancia de la apelación a algunas de las capacidades de una persona, conceptuadas por Frankl como autotranscendencia, valores creativos y valores de actitud, el amor y la responsabilidad, se mostró también relevante y eficaz para la descubierta del sentido para el luto en el proceso de cambio que es preconizado en una psicoterapia.
Palabras clave: duelo; sentido; psicoterapia; muerte; ser humano.
Introdução
Embora a morte seja um fenômeno natural e próprio da dimensão biológica do ser humano, as reflexões acerca desse evento cobram atenção para além das instâncias biológicas, perpassando as inerências das dimensões psíquica e social de cada pessoa e a dimensão noética em que se localiza o "especificamente humano" (COMBINATO; QUEIROZ, 2006; FRANKL, 2003).
Como um ser noético, a pessoa se diferencia dos outros seres e faz a experiência da existência a partir da capacidade da intencionalidade que possibilita a direção para algo ou alguém além de si mesmo, ou seja, a direção para o sentido e para a realização de valores. Aberto para a descoberta do sentido e para a realização de valores, o ser humano pode captar no mundo significados potencialmente realizadores. Por essa razão, ao longo da história e entre diferentes culturas, as reflexões acerca da morte sofreram diversas variações de sentido (COMBINATO; QUEIROZ, 2006; FRANKL, 2003).
Nas culturas orientais, por exemplo, a morte é significada a partir das vivências cotidianas que convidam a uma preparação para a recompensa que o morrer oferece: a entrada num estágio superior de sabedoria. Já em nuanças das culturas ocidentais, percebem-se dadas atitudes de negação da morte e fuga desta atrelada ao medo e ao espanto que ela gera, sendo configurada como sinônimo de fracasso e derrota, impotência e vergonha. Essa visão e significância do morrer nas culturais ocidentais se devem ao cientificismo que tenta vencer ou, no mínimo, contornar a morte (ARAÚJO; SILVA, 2007; BALLONE, 2002; COMBINATO; QUEIROZ, 2006).
A tristeza inerente ao experienciar a perda de alguém que possua profundo significado na existência é uma das razões mais acentuadas nas culturas ocidentais para as resistências reflexivas sobre a morte (KÜBLER-ROSS, 2005). Mas não apenas a tristeza está implicada pela ausência de quem possuía grande significado na vida. Decorrente da experiência da perda resulta a vivência de um conjunto de outras distintas manifestações emocionais denominado luto.
A vivência do luto pode variar entre uma e outra pessoa, considerando a singularidade, irrepetibilidade e unicidade do ser humano. Contudo, é fato que mesmo a partir das variadas experiências que sugira, o luto caracteriza-se como uma prova dolorosa e intensa que qualquer pessoa pode vivenciar.
Embora pareça antagônico, esse caráter do luto encerra sentido e força que possibilitam que aquilo que existiu, de alguma maneira, continue a existir, conforme explicitam Moreira e Holanda (2010). Nessa perspectiva, Frankl (2003, p. 152) refere que:
O luto por um homem que amamos e perdemos, fá-lo de algum modo sobreviver. [...] O objeto do nosso amor ou da nossa enlutada tristeza perdeu-se objetivamente, no tempo empírico, mas ficou a salvo subjetivamente, no tempo interior.
Um dia, todos serão chamados desta vida, conforme relata o mesmo autor; assim como um examinado tem que estar à escuta do sinal da campainha que lhe anuncia ter-se esgotado o tempo à sua disposição, cada pessoa também precisa estar na vida à espera de ser chamada a qualquer momento. Mas a existência, segundo Frankl (2005), permanece conservada, mesmo quando efetivado o chamado desta vida, o que indica que a morte é por ele considerada sob uma visão atemporal ante a caducidade da vida.
