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Psicologia: teoria e prática
versão impressa ISSN 1516-3687
Psicol. teor. prat. vol.14 no.3 São Paulo dez. 2012
ARTIGO ORIGINAL
Relevância da avaliação obrigatória de traços de personalidade em motoristas
Relevance of the assessment of personality traits required for drivers
Relevancia de la evaluación obligatoria de rasgos de la personalidad en conductores
Paola Lucena SantosI; Raquel Melo BoffII; Silvano Sperb KonflanzIII
I Pontifícia Universidade Católica de Rio Grande do Sul, Porto Alegre – RS – Brasil
II Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul – RS – Brasil
III Universidade Luterana do Brasil, Canoas – RS – Brasil
RESUMO
No Brasil, a avaliação de traços de personalidade em condutores é obrigatória. No entanto, as pesquisas na área não apresentam resultados conclusivos de que determinadas características de personalidade estariam associadas com maiores ocorrências de infrações de trânsito e acidentes. Assim, o presente estudo objetiva revisar estudos empíricos internacionais que tenham avaliado a possível ligação entre envolvimento em infrações ou acidentes de trânsito e características de personalidade em motoristas, a fim de verificar se a instituição de tal obrigatoriedade possui embasamento científico. Trata-se de artigo de revisão de literatura breve, não sistemática. Foi realizada busca de artigos na base de dados eletrônica Scopus, com os descritores (personality) AND (traffic accidents OR automobile driving OR traffic violations), retirados do MeSH. Foi possível concluir que existe base empírica por detrás da necessidade de avaliação dos traços de personalidade, que podem ser considerados fatores preditivos distais dos índices de acidentes e infrações.
Palavras-chave: personalidade; avaliação psicológica; habilitação; motoristas; trânsito.
ABSTRACT
In Brazil, the assessment of personality traits in conductors is required. However, researches in the area do not show conclusive results that certain personality characteristics would be associated with the increased occurrence of traffic violations and accidents. Thus, this study aims to review international empirical studies that have evaluated the possible link between involvement in accidents or violations of traffic and personality traits in drivers in order to determine whether the imposition of this requirement has scientific basis. This article is critical nonsystematic review of literature. A search for articles was conducted in the electronic database Scopus, with the descriptors (personality) AND (traffic accidents OR automobile driving OR traffic violations), indexed on MeSH. It was concluded that there is scientific basis behind the need for assessment of personality traits that may be considered distal predictors of rates of accidents and violations of traffic.
Keywords: personality; psychological assessment; habilitation; automobile driver; transit.
RESUMEN
En el Brasil, la evaluación de rasgos de personalidad en los conductores es obligatoria. Sin embargo, la investigación en el área no muestra resultados concluyentes de que ciertas características de la personalidad se asocian con una mayor incidencia de violaciones de tráfico y accidentes. Así, este estudio tiene como objetivo revisar los estudios empíricos internacionales que han evaluado la posible relación entre la participación en accidentes o violaciones de tráfico y características de la personalidad de los conductores con la finalidad de verificar si la imposición de este requisito tiene una base científica. Este artículo presenta una revisión de la literatura, no sistemática. Fue realizada una búsqueda de artículos en la base de datos Scopus, con los descriptores (personality) AND (traffic accidents OR automobile driving OR traffic violations), retirados del MeSH. Fue posible concluir que hay razones científicas por atrás de la necesidad de evaluación de rasgos de la personalidad, que pueden ser considerados factores predictivos distales de las tasas de accidentes y violaciones.
Palabras clave: personalidad; evaluación psicológica; habilitación; conductor; tránsito.
Introdução
Os meios de transporte têm desempenhado um papel decisivo para o desenvolvimento das sociedades e processo de urbanização destas, assim como têm contribuído para a comercialização de produtos e troca de conhecimentos e culturas. Entretanto, existem consequências adversas ligadas ao uso desses meios, como é o caso dos acidentes e das infrações de trânsito (GREAVES; ELLISON, 2011).
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), acidentes de trânsito estão entre as maiores causas de morte entre os jovens de 10 a 24 anos, e cerca de 400 mil jovens com idade inferior a 25 anos são mortos a cada ano em virtude de acidentes de trânsito, além de milhões de jovens ficarem incapacitados e feridos pela mesma causa. A OMS salienta que, nos Estados Unidos, as despesas geradas por acidentes de trânsito têm um custo global (despesas de saúde, recursos materiais e outros) de aproximadamente 518 milhões de dólares ao ano, e, em alguns países, o custo dos acidentes de trânsito representa entre 1% e 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB). A maioria dos acidentes de trânsito tem causas previsíveis e evitáveis, e, se não houver uma ação global capaz de combatê-los, o número de mortos, feridos e incapacitados e os custos decorrentes desse fenômeno deverão aumentar de maneira significativa (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2007).
