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Psicologia: teoria e prática
versão impressa ISSN 1516-3687
Psicol. teor. prat. v.4 n.1 São Paulo jun. 2002
ARTIGOS
Representações sociais de governo, justiça e polícia: um estudo nas camadas média e popular da Grande Vitória/ES1
Government, justice and police social representation: a study in popular and middle classes in the great vitória regional
Fabiana Pinheiro Ramos; Helerina Aparecida Novo
Universidade Federal do Espírito Santo
RESUMO
O objetivo do presente trabalho é analisar representações sociais de governo, justiça e polícia, em sujeitos das classes média e popular, de ambos os sexos, residentes na Grande Vitória/ES. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas semi-dirigidas com oitenta e um sujeitos da classe média e sessenta da classe popular. Este trabalho é fruto de uma pesquisa mais ampla que apresentou diversos resultados, uma vez que os dados obtidos foram submetidos a análises qualitativas e quantitativas. No presente artigo será discutida a questão do descrédito nas instituições responsáveis por manter a ordem e a justiça (governo e polícia) e suas relações com a violência. De um modo geral, ambas as classes sociais pesquisadas parecem ter concepções semelhantes no que se refere a esses aspectos.
Palavras-chave: Violência; Governo; Polícia; Justiça.
ABSTRACT
The objective of this paper is to analyze government, justice and police social representations, involving popular and middle classes individuals of both sexes, residing in the Great Vitória Region. The data was collected throught semi-directed interviews with eighty-one middleclass and sixty popular class subjects. This work belongs to a more complex research, that had many results, because the data was submitted to quantitative and qualitative analysis. In this article we will discuss the low belief in those institutions which are responsible to sustain order and justice (government and police) and their relation with violence. Both classes, in a general way, seem to have the same concepts on the theme analyzed in this paper.
Keywords: Violence; Government; Police; Justice.
A violência e a criminalidade estão entre os fatores que mais geram preocupação e medo para os indivíduos em nossos dias, seja porque fazem parte da vida cotidiana (especialmente nas grandes cidades) ou porque as notícias de violência têm tomado conta de boa parte das manchetes dos meios de comunicação: jornais, televisões e rádios. Temos de lidar com a violência de alguma forma, por experiência direta ou indireta; nesse processo de compreensão da realidade, as representações sociais tornam-se fundamentais para apreendermos o fenômeno da violência.
As representações sociais são formas de conhecimentos socialmente elaborados e partilhados, cujo propósito é transformar algo não familiar em familiar, expressando uma mediação entre o sujeito ps íquico e a realidade social. A representação é uma ação simbólica de um sujeito em relação a um mundo, mas seu processo de produção é social. A respeito das representações sociais Jodelet afirma:
O conceito de Representação Social designa uma forma específica de conhecimento, o saber do senso comum, cujos conteúdos manifestam a operação de processos generativos e funcionais socialmente marcados. Mais amplamente, designa uma forma de pensamento social. As Representações Sociais são modalidades de pensamento prático orientadas para a comunicação, a compreensão e o domínio do ambiente social, material e ideal. Enquanto tais, elas apresentam características espec íficas no plano da organização dos conteúdos, das operações mentais e da lógica (Jodelet, 1984, citada por Sá, 1993, p. 32).
As representações sociais são fundamentais para a compreensão do comportamento social, não sendo uma construção definitiva, mas apresentando certa plasticidade que se realiza em função dos diversos contextos históricos. O conceito de representação social nos ajuda a entender como se dá a instituição imaginária da sociedade pela via da cognição e dos afetos.
As concepções de violência vigentes em nossa sociedade vão recebendo ao longo do tempo novas significações e representações pelos diversos grupos sociais; a violência não é a mesma de um período a outro da história, mas vai sofrendo transformações de acordo com as mudanças nos contextos sociais, políticos e econômicos que ocorrem não só localmente mas também mundialmente (Wieviorka, 1997).
