SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.11 número2Subvertendo a avaliação psicológica: o emprego do procedimento de desenhos-estórias em um paciente com gagueiraEvidências de validade de uma prova informatizada de linguagem oral - Bilo índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.11 no.2 São Paulo dez. 2009

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Comparação de desempenho de jogadores de voleibol e não esportistas em tarefas de orientação automática e voluntária da atenção visual: um estudo exploratório

 

Comparing performance of volleyball players and non sport practing people on volluntary and automatic orienting visual attention tasks: an exploratory study

 

Comparación del desempeño de jugadores de voleibol y no deportistas en tereas de orientación automática y voluntaria de la atención visual: un estudio exploratorio

 

 

Luiz Renato Rodrigues CarreiroI; Iara Ribeiro FerreiraI; Walter Machado-PinheiroII

I Universidade Presbiteriana Mackenzie
II Universidade Federal Fluminense

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Atenção é a seleção de informações que terão prioridade de processamento pelo sistema nervoso. Este trabalho avaliou o tempo de reação (TR) de 6 jogadores do voleibol e 6 não esportistas, em tarefas de orientação voluntária e automática da atenção. No Experimento I (voluntária), aparecia o ponto de fixação (PF) e, após 700 ms, uma seta (válida, inválida ou neutra) surgia no centro e indicava à direita ou à esquerda. Após 300, 500 ou 800 ms, surgia o alvo. No Experimento II (automática), aparecia um PF, e, após 700 ms, um quadrado brilhava. Depois de 100 ou 800 ms, piscava o alvo na mesma posição ou em posição oposta. O participante respondia pressionando uma tecla. Ao final, as medianas dos TR foram submetidas à Anova. No Experimento I, observou-se que jogadores foram mais rápidos que não esportistas (p < 0,05), diferentemente do que ocorreu no Experimento II (p = 0,36). Os resultados indicam que jogadores de voleibol apresentam melhor desempenho em tarefas de orientação voluntária da atenção.

Palavras-chave: Atenção, Tempo de reação, Orientação automática, Orientação voluntária, Voleibol.


ABSTRACT

Attention is the selection of information to improve central nervous system functioning. In this study, reaction times (RT) of 6 volleyball players and 6 non sports practitioners were compared during voluntary and automatic orienting of attention tasks. In Experiment I (voluntary) a central fixation point (FP) appeared and after 700 ms a central cue (valid, invalid or neutral) indicating to the left or to the right. After 300, 500 or 800 ms the target flashed. In Experiment II (automatic), after 700 ms a peripheral cue appeared and after 100 or 800 ms the target appeared on the same or the opposite cue position. Subjects responded by pressing a joystick key. Median RT for each condition were used in Anova. The analysis of Experiment I demonstrated that volleyball players were faster than non sports practitioners (p < 0.05), differently of Experiment II (p = 0.36). These results indicate that volleyball players had better performance on voluntary attentional tasks.

Keywords: Attention, Reaction time, Automatic orienting, Voluntary orienting, Volleyball.


RESUMEN

Atención es la selección de informaciones que tendrán prioridad de procesamiento por el sistema nervioso. Esto estudio evaluó el tiempo de reacción (TR) de 6 jugadores de voleibol y 6 no-deportistas en tareas de orientación voluntaria y automática de la atención. En el Experimento I (voluntaria) aparecía el punto de fijación (PF) y tras 700 ms, una flecha (válida, inválida o neutral) indicaba la derecha o la izquierda. Después de 300, 500 o 800 ms surgía el blanco. En el Experimento II (automática) aparecía un PF y tras 700 ms un cuadrado brillaba. Después de 100 o 800 ms parpadeaba el blanco en la misma posición o en la posición opuesta. El participan e respondía apretando una tecla. Al final las medianas de los TR fueron sometidas a Anova. En el Experimento I, los jugadores fueron más rápidos que los no-deportistas (p < 0,05), diferentemente de lo que ocurrió en el Experimento II (p = 0,36). Los resultados indican que los jugadores de voleibol tienen mejor desempeño en tareas de orientación voluntaria de atención.

Palabras clave: Atención, Tiempo de reacción, Orientación automática, Orientación voluntaria, Voleibol.