Uma das medidas tomadas pelo governo brasileiro quanto a isso foi a instituição da obrigatoriedade da avaliação psicológica para adquirir a carteira de habilitação em todo o território nacional (SILVA; ALCHIERI, 2008). O Decreto-lei nº 9.545, de 5 de agosto de 1946 e que passou a vigorar em 1951 (BRASIL, 2002), instituiu que o exame psicotécnico seria necessário para fins de obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Dentro disso, a Resolução nº 267 do Conselho Nacional de Trânsito (2008) prevê que os traços de personalidade devem ser avaliados, mas não estabelece critérios que possibilitem dizer quando um candidato está apto ou inapto.
Os traços de personalidade podem ser definidos como dimensões das diferenças individuais que apresentam tendência a emitir padrões consistentes e duradouros de pensamentos, sentimentos e comportamentos (MCCRAE; COSTA, 1995). A avaliação de traços de personalidade em motoristas tem sido uma prática corrente em nosso país, o qual prevê, em sua legislação, a obrigatoriedade da avaliação desses traços em condutores de veículos (CONSELHO NACIONAL DE TRÂNSITO, 2008).
Spagnhol (1985) observou, três décadas após a instituição da obrigatoriedade de avaliação psicológica de condutores, que existiam apenas seis artigos publicados em nosso país que versassem acerca da validade das avaliações psicotécnicas e análise dos levantamentos das ocorrências de acidentes. Em 2008, outro estudo que objetivou realizar um levantamento da literatura científica na área de psicologia do trânsito constatou que, de 1953 a 2006, havia apenas 15 trabalhos empíricos publicados sobre a temática, o que daria uma média de um trabalho a cada três anos e meio (SILVA; ACHIERI, 2008). Silva e Alchieri (2007) chamaram a atenção para o fato de que, em 2007, apenas três estudos na literatura nacional haviam investigado a relação entre aspectos de personalidade, acidentes e infrações de trânsito, nos quais o tamanho da amostra não possibilitava a generalização dos dados, uma vez que estes não eram representativos da população.
Alchieri e Stroeher (2003) observaram ampla diversidade dentro da área de psicologia do trânsito brasileira, tanto em relação aos instrumentos psicológicos utilizados como dos critérios adotados para classificar o candidato à habilitação como apto ou inapto. Os autores encontraram 14 instrumentos distintos para avaliação de traços de personalidade e 2.056 indicadores distintos utilizados no país para classificar o sujeito como apto ou inapto, o que os levou a concluir que nem mesmo os próprios psicólogos sabem responder precisamente quais são os critérios de aprovação ou reprovação no psicotécnico. Em outras palavras: os profissionais da área não possuem um consenso acerca de quais características, uma vez identificadas (ou não) na avaliação psicológica de condutores, implicariam a aprovação ou eliminação do indivíduo para fazer sua carteira de habilitação.
Silva e Alchieri (2008) ressaltam que as pesquisas brasileiras na área de avaliação psicológica de trânsito não estão avançadas o suficiente, para justificar a obrigatoriedade da avaliação de traços de personalidade em candidatos à CNH e, consequentemente, do investimento financeiro feito por milhares de cidadãos. Esses autores se posicionam afirmando que a avaliação psicológica na área do trânsito tem sido realizada no Brasil de forma compulsória e com qualidade não comprovada, o que configura uma ação que não está empiricamente embasada de modo a justificar que essa avaliação implique ganhos, como a diminuição de acidentes ou infrações de trânsito.
Assim, questiona-se a razão pela qual se torna necessária a avaliação de traços de personalidade em condutores. Qual seria o embasamento científico que fundamenta a instituição dessa obrigatoriedade?
O pressuposto de que a presença de determinadas características de personalidade estaria associada com maior ocorrência de infrações de trânsito e envolvimento em acidentes levou à obrigatoriedade da avaliação de traços de personalidade em condutores de veículos. No entanto, como já mencionado, as pesquisas brasileiras na área não apresentam resultados conclusivos. Assim, o presente estudo objetiva realizar uma revisão da literatura internacional, a fim de verificar o resultado de estudos empíricos que tenham avaliado a possível ligação entre envolvimento em infrações ou acidentes de trânsito e características de personalidade em motoristas.