A modernidade contemporânea parece justificar novos atores da violência; com a globalização e o consumismo exacerbado, a inserção do indivíduo na sociedade se relaciona à sua capacidade de produzir e consumir bens materiais. Talvez, esse novo modelo social leve a práticas de violência que visem fins econômicos. A questão da violência em nosso país é agravada pelas sucessivas crises econômicas e sociais que empurram parte da população empobrecida para um estado quase miserável, o que acaba por favorecer certas práticas criminosas como alternativa de vida.
A maneira como os indivíduos percebem valores como respeito à vida, religiosidade, solidariedade e honestidade parece ser outro fator que favorece o crescimento das práticas de violência: aquilo que muitas vezes chamamos de violência por motivos banais parece denunciar um enfraquecimento de valores morais e éticos na maneira de os sujeitos enfrentarem conflitos que surgem em seu cotidiano.
Um dos aspectos que chama atenção dentro do panorama de representações sobre a violência é a descrença da população nas instituições responsáveis por manter a ordem e a justiça. O declínio e o enfraquecimento do poder do Estado em resolver as questões sociais freqüentemente nos levam a crer que a segurança pública aparenta estar mais para calamidade, do que para um problema a ser resolvido, o que gera um constante estado de alerta e preocupação social.
Cresce cada vez mais a idéia de que os sistemas judiciário e legislativo não possuem uma solução para violência e tampouco se preocupam com ela. A polícia, por sua vez, é vista como uma instituição mal preparada e mal formada, que deveria combater a violência, mas que parece contribuir para que ela cresça. O medo da polícia e a descrença nessa instituição contribuem para o fortalecimento da idéia de que a violência é um problema insolúvel, e da visão de que a sociedade tende para um caos completo (Cardia, 1997).
A violência, nesse contexto, passa a ser um fenômeno para além de suas implicações objetivas e ganha contornos de um “mal social”, um “fantasma” a nos rondar e assustar o tempo todo, gerando um sentimento constante de insegurança e preocupação por parte dos indivíduos, que se sentem ameaçados e vulneráveis em seu cotidiano. As percepções tornam-se confusas e incertas, contribuindo para a mitificação do fenômeno da violência.
Método
A presente pesquisa foi realizada com cento e quarenta e um sujeitos pertencentes aos níveis sócio-econômicos médio e popular de diversos bairros da Grande Vitória/ES. Consideramos como sendo de nível sócio-econômico médio os sujeitos que possuíam casa própria e renda familiar entre doze e vinte e nove salários mínimos; já a classe popular foi composta de indivíduos que possuíam renda familiar inferior a oito salários mínimos.
A coleta de dados foi feita em duas fases (nos anos de 1997 e 1998) por meio de entrevistas semidirigidas que foram gravadas e, posteriormente, transcritas. Os dados assim obtidos foram submetidos a Análise de Conteúdo (Bardin, 1977). Na primeira fase da pesquisa foram realizadas entrevistas com oitenta e um indivíduos de classe média: vinte e sete jovens universitários, de ambos os sexos, um de seus pais e um de seus avós. Na segunda fase, aplicamos o mesmo procedimento em uma amostra de sujeitos provenientes de vinte famílias da classe popular, totalizando sessenta sujeitos.
A pesquisa apresentou diversos resultados, frutos de análises tanto quantitativas como qualitativas; neste artigo destacaremos a questão do descrédito nas instituições responsáveis por manter a ordem e a justiça e suas relações com a violência. Os resultados serão apresentados por meio da citação de alguns discursos que ilustram as representações sociais de violência, governo, justiça e polícia existentes entre os sujeitos pesquisados.
Discussão
Em relação ao papel e ao poder desempenhados pelo governo e pela polícia no combate à violência, os resultados obtidos nas duas fases da pesquisa apontam para concepções comuns nos discursos dos sujeitos das duas classes sociais investigadas, que nos remetem a uma análise de como a violência vem sendo representada socialmente na atualidade.
