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Psicologia: teoria e prática
versão impressa ISSN 1516-3687
Psicol. teor. prat. vol.12 no.1 São Paulo 2010
ARTIGO ORIGINAL
Amizades de estudantes africanos residindo no Brasil
Friendships of African Students living in Brazil
Amistades de Estudiantes Africanos residiendo en Brasil
Agnaldo Garcia; Dominique Costa Goes
Universidade Federal do Espírito Santo
RESUMO
Amizades internacionais entre pessoas de diferentes países são pouco investigadas, especialmente no Brasil. Este trabalho investigou as amizades de universitários de Guiné-Bissau e de São Tomé e Príncipe residindo no Brasil com base no modelo de Hinde (1997). Doze entrevistas foram conduzidas sobre a rede de amigos e as amizades mais próximas. A maioria dos amigos era da mesma nacionalidade ou brasileiros, residia na mesma cidade e foi conhecida no Brasil. Os resultados referem-se a interesses comuns e atividades compartilhadas, dificuldades da amizade e episódios marcantes. A maioria das amizades foi relevante para a adaptação ao Brasil, mas apenas parte influenciou a forma de ver o país. Conclui-se que os amigos são fundamentais para a adaptação social e cultural desses estudantes e servem de base para a cooperação cultural e científica. Outros estudos e programas sociais para promover amizades entre brasileiros e africanos estudando no Brasil são necessários.
Palavras-chave: Amizade, Relações étnicas e raciais, Relações interpessoais, Estudantes estrangeiros, Estudantes universitários.
ABSTRACT
International friendships between people from different countries are poorly investigated, especially in Brazil. This study investigated the friendships of college students from Guine-Bissau and são Tome and Principe studying in Brazil based on the model proposed by Hinde (1997). Twelve interviews have been conducted about friend's network and close friendships. Most friends belonged to the same nationality or they were Brazilians, lived in the same town and were met in Brazil. Results are related to common interests and shared activities, difficulties in friendships and remarkable episodes. Most friendships were related to adaptation to Brazil, but only part influenced the way Brazil was perceived. It is concluded that friends are fundamental to social and cultural adaptation of students and they serve as a basis for cultural and scientific cooperation. Further studies and social projects are necessary to promote the friendship between Brazilian and African students living in Brazil.
Keywords: Friendship, Racial and ethnic relations, Interpersonal relations, Foreign students, College students.
RESUMEN
Amistades internacionales entre personas de diferentes países son poco investigadas, especialmente en Brasil. Este estudio investigó las amistades de estudiantes universitarios de Guinea-Bissau y Santo Tomé y Príncipe residiendo en Brasil, con base en el modelo de Hinde (1997). Doce entrevistas fueron conducidas sobre la red de amigos y las amistades mas cercanas. La mayor parte de los amigos era de la misma nacionalidad o brasileños, vivia en la misma ciudad e fue conocida en Brasil. Los resultados indican intereses y actividades compartidos, dificultades de la amistad y episodios remarcables. La mayoría de las amistades afecto la adaptacion al país, pero sólo parte influenció la manera de ver el Brasil. Así, los amigos son fundamentales para la adaptación social y cultural de los estudiantes, sirviendo de base para la cooperación cultural y científica. Otros estudios y programas sociales son necesarios para promover las amistades entre brasileños y africanos estudiando en Brasil.
Palabras clave: Amistad, Relaciones raciales y etnicas, Relaciones interpersonales, Estudiantes extranjeros, Estudiantes universitarios.
Introdução
A globalização e o avanço nos meios de transporte e comunicação tem permitido um maior contato entre pessoas de diferentes nacionalidades e etnias. Apesar disso, as amizades entre pessoas de diferentes países ou culturas ainda sao pouco investigadas, especialmente no Brasil. Amizades interculturais, contudo, podem ter efeitos sociais importantes, levando a atitudes mais favoráveis em relação a outras raças, como no caso da aprovação de casamentos inter-raciais (JACOBSON; JOHNSON, 2006). O presente artigo discute a questão da amizade de estudantes universitários estrangeiros residindo no Brasil com vistas a sua integração social e cultural em nosso país.
