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Psicologia: teoria e prática
versão impressa ISSN 1516-3687
Psicol. teor. prat. v.7 n.2 São Paulo dez. 2005
ARTIGO
Resolução de problemas na atenção ambulatorial da esquizofrenia
Solving problem in attention ambulatorial of schizophrenia
Mário Gomes de Figueirêdo; Elizeu Batista Borloti
Universidade Federal do Espírito Santo
RESUMO
Com a reforma psiquiátrica, muitas famílias de portadores de transtornos mentais passaram a enfrentar problemas relacionados à atenção ambulatorial. Este artigo analisa verbalizações de resolução para problemas da atenção ambulatorial da esquizofrenia, em famílias de usuários de um CAPS tipo II, ocorridas no contexto de uma discussão, interpretando quais verbalizações atuariam como regras na resolução dos problemas identificados. Participaram da pesquisa cinco famílias de classe popular, com renda variando de 2 a 4 salários mínimos. As interações verbais dos familiares foram gravadas em vídeo, transcritas e analisadas, a partir da teoria sobre comportamento verbal na resolução de problema e comportamento verbalmente mediado (regras), proposta pelo Behaviorismo Radical. Os resultados obtidos indicaram que o comportamento agressivo do usuário e sua recusa em tomar a medicação foram, dentre todas as situações identificadas como problemas, aquelas verbalizadas por todas as famílias participantes. As verbalizações de resolução geralmente foram generalizações de ações bem sucedidas em ocasiões vividas pelas famílias, e os dados sugeriram que suas formulações em alguns casos atuam como regra no enfrentamento de problemas semelhantes.
Palavras-chave: Esquizofrenia, Atenção ambulatorial, Resolução de problema, Regras.
ABSTRACT
After the psychiatric reformation many families of users of mental health services come to face problems related to ambulatorial settings of treatment. This article analyses solving verbalizations of problems in ambulatorial settings of treatment to schizophrenic patients, emitted by their families during a discussion about those problems in a context of a CAPS type II (Psychosocial Attention Center). It was interpreted which of those verbalizations should act as a rule in solving the identified problems. Five families from popular social contexts participated of sessions of familiar discussions about problems that they were facing. Their verbal interactions were recorded and transcripted, and analyzed according to solving problem and rule governed behavior theories, as proposed by Radical Behaviorism. The results points out that patients’ aggressive behavior and their refuse to take medicaments were verbalized as a problem by all five families. Usually the solving problems verbalizations were descriptions of successful actions in past situations experienced by families. Data suggest that these descriptions, in same cases, act as a rule when families come to face similar problems.
Keywords: Schizophrenia, Ambulatorial treatment, Solving problem, Rule.
Introdução
Durante séculos passados, a loucura no Ocidente teve diferentes formas de ser abordada pela sociedade, em virtude de determinantes históricos de cada época. Na Antigüidade e em parte da Idade Média, o louco gozava de certo grau de liberdade. Enquanto os ricos mantinham seu parente em casa, sob a guarda de um serviçal, aos pobres era permitido vagar pelas cidades, vivendo da caridade pública (RESENDE, 2001). A partir do século XIV, na Europa, mudanças econômicas colocaram a loucura na condição de problema social e os loucos passaram a ser alvo de exclusão da sociedade, através de internações em massa (FOUCAULT, 2000; AMARANTE, 1995). Os comportamentos que transgrediam os padrões de normalidade da época, eram vistos como problema social e resolvidos mediante internações em manicômios, hospitais psiquiátricos ou colônias agrícolas (DELGADO, 2001; RESENDE, 2001). A partir da segunda metade do século XX, movimentos sociais produziram transformações no campo da atenção à saúde mental, gerando um novo paradigma: a reabilitação através da inclusão social (ALVES, 2001; AMARANTE, 2001; PITTA, 2001; SARACENO, 2001; LANCETTI, 2003). A convivência dentro de casa com o portador de transtorno mental tornou-se, então, fundamental nesse novo modelo.
