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Psicologia: teoria e prática
versão impressa ISSN 1516-3687
Psicol. teor. prat. vol.19 no.3 São Paulo dez. 2017
https://doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v19n3p43-56
ARTIGOS
PSICOLOGIA CLÍNICA
Intervenção cognitivo-comportamental em grupo para ansiedade: avaliação de resultados na atenção primária
Intervención cognitivo-conductual en un grupo de ansiedad: evaluación de resultados en atención primaria
Keila Marine PedrosaI; Gleiber CoutoII; Roselma LuchesseIII
ICentro de Ensino Superior de Catalão, GO, Brasil
IIUniversidade Federal de Goiás, GO, Brasil
IIIUniversidade Federal de Goiás, GO, Brasil
RESUMO
Este estudo teve por objetivo avaliar a efetividade de um grupo terapêutico fundamentado na Terapia Cognitivo-Comportamental no atendimento à pessoa com transtorno de ansiedade na rede de atenção primária à saúde. Doze mulheres, de 20 a 49 anos, iniciaram o tratamento e 11 o concluíram três meses após o início da intervenção. Os dados foram coletados por meio do Inventário de Ansiedade de Beck e da Escala de Ansiedade de Hamilton. Análises estatísticas fundamentadas no método proposto por Jacobson e Truax (JT), o qual apresentou resultados confiáveis com todos os respectivos parâmetros, revelaram que a maioria das participantes apresentou mudança positiva e confiável após a intervenção. Diante disso, conclui-se que a utilização de ambos os instrumentos facilitou o manejo e a estruturação das atividades do grupo terapêutico, uma vez que os resultados proporcionaram um diagnóstico situacional. Outro ponto a ser destacado diz respeito à confiabilidade dos resultados obtida a partir do Método JT com todos os respectivos parâmetros.
Palavras-chave: saúde mental; atenção primária; ansiedade; terapia cognitiva; significância clínica.
RESUMEN
Este estudio tuvo como objetivo evaluar la efectividad de un grupo terapéutico basado en la Terapia Cognitivo-Comportamental en el cuidado de la persona con trastorno de ansiedad en la red de atención primaria. 12 mujeres de 20 a 49 años comenzaron el tratamiento y 11 la completaron tres meses después del inicio de la intervención. Los datos fueron recolectados utilizando el Inventario Beck de Ansiedad y la Escala de Ansiedad de Hamilton. Los análisis estadísticos basados en el método propuesto por Jacobson y Truax (JT) revelaron que la mayor parte de los participantes presentaron un cambio positivo confiable después de la intervención. Por lo tanto, se concluyó que el uso de ambos instrumentos resultó ser un facilitador de la gestión y estructuración de las actividades del grupo terapéutico, ya que los resultados proporcionaron un diagnóstico situacional. Otro punto a destacar se refiere a la fiabilidad de los resultados obtenidos del Método JT con todos los parámetros respectivos.
Palabras-claves: salud mental; atención primaria; ansiedad; terapia cognitiva; significación clínica.
Introdução
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2008), as práticas desenvolvidas na atenção primária (AP) podem facilitar a promoção da saúde, a prevenção de doenças, a cura das mesmas e os cuidados em geral. Nesse contexto, destacam-se os cuidados oferecidos às pessoas que convivem com transtornos mentais (Lucchese et al., 2014).
É expressivo o número de indivíduos que sofrem com o Transtorno Mental Comum, descrito por Gonçalves, Stein e Kapczinski (2008) como transtorno não psicótico e caracterizado por sintomas somáticos como irritação, cansaço, esquecimento, redução da capacidade de concentração, ansiedade e depressão. Tratando-se do Transtorno Mental Comum, as estimativas da necessidade de atendimentos de pessoas em sofrimento mental são de aproximadamente 28,7% a 50% na população estudada (Fortes et al., 2011).