Amizades de universitários estrangeiros na literatura internacional
Alguns autores tem investigado amizades de universitários que estudam no exterior, incluindo a influência da raça e etnia (ANTONIO, 2004). Brown (2009a) investigou o ajustamento de pós-graduandos estrangeiros no Reino Unido, tendo a amizade surgido como importante tema do estudo, principalmente o desejo e o fracasso de fazer amizade com os habitantes locais, com a tendência para a formação de grupos de amigos da mesma etnia. Ward, Bochner e Furnham (2001) apontaram a importância de amizades com pessoas do país anfitrião para um melhor conhecimento do idioma e da cultura local, e o papel das amizades multiculturais (com outros estrangeiros) e monoculturais (com conterrâneos) para reduzir o estresse.
Vários autores tem indicado as limitações e dificuldades dos estudantes internacionais para estabelecer amizades com pessoas do país anfitrião e a tendência a fazer amizades com conterrâneos (PANDIAN, 2008; BROWN, 2009a; CUSHNER; KARIM, 2004; UKCOSA, 2004). Segundo alguns autores, amizades com pessoas do mesmo país diminuem a solidão e o estresse (WARD; BOCHNER; FURNHAM, 2001), mas também a interação intercultural e a aprendizagem do idioma (WARD, 2001). A interação com pessoas de mesma nacionalidade tem sido atribuída a um desejo de ouvir e falar a mesma língua e ter acesso a apoio instrumental (BROWN, 2008). Brown (2009a) refere-se a diferentes estratégias adotadas por viajantes em território estrangeiro: monocultural (mantém a própria cultura), assimilacionista (rejeita sua cultura e adota outra no lugar), bicultural (retém a própria e aprende uma nova cultura), marginalizado (rejeita a própria cultura e a do grupo dominante) e multicultural (retém a própria e aprende diversas outras culturas).
Sawir et al. (2008), ao investigarem estudantes estrangeiros na Austrália, observaram que 65% haviam encontrado barreiras para fazer amigos de outras culturas. Segundo Bailey (2006), os dois temas não acadêmicos que causam maior estresse nos estudantes internacionais no Reino Unido são finanças e amizades. De acordo com Ukcosa (2004), os estudantes internacionais com amigos ingleses têm maior probabilidade de estarem satisfeitos com sua estada no Reino Unido. Contudo, Bailey (2006) considera preocupante o fato de 59% dos estudantes internacionais que participaram da pesquisa no Reino Unido terem relatado amizades apenas com conterrâneos e outros estudantes internacionais, indicando a falta de integração com pessoas do país anfitrião.
Um estudo sobre a adaptação de 29 universitários africanos no Reino Unido indicou que as redes de pares do mesmo país podem prover vários benefícios, como ajuda prática, informação sobre habilidades de sobrevivência, identidade e valores culturais compartilhados, e apoio emocional e espiritual (MAUNDENI, 2001). Entretanto, esse processo também tem desvantagens: gastar muito tempo com conterrâneos torna difícil aperfeiçoar o idioma, e grupos monoculturais podem causar "discriminação, dominação e fofoca" (MAUNDENI, 2001, p. 253), exercendo pressão para conformar e punir os que buscam amigos fora do grupo. De acordo com Ukcosa (2004), 42% dos estudantes sem amigos ingleses disseram não preferir ficar com conterrâneos, ou seja, a falta de integração não era uma escolha consciente.
Segundo Zhao e Wildemeersch (2008), os estudantes internacionais procuram criar uma subcultura "conacional" para apoiá-los emocional e socialmente no país anfitrião. As pessoas estão acostumadas a viver com seus similares para aliviar sentimentos de saudades de casa, insegurança, solidão, entre outros. De acordo com Zhao e Wildemeersch (2008), aqueles que esperam um alto nivel de interdependência podem sentir-se frustrados pela superficialidade de interações no país anfitrião. Assim, o relacionamento com conterrâneos pode ser uma fonte essencial de apoio para esses estudantes.
Além das dificuldades em estabelecer amizades, outro ponto tratado pela literatura internacional refere-se aos benefícios trazidos pelas amizades interculturais. Cushner e Karim (2004) afirmam que a tolerância aumentada transforma viajantes em pontes entre culturas ao retornarem. Contudo, segundo Ward (2001), a melhoria nas habilidades transculturais e um benefício frequentemente hipotetizado e raramente observado. De acordo com Brown (2009b), tem-se afirmado que o contato transcultural incrementa a competência intercultural. Contudo, evidencia empírica tem revelado a falta de contato entre estudantes locais e internacionais, e a tendência para grupos de amizade segregados entre os estudantes internacionais. Sugere, assim, uma ação mais efetiva das instituições de ensino superior para fomentar interações entre universitários locais e internacionais.