 

 

Introdução

A atenção pode ser definida como um conjunto de mecanismos neurais que agem no controle da seleção de informações que terão prioridade de processamento pelo sistema nervoso (DESIMONE; DUNCAN, 1995; KNUDSEN, 2007). Essa filtragem dificulta ou impede o processamento de informações desnecessárias pelos centros corticais superiores (STEINMAN; STEINMAN, 1998). Quando um indivíduo voluntariamente focaliza sua atenção em uma determinada área do campo visual, há um desvio atencional que é chamado de endógeno, intrínseco ou top-down. Quando há um direcionamento reflexo de recursos de processamento, também chamado de direcionamento involuntário, exógeno, extrínseco ou ascendente (bottom-up), diz-se que houve uma orientação automática da atenção. Desse modo, há, a todo o momento, direcionamentos voluntários e automáticos competindo por recursos de processamento. Assim, a definição de quais regiões ou estímulos serão prioritariamente processados pelo sistema nervoso depende exatamente dessa competição (POSNER; RAICHLE, 1997; KNUDSEN, 2007; BERGER; HENIK; RAFAL, 2005; MACHADO-PINHEIRO et al., 2004).

Um dos métodos mais utilizados para estudo da atenção é a medida do tempo de reação manual (TR), também conhecido como "cronometria mental". Por meio desse método, são dadas tarefas para os participantes, e mede-se o tempo para sua realização (CARREIRO; HADDAD JR.; BALDO, 2003; BALDO; HADDAD JR.; CARREIRO, 2002; GAWRYSZEWSKI; CARREIRO, 1998). Assim, o estudo da velocidade de detecção de estímulos visuais, por meio da medida do TR, contribui para a compreensão de como o sistema nervoso seleciona informações do ambiente, facilitando seu processamento em detrimento do processamento de outras informações (POSNER; RAICHLE, 1997). O conhecimento da posição de apresentação de um alvo ao qual se deve emitir uma resposta leva a uma melhora no desempenho, mas também a processamentos menos eficientes dos estímulos que aconteçam em outras posições do campo visual (JAMES, 1890; HELMHOLTZ, 1867-1925). Posner (1978) estudou os custos e benefícios da orientação da atenção. Em seu trabalho, a posição de aparecimento do alvo era indicada por uma seta. Foi observado que, nas condições em que a seta indicava corretamente a posição de aparecimento do alvo, o tempo de reação dos participantes era menor do que quando não havia indicação ou quando a seta indicava erroneamente. Esses achados já foram replicados sob as mais distintas condições e em diferentes laboratórios (GAW RYSZEWSKI; CARREIRO, 1996; CARREIRO, 2003; MACHADO-PINHEIRO et al., 2004; BERGER; HENIK; RAFAL, 2005).

A ocorrência de um estímulo não informativo e inesperado na periferia do campo visual pode causar a diminuição dos TR a alvos subsequentes que ocorram na mesma posição em intervalos curtos de até 150 ms. Essa diminuição tem sido explicada como uma atração automática da atenção (POSNER; COHEN, 1984). Já com intervalos maiores, de 200 a 1500 ms, ocorre um efeito oposto, chamado de inibição de retorno (IR), que causa a lentificação dos TR para alvos ipsolaterais (POSNER; COHEN, 1984; KLEIN, 2000). A IR é interpretada como uma tendência do sistema nervoso a favorecer a busca por informações novas no ambiente, privilegiando a reorientação da atenção para uma nova região do espaço, diferente daquela previamente estimulada (KLEIN, 2000).

A atenção, como uma importante função cognitiva básica, tem influência direta no modo como os organismos interagem com o ambiente, correlacionando-se diretamente com a efetividade do desempenho desses organismos. Ela tem importante função no estabelecimento do controle executivo, que determina capacidade de controlar, direcionar, gerenciar e integrar funções cognitivas, emocionais e comportamentais para execução voluntária e consciente das ações necessárias para administrar contingência em função de um objetivo (ASSEF; CAPOVILLA; CAPOVILLA, 2007; GAZZANIGA; IVRY; MANGUN, 2006; LEZAK; HOWIESON; LORING, 2004). Correa e Nobre (2008) verificaram que a atenção melhora a velocidade e a acurácia de julgamentos perceptivos, tanto no domínio temporal quanto no espacial. Tal fato, por si só, encontra importantes aplicações no domínio do esporte. Por exemplo, o curso temporal da alocação atencional pode impor limitações ao desempenho esportivo, como na cobrança de pênaltis (MORYA; MACHADO-PINHEIRO; RANVAUD, 2003). Assim, muitos trabalhos buscam estudar as relações entre a prática de esportes e processos psicológicos, como o melhor controle da ansiedade (ROMAN; SAVOIA, 2003) e a melhoria do desempenho em testes atencionais, como será visto a seguir.