Tudo é transitório na vida, desde uma criança, um grande amor do qual nasceu uma criança, e até mesmo uma grande ideia (FRANKL, 2005). Mas tudo se faz eterno na existência. Qualquer coisa que seja iniciada não poderá jamais ser evitada, visto que a eternidade disso se apossará. Por isso, a totalidade da vida, completada no momento definitivo da morte, fica fora da sepultura, "e fora permanece – e isso é assim não apesar de, mas exatamente porque ela entrou para o passado" (FRANKL, 2005, p. 97).
Ao enfatizar que, embora tudo e todos sejam transitórios e exista caducidade na vida, e a eternidade conserve tudo o que alguém com profundo significado na existência é e realizou, o fundador da logoterapia contribui para uma reflexão a respeito da possibilidade da descoberta de sentido para a morte e para as vivências profundas dela decorrentes – o luto.
Com base nessas implicações, este artigo teve como objetivo apresentar, num enfoque qualitativo e vivencial, a possibilidade da descoberta de sentido na vivência do lu to por meio do estudo de caso de uma paciente em processo psicoterapêutico de orientação logoterapêutica. Partiu-se do pressuposto de que o impacto ante a perda de alguém de intenso significado na existência pode proceder na perda dos referenciais corpóreos, psíquicos, afetivos, espirituais e sociais, afetando e ocasionando diversas mudanças no cotidiano de uma pessoa, o que apela para a necessidade de a pessoa reconstruir, no desenrolar de um processo, o seu sentido de mundo e de vida (QUEIROZ; MAHFOUD, 2010).
Queiroz e Mahfoud (2010) também aludem à essencialidade da escuta acolhedora do outro em sua experiência de luto e de busca de significados – o que foi concretizado junto à paciente – e consideram ainda que, mesmo compreendendo que cada ser humano possui liberdade e responsabilidade sobre o seu fazer-se, a atuação e realização de algo valoroso capaz de referendar e presentear sua consternação com sentido possui grande importância, o que justifica a aplicação da atividade criativa como recurso no processo psicoterapêutico da paciente que, ciente do estudo de sua vivência, autorizou sua publicação.
Apresentação do caso clínico
A paciente em questão, chamada aqui de Victorine, procurou-me tendo como queixa inicial a intervenção desmedida por parte de sua mãe no que dizia respeito aos cuidados empreendidos junto do seu filho. A mãe de Victorine questionava a postura materna da filha, e isso afetava o relacionamento entre ambas. Durante as primeiras sessões, manteve a queixa inicial e enfatizava as ausências da mãe em sua vida que eram justificadas pelo sentimento de força transmitido a ela. Ouvia desde tenra idade: "Você é forte... você é inteligente... você não precisa de ajuda... é suficiente...".
Victorine teve o seu primeiro casamento rompido do qual nasceu um filho. E relatou que há pouco mais de quatro anos estava se relacionando com um parceiro que vinha contribuindo efetivamente para a realidade do seu lar e se mostrando com respeito junto de seu filho e da educação que ela lhe transmite.
No desenrolar do seu processo psicoterapêutico, Victorine narrou que experimentava rejeição por parte de sua mãe, e isso lhe era profundamente doloroso. Disse que a mãe engravidou dela na lua de mel, e que certamente essa inesperada gravidez poderia ter comprometido os planos de sua mãe. Esse assunto comovia Victorine profundamente e era vivenciado também pelas suas evidências do tratamento dife renciado ofertado por sua mãe ao seu irmão em detrimento a ela. Foi na emergência desse assunto que Victorine relatou algo novo: "Meu pai se importava comigo, mas ele morreu [sic]".
A partir desse relato, o processo psicoterapêutico de Victorine ganhou novo rumo. Ela passou a discorrer a respeito do vazio que a ausência de seu pai lhe causava e comparava esse vazio a uma fenda em seu ser. Dizia da profunda saudade que dele tinha e da falta que ele fazia não só pelo que ele era, mas também pelo que ele havia realizado por ela.
Seu pai era o seu grande defensor. Faleceu em alto-mar – era pescador – vítima de uma parada cardíaca. Algumas semanas antes de sua morte inesperada, a paciente vivenciou momentos significativos junto do pai. Ele a esperava no portão de sua casa todos os dias; preparava um café deleitoso para a filha, e sua presença e cuidado eram percebidos como um amor sem limites por Victorine.