Método
Trata-se de artigo de revisão crítica da literatura, não sistemática. Para efetivação do trabalho, foi realizada uma busca de artigos na base de dados eletrônica Scopus, a qual contém cerca de 18 mil periódicos científicos com trabalhos revisados por pares, dos quais 1.800 são de acesso aberto. A busca incluiu os seguintes descritores, todos em língua inglesa: (personality) AND (traffic accidents OR automobile driving OR traffic violations), segundo o Medical Subject Headings (MeSH). Foram selecionado s 13 artigos, publicados entre 2000 e 2011, com resumo e texto completo disponibilizado em português, inglês ou espanhol, os quais continham informações coerentes com os objetivos deste trabalho.
Resultados e discussão
O estudo de Iversen e Rundmo (2002), realizado com 2.605 motoristas noruegueses, objetivou identificar os determinantes do comportamento na direção e no envolvimento em acidentes, investigando as relações entre traços de personalidade (busca de sensações, ausência de normas, raiva na direção), condução de risco e envolvimento em acidentes. Os resultados mostraram que aqueles com maior busca de sensações ao dirigirem, ausência de normas e presença de raiva na direção apresentaram escores mais altos no comportamento de direção perigosa, além de pontuarem mais alto no desconhecimento das regras do trânsito e nas infrações relativas ao excesso de velocidade. Além disso, o estudo demonstrou que os motoristas que apresentaram maior comportamento de risco na condução estiveram mais frequentemente envolvidos em experiências de acidentes (e quase acidentes) que resultaram em danos materiais e/ou pessoas feridas.
Nos Estados Unidos, Zuckerman e Kuhlman (2000), em estudo realizado em 260 motoristas, demonstraram que traços de personalidade como agressividade, sociabilidade e busca de sensações ao conduzir estão relacionados com a tendência de assumir riscos na direção.
Outra pesquisa, de Li et al. (2005), realizada com 621 motoristas chineses, visou analisar as relações entre personalidade e comportamentos de motociclistas envolvidos em acidentes. Os resultados apontaram o seguinte:
• Quanto ao papel da personalidade na previsão do comportamento na condução: os traços de tolerância, rigor e autocontrole predisseram, de maneira significativa, efeito sobre comportamento responsável na condução.
• Quanto à diferença de personalidade entre os motoristas envolvidos e não envolvidos em acidentes: os escores dos traços de autocontrole, rigor, serenidade e generosidade foram significativamente inferiores nos motoristas com acidentes quando comparados com o grupo de motoristas sem acidentes.
• Quanto à diferença de aspectos de personalidade entre motoristas com e sem histórico de colisões: os escores nos domínios de otimismo, serenidade, generosidade, estado de alerta ao dirigir e não buscar fama com ultrapassagens foram distintamente menores em motoristas com histórico de colisões.
Os autores concluíram que traços de personalidade dos motoristas têm correlação significativa com os comportamentos de risco na condução e o envolvimento em acidentes, sugerindo que a educação sobre a personalidade precisa ser enfatizada para esse público (LI et al., 2005).
Nos Estados Unidos, em Michigan, estudo realizado em 5.362 adultos jovens objetivou examinar a associação entre fatores de personalidade (tendência de assumir riscos na direção, hostilidade física e verbal, agressividade, tolerância ao desvio de regras), comportamentos de risco ao dirigir (condução competitiva, condução perigosa, condução agressiva, beber e dirigir) e infrações em condutores (crimes, delitos graves, infrações de trânsito, acidentes e falhas graves – estes obtidos por meio dos registros de condutores de Michigan). Tanto para homens como para mulheres, os resultados, obtidos por meio de análises de regressão multivariada, permitiram observar os seguintes aspectos (PATIL et al., 2006):
• Quanto à relação entre fatores de personalidade e comportamentos de risco ao dirigir: os fatores de personalidade de tendência de assumir riscos na direção, hostilidade física e verbal, agressividade e tolerância ao desvio de regras foram preditores significativos para atitudes competitivas ao dirigir, direção perigosa, condução agressiva, assim como para o comportamento de beber e dirigir.
• Quanto à relação entre fatores de personalidade e infrações de condutores: tendência de assumir riscos na direção, hostilidade física, hostilidade verbal e agressividade foram fatores preditivos para um maior número de crimes, delitos graves e infrações de trânsito.
Na conclusão do estudo, os autores afirmam que as políticas e programas de segurança do tráfego poderão ser aperfeiçoados se for considerado o papel que os fatores de personalidade individual de condutores desempenham no comportamento destes no trânsito (PATIL et al., 2006).
