Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Psicologia: teoria e prática
versão impressa ISSN 1516-3687
Psicol. teor. prat. v.11 n.1 São Paulo jun. 2009
ARTIGO ORIGINAL
Comportamento inassertivo na dispepsia funcional
Inasertive behavior in functional dyspepsia
Comportamiento no asertivo en la dispepsia funcional
Giovanna Corte Honda; Karina Magalhães Brasio
Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas)
RESUMO
Dispepsia funcional (DF) é um distúrbio gastrintestinal de natureza multifatorial, caracterizado por sintomas como dor ou desconforto na região superior do abdome. Não possui causa orgânica, e fatores psicológicos parecem estar presentes no desencadeamento e na manutenção dos sintomas. O comportamento assertivo caracteriza-se pela capacidade do indivíduo em expressar pensamentos e sentimentos em momentos adequados. Este trabalho relacionou DF e comportamento inassertivo, e comparou o nível de assertividade em 16 pacientes com DF e 16 participantes sem transtornos gastrintestinais, todos provenientes de um hospital particular universitário. Os participantes foram submetidos à aplicação de um instrumento baseado na Rathus Assertiveness Scale (RAS) (RATHUS, 1973) para medir o nível de assertividade. Os dados mostraram que os pacientes com DF possuíram mais comportamentos inassertivos se comparados aos participantes sem transtornos gastrintestinais.
Palavras-chave: Distúrbio gastrintestinal, Dispepsia funcional, Fatores psicológicos, Assertividade, Comportamento inassertivo.
ABSTRACT
Functional dyspepsia (FD) is a gastrointestinal disorder developed as a result of various underlying conditions, characterized by pain or discomfort in the upper abdomen. There is no organic cause and psychological factors may be involved in the symptoms beginning. The assertive behavior is characterized by a persons capacity to express his/her feelings and thoughts in an appropriate time. This study investigated the relation between FD and inassertive behavior; and compared the assertiveness in 16 FD patients and 16 people with no gastrointestinal disorders, all from a private university hospital. The assertiveness was measured by an instrument based in Rathus Assertiveness Scale (RAS) (RATHUS, 1973). The collected data shows that FD patients had more inassertive behaviors than people with no gastrointestinal disorders.
Keywords: Gastrointestinal disorder, Functional dyspepsia, Psychological factors, Assertiveness, Inassertive behavior.
RESUMEN
Dispepsia funcional (DF) es un problema gastrointestinal de naturaleza multifactorial, caracterizado por sintomas como dolor o incomodidad en la región superior del abdomen. No posee causa organica y parece haber factores psicologicos en el esencadenamiento y mantencion de los sintomas. El comportamiento no asertivo se caracteriza por La capacidad del individuo de expresar pensamientos y sentimientos en momentos adecuados. Este trabajo relacionó la DF y el comportamiento no asertivo y comparó el nivel de asertividad en 16 pacientes con DF y en 16 pacientes sin trastornos gastrointestinales, todos estos provenientes de un hospital universitario privado. El nível de asertividad foi medido con um instrumento motivado Rathus Assertiveness Scale (RAS) (RATHUS, 1973). Los resultados demostraron que los pacientes con DF poseen mas comportamientos no asertivos si son comparados con los participantes sin trastornos gastrointestinales.
Palabras clave: Problema gastrointestinal, Dispepsia funcional, Factores psicológicos, Asertividad, Comportamiento no asertivo.
Introdução
A dispepsia funcional é um distúrbio funcional do trato digestivo caracterizado por sintomas como dor ou desconforto na região do epigástrio e frequentemente acompanhada por sensação de saciedade precoce e náuseas. Não há evidências clínicas, bioquímicas, endoscópicas ou ultrassonográficas que expliquem os sintomas (MAGALHÃES, 2002; AHMED, 2004; HERNANDO-HARDER et al., 2007).