A descrença nas instituições responsáveis por manter a ordem e a justiça é traduzida nos discursos dos sujeitos principalmente quando estes se referem a falta de se ter a quem recorrer para garantir seus direitos de cidadão:
Eu acabei de crer que no nosso país se voc ê não tiver dinheiro não existe justiça. Isso eu falo mesmo, e não tenho medo de falar [...]. Nosso Brasil não tem justiça. Nesse país não existe justiça. A nossa justiça é só Deus, na terra nenhuma (Mãe, classe média).
A má imagem das instâncias ligadas à segurança pública parece estar baseada não só na sua arbitrariedade, mas também na sua ineficiência na resolução de casos e no tratamento dispensado a quem procura essas instituições. Sabe-se que, desde a época da ditadura, a ação policial é marcada pela arbitrariedade e pelo abuso de poder. Mesmo com a consolidação da democracia brasileira, este quadro parece não ter mudado muito, e o direito à segurança parece não ter sido adquirido por grande parte da população (Cardia, 1997).
Todas as autoridades têm parte nisso tudo, eu acho que começa pelas leis, eles fazem as leis e elas nunca aparecem por aí. Eu acho que em certos casos por aí, deveriam ter uma leis melhores, mais severas. Uma mata o outro e fica por isso mesmo, fica preso uns dias, o advogado vai lá e solta amanhã depois está fazendo de novo, não é isso? Então eu acho que é isso: umas leis mais severas, umas prisões melhores, uns processos melhores. O pessoal mata aí e leva até anos para ser julgado (Avó, classe média).
— Na sua opinião o que poderia ser feito para diminuir a violência?
— Entregar a Deus, porque não tem outro jeito, a polícia não dá jeito, eles fazem as coisas, fazem e consentem, como quando mataram o meu filho, mesmo, o que fizeram? Nada. Entreguei na mão de Deus e pronto, porque não teve mais jeito, até hoje eles não sabem quem foi. [...] Só esperam que a polícia desse um jeito, mas não tão dando jeito. Deveriam ser castigados, mas não são (Avó, classe popular).
No que se refere ao papel e ao poder da polícia e do governo (legislativo e judiciário), a população entrevistada parece apresentar uma crença enfraquecida nessas instituições. Muitos sujeitos percebem a polícia como uma instituição ineficaz e que até contribui para o aumento da violência; os discursos são bem claros quando se referem a esse aspecto:
O instrumento para controlar tudo isso (a situação de violência) é a polícia, só que a gente vê realmente no que passa os anos a polícia continua desestruturada, sem material humano, então eu acho muito difícil (combater a violência) (Pai, classe média).
E a polícia não está agindo de maneira certa, a gente vê os próprios policiais envolvidos em tráficos de drogas e crimes, para isso o governo tinha que dar maior atenção [...] (Jovem, sexo feminino, classe média).
Arrombaram a casa da gente e levaram todos os pertences [...]. Uma humilhação muito grande, né? Você sente que a justiça não... Foi acionada a polícia para intervir, mas muito fraca. Não tinha elementos, não tinha material pra poder... pra poder pesquisar, saber realmente quem forma os autores (Pai, classe média).
O problema é que eles são despreparados, o governo paga uma mixaria pros caras , e eles não têm estrutura, aparelhamento, aparelhagem assim: armas, rádio, tecnologia a favor não tem nenhuma. A polícia civil, menos ainda, então alguns são bandidos também, de vez em quando aparece um aí, preso e tal. O cara que matou foi descobrir que era soldado, era da polícia civil. É lógico que isso não significa que todos são perversos, que todos s ão cruéis, não, não é bem assim (Pai, classe média).