Falar a respeito do pai nas sessões era muito difícil para Victorine, e a vivência do seu luto era relatada com muitas resistências. Numa das sessões, ela inclusive disse que estava pensando em não prosseguir com a psicoterapia porque estava sendo muito difícil ter que falar sobre a sua relação com o pai e da falta que ele fazia. Mas continuou no processo psicoterapêutico.
Victorine comentou, em uma das sessões, que, quando o pai faleceu, ficou responsável de resolver todos os trâmites relacionados ao funeral. E admitia não ter conseguido elaborar a morte do pai naquele momento, inclusive pelo fato de que, em seu interior, se repetia o convencimento desde muito cedo recebido: "Você é forte... você é inteligente... você não precisa de ajuda... é suficiente...".
Método e intervenção
O caso foi selecionado para o estudo porque Victorine apresentava um movimento de busca de sentido para o luto vivenciado, o que coincidiu com a linha teórica que orientava sua psicoterapia – a logoterapia. Além disso, a confiança estabelecida por ela ao longo do processo e os relatos de suas vivências acerca do luto também cooperaram para a escolha do seu caso.
Propôs-se a ela a confecção de um baú de madeira para que depositasse dentro dele tudo o que julgasse estar relacionado ao seu pai e às suas vivências com ele, em face de sua ausência definitiva. Essa proposta foi feita a Victorine porque, em uma das sessões, ela revelara a aptidão para realizar trabalhos artesanais de madeira. De acordo com Frankl (1978, p. 150):
[...] na realidade [...] atuamos sempre sobre o passado. Salvamos, dentro do passado, as possibilidades, na medida em que as realizamos, na medida em que realizamos valores. Quer realizemos o que chamamos de valores criadores, quer realizemos o que designamos como valores vivenciais, salvamos sempre alguma coisa dentro do passado; no caso dos valores criadores, salvamos a nossa interioridade na realidade exterior. [...] O de que nós precisamos é respeito ao passado, não ao futuro; o passado é inevitável, o futuro, o nosso futuro está à frente da nossa decisão e da nossa responsabilidade.
Ao longo da realização da atividade criativa, Victorine mantinha presença nas sessões e narrava suas vivências ao recuperar fotos, escritos, objetos e lembranças do pai. Era perceptível o confronto que Victorine estava realizando ante o luto e uma vida marcada pela presença do seu pai, entre a caducidade da vida e a eternidade que conserva o que uma pessoa amada é e realizou.
Resultados
Após mais de um mês da proposta de intervenção, Victorine trouxe o baú por ela confeccionado e finalizado. Muito comovida, relatou que havia pintado o baú, por fora, em tons de rosa e sobre a fechadura do baú desenhara algumas flores-de-lis, reportando simbolicamente à nobreza da existência do seu pai em sua vida. Disse também que o baú não seria trancado; ficaria aberto para ser acessado quando ela quisesse.
Depositou várias fotos do pai dentro do baú, algumas só dele e outras que adicionavam os netos nos seus braços e a companhia de sua mãe. Disse que no baú não estava depositando somente fotos que recordassem o pai, mas também fotos que se referiam às pessoas por ela amadas.
Também escreveu uma mensagem para o pai num cartão de Natal que apresentava uma bela estrela-guia. O conteúdo dessa mensagem aludia o fato de o pai ser para ela como uma estrela, sempre brilhando em sua vida. Falava também do amor que por ele conservava. Um papel bem amarelado também estava no baú e continha a escrita do pai, para que ela se lembrasse de sua caligrafia. Ao ser questionada sobre a representatividade desse papel, respondeu: "Ele escreveu na minha vida [sic]".
Victorine também confeccionou uma vara de pesca em homenagem ao pai e a depositou no baú, recordando-se de seu ofício. Ali também colocou a letra de uma música que lhe proporcionou uma recordação profunda da vivência da ausência do seu pai.