De acordo com os critérios diagnósticos de Roma III, elaborados para que haja um consenso universal na definição dos diferentes tipos de dispepsia, o paciente com dispepsia funcional deve apresentar, pelo menos uma vez por semana, desconforto persistente ou recorrente no abdome superior; não ter evidência de que há melhora com a defecação e relação com forma e frequência das fezes; e não ter evidência de processos inflamatórios, anatômicos, metabólicos ou neoplásicos que expliquem os sintomas (TABACCO, 2006). O diagnóstico será confirmado se primeiramente for suprimida a existência de qualquer doença orgânica, pois a dispepsia funcional se refere a um diagnóstico de exclusão (TALLEY et al., 1999; COHEN, 2006).
Para estudos mais acurados, os critérios podem ser subdivididos em três grupos, com base nos tipos de sintomas dominantes. O primeiro grupo é classificado como dispepsia ulcerosa, na qual a dor localizada no abdome superior é o sintoma predominante; o segundo é o tipo dismotilidade, em que o sintoma predominante é o desconforto epigástrico; e o terceiro é a inespecífica, em que os sintomas não se enquadram em nenhum dos outros dois tipos (DUARTE; PINTO; PENNA, 2004; AHMED, 2004). O propósito dessa classificação é identificar grupos de pacientes aptos a responder particularmente bem a tratamentos específicos (AHMED, 2004).
A patogenia desse distúrbio não é perfeitamente conhecida, mas parece envolver fatores diversos, como anormalidade da motilidade gastrintestinal, hipersensibilidade visceral e alterações psicoemocionais. A dispepsia funcional é considerada uma enfermidade de natureza multifatorial, com alterações nas funções do tubo digestivo que podem variar de paciente para paciente, e, portanto, está associada a diferentes fatores que influenciam em sua manifestação clínica. Em particular, os de origem psicossociais, como o comportamento inassertivo, parecem estar presentes no aparecimento e na exacerbação dos sintomas dispépticos (TOBÓN; VINACCIA; SANDÍN, 2003; MAGALHÃES, 2002; TOBÓN et al., 2008).
Estudos recentes indicam que fatores de ordem psicológica podem influenciar no desencadeamento e na manutenção da sintomatologia da dispepsia funcional. Constatou-se que esses pacientes apresentaram maiores índices de ansiedade, depressão e estresse, se comparados a pessoas sem transtornos gastrintestinais (SIVIERO; HONDA; BRASIO, 2006a), e maiores índices de depressão se comparados a pessoas com outros transtornos gastrintestinais (SILVA et al., 2006).
A dispepsia funcional constitui um dos mais importantes distúrbios funcionais gastroduodenais e um dos mais frequentes na prática clínica. Chega a ser responsável por 20% a 50% das consultas em ambulatórios de gastroenterologia (MAGALHÃES, 2002; MAGALHÃES; BRASIO, 2003; COHEN, 2006). Ressalta-se que a utilização dos serviços de saúde por parte dos pacientes dispépticos implica importantes custos econômicos (TOBÓN et al., 2008).
O diagnóstico da dispepsia funcional é difícil de ser realizado porque não há nenhuma lesão estrutural que justifique os sintomas. Por isso, depende apenas do relato do paciente que, na maioria das vezes, sente-se inseguro, frustrado e até mesmo culpado por apresentar sintomas que não são comprovados por nenhum tipo de exame médico. Ainda não há cura permanente para essa enfermidade, tanto que o tratamento é limitado em conseguir uma rápida melhora dos sintomas (AHMED, 2004).
O uso de medicamentos é baseado no controle dos sintomas e recidivas. A manutenção de resposta favorável ao tratamento, no entanto, parece depender em grande parte da eficiência do médico em manter relação empática, estabelecer objetivos realistas, educar o paciente para o convívio com os seus sintomas e modificar hábitos de vida não saudável, como deixar de fumar e ingerir álcool e evitar alimentos específicos (AHMED, 2004; VILAPLANA, 2006; COHEN, 2006).
Apesar de a dispepsia funcional não ocasionar risco para a vida do paciente nem provocar o aparecimento de outras doenças mais graves, frequentemente o distúrbio é causa de muito sofrimento, seja pelo seu caráter crônico, pela pouca eficácia de tratamento, pela procura de cura desconhecida ou de um alívio que nem sempre se consegue. Esses aspectos interferem significativamente na qualidade de vida do paciente e no desenvolvimento de atividades cotidianas, resultando em grande número de consultas médicas, alto custo de medicamentos, absenteísmo no trabalho e repercussões na vida pessoal, familiar e social (WHITEHEAD, 1996; CANO et al., 2007). Por essas razões, bem como o custo econômico associado a essa enfermidade e o desconhecimento de sua etiologia, é relevante identificar possíveis influências de fatores psicológicos no desencadeamento e na manutenção da sintomatologia da dispepsia funcional, como a assertividade.