As representações sociais relativas à ineficácia da polícia dão margem para a aceitação e legitimação do surgimento de linchamentos e grupos de justiceiros, que acabam por assumir o lugar e o papel que deveriam ser ocupados pelas instituições responsáveis por manter a ordem e a justiça.
Antigamente, há muitos anos, eu nem me lembro qual foi o governador daqui que resolveu botar o Esquadrão da Morte. [...] Olha, aquilo produziu tanto efeito, que quase a gente não ouvia falar em morte. Porque eles tiravam, acabavam, sumiam mesmo com essa gente. Foi ótimo pra poder melhorar. Assim também que devia se fazer (Avó, classe média).
Os sujeitos, muitas vezes descrentes da atuação da polícia, acabam por apoiar tais iniciativas como uma forma justificada de combater a violência, uma vez que a exclusão do agente da violência parece ser a única alternativa vi ável para punir seu delito.
Essas práticas indicam que estamos em face de rituais de exclusão ou desincorporação e dessocialização de pessoas que, pelo crime cometido, revelam-se incompatíveis com o gênero humano, como se tivessem exposto, por meio dele, que nelas prevalece a condição de não-humanas (Martins, 1996, p. 20).
O medo da polícia tem lugar nesse cenário em que não se sabe mais quem é o bandido e quem não é; as ações da polícia acabam por demonstrar que muitas vezes a própria polícia comete atos criminosos e pratica a violência, ao invés de combatê-la. O medo está presente principalmente na classe popular, que sem dúvida é mais vulnerável e mais sujeita às arbitrariedades da polícia. Muitos dos sujeitos desta classe conhecem ou já ouviram falar de alguém de sua convivência que apanhou da polícia ou que foi preso injustamente, sem o devido respeito aos seus diretos de cidadão.
A inexistência de mecanismos amplamente difundidos de proteção da população contra eventuais abusos cometidos pela polícia pode estar alimentando a desconfiança da população em relação à polícia, o descrédito e sua má imagem (Cardia, 1997, p. 260).
Na comparação entre as representações de violência das duas classes pesquisadas, é interessante citar que apesar de a classe popular ter se referido com mais freqüência ao descrédito em relação ao governo e a polícia, ambas as classes se referiam a esse aspecto com grande eloqüência e acompanhado de forte emoção. A classe popular parece confirmar suas concepções a partir da experiência direta com a violência, e a classe média, pautada na experiência indireta e alimentada pelo fantasma da violência, é levada a crer que, certamente se um dia precisar da justiça e da polícia, vai ter de se virar sozinha.
Diante dessa situação social complexa, surgem sentimentos carentes de significação e soluções objetivas, configurando um quadro em que os indivíduos de ambas as classes não sabem exatamente como se comportar (ver, pensar, agir) socialmente. A desorientação dos sujeitos foi claramente percebida pelas diversas contradições que surgiram em seu discurso durante a entrevista.
Ao final da entrevista, quando era apresentado um caso real, ocorrido na época da pesquisa, a desorientação dos sujeitos perante o fenômeno da violência ficou mais nítida. O caso teve ampla repercussão na mídia local: uma adolescente de quinze anos, estudante de classe média, fora estuprada e assassinada em sua própria casa por dois rapazes que eram seus conhecidos. Ao serem questionados sobre o que pensavam a respeito do caso descrito, muitos sujeitos reorganizam e resignificam o seu discurso para dar conta de sua desorientação, às vezes contradizendo o que já haviam dito anteriormente no decorrer da entrevista (o caso real era a última questão colocada para os sujeitos):
Eu achei uma barbaridade, um absurdo. [...] Demais, não tem justificativa no caso dela. É pena de... eu, pra isso, eu achava que devia ter até uma pena de morte. Apesar de que nós somos católicos, não podemos pensar em pena de morte, mas do jeito que eles estão fazendo, tirando a vida das pessoas, por que eles não podem também ser castigados de outra maneira? [...] Assim, como ele pode tirar a vida de uma pessoa, pode tirar a dele também (Avó, classe média).