Na Turquia, Kalyoncuoglu e Tigdemir (2008) analisaram as relações entre a adaptação pessoal e social (aspecto considerado no estudo como características de personalidade), atitudes de segurança no trânsito, comportamento de direção perigosa e envolvimento em acidentes de trânsito. Os resultados mostraram que os traços de personalidade avaliados (adaptação social e pessoal) exercem efeito significativo sobre as atitudes de segurança no trânsito e o comportamento de condução perigosa. Além disso, as análises de equações estruturais revelaram que as atitudes de segurança no trânsito implicaram impacto significativo na diminuição dos índices de acidentes rodoviários.
Estudo turco que contou com 295 motoristas profissionais distinguiu os fatores preditivos distais (como os fatores de personalidade) dos fatores preditivos proximais (como comportamentos de direção perigosa) na predição de envolvimento em acidentes de trânsito. Foram avaliados fatores de personalidade (busca de sensações ao dirigir e agressividade), comportamentos na condução e histórico de acidentes dos participantes. A análise dos dados contou com um modelo de equações estruturais, o qual indicou que os fatores de personalidade (variáveis latentes no contexto distal) previam pelo menos um dos elementos proximais (comportamentos de direção perigosa como beber ao dirigir e utilização de velocidade de sua preferência) com coeficientes de caminho altos. Assim, o trabalho demonstrou que, ao mesmo tempo que o comportamento de direção perigosa exerce um efeito direto sobre o envolvimento em acidentes, os fatores de personalidade influenciam diretamente os primeiros e, portanto, apresentam efeito indireto significativo no envolvimento em acidentes. Dessa forma, Suméria (2003) teoriza acerca de um modelo contextual da influência da personalidade nos resultados nocivos dos comportamentos de condução perigosa.
Corroborando o estudo anterior, pesquisa realizada em Chipre, com amostra de 352 motoristas, analisou a associação entre personalidade e comportamento de dirigir, com duplo objetivo. O primeiro objetivo foi examinar a extensão em que a personalidade é capaz de predizer resultados da direção como o envolvimento em acidentes e infrações de trânsito. O segundo objetivo foi replicar e ampliar as evidências de que a personalidade seria um fator preditivo distal que se relaciona com os resultados da direção por meio do comportamento na direção. Os dados foram analisados com base em um modelo de equações estruturais e indicaram que a personalidade exerce efeitos significativos diretos no comportamento na direção, que, por sua vez, implica resultados negativos na direção, ampliando as evidências de que a personalidade é um fator preditivo distal de resultados negativos de condutores no trânsito (CONSTANTINOU et al., 2011).
O estudo de Constantinou et al. (2011), além de reforçar as observações de que os traços de personalidade são considerados fatores preditivos distais para os resultados negativos do trânsito, expandiu as evidências desse modelo contextual ao analisar a influência de outros dois domínios da personalidade que também se mostraram fatores preditivos distais, a saber:
• Sensibilidade à punição: quanto mais alta se fizer presente em determinado condutor, mais este tenderá a seguir a regulamentação de trânsito.
• Sensibilidade à recompensa: quanto mais alta for, maior será a tendência de o condutor buscar sensações e, portanto, emitir comportamentos considerados mais perigosos.
Os autores concluem que a avaliação da personalidade é de extrema importância para o entendimento da condução agressiva e perigosa e necessita ser devidamente reconhecida no planejamento de políticas de prevenção de acidentes.
A diferença que se observa entre os gêneros com relação à propensão a acidentes pode ser explicada pelos traços de personalidade, uma vez que estes se apresentam de maneira diferente para homens e mulheres (NORRIS; MATTHEWS; RIAD, 2000). Assim, o modelo contextual elaborado por Suméria (2003) ganha força. Nesse modelo, o contexto distal inclui não apenas os traços de personalidade, mas também fatores culturais e características sociodemográficas, de maneira que a idade e o sexo também podem ser considerados, individualmente, fatores distais, afetando indiretamente a propensão dos motoristas a se envolver em acidentes.
Alguns estudos revisados neste trabalho utilizaram indicadores objetivos, como número de infrações, acidentes e falhas graves, de maneira a ter um parâmetro mensurável a partir do qual realizar análises estatísticas, conjuntamente com as informações obtidas nos autorrelatos dos motoristas. Muito embora tais dados nem sempre correspondam ao número real de infrações e acidentes, eles são importantes porque são utilizados em muitos países para a elaboração de programas e políticas de segurança no tráfego.