Essa nova proposta, formalmente regulamentada pela legislação em vigor no país (BRASIL, 2002a; BRASIL, 2002b; BRASIL, 2004; OMS; OPAS, 2001), determina a reabilitação do portador de transtorno mental através de sua inserção na família, no trabalho e na comunidade. Assim, os cuidados passaram a ocorrer dentro de casa, na convivência com o familiar em tratamento e não mais no isolamento dos manicômios.
Com isso, os familiares se depararam com o desafio de encontrar soluções adequadas às necessidades de cuidados e ao relacionamento com o parente em tratamento (SCAZUFCA, 2000; OLIVEIRA; BASTOS, 2000; BANDEIRA; MACHADO; PEREIRA, 2002). As demandas surgidas a partir daí são diversas. Cuidados com a higiene pessoal do familiar em tratamento e relacionados a sintomas como insônia e quadros de agressividade e agitação psicomotora, são algumas delas (ROSA, 2003).
Na esquizofrenia, o indivíduo em crise apresenta intensas perturbações de comportamento, manifestações de delírios e alucinações, perda do juízo de realidade, embotamento afetivo e episódios de agressividade (MELO, 1986; OMS, 1993; KAPLAN; SADOCK; GREBB, 1997; DALGALARRONDO, 2000; BRITO, 2004). Tais manifestações costumam permanecer mesmo após alta médica de internações breves, pois geralmente há apenas remissão parcial do surto psicótico (KAPLAN; SADOCK; GREBB, 1997 SHIRAKAWA, 2000), o que acrescenta às dificuldades da convivência, um sentimento de frustração nos familiares do paciente esquizofrênico quanto ao seu desempenho social, freqüentemente abaixo das expectativas (MOREIRA; CRIPPA; ZUARDI, 2002). Tal comportamento perturbado gera forte impacto sobre a vida familiar (MCELROY, 1996; MARTONE; ZAMIGNANI, 2002), e transforma-se em problemas cuja resolução muitas vezes está acima dos recursos materiais e emocionais das famílias (SCAZUFCA, 2000; ROSA, 2003). O ato de cuidar de um parente com doença crônica, além de provocar modificações na dinâmica das relações familiares, gera estresse físico e mental em todos e, de forma mais intensa, naquele estabelecido como cuidador único (DATILLIO, 1995; ENUMO, 1997; GARRIDO; ALMEIDA, 1999; SILVEIRA; CARVALHO, 2002; CERQUEIRA; OLIVEIRA, 2002; MALERBI, 2002). No caso da esquizofrenia, uma conseqüência dessa sobrecarga é a freqüente solicitação por internações do familiar em tratamento, na qual grande parcela visa mais afastar o paciente de casa do que propriamente tratá-lo (TSU, 1993; RODRIGUES; FIGUEIREDO, 2003), o que acaba por trazer de volta uma prática do antigo modelo de exclusão social. Torna-se imprescindível, portanto, o efetivo apoio às famílias de usuários dos serviços de atenção à saúde mental, para a sua reabilitação e reintegração social.
No processo de reintegração social de esquizofrênicos, são utilizados programas de treinamento em habilidades sociais, buscando dotar-lhes de maior autonomia, o que contribui também para redução da sobrecarga sobre os familiares cuidadores (BANDEIRA; MACHADO; PEREIRA, 2002; ARAÚJO; DEL PRETTE, 2003). As intervenções psicossociais com as famílias, disponibilizadas pelos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), ocorrem basicamente na forma de orientação e instruções (ROSA, 2003). Entretanto, a existência dessas propostas de intervenção não torna a relação entre a família e o portador de transtorno mental menos complexa, pois, de fato, ela envolve dificuldades de diversas naturezas, as quais, invariavelmente, são extremamente difíceis (OLIVEIRA; BASTOS, 2000; SCAZUFCA, 2000; RODRIGUES; FIGUEIREDO, 2003; ROSA, 2003). Desta forma, seguir regras na forma de instruções ou orientações talvez não seja suficientemente eficaz para que os familiares consigam superar tais dificuldades. Isso torna relevante uma compreensão do seguir regras no contexto da resolução de problemas, o que envolve aspectos teóricos, dentre os quais, o conceito de comportamento verbal.