Amizades de universitários estrangeiros no Brasil
Segundo Desidério (2006), a população de estudantes universitários africanos no Brasil e de 1.630 pessoas, sendo 1.386 de graduação e 244 de mestrado ou doutorado. Os maiores contingentes de africanos no país são os angolanos (732 estudantes), cabo-verdianos (439), moçambicanos (166), sul-africanos (63) e guineenses (58).
Quanto à decisão de estudar no Brasil, Desidério (2006) observou que, dentre os 40 estudantes africanos investigados, nove não citaram nenhum motivo relevante para a decisão. Dos que responderam ter havido algum motivo relevante, oito afirmaram que foi o nível de qualificação das universidades brasileiras, cinco mencionaram um menor custo financeiro de manutenção comparado a outros países, e três citaram a familiaridade com a língua, entre outros motivos.
Estudantes africanos frequentam universidades públicas e particulares que, por vezes, mantêm centros internacionais ou núcleos de estudos africanos. Estes, contudo, não se restringem a atender tais estudantes. Não foram localizados estudos sobre atividades das universidades em relação a estudantes africanos no Brasil.
A literatura nacional sobre amizades de estudantes internacionais é muito restrita. A amizade surge como um ponto em discussões mais amplas em poucos artigos publicados sobre a adaptação de estudantes estrangeiros ao contexto nacional. Segundo Desidério (2006), das principais dificuldades encontradas por universitários estrangeiros no Brasil, duas se destacam: estabelecer amizades com brasileiros e sentir discriminação racial. Ao mesmo tempo que sentem dificuldade em fazer amizade com brasileiros, relatam uma forte solidariedade entre os estudantes africanos.
Andrade e Teixeira (2009) avaliaram a adaptação e satisfação globais com o atual contexto de vida, principais dificuldades percebidas e satisfação com aspectos específicos entre alunos estrangeiros de graduação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), identificando como principais fatores de risco o distanciamento da família de origem, uma rede de relações sociais precária e a discriminação sofrida pela condição de estrangeiros e africanos.
Subuhana (2009) analisa a experiência sociocultural de universitários africanos de língua portuguesa no Brasil, incluindo sociabilidade e redes sociais. Refere-se à facilidade com a língua no Brasil e à integração e amizade com os brasileiros como fatores positivos, e cita o fato de alguns estudantes terem optado pelo Brasil por influência de amigos ou parentes no país. Ainda se refere as redes virtuais de moçambicanos com amigos em Moçambique e Brasil, e redes virtuais de cabo-verdianos, angolanos e outros. Esses estudantes formam um circulo de relações ampliado, que acolhe também indivíduos de outras nacionalidades.
Os três estudos brasileiros citados não focaram especificamente a amizade. Subuhana (2009), por exemplo, menciona de passagem que a amizade com os brasileiros constitui um fator positivo para a presença dos africanos no Brasil. O foco do estudo de Andrade e Teixeira (2009) foi a adaptação de estudantes universitários de graduação a universidade, envolvendo 24 estudantes africanos e cinco latino-americanos. Apesar de a amizade ter sido uma das 12 variáveis escolhidas para ser avaliada em uma amostra de alunos do Programa de Estudantes Convenio de Graduação (PEC.G), os autores não discutiram a amizade em maior profundidade. Seus instrumentos de pesquisa incluíram itens que tocam no tema, como "estabelecer novas amizades, ir a festas ou sair com amigos, manter seus valores e crenças entre seus pares e amigos", na avaliação do nível de dificuldades percebidas pelos estudantes, e "ás amizades que tem aqui", na avaliação do nível de satisfação percebido pelos estudantes em diferentes aspectos. Outras dificuldades percebidas foram avaliadas por meio de uma questão aberta. Nesse caso, amizades e relacionamentos foram mencionados por três participantes, dando como exemplo estabelecer amizades com gaúchos, receber atenção e expor duvidas em sala de aula.
A amizade também é um tema secundário na pesquisa de Desidério (2006), tema incluído na investigação dos tipos de dificuldade que alunos africanos em universidades públicas do Rio de Janeiro enfrentam. Dos 18 que responderam sobre amizade (40 participaram da pesquisa), a maioria apontou a dificuldade em fazer amizade com brasileiros.