Olha, você até anotou de que religião eu sou, né? Mas tipo assim, eu fico com raiva, muito ódio, me dá um preto na minha cabeça de novo. Tipo assim, se eu fosse parente, se eu conhecesse, eu acho que eu mataria as pessoas que fizeram isso, eu me vingaria, porque é um absurdo. Eu racionalmente sou contra a pena de morte, uma hora dessas eu sou a favor. Não conscientemente, se alguém perguntar: voc ê é a favor da pena de morte? Não eu sou contra, mas no fundo, no fundo eu sou a favor (Jovem, sexo feminino, classe média).
Eu não tenho nem o que dizer, é difícil demais, esse cara deve ser um animal, um ser humano não age deste jeito. Um ser humano normal não age desse jeito pegando um inocente e fazendo isso... uma pessoa que faz aquilo com uma menina é um monstro, uma pessoa sem sentimento, uma pessoa que gosta da outra não vai tirar a vida dela (Mãe, classe popular).
— Eu acho uma malvadeza, é tão ruim ter uma pessoa assim, deveria pegar esses caras e mandar eles pro “zazu”.
— O que é mandar para o “zazu”?
— Mandar para longe, mandar para fora (Avó, classe popular).
Os criminosos passam a ser vistos como se não fizessem parte do mundo no qual se aplicam regras, valores e considerações de justiça, gerando um processo de exclusão moral, onde determinado grupo é percebido como dispensável, não merecedor de direitos e de dignidade.
A crença predominante é que estes homens e mulheres, ao cometerem delitos, criaram uma d ívida com a sociedade; eles teriam não só que contribuir de modo a igualar o benefício, mas de modo a superar os benefícios para terem crédito. Aqui, o equilíbrio só pode ser obtido se eles derem mais para a sociedade do que recebem (Cardia, 1994, p. 44).
A partir dessas representações de justiça, fica difícil o estabelecimento de práticas democráticas e de construção da cidadania, pois esta nem sempre é vista como um direito universal. Os direitos humanos, de reivindicações democráticas, acabam sendo vistos como “privilégio de bandidos”, ganhando uma valoração negativa em nossa sociedade (Caldeira, 1991).
Cidadania é consciência dos direitos iguais, mas esta consciência não se compõe apenas do conhecimento da legislação e do acesso à justiça. Ela exige o sentir-se igual aos outros, com os mesmos direitos iguais. Há uma necessidade subjetiva para suscitar a ades ão, a mobilização, tanto quanto condições para agir em defesa destes direitos (Sawaia, 1994, p. 152).
Configura-se assim um quadro de insegurança e incerteza: o sujeito não sabe se extermina o criminoso ou o deixa viver, não sabe se as autoridades combatem ou proliferam a violência. Muitos sujeitos partem em busca de soluções mágicas que venham a preencher o vazio deixado pela ineficiência e descrédito no governo e na polícia. Já que os problemas criados por nossa sociedade não conseguem ser resolvidos pelas pessoas que a compõem, surge um apelo a “forças” que a transcenderiam, capazes de solucionar como num passe de mágica os problemas que nos circundam.
As relações político-econômicas que permeiam cada sociedade parecem ser deixadas de lado na busca de soluções concretas, e invoca-se Deus como sendo o único capaz de resolver os problemas sociais (incluindo a segurança pública), ou então alguma pessoa dotada de extrema bondade e inteligência que possa combater o “mal” e restabelecer a ordem social.