Comportamento verbal na resolução de problema
A resolução de problema é, em síntese, o processo de encontrar uma solução eficaz para uma situação problema (NEZU; NEZU, 1996) e, para uma efetiva resolução, são usados procedimentos que encorajem o aparecimento de uma nova resposta que sugira uma solução (SKINNER, 1994). Para o Behaviorismo Radical, a resolução de problema é comportamento, visto que as características discriminativas da situação definem o problema, e a conseqüência reforçadora do comportamento é a solução do problema (CATANIA, 1998; 1999). Um problema ocorre quando falta uma resposta no repertório de uma pessoa, a qual seja capaz de gerar-lhe uma condição que lhe será reforçadora (SKINNER, 1999).
Porém, segundo Skinner (1999), resolver um problema é mais do que emitir a resposta que será a solução. Implica ainda em dar os passos necessários para tornar a resposta-solução mais provável de ocorrer, geralmente promovendo mudanças no ambiente ou no próprio comportamento.
A resolução de problema implica, portanto, na produção de variação de respostas para que seja aumentada a probabilidade de uma delas ser reforçada pela conseqüência; ou seja, pela solução do problema. A variação de respostas ocorre pela mudança do comportamento do solucionador ou em função das modificações do ambiente, que podem ser produzidas operando-se diretamente sobre as contingências desse ambiente ou então, indiretamente, através de mudanças nas descrições verbais dessas contingências. Em outras palavras, a resolução para o problema pode ocorrer através de tentativa e erro sobre a situação; ou ainda, através do ato de planejar ou de pensar uma solução, que são também processos verbais (SKINNER, 1978; CERUTTI, 1989; SIMONASSI; TOURINHO; SILVA, 2001).
A aquisição de comportamento verbal para resolução de problema implica na formulação de regras que descrevam as condições para a ocorrência do comportamento que seja a resolução (SKINNER, 1984; ZETTLE, 1990; MOROZ, 1991). A discriminação das relações que constituem as dificuldades a serem enfrentadas permite a compreensão do problema e fornece elementos para elaboração de planos de ação para se resolvê-lo. Desta forma, busca-se a solução onde melhor se atua, e ela apenas será possível se é reconhecida a natureza da dificuldade (SKINNER, 1983; 1984). Para que seja possível construir verbalmente resoluções, é necessário que o problema seja descrito e formulado.
Para o Behaviorismo Radical, pensar uma solução é um comportamento modelado e mantido por uma longa história de reforço anterior, que torna a pessoa uma solucionadora de problemas (SKINNER, 1978; 1984; BAUM, 1999). Trata-se de uma habilidade aprendida através de treino prévio, instrução e reforço.
O ato de pensar uma solução constitui-se, desta forma, de um episódio verbal que ocorre privadamente, no qual falante e ouvinte são a mesma pessoa e, como comportamento privado, diz respeito a comportamentos que afetam o próprio indivíduo (TOURINHO, 1999; SIMONASSI; TOURINHO; SILVA, 2001). O comportamento verbal da pessoa como falante gera-lhe estímulos discriminativos para ocorrência de novas respostas, que são denominados de pré-correntes, no sentido de que acontecem antes da resposta solução (BAUM, 1999). A característica de um comportamento pré-corrente é o fato de que seu efeito é a alteração do comportamento do mesmo indivíduo (MOROZ, 1991) e, por isso, aplica-se sua noção às respostas que precedem a resposta-solução de um determinado problema.