Assertividade é uma classe de comportamento de habilidades sociais que se refere à igualdade de direitos e deveres, de respeito e dignidade. Ser assertivo envolve controle da ansiedade e expressão apropriada de qualquer sentimento, desejos e opiniões, sem ferir o outro. Um comportamento assertivo deve visar à adequação social, ao respeito aos próprios direitos e à pessoa envolvida no relacionamento e à capacidade de expressar- se direta, aberta e sinceramente, sem dificuldades para expressar opiniões pessoais ou recusar pedidos. Um indivíduo assertivo, quando está interagindo com outro, deve expressar emoções congruentes à situação em que está envolvido (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2001, 2005).
A pessoa, entretanto, pode deixar de agir como desejaria, comportando-se passivamente, ou responder ferindo o outro. Neste caso, ela é considerada agressiva (DI NUCCI, 1981). O comportamento agressivo não é socialmente aceito porque viola os direitos dos outros e os sentimentos são expressos de forma inapropriada e desonesta. Muitos se comportam assim para obter sucesso em diversas ocasiões (MORAES; OTTA; SCALA, 2001; DI NUCCI, 1981). Nesse tipo de comportamento, é comum observar alto tom de voz, movimentos bruscos em direção ao ouvinte e palavras ofensivas (MIGUEL; GARBI, 2003).
No comportamento passivo, a pessoa não consegue expressar-se direta e honestamente. Assim, não defende seus direitos e esquiva-se de situações em que se sente ameaçada. Na passividade, o indivíduo não elimina estímulos aversivos. Nesse tipo de comportamento, são considerados os direitos e sentimentos dos outros em detrimentos dos próprios. Infelizmente, muitos ainda confundem passividade com gentileza e amabilidade, e usam argumentos defensivos, como ausência de dano e ameaça à autoestima (DI NUCCI, 1981; DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2002).
O comportamento assertivo pode ser aprendido e desenvolvido. Pessoas que não possuem esse comportamento podem adquiri-lo com base em modelos, como pais e professores, ou com a prática de novos padrões de comportamento, o que ocorre por meio do treinamento assertivo (FONSECA, 2003; LEME, 2004).
Os déficits no comportamento assertivo podem ser explicados pela presença de ansiedade, a qual inibe a expressão da assertividade, e pelo fato de o indivíduo não possuir em seu repertório as habilidades sociais necessárias para emissão de uma resposta adequada (LEVITAN; RANGE; NARDI, 2008). De acordo com Calais (1997), crenças, pensamentos, julgamentos e atitudes possuem papel fundamental nas emoções e nos comportamentos porque podem levar a pessoa a ver o mundo de forma negativa e distorcida. O sistema de crenças que uma pessoa possui influencia o modo como ela irá se comportar (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2003). Pode-se afirmar então que a resposta assertiva pode ser inibida pelo medo criado pelas crenças irracionais (RIBEIRO, 1990).
Dias (1998) apontou em seu estudo, com pacientes com psoríase, que a reestruturação de crenças irracionais foi um fator desencadeante no aumento da assertividade. Brasio (2000) demonstrou que o treino de controle de estresse foi um elemento importante para o desenvolvimento do comportamento assertivo, bem como para a diminuição de crenças irracionais em pacientes com retocolite ulcerativa inespecífica. Penido (2004) assinala que o desenvolvimento de comportamentos assertivos influenciou na melhora da qualidade de vida de pacientes com fibromialgia. Lipp, Frare e Santos (2007) indicam a importância do comportamento inassertivo como fator de influência na saúde de pessoas hipertensas.
A avaliação do nível de assertividade pode ser utilizada para associar distúrbios emocionais aos transtornos gastrintestinais, como a dispepsia funcional. Desse modo, este estudo visa relacionar o comportamento inassertivo e a dispepsia funcional, comparando o nível de assertividade em pacientes que possuem dispepsia funcional e em participantes sem transtornos gastrintestinais.