A idéia de que a violência é um mal insolúvel prevalece na maior parte das respostas; são poucas as entrevistas em que o sujeito aponta soluções concretas e possíveis para o problema da violência, como responsabilidade de todos e não só do governo:
Então eu acho que o povo deveria cobrar saúde, educação, segurança desse povo aí. Aí a gente ia ver a coisa diferente. Você tem que sempre procurar solucionar os problemas, não é sempre o governo, governo, governo; ele é muito pequeno para dar conta de tudo, as vezes acontece um problema maior que ele, eu acho que a gente, a sociedade de modo geral, desenvolver uma segurança, uma polícia interativa, parece que está funcionado direito, mas eu não sei se está funcionando direito. Então eu acho que essa questão da violência, só o povo tem a solução. Na hora que eu sair para a rua para resolver e achar mais pessoas que pensam como eu e que acha soluções pra gente, eu acho que a gente toma um pequeno passo.A gente tem que achar nossas próprias soluções, agora quem tá lá no poder não faz nada (Pai, classe média).
[...] deveriam fazer o seguinte: o desarmamento a nível nacional. Desarmar a polícia, desarmar o cidadão. Eu acho que só assim tiraria, quase que 80% dos crimes seriam evitados se acabassem com as armas. Eu acho que podem fazer isso, é um trabalho dif ícil, mas eu acho que eles poderiam trabalhar em cima disso (Pai, classe média).
A classe popular, de forma geral, parece não acreditar em soluções para o problema, a não ser por “interferência divina”; já alguns sujeitos de classe média, ainda que descrentes, conseguem propor algumas alternativas para a questão da violência.
Conclusões
Independentemente da classe social considerada, elementos semelhantes nas concepções de justiça, governo e polícia parecem ser partilhados pelos sujeitos pesquisados, apesar das variações decorrentes da experiência direta ou indireta com a violência. O descrédito nessas instituições parece confirmar o quadro no qual o fenômeno da violência atinge ares fantasmagóricos:
Perante uma repetição excessiva de informações, somada à fragmentação e à descontextualização dos fatos, a realidade vai sendo esvaziada de seus significados. É nesse contexto que o sentido da violência encontra um terreno prof ícuo para a banalização (Novo, 1996, p. 16).
O clima de insegurança, medo e vulnerabilidade gerado pela idéia de que não se sabe mais quem é quem, e de que não se pode mais confiar em ninguém, tem levado um crescente número de pessoas a resolver o problema da violência por meio de soluções privadas, contribuindo para o fortalecimento de práticas individualistas e de autoproteção, que a longo prazo não resolvem o problema, mas tendem a agravá-lo.
Entendemos que, ao alimentarmos o imaginário social com esta ameaça permanente do fantasma da violência, estaremos favorecendo cada vez mais a redução dos espaços de convivência e, portanto, dos espaços onde se podem construir e reforçar os laços de solidariedade e fraternidade.
Acreditamos que o contato do sujeito com novas pessoas e novas experiências possibilita-lhe confrontar sua representação de mundo e questionar os sentidos e significados construídos sobre a realidade que o cerca e sobre si-mesmo. Em outras palavras, situações e eventos que ocorrem de forma mais próxima e acessível ao sujeito e com os quais ele pode ter contato direto, bem como o contato com outras pessoas, amigos, conhecidos ou mesmo grupos sociais mais amplos, lhe possibilitam a construção de interpretações próprias e diferenciadas das produzidas pelas instituições sociais (Souza, 1998, p. 1).
Reforçar os espaços públicos de convivência torna-se uma alternativa necessária a fim de reverter o panorama de banalização e mitificação da violência.
Referências
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Endereço para correspondência
Universidade Federal do Espírito Santo
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
Av. Fernando Ferrarri, s/n
Goiabeiras – Vitória – ES
CEP 29060-900
e-mail: hnovo@zaz.com.br
Tramitação
Recebido em setembro/2001
Aceito em fevereiro/2002
1 A pesquisa que deu origem a este artigo foi realizada em 1997 e 1998. Participaram também da pesquisa: Denise Carla Goldener Coelho, bolsista de Iniciação Científica (CNPq/PIBIC) e Lissana Nolasco da Costa, bolsista do FACITEC/PMV.