Enns e Richards (1997) estudaram a orientação da atenção visual em jogadores de hóquei e verificaram uma associação entre as habilidades dos jogadores e vários aspectos importantes da atenção, como sustentação, eficiência da orientação voluntária e processamento de estímulos abruptos. Fontani e Lodi (2002) verificaram que o treino em uma tarefa complexa de direcionamento atencional, além de melhorar o tempo de reação, influencia também medidas eletroencefalográficas, como verificado na análise do potencial evocado. Tal trabalho observou, por exemplo, que sujeitos treinados tiveram TR mais rápidos e um pico precoce de atenção seletiva. Esses autores concluíram que esses experimentos poderiam ser utilizados para avaliação da atenção e de sua modificação ante o treinamento. Ao estudarem atletas de intensa e pouca experiência, Fontani et al. (2006) verificaram que os jogadores de voleibol, com alta experiência, apresentam melhor desempenho atencional e mais estabilidade em reações complexas do que o grupo com pouca experiência. Tais autores concluíram que os recursos atencionais estavam engajados de modo diferentes nos grupos de diferentes atividades esportivas e naqueles com alta e baixa experiência esportiva. Antunes et al. (2006) publicaram uma revisão em que analisaram as relações entre exercício físico e função cognitiva. Nesse trabalho, os autores apontam muitos estudos que observam melhoras na função cognitiva, especialmente aquelas associadas à memória, com a prática de exercícios, já que estes podem proteger e melhorar a função cerebral.

Com base nos estudos apresentados, busca-se com este trabalho comparar o tempo de reação de atletas (jogadores de voleibol de equipes universitárias) com não esportistas para conhecer como a prática de atividades esportivas pode ser correlacionada com modulações às tarefas de orientação voluntária e automática da atenção.

 

Método

Participantes

Realizaram-se dois experimentos com objetivo de analisar a orientação voluntária e automática da atenção. Cada participante sentou-se em frente a um monitor de 17 polegadas acoplado a um computador, que gerava os estímulos (alvos e pistas visuais apresentados na tela do computador, como será descrito a seguir) e registrava as respostas. O sujeito recostou-se em uma cadeira para que a distância entre seus olhos e a tela permanecesse constante a 57 cm. As rotinas computacionais foram elaboradas por meio de um programa específico chamado Micro Experimental Laboratory – MEL (MEL Professional v2.01 – Psychology Software Tools, Inc.).

Os sujeitos foram divididos em dois grupos:

  • Grupo 1 (não esportistas): formado por 6 alunos (homens) universitários que não tinham o hábito de praticar regularmente atividades físicas.
  • Grupo 2 (esportistas): constituído por 6 jogadores de voleibol (homens), alunos participantes de equipes universitárias, que treinaram regularmente nos últimos 12 meses.

Todos os participantes se voluntariaram para participar dos experimentos. Eles possuíam acuidade visual normal ou corrigida e estavam na faixa etária de 18 a 28 anos. Antes do início da série de testes, os participantes responderam a um questionário de avaliação geral (para identificação de uso de medicamentos, problemas neurológicos, uso de lentes corretivas), foram informados sobre o tipo de experimento, de sua finalidade acadêmica e respectivos procedimentos, e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Cada sujeito participou individualmente de duas sessões, em dias separados, sendo uma para cada experimento. Os procedimentos metodológicos aqui descritos foram submetidos à Comissão Interna de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Presbiteriana Mackenzie (Protocolo de aprovação Ciep n° T017/05/07).