Método
Participantes
Participaram deste estudo 16 pacientes com diagnóstico de dispepsia funcional (grupo experimental) e 16 participantes sem transtornos gastrintestinais (grupo controle), todos provenientes de um hospital particular universitário, localizado em um município do interior de São Paulo. A opção por dois grupos teve por finalidade verificar diferenças no nível de assertividade em pacientes com dispepsia funcional e em participantes sem transtornos gastrintestinais.
Com base na entrevista inicial, apresentaram-se os objetivos da pesquisa para cada participante e estes foram questionados sobre idade e ausência de transtornos psiquiátricos. Para garantir a confirmação dessas informações, consultou-se o prontuário de cada um. Desse modo, os critérios de seleção para ambos os grupos incluíram: pertencerem à faixa etária acima de 18 anos, não apresentarem transtornos psiquiátricos, estarem cientes dos objetivos desta pesquisa e terem concordado, espontaneamente, em participar dela assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para inclusão no grupo experimental, os pacientes deveriam ser diagnosticados com dispepsia funcional pelos médicos gastroenterologistas, e, para inclusão no grupo controle, os participantes não poderiam apresentar transtornos gastrintestinais ou doença crônica. O projeto da pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da PUC de Campinas, sob o Protocolo nº 168, aprovado em 9 de maio de 2006.
Instrumentos
Para esta pesquisa, foram utilizadas fichas de identificação dos grupos controle e experimental. As fichas foram elaboradas com o objetivo de obter dados referentes a aspectos psicossociais dos participantes. Os itens incluem data de nascimento, idade, sexo, estado civil, escolaridade, religião e ocupação atual.
Em um único encontro de aproximadamente trinta minutos, os participantes foram submetidos, de forma individual, à aplicação de um instrumento baseado na Rathus Assertiveness Scale (RAS) (RATHUS, 1973) para medir o nível de assertividade. Esse instrumento tem como objetivo avaliar habilidades comportamentais do paciente em expressar de forma honesta e relativamente direta seus pensamentos e sentimentos de forma socialmente apropriada, levando em consideração os sentimentos e bem-estar dos outros. É constituído por 17 itens, nos quais é solicitado ao indivíduo responder sim ou não diante de cada afirmação que descreve situações e comportamentos cotidianos. A avaliação e interpretação dos dados baseiam-se no critério clínico, por meio do qual um indivíduo é considerado inassertivo quando possui pelo menos três comportamentos inassertivos.
Para a identificação e o recrutamento dos idosos, adotou-se o procedimento porta a porta do IBGE. Sendo assim, 15 acadêmicos do curso de Psicologia da UFJF, devidamente treinados, visitaram os domicílios no período de junho a dezembro de 2006, buscando pessoas com 60 anos de idade ou mais. Nas residências em que havia idosos, faziam-se a apresentação do estudo e o convite a participar. Ao aceitarem, agendava-se um horário para a realização da entrevista que aconteceria no próprio domicílio do idoso. Nesse momento, o participante assinava o termo de consentimento livre e esclarecido. Não foram incluídos indivíduos institucionalizados ou incapacitados.
Procedimento
Inicialmente, foi solicitado à equipe de gastroenterologia do hospital universitário o encaminhamento de pacientes com o diagnóstico de dispepsia funcional para uma entrevista com a primeira autora. Os primeiros 16 pacientes encaminhados pelos médicos foram convidados a participar espontaneamente deste estudo. Nesse momento, consultou- se o prontuário de cada um, a fim de verificar se estavam dentro dos critérios de seleção. A seguir, foram questionados sobre idade, ausência de transtornos psiquiátricos e informados sobre o objetivo deste trabalho, bem como sobre o sigilo mantido quanto à identificação dos pacientes e quanto à possibilidade de desistência no decorrer do estudo, sem danos no tratamento médico.