Do ponto de vista teórico, o presente trabalho se baseia na literatura internacional e nacional sobre amizades interculturais e na obra de Robert Hinde (1997), que propõe diferentes níveis de análise em torno dos relacionamentos, desde interações, relacionamentos, grupos e a sociedade, além do ambiente e de estruturas socioculturais.
A proposta de Hinde (1997) para o estudo do relacionamento interpessoal tem sido empregada para estudos do relacionamento (GARCIA; MACIEL, 2008). Conforme Garcia e Maciel (2008), a proposta de Hinde apresenta-se como um possível referencial teórico para a discussão da complexidade dos relacionamentos, permitindo a consideração, ao mesmo tempo e de forma dialética, de aspectos internos e externos ao relacionamento, como os fatores ambientais e culturais. No presente estudo, a abordagem de Hinde (1997) permite a integração de aspectos internos ao relacionamento, como as atividades e os interesses comuns, com a influência de estruturas socioculturais, ligados ao choque de diferentes culturas, levando em conta suas influências mutuas entre diferentes níveis de complexidade.
Investigar relações interpessoais em um contexto intercultural ou internacional não deve se limitar às características internas ao relacionamento (como intimidade ou satisfação), mas deve levar em conta outros níveis de complexidade, como a cultura de cada país, em relação à própria amizade, à vida social em geral e aos próprios hábitos e costumes.
Esta pesquisa teve como objetivo descrever alguns aspectos das amizades de universitários estrangeiros de Guiné-Bissau e São Tome e Príncipe que residem no Brasil. Os objetivos específicos incluíram a investigação da rede de amigos, interesses em comum e atividades compartilhadas, e relacionamento com amigos mais próximos, além de rede de amigos próximos, interesses comuns e atividades compartilhadas com amigos próximos, significado dos amigos próximos, dificuldades nas amizades próximas, histórico das amizades próximas e amizades próximas, adaptação ao Brasil e visão do país.
O presente trabalho se justifica pelo papel que as amizades podem ter na integração social, cultural e científica de estudantes estrangeiros no país e para o avanço de estudos da amizade entre pessoas com diferenças culturais. O tema ainda se torna mais relevante com o aumento do contato de brasileiros com estrangeiros, no Brasil e no exterior, e a busca de uma integração social e cultural baseada nos princípios da democracia e amizade entre os povos.
Método
Participantes
Participaram da pesquisa dez universitários de Guiné-Bissau e dois de São Tomé e Príncipe, com idades entre 20 e 33 anos, regularmente matriculados em cursos da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), sendo 11 graduandos e um mestrando. Havia seis homens e seis mulheres, e o tempo de estada no Brasil variou entre um e sete anos. Quanto à religião, havia nove católicos, um muçulmano, um protestante e um declarou não professar nenhuma religião. Todos falavam português. Dez também falavam crioulo, oito francês e cinco inglês. Apenas dois possuíam parentes no Brasil, e três tinham filhos. Os estudantes participavam do Programa de Estudantes Convenio de Graduação (PEC.G) que oferece oportunidades de formação superior a alunos de países em desenvolvimento que manter acordos educacionais e culturais com o Brasil, como Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe. Esse programa e desenvolvido pelos ministérios das Relações Exteriores e da Educação em parceria com universidades publicas e particulares.
Procedimento de coleta e análise de dados
Os dados foram obtidos por meio de entrevistas semiestruturadas baseadas em roteiro preestabelecido, contendo perguntas fechadas e abertas. Entrevistaram-se os participantes individualmente, e os dados foram gravados e transcritos. Os dados foram submetidos a analise de conteúdo (BARDIN, 1995). O conteúdo das respostas foi organizado em categorias preestabelecidas com base em estudos preliminares. Dentro de cada categoria de analise, foram propostas subcategorias de modo indutivo.
Instrumentos de pesquisa
O roteiro de entrevista utilizado constava de três partes:
• Dados sociodemográficos do participante (nacionalidade, local de nascimento, idade, tempo de residência no Brasil, curso e período em que está matriculado, religião, idiomas, familiares no Brasil, estado civil).
• A rede de amigos: (a) identificação dos amigos; (b) atividades compartilhadas e interesses comuns; (c) a comunicação com amigos.
• O relacionamento com os amigos mais próximos (até três): onde reside (Brasil ou exterior), dificuldades e o significado da amizade e seu papel na adaptação ao Brasil e na forma como vê o país.