A ação pré-corrente faz com que a resolução de problemas varie de forma sistemática e não aleatória, tornando-a mais provável de ser eficaz. Auto-instruções, por exemplo, podem alterar a sensibilidade do indivíduo às contingências, através do efeito do comportamento verbal encoberto sobre o não verbal (HÜBNER, 1997). O comportamento governado por regras deve, então, ser analisado quando o assunto é o processo de resolução de problemas (CERUTTI, 1989; MOROZ, 1991), porque as regras, como descrições verbais das contingências que controlam comportamentos relacionados ao problema, atuam como estímulos discriminativos, que podem funcionar como pré-correntes na emissão da resposta-solução (BAUM, 1999).
Nesse sentido, torna-se importante o estudo de auto-regras, uma vez que as pessoas as usam para resolver problemas de sua vida diária e são resumos de relevantes experiências passadas que sustentam a suposição de que contingências futuras serão resolvidas com a mesma resposta (KUNKEL, 1997). Não obstante isso, mesmo sendo o seguimento de regras uma forma de se resolver problema, um indivíduo também aprende, através de tentativa e erro, sob controle direto das contingências, (BROWNSTEIN; SHULL, 1985; CERUTI, 1989) e isso pode ser-lhe útil, como no caso de um repertório verbal restrito, insuficiente para gerar-lhe uma maior variação de verbalizações de alternativas de resolução. Assim, as contingências concretas podem gerar regras a partir da generalização das descrições dessas contingências (REESE, 1989). Entretanto, tais generalizações, na forma de regras, não devem comprometer a criatividade do solucionador.
Para o behaviorismo radical, criatividade significa variação e seleção de respostas pela conseqüência produzida (SKINNER, 1994; 1999). Quanto maior a variação de respostas verbais envolvidas na tentativa de se produzir uma solução, maior será a probabilidade dela ser produzida. Nesse sentido, ampliando-se o repertório verbal do falante, também poderão ser ampliadas suas habilidades de verbalizar resoluções próprias, que posteriormente governem comportamentos que venham a ser reforçados como solução (BROWNSTEIN; SHULL, 1985; MACGREENE; BRY, 1991).
No estudo do comportamento governado por regras, Reese (1989) ressaltou que, por suas características, o uso de regras não é um evento objetivamente observável, o que exige, então, a observação de evidências indiretas do uso da regra pelos sujeitos de pesquisa. Para isso, este autor propôs alguns critérios que suportem a tentativa de inferir quais regras governariam o comportamento em determinados contextos. Dentre tais critérios, destacam-se o de consistência das regras com o comportamento observado (ou relatado) e o de generalização da regra, a partir de descrições implícitas nos relatos (REESE, 1989).
A necessidade de observar tais critérios se deve ao fato de que as regras, apesar de freqüentemente serem descrições de contingências que governam o comportamento humano, nem sempre exercem tal controle. A contingência talvez seja mais poderosa e, por si mesma, controle o comportamento. Nesse caso, trata-se apenas de uma regra caracterizada, simples descrição sem poder de controle (TERREL; JOHNSTON, 1989).
Em síntese, entender esse processo é atentar para as peculiaridades da interação verbal entre falantes e ouvintes durante verbalizações de resolução de problema. Tal entendimento, relacionados aos problemas da atenção ambulatorial da esquizofrenia disponibilizada pelos CAPS, constitui o objetivo da pesquisa descrita a seguir.
Método
Participantes
Participaram deste estudo cinco famílias de usuários dos serviços do CAPS II da cidade de Governador Valadares, região leste do Estado de Minas Gerais, com renda entre 2 a 4 salários mínimos. Nos prontuários dos usuários constava o diagnóstico ou indicações de esquizofrenia. Os membros das famílias que participaram da pesquisa foram pais, irmãos e primos dos usuários, moradores ou não do mesmo domicílio do familiar em tratamento. O membro da família, portador de transtorno mental, não participou das sessões de coleta de dados, em virtude de ter sido considerado neste trabalho que o procedimento de coleta constituiu-se também de intervenção compatível com o atendimento a cuidadores, através de atividades de assistência prestada à família de usuários pelos CAPS (SCAZUFCA, 2000; BRASIL, 2002a).