Os 16 indivíduos que constituíram o grupo controle eram pacientes do mesmo hospital e foram recrutados por meio de divulgação impressa. As pessoas que se interessaram em participar da pesquisa deixaram o nome e telefone na secretaria do setor de ambulatórios, a fim de que a primeira autora os contatasse para uma entrevista. Nesta, foram questionadas sobre idade, ausência de transtornos psiquiátricos, gastrintestinais e de doença crônica. Verificou-se o prontuário de cada indivíduo para garantir a confirmação dos dados. Apresentaram-se os objetivos da pesquisa, e os indivíduos que corresponderam aos critérios de seleção foram convidados a participar do estudo. Não foram consideradas possíveis alterações psicológicas, como ansiedade, depressão, dificuldades de relacionamentos interpessoais, entre outras. Os 32 participantes que aceitaram participar espontaneamente da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e responderam à ficha de identificação do grupo experimental ou do grupo controle.
Em um único encontro de aproximadamente trinta minutos, os participantes dos dois grupos foram submetidos, de forma individual, à aplicação do instrumento baseado no RAS (1973) para medir o nível de assertividade. No final de cada encontro, realizou-se uma devolutiva com orientações gerais sobre assertividade. Especificamente para o grupo experimental, foi oferecida orientação sobre a dispepsia funcional e sua relação com aspectos psicológicos.
Resultados e discussão
Os resultados desta pesquisa foram analisados com base na estatística descritiva, visando a comparações entre os participantes dos grupos controle e experimental. Com base neste estudo, observa-se que os pacientes com dispepsia funcional podem ser caracterizados da seguinte forma: maioria mulheres, com idade média entre 41 e 50 anos, casadas, do lar, com nível de escolaridade ensino fundamental incompleto e religião católica. Os participantes sem transtornos gastrintestinais, desta amostra, podem ser caracterizados na sua maioria como mulheres com idade média entre 30 e 40 anos, casadas, sendo as ocupações atuais mais citadas do lar, comerciante e desempregada, com nível de escolaridade ensino fundamental incompleto e religião católica. Os principais dados sociodemográficos são mostrados na Tabela 1.
Tabela 1. Distribuição das principais variáveis sociodemográficas dos participantes
As principais características sociodemográficas dos grupos controle e experimental foram homogêneas. Isso pode ter ocorrido pelo fato de todos os participantes terem sido recrutados no mesmo hospital universitário, o qual atende classes sociais menos favorecidas economicamente, abrangendo uma população com menor nível de escolaridade que ingressa mais cedo no mercado de trabalho. Esse perfil demográfico coincide com os estudos de Magalhães (1995), Brasio (2000), Siviero, Honda e Brasio (2006a, 2006b) e Campregher et al. (2006). A homogeneidade encontrada nas características sociodemográficas de ambos os grupos foi importante para que tais variáveis não interferissem na mensuração do nível de assertividade.
Estudos feitos em pacientes com dispepsia funcional mostram que essa enfermidade foi encontrada com maior frequência em pessoas do sexo feminino, com idade média de 40 anos +/- 10 anos (LORENA, 2005; SIVIERO; HONDA; BRASIO, 2006a, 2006b; BARBUTI; MORAES-FILHO, 2000; SILVA et al., 2006). Essas características coincidiram com os achados deste trabalho, cuja maioria também pertencia ao sexo feminino e a faixa etária prevalente foi de 41 a 50 anos.
Os dados obtidos pelo instrumento baseado no RAS (1973) para medir o nível de assertividade mostraram que os pacientes com dispepsia funcional tiveram frequência maior de comportamentos inassertivos se comparados aos participantes sem transtornos gastrintestinais. Desse modo, o grupo experimental pode ser considerado mais inassertivo que o controle, pois a média de comportamentos inassertivos do primeiro foi de 10,56, com desvio padrão de +/- 3,34, enquanto no segundo foi de 7,81, com desvio padrão de +/- 3,20.
Na literatura brasileira, são encontrados muitos trabalhos que associam inassertividade a outras patologias. Brasio et al. (2003) apontam que fatores psicológicos, como a inassertividade, parecem influenciar no início e na manutenção dos sintomas da fibromialgia. Lipp, Frare e Santos (2007) afirmam que aspectos da inassertividade influenciam no funcionamento cardiovascular. Dois estudos (BANDEIRA; IRENO, 2002; BANDEIRA; MACHADO; PEREIRA, 2002) indicaram que pacientes psiquiátricos apresentaram déficits significativos de assertividade em relação a grupos não clínicos. Behar, Manzo e Casanova (2006) concluíram que a falta de assertividade é um importante fator associado a distúrbios alimentares, aumentando ou mantendo os sintomas destes.