Aspectos éticos
A realização da presente pesquisa foi aprovada pela Comissão de Ética em Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Ufes.
Resultados e discussão
Inicialmente, são apresentados dados das amizades em geral dos participantes. Em seguida, apontam-se dados das três amizades mais próximas.
A Tabela 1 apresenta uma síntese das principais características das redes de amigos.
Tabela 1. Frequência de respostas nas categorias sociodemográficas da rede de amizades
Tabela 1. Frequência de respostas nas categorias sociodemográficas da rede de amizades (continuação)
Os participantes citaram de 3 a 14 amigos cada, totalizando 116 amigos, com idades entre 17 e 43 anos. Em mais de 40 amizades, mais de um idioma foi utilizado para a comunicação com o amigo. Todos os participantes tinham pelo menos um amigo que residia na mesma cidade (grande Vitória). Além de Portugal, ainda foram mencionados amigos na Inglaterra, no Senegal, em São Tomé e Príncipe, na Espanha e na Rússia.
Os interesses em comum e as atividades compartilhadas estão indicados na Tabela 2.
Tabela 2. Interesses comuns e atividades compartilhadas
As atividades de lazer incluem beber, brincar e ir a festas e boates. A categoria "estudar junto" incluiu os vários contextos em que essa atividade ocorreu, como em sala de aula, em casa e na biblioteca.
A Tabela 3 resume os dados referentes à rede de amigos próximos.
Tabela 3. Rede de amigos mais próximos
Cada participante podia citar até três amigos mais próximos. Entre os Guineenses, as outras nacionalidades incluem dois angolanos, um santomense, dois cabo-verdianos e um português. No exterior, três residiam em Guiné-Bissau, dois em Portugal, um em São Tomé e Príncipe e um na Rússia.
A Tabela 4 indica uma síntese dos resultados em relação aos interesses comuns e às atividades compartilhadas com amigos próximos.
Tabela 4. Interesses comuns e atividades compartilhadas com amigos próximos
Tabela 4. Interesses comuns e atividades compartilhadas com amigos próximos(conclusão)
Nos interesses em comum, o lazer inclui esportes e viagens. A maioria das amizades (24) estava baseada em mais de um interesse em comum.
A Tabela 5 reúne uma síntese do significado e as dificuldades com amigos próximos.
Tabela 5. Significado e dificuldades com amigos próximos
Outros ainda compararam o amigo a uma mãe (dois casos) e um filho. As dificuldades de comunicação foram devidas a distância, discussões ou diferença de idiomas ou sotaques.
A Tabela 6 resume o histórico das amizades próximas.
Tabela 6. Histórico da amizade origem dos amigos próximos e episódios marcantes
Dos amigos próximos conhecidos por intermédio de outros amigos no Brasil, oito eram estudantes internacionais. Dos conhecidos por indicação de alguém no país de origem, apenas um era brasileiro, sendo os outros da mesma nacionalidade. Outros amigos ainda eram provenientes da vizinhança, igreja, escola primária ou secundária e república. Dos amigos conhecidos na universidade, três foram por intermédio de funcionários da universidade, e seis frequentavam a mesma sala de aula. Oito participantes apontaram que o aprofundamento da amizade se deu pelo fato de o amigo passar a morar com ele, e cinco por começarem a estudar juntos. Outros meios de aprofundamento da amizade foram festas promovidas pelos estudantes de países africanos na universidade e atividades compartilhadas com o amigo. Alguns que falavam sobre um amigo próximo brasileiro atribuíram a iniciativa para o contato inicial ao amigo e que o contato inicial causou estranhamento.
Em relação aos episódios marcantes, a ajuda recebida incluiu a recepção ao chegar a Vitoria. O acolhimento incluiu três surpresas de aniversario, um presente de Natal e um almoço assim que a pessoa tinha voltado do seu país nas ferias. Citaram-se ainda visitas, período de ferias escolares, brigas e reencontros.
A Tabela 7 traz dados referentes às amizades próximas, à adaptação ao Brasil e à visão do país.
Tabela 7. Amizades próximas, adaptação ao Brasil e visão do país
Tabela 7. Amizades próximas, adaptação ao Brasil e visão do país (conclusão)
Em um caso, o estudante afirmou que a adaptação dependeu muito mais de si mesmo e de sua própria disposição em se abrir para uma nova cultura. Em dois casos, a amizade exerceu uma influência negativa em relação à adaptação ao Brasil: o ciúme da companheira ainda em sua terra natal e o fato de a companhia do amigo ter prejudicado seu desempenho acadêmico.