Skapinakis et al. (2013) afirmam que a ansiedade é um dos transtornos que mais acometem a população mundial e reduzem consideravelmente a qualidade de vida, afetando predominantemente as mulheres. Desse modo, a necessidade de mensurar, por meio de vários instrumentos, a ocorrência e gravidade desses sintomas em diversos contextos tem sido corrente. Por exemplo, Chen, Chen e Wang (2012) utilizaram a Escala de Ansiedade de Hamilton (HAM-A) para avaliar a manifestação dos sintomas ao longo do tratamento em pacientes com transtorno de ansiedade primária ou distúrbio do humor com sintomas de ansiedade. Já Lydiard, Rickels, Herman e Feltner (2010) verificaram as mudanças psíquica e somática em pacientes com ansiedade generalizada por meio da HAM-A, entre outras ferramentas.
A ênfase cada vez maior em instrumentos voltados a avaliar os sintomas somáticos e psíquicos, sobretudo aqueles que são alvos dos tratamentos psicológicos, impulsionou o desenvolvimento de estudos com o objetivo de avaliar as mudanças alcançadas pelos sujeitos a partir da intervenção. Ao considerar a ampla gama de abordagens e técnicas psicoterápicas que podem ser empregadas em diferentes contextos, torna-se cada vez mais imperiosa a demonstração da confiabilidade e da efetividade dessas intervenções (Ferreira, Oliveira, & Vandenberghe, 2014). Além disso, Peuker et al. (2009) destacam que, com essa avaliação, é possível identificar associações de variáveis, tanto ao sucesso quanto ao fracasso, no tratamento psicoterápico.
Tratando-se do atendimento realizado com a terapia Cognitivo-Comportamental em grupo (TCCG), sobretudo nos quadros de transtorno mental comum, nota-se uma efetiva redução dos sintomas. Nesse sentido, Wesner et al. (2014) apontam que, após o tratamento, os pacientes com pânico adotavam melhores estratégias de enfrentamento. Diante disso, Gloster et al. (2011) observaram diminuição dos sintomas de agorafobia, e Afshari et al. (2014) mostram que o tratamento proporcionou a regulação dos sintomas de ansiedade, tristeza e raiva.
No contexto nacional, a efetividade da referida intervenção foi verificada na remissão dos sintomas do pânico (Heldt et al., 2011); no treinamento de habilidades sociais em pacientes fóbicos (Savoia & Bernik, 2010); na redução da ansiedade em vítimas de abuso sexual (Habizang et al., 2009), entre outros. O progressivo reconhecimento dos benefícios da TCCG dá suporte aos apontamentos feitos por Benevides, Pinto e Cavalcante (2010): as práticas grupais são instrumentos assertivos e deveriam ser amplamente empregadas, de maneira adequada, na área da saúde.
De fato, a tendência a avaliar os resultados das intervenções, a partir das medidas de características específicas, fomentou o desenvolvimento de modelos que avaliam a efetividade das intervenções. Sob essa perspectiva, Jacobson e Truax (1991) propuseram um método baseado na análise comparativa entre escores pré e pós-intervenção para avaliar se as diferenças entre eles evidenciam mudanças confiáveis e se são clinicamente significativas. A partir desse modelo, é possível escolher um dentre três critérios para avaliar as mudanças: o nível de funcionamento após a terapia deverá retirar o indivíduo da população disfuncional, em que será verificado se, após o tratamento dos escores obtidos, haverá, no mínimo, dois desvios-padrões acima da média pré-terapia (A); o nível de funcionamento pós-terapia deve colocar o indivíduo dentro de dois desvios-padrões da média da população funcional (B); após a terapia, o escore final do indivíduo deve levá-lo à média mais próxima da população funcional do que dos padrões da população disfuncional (C) (Jacobson & Truax, 1991).
No que tange o âmbito nacional, Del Prette e Del Prette (2008) instigam a utilização do Método JT para constatar a efetividade de diferentes formas de intervenção. Assim, alguns dados fornecidos por Ferreira, Oliveira e Vandenberghe (2014) mostram a eficácia de um grupo de desenvolvimento de habilidades sociais em universitários. Enquanto isso, Sás et al. (2012) investigaram a efetividade de um programa de remediação fonológica em indivíduos diagnosticados com Síndrome de Down; e Yoshida et al., (2009) examinaram as mudanças no padrão de relacionamento conflituoso e nos sintomas psicopatológicos de pacientes submetidos à psicoterapia psicodinâmica breve.