No trabalho de Bandeira et al. (2005), observou-se que o comportamento assertivo estava associado à ansiedade, de maneira que quanto maior seu nível, menor a assertividade relatada pelos participantes. Assim, o fator ansiedade pode ter interferido na emissão do comportamento assertivo. De acordo com Siviero, Honda e Brasio (2006a), pacientes com dispepsia funcional apresentaram maiores índices de ansiedade que pessoas sem transtornos gastrintestinais. Desse modo, esses dados podem complementar os achados deste estudo, pois os pacientes com dispepsia funcional apresentaram maior número de comportamentos inassertivos, deduzindo-se que o fator ansiedade pode ter interferido nessa avaliação.
Siviero, Honda e Brasio (2006b) constataram que pacientes com dispepsia funcional apresentam dificuldade de expressão do sentimento de raiva e tendem a não exteriorizar manifestações de raiva, o que caracteriza um comportamento inassertivo. Desse modo, foi possível perceber por meio deste estudo que pacientes com dispepsia funcional tendem a ter maior dificuldade em identificar e manifestar emoções, pensamentos, sentimentos, desejos e opiniões, bem como expressar-se de forma aberta, direta e sinceramente, quando comparados a pessoas sem transtornos gastrintestinais.
Considerações finais
Foi possível observar, neste estudo, que os pacientes com dispepsia funcional apresentaram maior número de comportamentos inassertivos quando comparados aos participantes sem transtornos gastrintestinais. Contudo, não foi possível identificar que o comportamento inassertivo pode estar relacionado com o desencadeamento e a manutenção dos sintomas dessa enfermidade, pois os resultados obtidos não foram analisados do ponto de vista estatístico. Esta pesquisa limitou-se a uma pequena amostra de pacientes e ao uso de um único instrumento para medir o nível de assertividade, portanto não se pretende afirmar que todas as pessoas com dispepsia funcional são dotadas dos mesmos aspectos psicológicos.
Espera-se, no entanto, que este trabalho possa contribuir para um melhor entendimento de possíveis características de pacientes com dispepsia funcional, bem como para o tratamento e futuras intervenções. Espera-se também que os resultados dessa pesquisa levantem questões relevantes para futuros estudos e enunciem novas frentes de investigações em doenças funcionais. Evidencia-se que os dados encontrados precisam ser confirmados por meio de trabalhos realizados com uma população maior e com outros instrumentos para mensurar o nível de assertividade. Considera-se a necessidade de novas pesquisas, envolvendo uma avaliação mais abrangente dos aspectos afetivo/emocionais, a fim de que as lacunas supracitadas sejam mais bem compreendidas.