A formação de uma visão do Brasil antes de chegar deu-se pelo contato com um brasileiro no país de origem ou com a mídia brasileira no país de origem. A convivência permitiu aprender (ou desaprender) algo da cultura brasileira com o amigo, ao ver que ele era uma exceção a forma que o participante via o Brasil por meio de sua própria experiência.
As redes de amigos observadas incluem principalmente outros estudantes africanos e brasileiros. A maioria dos amigos dos guineenses era de sua própria nacionalidade, seguidos por brasileiros, o que não ocorreu com os santomenses, possivelmente pela escassez de conterrâneos no país. A maioria residia na mesma área, de modo que os amigos mais próximos do ponto de vista afetivo também estavam, em sua maioria, mais próximos fisicamente. Nas amizades em geral, há uma grande participação de amigos de mesma nacionalidade ou de outros países africanos, sendo a maioria de africanos residindo no Brasil. Possivelmente, a identificação étnica e racial seja um fator importante na escolha de amigos (ANTONIO, 2004).
Outro fator relevante é que a maior parte dos amigos (65) foi conhecida na própria universidade. Nesse caso, as entrevistas indicam que os alunos estrangeiros que já estudavam na universidade não apenas se tornaram amigos dos novos estudantes, mas também participaram ativamente na mediação das novas amizades desses universitários chegando ao Brasil. Isso aponta o papel central do ambiente universitário para a formação de amizades desses estudantes no Brasil, servindo de elo de comunicação com brasileiros e outros africanos no Brasil.
Os interesses em comum e as atividades compartilhadas com amigos possivelmente estão relacionados à questão racial. Segundo Kao e Joyner (2004), a identificação racial afeta os laços de amizade e as atividades compartilhadas. A presença de estudo e cultura como interesses compartilhados pode ser devida ao fato de compartilharem com a maior parte dos amigos a situação de estudantes internacionais.
Alguns aspectos foram investigados somente com relação aos amigos mais próximos. Os significados atribuídos ao amigo incluíram a consideração da amizade como um valor de destaque, o papel do amigo como alguém que ajuda nos momentos de necessidade e mesmo a consideração do amigo como um irmão, indicando uma grande proximidade. Essa valorização da amizade pelos estudantes africanos coincide com os valores reconhecidos por brasileiros, que incluem a amizade verdadeira, referindo-se a amigos próximos e apoiadores entre seus valores supremos, ao lado da harmonia interior, da liberdade e do trabalho (TAMAYO, 2007).
A maior parte das amizades mais próximas teve inicio no Brasil, mesmo quando se tratava de amizades com outros estudantes estrangeiros. Esses dados indicam uma importante reorganização da rede de amigos com a mudança de país. Entre os episódios marcantes, destacam-se aqueles de lazer e de ajuda, sugerindo que os amigos contribuem efetivamente para o seu bem-estar no país.
A maioria das amizades próximas (25) foi reconhecida como afetando a adaptação ao Brasil, geralmente de forma positiva, ajudando-os a se adaptar à sociedade capixaba, ao sistema de ensino da universidade, a aumentar sua rede de amigos, enfrentar momentos difíceis, adquirir a documentação de que necessitam assim que chegam ao Brasil e ter mais motivação para enfrentar desafios. Entretanto, a maioria das amizades próximas não foi reconhecida como afetando a forma como viam o Brasil. Contudo, isso poderia ser atribuído ao fato de apenas um terço das amizades citadas ser com brasileiros. Como essa influência foi reconhecida por meio da convivência com amigos brasileiros, esse aspecto merece ser estudado em maior profundidade.
A integração social, cultural e científica desses universitários possivelmente contribuirá para o aumento da cooperação cultural e científica entre o Brasil e o país de origem desses estudantes.
Conforme indicado por Brown (2009a), a amizade foi um tema relevante na vida dos entrevistados, com a tendência a formar grupos de amigos da mesma etnia (WARD; BOCHNER; FURNHAM, 2001; PANDIAN, 2008; BROWN, 2009a).