Fica evidente a necessidade de estudos que avaliem os resultados das intervenções psicológicas. Ao considerar a tendência apresentada acima, especial atenção é dirigida aos tratamentos de cunho Cognitivo-Comportamental. Dessa forma, objetivou-se avaliar, por meio do Método JT, os resultados obtidos por um grupo terapêutico, norteado pela psicologia Cognitivo-Comportamental, no atendimento à pessoa com transtorno de ansiedade na rede de atenção primária à saúde.
Método
Participantes
Participaram do estudo 11 mulheres que procuram atendimento na Unidade Básica de Saúde (UBS) reportando queixas de ansiedade, com idade de 20 a 49 anos (M = 34; DP = 7). Na data da coleta de dados, 25% eram solteiras, 8,33%, casadas e 66,67%, divorciadas. Quanto à escolaridade, 75% tinham cursado o ensino fundamental, 16,66%, o ensino médio e 8,33%, o ensino superior. A respeito da profissão, a maioria (58,33%) era do lar, ao passo que as demais estavam distribuídas equitativamente entre estudantes, manicures, serviço gerais, merendeiras e vendedoras (8,33%).
Instrumentos
O Inventário de Ansiedade de Beck (BAI): é um inventário de autorrelato, constituído por 21 itens, que são "afirmações descritivas de sintomas de ansiedade", e que devem ser avaliados em uma escala Likert de 4 pontos, que, conforme o Manual, refletem os níveis de gravidade crescente de cada sintoma: (0 = absolutamente não; 1 = levemente; 2 = moderadamente, 3 = gravemente). O escore total é resultado da soma dos escores individuais e varia de 0 a 63. Os resultados são avaliados de acordo com os seguintes pontos de corte: 0-10 pontos para o nível mínimo de ansiedade; 11-19 pontos para o nível leve; 20-30 pontos para o nível moderado; e 31-63 pontos para o nível grave (Cunha, 2001).
A Escala de Ansiedade de Hamilton (HAM): é um instrumento de heteroavaliação que tem por finalidade medir os componentes psíquicos e somáticos da ansiedade. É composta por 14 itens que compreendem 14 grupos de sintomas, subdivididos em dois grupos: sete relacionados a sintomas de humor ansioso e sete a sintomas físicos de ansiedade. Cada item é avaliado segundo uma escala que varia de 0 a 4 de intensidade (0 = ausente; 2 = leve; 3 = média; 4 = máxima). Vale ressaltar que a soma dos escores obtidos em cada item resulta em um escore total que varia de 0 a 56 (Hamilton, 1959).
Procedimento de coleta de dados
O projeto foi avaliado e autorizado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Goiás (UFG), conforme parecer registrado sob protocolo n. 28/2009. As etapas da pesquisa foram conduzidas de acordo com os padrões exigidos pela Resolução n. 196/1996 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, vigente no período de submissão desse projeto.
A intervenção embasou-se na terapia Cognitivo-Comportamental em grupo, tendo sido realizada em uma UBS com participantes que apresentaram queixas de ansiedade. Os critérios de elegibilidade compreenderam em ter idade superior a 18 anos e apresentar sintomas de ansiedade em, pelo menos, nível leve. Como critério de exclusão, há a apresentação de comorbidades ou o diagnóstico de transtorno mental grave e persistente, além de estar em uso e/ou abuso de álcool e outras drogas.
As respondentes foram esclarecidas quanto ao objetivo e aos procedimentos da pesquisa; aquelas que concordaram em participar, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A intervenção foi realizada por uma psicóloga e ocorreu em encontros semanais por 12 semanas, com duração de 90 minutos.
Ademais, o protocolo com os procedimentos utilizados no grupo foi desenvolvido a partir de dados disponíveis na Literatura da área, conforme a Tabela 1. Os procedimentos incluíam a aplicação da Escala de Ansiedade de Hamilton e do Inventário de Ansiedade de Beck em dois momentos: pré-intervenção, antes das sessões do grupo terapêutico, e pós-intervenção, após o término das sessões do grupo terapêutico em 12 semanas).