Referências
AHMED, R. Management of dyspepsia. Pakistan Journal of Medical Sciences, Karachi, n. 20, 2004. [ Links ]
BANDEIRA, M.; IRENO, E. M. Reinserção social de psicóticos: avaliação global do grau de assertividade, em situações de fazer e receber críticas. Psicologia: Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v. 15, n. 3, p. 665-675, 2002. [ Links ]
BANDEIRA, M.; MACHADO, E. L.; PEREIRA, E. A. Reinserção social de psicóticos: componentes verbais e não-verbais do comportamento assertivo, em situação de fazer e receber críticas. Psicologia: Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v. 15, p. 89-104, 2002. [ Links ]
BANDEIRA, M. et al. Comportamento assertivo e sua relação com ansiedade, lócus de controle e auto-estima em estudantes universitários. Estudos de Psicologia, Campinas, v. 22, n. 2, 2005. [ Links ]
BARBUTI, R. C.; MORAES-FILHO, J. P. P. Como diagnosticar e tratar dispepsia funcional. Revista Brasileira de Medicina, São Paulo, v. 57, n. 11, 2000. [ Links ]
BEHAR, R. A.; MANZO, R. G.; CASANOVA, D. Z. Transtornos de la conducta alimentaria y assertividad. Revista Médica de Chile, Santiago, v. 134, n. 3, p. 312-319, 2006. [ Links ]
BRASIO, K. M. Eficácia do treino de controle de stress na retocolite ulcerativa inespecífica. 2000. Tese (Doutorado em Psicologia)Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, 2000. [ Links ]
BRASIO, K. M. et al. Comparação entre três técnicas de intervenção psicológica para tratamento da fibromialgia: treino de controle de stress, relaxamento progressivo e reestruturação cognitiva. Revista de Ciências Médicas, Campinas, v. 12, n. 4, 2003. [ Links ]
CALAIS, S. L. Crenças irracionais e habilidade aocial em universitários. 1997. Dissertação (Mestrado em Psicologia)Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, 1997. [ Links ]
CAMPREGHER, A. C. et al. Biofeedback e resistência galvânica da pele: medidas em pacientes com síndrome do intestino irritável e em indivíduos saudáveis. Revista Ciências Médicas, Campinas, v. 15, n. 3, p. 223-230, 2006. [ Links ]
CANO, E. et al. Calidad de vida y factores psicológicos asociados en pacientes con diagnóstico de dispepsia funcional. Univ. Psychol. Bogotá, Colombia, v. 5, n. 3, p. 511-520, 2006. [ Links ]
COHEN, H. Terapéutica de la dispepsia funcional. Carta Gastroenterológica, Montevidéu, v. 14, p. 13-14, 2006. [ Links ]
DEL PRETTE, A.; DEL PRETTE, Z. A. P. Psicologia das relações interpessoais: vivências para o trabalho em grupo. Petrópolis: Vozes, 2001. [ Links ]
DEL PRETTE, Z. A. P.; DEL PRETTE, A. Avaliação de habilidades sociais em crianças com um inventário multimídia: indicadores sociométricos associados à freqüência versus dificuldade. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 7, p. 39-49, 2002. [ Links ]
_________. Assertividade, sistema de crenças e identidade social. Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 9, n. 13, p. 125-136, 2003. [ Links ]
_________. Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática. Petrópolis: Vozes, 2005. [ Links ]
DI NUCCI, S. H. P. Análise interna de uma medida comportamental de assertividade. 1981. Dissertação (Mestrado em Psicologia)Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, 1981. [ Links ]
DIAS, R. R. Stress e psoríase: assertividade e crenças irracionais. 1998. Dissertação (Mestrado em Psicologia)Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, 1998. [ Links ]
DUARTE, M. A.; PINTO, P. C. G.; PENNA, F. J. Distúrbios gastrointestinais funcionais da infância e da adolescência. Revista de Medicina de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 14, n. 1, p. 513-519, 2004. Suplemento. [ Links ]
FONSECA, C. M. Comportamento assertivo: uma introdução. Revista de Psicologia, Fortaleza. v. 8, n. 8, p. 23-25, 2003. [ Links ]
HERNANDO-HARDER, A. C. et al. Dispepsia functional: nuevos conocimientos en la fisiopatogenia con implicaciones terapêuticas. Medicina, Buenos Aires, n. 67, p. 379-388, 2007. [ Links ]
LEME, M. I. da S. Resolução de conflitos interpessoais: interações entre cognição e afetividade na cultura. Psicologia: Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v. 17, n. 3, p. 367-380, 2004. [ Links ]