 

Experimento I: orientação voluntária da atenção

Procedimentos

Cada sessão iniciava-se com a apresentação de um ponto de fixação (PF). Junto com o PF, eram apresentados dois quadrados não preenchidos com 0,7° de lado, localizados 7,4° à direita e à esquerda. Após 700 ms, uma seta indicando à esquerda ou à direita era apresentado junto ao PF. Após um intervalo de 300, 500 ou 800 ms, o alvo era apresentado (um quadrado preenchido de 0,4° de lado durante 17 ms). Os tempos utilizados entre pista (seta) e alvo tinham como objetivo avaliar diferentes intervalos para a alocação da atenção. Os participantes eram instruídos a prestar atenção no lado indicado pela seta e a responder o mais rapidamente possível ao aparecimento do alvo, pressionando uma tecla do joystick com o dedo indicador da mão dominante. Foram utilizadas três condições que correlacionam pista e alvo (Figura 1A). Na condição válida (80% das apresentações), o alvo aparecia no local indicado pela pista; na situação inválida (20%), o alvo aparecia no local oposto ao indicado pela pista. Na situação neutra, apareciam duas setas, uma indicando para cada lado, e o alvo poderia vir com a mesma probabilidade em qualquer um deles. Os estímulos, em todas essas condições, eram apresentados de modo aleatório no decorrer do experimento, inscritos em branco sobre um fundo preto. Os alvos apresentavam uma luminância média de 24 cd⁄m².

Ao final dos experimentos, foi calculada a mediana dos TR para cada condição e para cada participante. Esses dados foram submetidos a uma análise de variância multifatorial (Anova) com medidas repetidas, tendo grupo (não esportista versus esportista) como fator intrassujeito e condição (válida, inválida e neutra) e intervalo pista-alvo (300, 500 e 800 ms) como fatores interssujeitos. Além disso, comparações planejadas foram realizadas entre as condições válida e inválida em ambos os grupos, com o propósito de analisar a eficiência na reorientação da atenção em ambos.

 

Resultados e discussão parcial

A Anova mostrou diferenças estatisticamente significantes para os fatores grupo (F(1,10) = 4,60; p < 0,05), condição (F(2,20) = 8,26; p = 0,002) e intervalo (F(2,20) = 16,67; p < 0,001), não havendo interações significativas. Assim, o grupo de jogadores de voleibol apresentou tempos de reação mais curtos em comparação ao grupo de não esportistas (230,6 ms ± 16,5 versus 280,6 ms ± 16,5), porém ambos os grupos apresentaram diminuição no tempo de resposta em função do intervalo pista-alvo (275,6 ms ± 23,3 para o intervalo de 100 ms, 256,2 ms ± 23,0 para o intervalo de 500 ms e 234,9 ms ± 17,2 para o intervalo de 800 ms), todos com significância p < 0,05. Isso indica que, em intervalos maiores, havia mais tempo para uma alocação mais efetiva da atenção para o local indicado. Além disso, conforme esperado, a condição válida (245,3 ms ± 17,5) gerou TR menores que a neutra (257,9 ms ± 20,8, p = 0,031) e inválida (263,5 ms ± 23,3, p = 0,002), e essas duas condições não diferiram estatisticamente entre si.

As comparações planejadas evidenciaram algo muito interessante: a diferença entre as condições válida e inválida foi significativa no grupo de não esportistas (268,3 ms ± 19,1 x 290,6 ms ± 25,8, p=0,019), mas não no grupo de jogadores de voleibol, em que essa diferença não atingiu significância (224,4 ms ± 9,2 x 236,4 ms ± 17,7, p = 0,109). Isso pode indicar que os atletas são mais rápidos em reorientar sua atenção para o lado "incorreto" após uma pista falsa, minimizando os prejuízos oriundos dessa condição (Gráfico 1).

 

Figura 1. (A) Possíveis relações entre pista (seta que indica para a direita e/ou esquerda) e alvo (quadrado preenchido) para o Experimento I (orientação voluntária da atenção); (B) possíveis relações entre pista (quadrado que aparece à direita ou à esquerda ou bilateralmente) e alvo (quadrado preenchido) para o Experimento II (orientação automática da atenção)

 

Gráfico 1. Média das medianas dos tempos de reação (±EPM) para as condições válidas e inválidas nos dois grupos estudados no experimento de orientação voluntária da atenção; comparações planejadas evidenciaram que a diferença entre as condições válida e inválida foi significativa no grupo de não esportistas, mas não no grupo de jogadores de voleibol

 