Plano de análise de dados
Os resultados dos testes foram tabulados em uma planilha eletrônica. O software estatístico SPSS (Statistical Package for Social Sciences, v. 23) foi utilizado para estimar as estatísticas descritivas dos escores pré e pós-intervenção. Em seguida, os parâmetros do critério "C" do Método JT, que adota o ponto de corte a partir dos dados normativos da distribuição dos escores da população funcional e disfuncional, foram operacionalizados em uma planilha do Excel, a fim de comparar os resultados em ambos os momentos.
Para o Inventário de Beck, adotaram-se os valores descritos no manual de uma amostra funcional composta por funcionários de hospital geral, cuja idade, sexo e estado civil mais se aproximaram da amostra desta pesquisa, a saber: α = 0,71 (N=73; =5,10; DP=3,95, apresentados na Tabela A.3). Para a amostra disfuncional considerou-se o critério de semelhança entre categorias diagnósticas e foram adotados os dados do grupo de transtorno misto de ansiedade e depressão (N=79; =23,5; DP=11,59, Tabela A.1). Em relação à HAM-A, que não dispõe de normatização brasileira, foram adotados os índices apresentados nos estudos de Gloster et al. (2011) e Chen, Chen e Wang (2012): α = 0,89; funcional (N=68; =23,30; DP=4,9); disfuncional (N=138; =24,7; DP=5,4).
A análise do Índice de Mudança Confiável (IMC) permitiu verificar se as mudanças ocorridas entre a pré e a pós-intervenção podem ser atribuídas à intervenção, enquanto a análise da Significância Clínica possibilitou constatar se a intervenção produziu modificações efetivas na vida dos participantes (Sás et al.,2012; Del Prette & Del Prette, 2008).
Resultados
Conforme os objetivos enunciados, o primeiro passo foi verificar os índices de ansiedade presentes na amostra, na pré-intervenção, que variaram entre 11 e 49 (M =40; DP =11) para a BAI (Figura 1) e 6 e 45 (M = 36; DP = 11) para a HAM-A (Figura 2). Em seguida, constataram-se os mesmos índices para a amostra depois da intervenção - 4 a 25 (M = 11; DP = 5) para a BAI e de 5 a 35 (M =14; DP = 9) para a HAM-A. Observou-se, na pós-intervenção, que as participantes revelaram uma concentração maior no nível mínimo e leve, e não houve resultado para o máximo e grave. Apesar de não haver pontos de corte definidos para a HAM-A, pôde-se notar uma certa tendência dos dados na mesma direção dos que foram mostrados pela BAI.
Tendo em vista as insinuações de evolução do grupo mostradas pelos resultados das estatísticas descritivas, pretendeu-se a analisar as melhoras no quadro de ansiedade, caso a caso. Portanto, executou-se a análise realizada com o Método JT, e as Figuras 1 e 2 ilustram a representação gráfica considerando simultaneamente a confiabilidade das mudanças e a significância clínica de acordo com os dados obtidos.
Ao considerar a percepção que os sujeitos tiveram sobre as experiências com os sintomas de ansiedade, avaliadas pela BAI, os resultados mostraram um índice de Significância Clínica (SC) de 9,78, com intervalo de confiança da SC (ICsigcli.) de 0,94, erro padrão da diferença (EPdif) de 4,05 e um intervalo de confiança do índice de mudança clínica (ICIMC) de 7,93. Os resultados relacionados às mudanças atribuídas à intervenção são mostrados na Figura 1.
Pôde-se notar que 10 das 11 integrantes apresentaram mudança positiva confiável, ou seja, as mudanças podem ser atribuídas à intervenção. Esse resultado mostrou que a intervenção foi efetiva, produzindo melhora para quase todos os indivíduos que a receberam. Apenas para o sujeito 6, apesar de ter obtido redução dos escores de ansiedade (de 11 para 4), essa melhora não pôde ser atribuída ao tratamento, pois os escores o posicionaram dentro da faixa de incerteza para mudança confiável.