LEVITAN, M.; RANGE, B.; NARDI, A. E. Habilidades sociais na agorafobia e fobia social. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 24, p. 95-100, 2008. [ Links ]
LIPP, M. E. N.; FRARE, A.; SANTOS, F. U. Efeitos de variáveis psicológicas na reatividade cardiovascular em momentos de stress emocional. Estudos de Psicologia, Campinas. v. 24, n. 2, p. 161-167, 2007. [ Links ]
LORENA, S. L. S. Estudo da motilidade gastrointestinal e da função autonômica em pacientes com dispepsia funcional: influência do gênero e de fatores psicológicos. 2005. Tese (Doutorado em Ciências Médicas)Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005. [ Links ]
MAGALHÃES, A. F. N. Dispepsias e gastrites. São Paulo: Lemos Editorial, 2002. [ Links ]
MAGALHÃES, A. F. N.; BRASIO, K. M. A relação entre stress e doenças gástricas. In: LIPP, M. E. N. (Org.). Mecanismos neuropsicofisiológicos do stress: teoria e aplicações clínicas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003. p. 139-142. [ Links ]
MAGALHÃES, K. C. Estudo de aspectos psicossociais em pacientes com retocolite ulcerativa inespecífica e síndrome do intestino irritável. 1995. Dissertação (Mestrado) Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1995. [ Links ]
MIGUEL, C. F.; GARBI, G. Assertividade no trabalho: descrevendo e corrigindo o desempenho dos outros. In: CONTE, F. C.; BRANDÃO, M. Z. Falo ou não falo? Expressando sentimentos e comunicando idéias. Arapongas: Mecenas, 2003. p. 129-140. [ Links ]
MORAES, M. L. S.; OTTA, E.; SCALA, C. T. Status sociométrico e avaliação de características comportamentais: um estudo de competências sociais em pré-escolares. Psicologia: Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v. 14, p. 119-131, 2001. [ Links ]
PENIDO, M. A. A influência das habilidades sociais em pacientes fibromiálgicas. 2004. Dissertação (Mestrado em Psicologia)Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004. [ Links ]
RATHUS, S. A. A 30-Item schedule for assertive behavior. Behavior Therapy, v. 4, 398-406, 1973. [ Links ]
RIBEIRO, M. J. F. X. Assertividade: avaliação e desenvolvimento entre universitárias. 1990. Tese (Doutorado em Psicologia)Universidade de São Paulo, São Paulo, 1990. [ Links ]
SILVA, R. A. da et al. Dispepsia funcional e depressão como fator associado. Arquivos de Gastroenterologia, São Paulo. v. 43, n. 4, p. 293-298, 2006. [ Links ]
SIVIERO, L. P., HONDA, G. C.; BRASIO, K. M. Relação entre ansiedade, depressão, stress e raiva na dispepsia funcional. In: CONGRESSO BRASILEIRO PSICOLOGIA: CIÊNCIA E PROFISSÃO, 2. 2006, São Paulo. Resumos... São Paulo: Fórum de Entidades Nacionais da Psicologia Brasileira, 2006a. Disponível em: <http://www.cienciaeprofissao.com.br/anais/detalhe.cfm?idTrabalho=1872>. Acesso em: 2 jul. 2007. [ Links ]
_________. Raiva e inassertividade na dispepsia funcional. In: ENCONTRO BRASILEIRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA E MEDICINA COMPORTAMENTAL, 15., 2006b, Brasília. Resumos... Brasília: ABPMC, 2006b. p. 82. [ Links ]
TABACCO, O. Transtornos funcionales digestivos en pediatria. Gastroenterology, Baltimore. v. 130, p. 1519-1526, 2006. [ Links ]
TALLEY, N. J. et al. Functional gastroduodenal disorders. Gut, London, v. 45, p. 37-42, 1999. [ Links ]
TOBÓN, S.; VINACCIA, S.; SANDÍN, B. Implicación del estrés psicosocial y los factores psicológicos en la dispepsia funcional. Anales de Psicología, Murcia, v. 19, n. 2, p. 223-234, 2003. [ Links ]
TOBÓN, S. et al. La dispepsia funcional: aspectos biopsicosociales, evaluación y terapia psicológica. Suma Psicológica, Bogotá, v. 15, p. 199-216, 2008. [ Links ]
VILAPLANA, M. Enfermedades y trastornos gastrointestinales. Offarm, Barcelona, v. 25, n. 3, p. 70-77, 2006. [ Links ]
WHITEHEAD, W. D. Psychosocial aspects of functional gastrointestinal disorders. Gastroenterol Clin. North Am., Philadephia, v. 25, p. 21-34, 1996. [ Links ]
Endereço para correspondência
Giovanna Corte Honda
Av. John Boyd Dunlop, s. n.
Campinas SP
CEP 13060-904
e-mail: giovanna151@yahoo.com.br
Tramitação
Recebido em outubro de 2008
Aceito em fevereiro de 2009