Experimento II: Orientação automática da atenção

Procedimento

Cada sessão iniciava-se com a apresentação de um ponto de fixação (PF) e dois quadrados semelhantes ao experimento anterior. Após 700 ms, era apresentado o primeiro estímulo (E1), um quadrado vazado de 1° de lado. Após um intervalo de 100 ou 800 ms, era apresentado o alvo (E2), um quadrado preenchido de 0,4° de lado, por 17 ms. Os participantes eram instruídos a responder o mais rapidamente possível ao aparecimento do alvo, pressionando uma tecla do joystick com o dedo indicador da mão dominante. Eles eram informados também que o primeiro estímulo (E1) não era indicativo da posição de aparecimento do alvo. Havia três condições que correlacionavam pista e alvo (Figura 1B). O alvo poderia aparecer na mesma posição de E1 (condição ipsolateral) ou na posição oposta a E1 (condição contralateral), ou tanto à direita quanto à esquerda, quando havia dois estímulos prévios (condição bilateral). Independentemente de E1, o alvo sempre aparecia com a mesma probabilidade à direita ou à esquerda. Os estímulos, em todas essas condições, eram apresentados de modo aleatório no decorrer do experimento, inscritos em branco sobre um fundo preto.

Ao final dos experimentos, foi calculada a mediana dos TR para cada condição e para cada participante. Esses dados foram submetidos a uma análise de variância multifatorial (Anova) com medidas repetidas, tendo grupo (não esportista versus esportista) como fator intrassujeito e condição (ipsolateral, contralateral e bilateral) e intervalo pista-alvo (100 e 800 ms) como fatores interssujeitos. Além disso, comparações planejadas foram realizadas entre as condições ipso e contralateral no intervalo de 800 ms para ambos os grupos, com o propósito de analisar o comportamento da inibição de retorno em ambos.

Resultados e discussão parcial

A Anova mostrou que o fator grupo não atingiu significância estatística (F(1,10) = 0,88; p = 0,368). Observaram-se efeitos estatisticamente significantes apenas para o fator intervalo (F(1,10) = 80,02; p <0,001) e uma interação dos fatores condição e intervalo (F(2,20)=3,277) com uma significância de p = 0,05. Uma análise post hoc (utilizando o método Tukey HSD test) dessa interação mostra que, em um intervalo pista-alvo de 100, os TR são menores para a condição ipsolateral em comparação à condição contralateral (p=0,02), fato que não existe a 800 ms, em que os TR não diferem entre si (p > 0,99).

Novamente as comparações planejadas entre as condições ipso e contralateral evidenciaram algo muito interessante no intervalo de 800 ms. Para o grupo de não esportistas, a IR se fez presente, e os TR foram maiores na condição ipso do que na contralateral (240,8 ms ± 13,5 x 230 ms ± 10,6, p = 0,041). No entanto, esse padrão foi significativamente invertido no grupo dos jogadores de voleibol, e os TR foram menores na condição ipso do que na contralateral (212,5 ms ± 6,4 x 223,9 ± 8,5, p =0,033). Isso significa que o grupo dos atletas não apresentou IR e conseguiu, desse modo, reorientar sua atenção para o lado previamente estimulado, o que pode, novamente, ajudá-lo a diminuir os impactos de um "drible" ou uma "finta" na prática desportiva (Grafico 2).

 

Discussão final e conclusões

Verificou-se, ao final das análises, que o grupo dos esportistas jogadores de voleibol possui TR menores especialmente no experimento de orientação voluntária (Experimento I) em uma diferença média de 50 ms. No experimento de orientação automática, observou- se uma diferença entre os grupos, de 17,4 ms, mas não foi verificada significância estatística entre eles. Esses resultados apontam para uma diferença entre os mecanismos de orientação voluntários e automáticos, especialmente com relação à possibilidade de influência do treino na habilidade cognitiva. Por esses resultados, podemos supor que o direcionamento voluntário da atenção pode ser treinado, muito mais do que o automático, o que acontece no percurso do esportista durante seu preparo. Outros trabalhos da literatura também apresentam resultados semelhantes a esses. Fontani e Lodi (2002) verificaram que o treino em uma tarefa de direcionamento atencional melhora o tempo de reação. Fontani et al. (2006) verificaram que os jogadores de voleibol com alta experiência apresentam melhor desempenho e mais estabilidade em reações complexas do que o grupo com pouca experiência.