As limitações e dificuldades dos estudantes africanos para estabelecer amizades com pessoas do país anfitrião e a tendência a fazer amizades com conterrâneos constatadas no presente estudo têm sido observadas em outros estudos com estudantes internacionais (PANDIAN, 2008; BROWN, 2009a, 2009b; CUSHNER; KARIM, 2004; UKCOSA 2004) e são consideradas preocupantes (BAILEY, 2006), indicando a falta de integração com pessoas do país anfitrião. Ainda conforme Ward, Bochner e Furnham (2001), as amizades com pessoas do país anfitrião contribuiriam para um melhor conhecimento do idioma e da cultura local, enquanto as amizades multiculturais (com outros estrangeiros) e monoculturais (com conterrâneos) seriam fundamentais para reduzir o estresse.
Utilizando o esquema proposto por Brown (2009a) quanto às estratégias adotadas por viajantes em território estrangeiro, a estratégia dominante observada foi a monocultural (mantém a própria cultura). Assim, os possíveis benefícios do contato intercultural acabam sendo menores que os esperados (BROWN, 2009b), sendo necessária uma ação mais efetiva das instituições para fomentar interações entre universitários locais e internacionais. Como indicado na literatura, não basta o contato intercultural, mas os benefícios das amizades interculturais devem ser buscados, sendo necessária maior atenção por parte das instituições universitárias para que a experiência internacional tenha repercussões significativas, transformando esses estudantes, como apontado por Cushner e Karim (2004), em pontes entre culturas ao retornarem a seus países.
Em consonância com outras pesquisas realizadas no Brasil, também foram encontradas dificuldades de universitários estrangeiros em fazer amizades com brasileiros (DESIDERIO, 2006), a limitação na rede de relações sociais (ANDRADE; TEIXEIRA, 2009). Já Subuhana (2009) refere-se a integração e amizade com os brasileiros como fatores positivos para estudantes africanos no Brasil e o fato de alguns estudantes terem optado pelo Brasil por influência de amigos ou parentes no país, o que também foi observado. Infelizmente, essas pesquisas não exploraram o tema da amizade em maior profundidade para permitir comparações. A literatura nacional sobre amizades de estudantes internacionais e ainda muito restrita para se elaborar um quadro teórico mais amplo.
Do ponto de visa teórico, o estudo indica que vários níveis de complexidade (HINDE, 1997) devem ser investigados nas amizades de estudantes estrangeiros, especialmente os grupos étnicos, as estruturas socioculturais e os fatores ambientais, que sofrem grandes alterações quando os estudantes passam a residir em outro país, em um ambiente com características físicas e socioculturais diferenciadas, afetando seus relacionamentos.
Do ponto de vista de ações futuras, tanto as amizades com a mesma nacionalidade quanto aquelas com outras nacionalidades devem ser incentivadas em razão dos benefícios trazidos pelas primeiras (MAUNDENI, 2001; BROWN, 2008; WARD; BOCHNER; FURNHAM, 2001; ZHAO; WILDEMEERSCH, 2008), assim como pelos aspectos interculturais ou internacionais (MAUNDENI, 2001; WARD, 2001; UKCOSA, 2004; RYAN; HELLMUNDT, 2005).
Considerações finais
Pode-se concluir que as amizades de universitários estrangeiros são fundamentais para a adaptação destes ao Brasil. Ante uma integração ainda incipiente com brasileiros, destaca-se a necessidade de desenvolver a cooperação social, cultural e científica entre estudantes estrangeiros e pesquisadores e estudantes brasileiros. Para isso ocorrer, sugere-se o desenvolvimento de programas de inserção social, cultural e científica desses universitários, abrindo novas possibilidades de interação e cooperação internacional, contribuindo para a formação de uma sociedade internacional pautada por princípios de direito, justiça e igualdade entre os povos.
Entre as principais limitações do estudo estão o número ainda restrito de estudantes africanos em nossas universidades e um certo isolamento destes em seus grupos de pares de mesma nacionalidade. Do ponto de vista prático, os dados encontrados sugerem diferentes ações possíveis para integrar alunos internacionais na comunidade local, por intermédio de suas próprias atividades e interesses comuns, tendo a universidade como elemento central. Futuras investigações podem aprofundar a pesquisa em diferentes níveis de complexidade. Podem-se abordar fatores psicológicos individuais, como características de personalidade (como a disposição para abrir-se a uma nova cultura), e promover mais informações sobre o histórico das relações ao longo do tempo no Brasil.
Referências
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Agnaldo Garcia
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Tramitação
Recebido em novembro de 2009
Aceito em abril de 2010