Procedimento de coleta dos dados
Foi realizada uma sessão com cada uma das famílias participantes, seguindo passos adaptados da técnica clínica de resolução de problema proposta por D’Zurilla e Goldfried (1971). O procedimento de coleta seguiu então os estágios seguintes: 1o Estágio (orientação geral), no qual o pesquisador ressaltou para os participantes que a aceitação de situações problemáticas, por mais difíceis que sejam, são partes normais da vida e que é possível enfrentar grande parte dessas situações de forma a superá-las. Salientou ainda a importân geral), no qual o pesquisador ressaltou para os participantes que a aceitação ância de inibir tanto a tendência de responder ao primeiro impulso quanto à tendência de pensar que não há nada a fazer. O pesquisador padronizou a instrução para todas as famílias participantes. 2o Estágio (definição e formulação dos problemas), no qual o pesquisador solicitou aos participantes que relatassem os problemas que a família enfrentava relacionados ao comportamento e à atenção ao membro portador de transtorno mental. Foi solicitada pelo pesquisador a descrição em detalhes dos problemas referidos, de modo a possibilitar separar as informações relevantes das irrelevantes, para identificar pontos fundamentais e especificar questões e conflitos. A instrução padronizada foi a seguinte: “Gostaria que vocês conversassem entre si e dissessem quais os problemas que vocês enfrentam, relativos ao comportamento de fulano [nome do paciente] e às necessidades do tratamento ambulatorial que ele vem recebendo no CAPS”. À medida que os participantes relatavam os problemas, o pesquisador os anotava em uma folha de papel. No 3o Estágio (produção de verbalizações de resolução), foi solicitado aos participantes que verbalizassem o máximo de soluções para cada um dos problemas apresentados para discussão, dentre aqueles descritos no estágio anterior. O pesquisador dava a seguinte instrução aos participantes: “Eu quero que vocês discutam este problema (apresentava o problema) para tentarem encontrar o máximo de soluções possíveis”. Cada sessão de coleta de dados com cada uma das famílias participantes teve uma duração aproximada de 50 minutos.
Procedimento de organização, tratamento e análise dos dados
As sessões de coleta de dados tiveram sua parte vocal (verbalizações dos membros da família e do pesquisador) transcrita das gravações em VHS. Foram denominadas “verbalizações” as falas que compõem sentença(s) emitida(s) por um dos participantes ou pelo pesquisador até o início da fala de um outro (PLACE, 1998; KOVAC, 2001); ou ainda a fala contínua de um mesmo participante (ou do pesquisador) de seu início até sua interrupção, no caso de falas simultâneas. No caso de falas simultâneas, uma verbalização de resolução foi identificada em uma ou mais verbalizações ou falas.
Cada verbalização foi transcrita dentro de um quadro, no qual, na primeira coluna, à esquerda do mesmo, foram dispostos os números de ordem da seqüência geral das verbalizações; na segunda coluna, foram utilizadas letras maiúsculas para indicar os falantes (pesquisador e familiares) e números adicionados ao lado das letras, para indicar a ordem individual das verbalizações de cada um deles. A partir das transcrições, foram identificadas e destacadas pelo pesquisador a descrição de cada problema e as respectivas verbalizações de resolução para cada um deles. Foram consideradas “verbalizações de resolução” as falas que descreviam possíveis soluções para o problema em discussão, relacionado ao tratamento ambulatorial de esquizofrenia de um dos membros da família participante.
Discussão de resultados
Dentre os problemas identificados pelas famílias, o comportamento do usuário foi o mais relatado. Dentre estes, o comportamento agressivo e a recusa em tomar a medicação prescrita foram aqueles apontados por todas as cinco famílias participantes, sugerindo que sejam esses os mais prementes a serem superados. Os outros comportamentos identificados como problemas foram: falta de asseio e higiene corporal, fugir para a rua, perturbar o sono dos familiares durante a noite, comer de forma excessiva e recusar-se a comparecer aos atendimentos no CAPS (Figura 1).