Ainda foi possível analisar que, para os indivíduos 5 e 7, houve mudança clinicamente significativa. Os dados revelaram que a intervenção proporcionou mudanças suficientes para retirá-los do grupo da população disfuncional, que necessita de intervenção, e elevá-los à condição de população funcional.
Notou-se também que os indivíduos 3 e 11 se posicionaram no limite inferior da faixa de incerteza para significância clínica. Igualmente, embora tenham se beneficiado da intervenção ao reduzirem os sintomas de ansiedade, as participantes 1, 2, 4 e 10 não apresentaram suficiente mudança, clinicamente significativa, para retorná-las à condição de população funcional.
Destaca-se que as participantes 8 e 9 obtiveram um escore inicial alto e que permaneceu dessa forma, mesmo depois da intervenção. Para elas, apesar da melhora alcançada com a intervenção (de 49 para 27 e de 49 para 25, respectivamente), podem ser consideradas novas estratégias de tratamento, a exemplo da farmacoterapia combinada com a modalidade individual de terapia cognitiva e comportamental.
Em seguida, são apresentados na Figura 2 os resultados de mudança observados pela profissional, referentes à HAM-A - SC de 23,97, com ICsigcli. de 0,70; e EPdif de 3,17 e um ICIMC de 6,21.
Nesse caso, também foi possível notar que 10 das 11 participantes apresentaram mudança positiva confiável. Esse resultado, oriundo de outra fonte de informação, apoia a proposição anterior de que a intervenção pôde ser considerada efetiva. Igualmente ao resultado de autorrelato, a participante 6 obteve escores dentro da faixa de incerteza, mas a partir do julgamento clínico do profissional.
Também considerando os dados disponíveis para a HAM-A, houve modificações clinicamente significativas para os sujeitos 1, 2, 3, 5, 7, 8, 10 e 11. Segundo o julgamento clínico do profissional, as mudanças apresentadas pelos sujeitos depois da intervenção os deslocaram para a população funcional; portanto, não há a necessidade de outras intervenções.
Ressalta-se que apenas as participantes 4 e 9, apesar de a intervenção ter diminuído os sintomas de ansiedade (de 35 para 28 e de 44 para 35, respectivamente), não apresentaram mudança clinicamente significativa; elas foram inicialmente avaliadas com muitos sinais e sintomas de ansiedade que, mesmo após a intervenção, continuaram clinicamente evidentes.
Discussão
Tencionou-se avaliar os resultados de uma intervenção Cognitivo-Comportamental em grupo, para pacientes com sintomas de ansiedade que procuraram atendimento na rede de atenção primária. Especificamente, foram comparadas as mudanças na percepção da experiência com os sintomas e a avaliação da presença dos sintomas feita por um profissional antes e depois da intervenção.
Nesse entremeio, o Método JT permitiu avaliar o quanto os resultados possam ter sido atribuídos aos procedimentos utlilizados e o impacto das mudanças sobre o funcionamento adaptativo do cliente (Wesner et al.,2014; Del Prette & Del Prette, 2008). Embora o número de pesquisadores que visam avaliar a efetividade das intervenções seja crescente (Ferreira, Oliveira, &Vandenbergh, 2014; Sás et al., 2012; Yoshida et al., 2009), percebe-se ainda, em muitos casos, a utilização de mensurações embasadas em medidas estatísticas inferênciais que, geralmente, não agregam segurança quanto à confiabilidade de tais apontamentos.
Os resultados encontrados mostraram que o método estatístico utilizado possibilitou operacionalizar a recuperação de maneira relativamente objetiva e imparcial. Também permitiu evidenciar os progressos do grupo sob intervenção, bem como a evolução de cada indivíduo desse grupo. Notou-se mudança positiva e confiável na maioria do grupo, ou seja, ao longo do tratamento houve diminuição dos sintomas da ansiedade, tanto na avaliação realizada pelas integrantes como na realizada pelo profissional. Esses dados são corroborados por achados da literatura que também apontam a remissão ou o total controle dos sintomas com o uso da TCCG nas diversas manifestações dos transtornos de ansiedade (Chen, Chen, & Wang, 2012; Lydiard et al., 2010).