No que diz respeito aos métodos utilizados nos estudos, observa-se que eles são mais sofisticados quando comparados aos métodos adotados nos trabalhos publicados no Brasil, no âmbito da psicologia do trânsito. Particularmente, destacam-se a especificidade dos objetivos e a complexidade das análises de dados (modelo de equações estruturais e de regressão linear múltipla que objetiva investigar fatores preditivos) de estudos realizados no exterior, na área de psicologia do trânsito, quando comparados com estudos brasileiros. Esse aspecto chama a atenção pelo fato de que o tal procedimento poderia ter sido adotado nos estudos brasileiros, considerando o desenho e tamanho amostral dos trabalhos, o que nos leva a levantar a possibilidade de haver pouco preparo por parte dos pesquisadores brasileiros dessa área no que diz respeito à análise dos seus próprios dados de pesquisa.
Apesar de a personalidade não ser um elemento que possa prever, por si só, a ocorrência de acidentes e infrações (FURNHAM; SAIPE, 1993; ULLEBERG; RUNDMO, 2003), a literatura internacional já documentou a ligação entre traços de personalidade e condução perigosa (JONAH; THIESSEN; AU-YEUNG, 2001; DAHLEN et al., 2005; RENNER; ANDERLE, 2000). Dentro desse corpo de evidências, foi possível observar que traços de personalidade influenciam diretamente o comportamento individual de cada motorista ao conduzir, podendo essa condução ser feita de maneira perigosa, conforme observado por estudos presentes nesta revisão (ZUCKERMAN; KUHLMAN, 2000; IVERSEN; RUNDMO, 2002; LI et al., 2005; PATIL et al., 2006).
Certos traços de personalidade, quando se apresentam em alto grau, podem ser considerados fatores preditivos distais dos índices de acidentes e infrações, uma vez que os influenciam indiretamente por meio de seu efeito direto nos comportamentos individuais dos condutores no trânsito. No entanto, ressalta-se que os estudos revisados neste trabalho se utilizam de instrumentos de avaliação diversificados, considerando aspectos diversos do comportamento humano como "traços de personalidade", segundo o que considera a teoria que os embasa. Assim, registra-se que não há uma uniformidade em relação a quais instrumentos devem ser utilizados para esse tipo de avaliação, nem quais aspectos devem ou não ser considerados "traços de personalidade", embora se deva ressaltar que as pesquisas nesse campo, apesar de mais avançadas que no Brasil, ainda estão em processo de desenvolvimento.
Considerações finais
A despeito das limitações encontradas nos estudos revisados, ao final deste estudo é possível concluir que existem evidências científicas por detrás da necessidade de avaliação dos traços de personalidade em futuros motoristas. Tais características contribuem para os resultados das ocorrências de trânsito. Dessa maneira, entende-se que a avaliação dos traços de personalidade não pode ser negligenciada por parte da psicologia do trânsito brasileira, tendo em vista que há evidências de que a identificação de grupos de motoristas, com perfis de alto risco para o envolvimento em acidentes e infrações de trânsito, é possível de ser realizada por meio da avaliação de traços de personalidade.
O presente trabalho, além de sua relevância como revisão de literatura em psicologia do trânsito, tem implicações para a psicologia organizacional, principalmente em organizações nas quais é necessário realizar a contratação de motoristas. Na área de transportes coletivos, isso é ainda mais importante, visto que cada motorista contratado é responsável por transportar de forma segura centenas de pessoas todos os dias.
Entretanto, é necessário que os psicólogos que atuam na área do trânsito estabeleçam critérios objetivos para definir aptidão ou inaptidão para obtenção da CNH. Esses critérios devem estar relacionados a determinadas características de personalidade, que ainda precisam ser definidas, demandando para tal maior número de estudos na área. Igualmente importante seria a elaboração de diretrizes que definissem não só quais traços de personalidade devem ser levados em consideração, mas também por meio de quais testes esses traços deverão ser avaliados. De outra feita, há a probabilidade de que cada profissional realize essa avaliação de acordo com suas preferências pessoais, o que não garantiria a padronização das avaliações. Dessa forma, os psicólogos do trânsito demonstrariam ainda mais o seu compromisso ético e profissional, no que diz respeito ao adequado cumprimento de seu papel na contribuição para o aumento da segurança no trânsito.
Referências
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Endereço para correspondência
Contato
Paola Lucena Santos
e-mail: paolabc2.lucena@gmail.com
Tramitação
Recebido em março de 2012
Aceito em agosto de 2012