Figura 1 - Problemas relacionados ao comportamento do usuário
A falta de recursos financeiros e deficiências do serviço público de atenção à saúde mental (como a constante falta de medicamentos na farmácia do CAPS) foram outros problemas apontados pelas famílias, que, entretanto, não se relacionam com o comportamento do parente em tratamento e não foram unânimes entre os familiares participantes (Figura 2).
Figura 2 – Problemas relacionados à falta de recursos financeiros
A predominância de problemas relacionados ao comportamento do usuário, mais especificamente quanto a sua agressividade, sugere que o controle desse comportamento seja o ponto crítico da convivência da família com o portador de esquizofrenia. Os resultados obtidos neste trabalho mostraram que a resolução de tal problema é tentada basicamente através de intervenção médica, na forma de administração de medicamentos, ou ainda, através de solicitação de internação, o que confirma conclusões dispostas em outros trabalhos (TSU, 1993; MOREIRA; CRIPPA; ZUARDI, 2002; RODRIGUES; FIGUEIREDO, 2003; ROSA, 2003). Para este problema identificado, ainda observam-se resoluções por meio de esquiva ao contato com o paciente e de sua contenção ou remoção através do uso de força física (QUADRO 1).
Quadro 1 – Descrições de contingências inferidas de verbalizações de resolução para o problema “comportamento agressivo”
Os resultados sugerem que, em geral, as respostas-solução verbalizadas pelas famílias para os problemas identificados descrevem contingências nas quais a condição antecedente é um tipo de estimulação aversiva e a condição conseqüente é a remoção dessa estimulação.
Observa-se no Quadro 1 que, para o problema constituído do comportamento agressivo do usuário, as respostas de resolução foram: evitar contato com o usuário, dar-lhe mais medicamento do que o prescrito, ameaçar agredi-lo, solicitar a ajuda de vizinhos ou da polícia para conter o usuário. Em geral, portanto, o comportamento dos familiares na resolução de problemas relacionados ao comportamento agressivo do usuário pode ser inferido como eventualmente governado por regras de fuga. Observando-se o critério de generalização para inferência de regras (REESE, 1989), o relato dos participantes pareceu consistente com estas regras: 1) quando ele ficar agressivo, eu me afastarei dele; 2) quando ele ficar agressivo, eu precisarei acalmá-lo. Tais regras controlariam respostas de resolução do problema reforçadas pela diminuição da probabilidade de emissão do comportamento agressivo do usuário, seja pelo seu afastamento (através de fuga ou de sua remoção), seja pela modificação do seu comportamento (através de medicamentos, ameaças ou força física).
O outro problema verbalizado com maior freqüência pelas famílias participantes, constituído pelo comportamento do usuário recusar-se a tomar a medicação psiquiátrica, gerou verbalizações de resolução que foram desde conversas persuasivas (LÈ SENECHAL-MACHADO, 1997; 1999), pedagógicas, até o uso de força física, como, por exemplo, colocar o remédio dentro da boca do usuário (Quadro 2).
Quadro 2 – Descrições de contingências inferidas de verbalizações de resolução para o problema “recusar-se a tomar a medicação"
As verbalizações de resolução descreveram ainda a solicitação de ajuda a vizinhos e parentes, intervenção de profissionais de saúde e mesmo da polícia, para fazer o usuário tomar os remédios. Outra resolução verbalizada foi a de enganar o usuário, diluindo o remédio em sucos e em sua comida. A partir da sistematização em categorias de respostas, pode-se inferir o eventual uso de regras nas respostas de resolução verbalizadas, através do critério de generalização (REESE, 1989). Tais regras inferidas seriam: quando ele recusar-se a tomar a medicação eu ... 1) pedirei ajuda ou 2) acompanharei o uso da medicação.