Tal aspecto embasa a interpretação geral de que a intervenção foi bem-sucedida e a ideia de que a adoção desse modelo interventivo deve ser estimulada, ao menos nos mesmos contextos de aplicação. Além disso, foi consoante com a pesquisa realizada por Lucchese et al. (2014), que salientaram o serviço de saúde mental oferecido na AP como um caminho possível e assertivo, que responde às necessidades de saúde da população.
Com relação à análise da significância clínica das mudanças, constatou-se que alguns participantes usufruíram positivamente da intervenção apresentando melhora, mas ainda permanecendo em um grupo clínico; ainda necessitando de outras intervenções. Segundo o modelo cognitivo, um dos desafios nos tratamentos de pacientes ansiosos é a mudança dos pensamentos recorrentes geralmente associados a perigo e ameaça. Esses pacientes comumente supervalorizam o perigo das situações e subestimam seus recursos pessoais para lidar com os eventos considerados ameaçadores. A crença arraigada neles está relacionada à vulnerabilidade, em que os fatores de risco são mais evidentes do que os de proteção (Wesner et al., 2014; Heldt et al., 2011).
Porém, algumas discrepâncias entre os dados dos dois instrumentos utilizados foram notadas, por exemplo, quanto à significância clínica. Tal diferença pôde ser atribuída à utilização de dados de uma amostra que, embora ofereça sintomas semelhantes, apresenta variáveis diferentes, inclusive de nacionalidade. Caso fosse tomado de forma isolada, o resultado observado pelo emprego de HAM-A levaria à interpretação, na perspectiva do profissional, de que mais pessoas passariam ao grupo funcional (Gloster et al., 2011; Chen, Chen, & Wang, 2012). Esse aspecto, apesar de não ter comprometido as interpretações no presente estudo, é importante e reforça a necessidade do desenvolvimento de parâmetros nacionais para as medidas disponíveis para uso em nosso país.
Embora o serviço de saúde onde a intervenção foi realizada estivesse aberto para livre demanda e sem especificação de gênero, a constituição desse grupo se deu totalmente por mulheres casadas que se caracterizaram como "do lar" e com menores níveis de escolaridade. Esse fator é coerente com os encontrados em outras pesquisas que apontam a maior incidência de transtornos de ansiedade em mulheres com tais características (Skapinakis et al., 2013; Fortes et al., 2011).
Ao final, pôde-se apontar que a utilização dos instrumentos proporcionou um diagnóstico situacional, além de medidas interventivas e da avaliação terapêutica por meio da remissão, permanência ou extinção das variáveis de ansiedade. Em decorrência, foi possível considerar que a intervenção terapêutica em grupo, pautada na abordagem da TCCG, viabilizou mudanças efetivas nos sintomas apresentados pelas mulheres pesquisadas e se revelou como uma ferramenta possível para uso no contexto da atenção à saúde mental na AP.
Reconhece-se que a presente proposta de intervenção avance no sentido de dar respostas assertivas às necessidades de saúde da população que sofre com transtorno mental moderado, além de efetivar uma prática de atenção à saúde mental na AP. No entanto, a abordagem de uma realidade específica, com amostra reduzida em um dado contexto psicossocial, limita as generalizações dos achados para contextos distintos.
O pequeno número de encontros gera uma situação de artificialidade no contexto de aplicação e avaliação da terapia. Apesar disso, os resultados podem ser vistos como elementos, no sentido de que é cada vez mais importante aprimorar a qualidade metodológica para a avaliação das intervenções.
Diante desses argumentos, sugere-se que outras pesquisas com essa modalidade de intervenção sejam aplicadas em amostras diversas no contexto nacional. Especial consideração pode ser dada a mudanças sobre outras variáveis individuais, contribuindo tanto para a consolidação do suporte empírico sobre sua efetividade quanto para a adoção desse método na rede de atenção psicossocial.
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Endereço para correspondência:
Keila Marine Pedrosa dos Santos: Edifício Rafael Felice
Rua França, nº 258, ap 304 - Vila Chaud
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Telefone: (+5564) 98125-7600
E-mail: keilamarinepsico@yahoo.com.br
Submissão: 1.12.2016
Aceite: 22.8.2017