 

Gráfico 2. Média das medianas dos tempos de reação (± EPM) para as condições ipso e contralateral (no intervalo de 800 ms, em que a inibição de retorno (IR) é evidenciada) nos dois grupos estudados no experimento de orientação automática da atenção. Comparações planejadas evidenciaram que, para o grupo de não esportistas, a IR se fez presente, e os TR foram maiores na condição ipso do que na contralateral. No entanto, esse padrão foi invertido no grupo dos jogadores de voleibol, e os TR foram menores na condição ipso do que na contralateral

 

As habilidades de orientação automática refletem mais os fatores básicos, intrínsecos ou automáticos, que não podem ser totalmente independentes dos eventos do ambiente. Por causa disso, tal tipo de orientação não sofreria com tanta magnitude os efeitos do treino quanto à tarefa de orientação voluntária, por sua função mais básica, adaptativa, de receber e reagir a estímulos inesperados no campo visual. Tal diferença encontrada, menor que no caso da orientação voluntária, poderia ser atribuída a diferenças na preparação motora e no treino de velocidade de reação do controle motor, mais que a aspectos atencionais.

Lum, Enns e Pratt (2002) mediram a orientação encoberta da atenção em atletas e não atletas de diferentes gêneros. Tais autores observaram que os participantes tiveram desempenho similar com relação à orientação automática da atenção. Além disso, observou-se também a existência de modulações específicas na orientação voluntária. Enns e Richards (1997) também observaram associação entre o desempenho de jogadores de hóquei e a melhora na eficiência da orientação voluntária da atenção. Tais resultados apontam para dados semelhantes aos obtidos por este trabalho.

Um aspecto de especial interesse deste trabalho está relacionado à diferença na capacidade de reorientação da atenção por parte de voluntários esportistas e não esportistas. Esse aspecto é relevante no voleibol e em outros esportes em que o "drible" ou a "finta" é uma característica inerente à prática, pois indica de quanto tempo a pessoa "que sofre o drible ou a finta" necessita para se recuperar e reorientar sua atenção para o lado correto, reagindo à nova situação. Nesse caso, o lado "que recebe o drible ou a finta" é oposto àquele para onde sua atenção foi desviada por um oponente, e no qual seu desempenho está pior. Esse fato também pode ter aplicação na análise de um bloqueio eficiente ou não, após a finta exercida pelo levantador. Nesse caso, atletas teriam uma maior eficiência em se recuperar da finta e executar o bloqueio eficientemente.

No esporte, o chamado "contrapé" poderia representar exatamente a IR, ou seja, uma dificuldade de replanejar o ato motor (e a atenção) para o lado previamente estimulado. Nesse caso, a ausência da IR representaria uma ausência de dificuldade em se reorientar para o lado previamente estimulado, algo que só pode ser conseguido com treino, visando novamente minimizar os efeitos de um desvio da bola num bloqueio ou em um drible no futebol, por exemplo.

Este trabalho, como estudo exploratório, não cessa a necessidade de pesquisas que deem continuidade ao tema tratado, especialmente aqueles que comparem jogadores iniciantes e avançados e que façam estudos de seguimento para compreender como o treino estabelece essas mudanças no processo cognitivo.

 

Referências

ANTUNES, H. K. M. et al. Exercício físico e função cognitiva: uma revisão. Revista Brasileira de Medicina do Esporte, v. 12, n. 2, p. 108-114, 2006.         [ Links ]

ASSEF, E. C. S.; CAPOVILLA, A. G. S.; CAPOVILLA, F. C. Avaliação do controle inibitório em TDAH por meio do teste de geração semântica. Psicologia: Teoria e Prática, v. 9, n. 1, p. 61-74, 2007.         [ Links ]

BALDO, M. V. C.; HADDAD JR., H.; CARREIRO, L. R. R. Spatial distribution of visual attention: splitting or single gradient? In: DA SILVA, J. A.; MATSUSHIMA, E. H.; RIBEIRO-FILHO, N. P. (Ed.). Annual Meeting of the International Society for Psychophysics. Rio de Janeiro: The International Society for Psychophysics, 2002. v. 18, p. 314-319.         [ Links ]

BERGER, A; HENIK, A; RAFAL, R. Competition between endogenous and exogenous orienting of visual attention. Journal of Experimental Psychology: General, v. 134, n. 2, p. 207-221, 2005.         [ Links ]

CARREIRO L. R. R. Estudo do efeito de diferentes modos de orientação da atenção visual sobre o tempo de reação, 2003. 119 p. Tese (Doutorado)–Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003.         [ Links ]