Conclusão
A convivência com indivíduos portadores de transtornos psiquiátricos graves, como a esquizofrenia, impõe situações a suas famílias as quais freqüentemente as identificam como problemas de difícil resolução (TSU, 1993; ROSA, 2003; SHIRAKAWA, 2003), agravados pelas precárias condições materiais de vida da maioria da população do país (OLIVEIRA; BASTOS, 2000). Tais problemas demandam, além de ações efetivas dos cuidadores, conhecimentos acerca da questão, que subsidiem resoluções adequadas, em termos morais, legais e terapêuticos. Entretanto, a aquisição de conhecimento implica em problemas adicionais (GUERIN, 1992; 1994), uma vez que os familiares de portadores de transtorno mental freqüentemente têm concepções acerca da doença que não contribui para seu tratamento (VILLARES; REDKO; MARI, 1999; RODRIGUES; FIGUEIREDO, 2003; ROSA, 2003).
Os resultados apontados neste trabalho sugerem que, apesar de na resolução de problema ser mais fácil construir estímulos discriminativos úteis na forma verbal (SKINNER, 1984), as famílias buscam soluções para os problemas da atenção ambulatorial da esquizofrenia através de tentativa e erro, sob controle direto das contingências, confirmando conclusão de Rosa (2003). Eventualmente, a partir dessas contingências, regras são formuladas, as quais governam comportamentos na tentativa de solução de problemas futuros semelhantes. Esse processo comportamental de resolução parece não ficar sob controle de instruções fornecidas pelos profissionais do CAPS, obtidas nas reuniões de familiares ou mesmo através de orientações individuais. Isso sugere que, talvez pelo próprio grau de dificuldade das situações descritas pelas famílias, as contingências tenham maior poder de controle sobre os comportamentos de resolução do que as regras adquiridas como instruções e orientações (CATANIA; MATTHEWS; SHIMOFF, 1982). Por isso, talvez possa ser mais eficaz, como modelo de intervenção com as famílias de usuários dos CAPS, a inclusão do treino em resolução de problema.
O presente estudo sugere ainda que as contingências modelam no repertório do cuidador respostas de resolução que depois são descritas verbalmente e tornam-se regras a governar comportamento futuro (KUNKEL, 1997), seja do próprio cuidador ou dos demais familiares do usuário. Tal estratégia de resolução, que apresenta poucas variações, é mantida pela conseqüência imediata que produz, mas que freqüentemente gera problemas adicionais a longo prazo. Conter o comportamento agressivo do indivíduo esquizofrênico com a administração extra de medicamentos, por exemplo, ocasiona a prazo postergado a sua intoxicação, com o surgimento de manifestações que podem levar o cuidador a interromper o tratamento.
Essa conseqüência aversiva, produzida provavelmente em contexto de desamparo dos familiares cuidadores, pode comprometer o objetivo de se promover a reabilitação do indivíduo portador de esquizofrenia através de sua inserção na família. Observa-se nos resultados apresentados que, por exemplo, dentre as resoluções verbalizadas pelos familiares, encontram-se regras que descrevem a esquiva de contato com o paciente, o que o leva ao isolamento dentro de sua própria casa. Além disso, outras resoluções verbalizadas descrevem ações truculentas dos familiares cuidadores, como acionar a polícia ou ameaçar o indivíduo de agressões físicas. Isso revela aspectos da convivência com a esquizofrenia que a torna um difícil problema para as famílias e que exige soluções a serem encontradas não apenas pelos familiares cuidadores, mas pela sociedade como um todo.
Por fim, nota-se que a atenção ambulatorial da esquizofrenia é ainda um desafio para profissionais e familiares de usuários dos CAPS. Assim, outros estudos são necessários para que orientem novas estratégias de apoio e de intervenção psico-educacional com as famílias. Indubitavelmente, o estudo de comportamento governado por regras na resolução de problema é um deles.
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Recebido em: 11/04/2005
Aceito em: 28/06/2005