Ao final da sessão, Victorine foi indagada sobre suas impressões acerca da atividade proposta à sua vivência. Disse que a fenda que sentia em seu ser estava agora cercada de flores e que havia descoberto que, embora falecido, seu pai continuava presente na sua vida por meio daquilo que ela pudesse cultivar em sua memória. Victorine vivenciava um vazio que denunciava a ausência, mas, após a intervenção, ela pôde reconstruir a sua experiência e alimentar o seu espírito, ao dar acesso a um sentido para sua vivência e transformar o caos em uma compreensão (QUEIROZ; MAHFOUD, 2010).
Entretanto, não apenas a confecção do baú foi relevante para a transformação do luto de Victorine. A escuta autêntica nesse processo também teve essencial importância e refletiu sobre a conscientização das suas capacidades interiores.
Victorine dirigiu-se para além de si mesma e autotranscendeu, lançando-se para além dela mesma na direção de um sentido a ser realizado ou de alguém a ser amado, buscando algo mais para além de si e de sua própria vivência (FRANKL, 1978, 2007). A relação da autotranscendência com a descoberta do sentido localiza-se justamente no encontro de algo ou alguém como razão da facticidade e que não é idêntico ao fatídico (FRANKL, 1978). Victorine descobre que seu pai é muito mais que a morte que os separava.
Ela também realizou valores de atitude e superou sua dor. Segundo Frankl (2008), dentre as três categorias de valores que proporcionam a descoberta e realização de sentido na vida, os valores de atitude relacionam-se à postura que a pessoa pode tomar em relação ao sofrimento inevitável. Mesmo quando a pessoa não pode mudar uma situação, pode mudar a si mesma, ou melhor, a sua própria atitude (FRANKL, 2003), e isso contribui para uma vida plena de sentido e realizada (FRANKL, 1990). Victorine, a partir da atividade que lhe fora proposta, decidiu-se por outra postura perante sua vida que não a do sofrimento atrelado à ausência do seu pai.
O amor de Victorine pelo pai, concomitante ao amor dele por ela, também se mostrou significativo na transformação do luto por meio da descoberta de um sentido. O amor, conforme Frankl (2003), possui um caráter de encontro numa relação de pessoa para pessoa que pode se dar para além da temporalidade. Nesse sentido, Victorine descobriu que poderia continuar amando o pai, pois ele continuaria existindo em sua vida, tendo uma importância que jamais seria furtada, embora fisicamente não existisse mais. Ela decidiu seguir amando o pai que não poderá jamais ser substituído e cons cientizou-se de que sua ausência definitiva poderia ser transformada por esse amor, porque "o amor pode sobreviver à morte do amado; é esta a única maneira de entender que o amor é mais forte do que a morte, isto é, do que o aniquilamento do ser amado na sua existência" (FRANKL, 2003, p. 179).
A intenção amorosa dirigida a uma pessoa é independente da sua presença corporal (FRANKL, 2003). Por isso, uma pessoa pode superar um luto a partir do reconhecimento daquilo que essencialmente foi oferecido por quem partiu e que pode ser conservado existencialmente. Victorine reconheceu que o pai continuava amando-a na medida em que ela pudesse resgatar todos os valores por ele transmitidos a ela, em vista da garantia de um legado nobre, e também descobriu que ela poderia continuar amando- o e perpetuando esse amor por meio de atitudes inspiradas na sua relação com ele.
Victorine também foi apelada na responsabilidade pela sua vida. A descoberta de sentido para seu luto passou pela sua livre escolha. A pessoa é livre para responder às questões que a vida lhe apresenta, e essa liberdade deve ser interpretada conjuntamente em termos de responsabilidade: "O homem é responsável de dar a correta resposta à pergunta, de encontrar o verdadeiro sentido de uma situação" (FRANKL, 2007, p. 65). Na condição de sua liberdade, a paciente poderia ter se isentado do compromisso de ir para além do luto e de resgatar os valores de seu pai e de sua relação com ele. Contudo, ao realizar uma escalada para posicionar-se para além do sofrimento causado pela ruptura temporal dada pela morte de seu pai, ela recuperou do seu passado razões para continuar vivendo no presente.
Victorine também descobriu sentido para o seu sofrimento. Segundo Frankl (2003, p. 154), "a vida só adquire forma e figura com as marteladas que o destino lhe dá quando o sofrimento a põe ao rubro". Dessa maneira, Frankl (2003) retrata a importância do sofrimento numa existência ao revelar que este possui potencial significado e uma sabedoria para brindar a vida. O sofrimento cria na pessoa uma tensão fecunda e revolucionária que faz com que a pessoa experimente a sensação do que não deve ser (FRANKL, 2003). Ao vivenciar o sofrimento que o luto lhe propiciou, Victorine percebeu que não deixaria de ser filha, e mesmo tendo seu pai fisicamente ausente, continuaria sendo seu pai.
Conclusão
Victorine foi convencida em sua existência, a partir do apelo à sua dimensão humana, de que, mesmo sem a presença física de seu pai, ela poderia continuar unida a ele por tudo aquilo que ele é e realizou em sua vida, permanecendo num vínculo amoroso que transpõe a temporalidade e a caducidade da vida e confirma os valores dessa relação: "Meu pai continua comigo na medida em que na minha vida realizo as coisas a partir do que ele me deixou e ensinou [sic]".
O que importa conseguir é convencer estes homens de que, não só são capazes de continuar a viver sem aquilo que, por uma razão ou por outra, não podem ter; mas também de que têm de ver uma boa par te do sentido da sua vida precisamente em superar interiormente a sua infelicidade, em crescer com ela, mostrando-se à altura do seu destino, muito embora lhes seja negada alguma coisa (FRANKL, 2003, p. 90).
Por meio do apelo à consciência e às capacidades humanas sugeridas pela logoterapia, torna-se possível auxiliar o humano para que compreenda que a vida é única e possui um significado e valor que podem ser descobertos na medida em que se age: "Como pode uma pessoa conhecer-se a si mesma? Nunca pela reflexão, mas sim pela ação" (FRANKL, 2003, p. 92).
A partir da atividade proposta, Victorine agiu e seu luto foi transformado pela descoberta de sentido. Embora já experimentasse fragmentos de felicidade em sua vida, mas vez ou outra se sentisse acuada pela ausência do pai, a descoberta de sentido em sua vivência alcançou-lhe também felicidade e conferiu-lhe enfrentamento e superação da facticidade (FRANKL, 2008).
Na psicoterapia norteada pela logoterapia, o psicoterapeuta deve ser criativo e capaz de improvisar, ajustando-se às situações e aos casos que insurjam na clínica (KROEFF, 2011). Assim, pode colaborar para que a pessoa descubra sentido e convença-se da possibilidade de superar uma infelicidade. No caso do luto, esse convencimento não coincide com a ideia de que a pessoa estará insensível diante da perda de alguém que ama, ou diante da vivência de um sofrimento profundo. Essas realidades continua rão numa existência, não mudarão, mas a descoberta de um sentido pode transformá-las.
Como a atuação psicoterapêutica é uma arte que envolve mais que uma simples técnica e que vai mais além da pura ciência, pois trata-se de uma sabedoria (FRANKL, 2007), a logoterapia contribui para uma atuação no espaço psicoterapêutico que amplia as capacidades de percepção de uma pessoa ante as diversas possibilidades de sentido em sua vida a partir de recursos criativos que devem respeitar sua singularidade e podem colaborar em seu processo de mudança. Conclui-se que, numa relação psicoterapêutica, "nunca se deve esquematizar, o essencial é improvisar e individualizar" (FRANKL, 1978, p. 200).
Referências
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Endereço para correspondência
Contato
Diogo Arnaldo Corrêa
e-mail: dyogocorrea@hotmail.com
Tramitação
Recebido em fevereiro de 2012
Aceito em agosto de 2012