CARREIRO, L. R. R.; HADDAD JR., H.; BALDO, M. V. C. The modulation of simple reaction time by the spatial probability of a visual stimulus. Brazilian Journal of Medical and Biological Research, v. 36, p. 907-911, 2003.         [ Links ]

CORREA, A.; NOBRE, A. C. Spatial and temporal acuity of visual perception can be enhanced selectively by attentional set. Experimental Brain Research, v. 189, p. 339-334, 2008.         [ Links ]

DESIMONE, R.; DUNCAN, J. Neural mechanisms of selective visual attention. Annual Reviews of Neuroscience, v. 18, p. 193-222, 1995.         [ Links ]

ENNS, J. T.; RICHARDS, J. C. Visual attentional orienting in developing hockey players. Journal of Experimental Child Psychology, v. 64, n. 2, p. 255-275, 1997.         [ Links ]

FONTANI, G.; LODI, L. Reactivity and evented-related potencials in attentional tests: effect of training. Perceptual and Motor Skills, v. 94, p. 817-833, 2002.         [ Links ]

FONTANI, G. et al. Attention in athletes of high and low experience engaged in different open skill sports. Perceptual and Motor Skills, v. 102, n. 3, p. 791-805, 2006.         [ Links ]

GAWRYSZEWSKI, L. G.; CARREIRO, L. R. R. Interaction between facilitatory and inhibitory effects due to voluntary and automatic covert orienting of attention. Revista Brasileira de Biologia, v. 56, p. 281-291, 1996.         [ Links ]

______. Mecanismos facilitatórios e inibitórios envolvidos com a orientação da atenção visual. Arquivos Brasileiros de Psicologia, v. 50, p. 27-42, 1998.         [ Links ]

GAZZANIGA, M. S.; IVRY, R. B.; MANGUN, G. R. Neurociência cognitiva: a biologia da mente. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.         [ Links ]

HELMHOLTZ, H. von. Treatise on physiological optics. 3rd. ed. New York: Dover Publications, 1867-1925. v. III.         [ Links ]

JAMES, W. Principles of psychology. New York: Holt, 1890.         [ Links ]

KLEIN, R. M. Inhibition of return. Trends in Cognitive Science, v. 4, p. 138-147, 2000.         [ Links ]

KNUDSEN E. I. Fundamental components of attention. Annual Reviews of Neuroscience, v. 30, p. 57-78, 2007.         [ Links ]

LEZAK, M. D.; HOWIESON, D. B.; LORING, D. W. Neuropsychological assessment. 4. ed. New York: Oxford University Press, 2004.         [ Links ]

LUM, J.; ENNS, J. T.; PRATT, J. Visual orienting in college athletes: explorations of athle te type and gender. Research Quarterly for Exercise and Sport, v. 73, n. 2, p. 156-167, 2002.         [ Links ]

MACHADO-PINHEIRO, W. et al. Experimental context modulates warning signal effects. Brazilian Journal of Medical and Biological Research, v. 37, n. 7, p. 1063-1069, 2004.         [ Links ]

MORYA, E.; MACHADO-PINHEIRO, W.; RANVAUD, R. Dynamics of visual feedback in a penalty kick simulation. Journal of Sports Sciences, v. 21, n. 2, p. 87-95, 2003.         [ Links ]

POSNER, M. I. Chronometric Exploration of mind. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, 1978.         [ Links ]

POSNER, M. I.; COHEN, Y. Components of visual orienting. In: BOUMA, H.; BOUWHUIS, G. G. (Ed.). Attention and Performance X. New Jersey: Erlbaun, 1984. p. 531-556.         [ Links ]

POSNER, M. I.; RAICHLE, M. E. Images of mind. New York: Scientific American Library, 1997.         [ Links ]

ROMAN, S.; SAVOIA, M. G. Pensamentos automáticos e ansiedade num grupo de jogadores de futebol de campo. Psicologia: Teoria e Prática, v. 5, n. 2, p. 13-22, 2003.         [ Links ]

STEINMAN, S. B.; STEINMAN, B. A. Vision and attention. I: Current models of visual attention. Optometry and Vision Science, v. 75, p. 146-155, 1998.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência

Luiz Renato Rodrigues Carreiro
Rua da Consolação, 896, Prédio 38 – térreo
Consolação – São Paulo – SP
CEP 01302-907
e-mail: luizrenato@mackenzie.br

Tramitação
Recebido em junho de 2009
Aceito em setembro de 2009

 

 

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons