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Psicologia: teoria e prática
versão impressa ISSN 1516-3687
Psicol. teor. prat. vol.14 no.3 São Paulo dez. 2012
ARTIGO ORIGINAL
A parceria universidade-instituição de saúde e sua importância na formação do aluno de graduação em psicologia
The partnership university-health service and its importance in undergraduate student training psychology
La sociedad entre la universidad e institución de salud y su importancia en la formación de los alumnos de grado de psicología
Sandra Ribeiro de Almeida Lopes; Júlia Miranda Ferreira Lima
Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo – SP – Brasil
RESUMO
O presente estudo pretende investigar as contribuições que a parceria universidade- serviço de saúde proporciona aos alunos em formação, em particular nos hospitais. Para isso, foi realizado um levantamento das informações por meio de entrevistas semidirigidas com dez coordenadores de estágio de dez diferentes hospitais e 20 alunos do último ano do curso de Psicologia. Os resultados da pesquisa revelam que a parceria firmada é altamente valorizada e motivada pela perspectiva de que a associação beneficia e favorece ambas as partes, o que pode ser constatado pela ressonância de aspectos predominantemente positivos no discurso dos entrevistados. Entretanto, os aspectos negativos da parceria foram relativizados, denotando certa resistência diante de questionamentos e eventuais mudanças, o que não favorece um espaço de reflexão capaz de impulsionar avanços importantes no estabelecimento de novas práticas em saúde, no sentido de atender de maneira satisfatória às reais necessidades e demandas da população.
Palavras-chave: psicologia da saúde; parceria; universidade; serviços de saúde; formação profissional.
ABSTRACT
This study intends to investigate the contributions that the partnership university/ health service provides to undergraduate students, especially in hospitals. The research was conducted through semi-directed interviews with ten internship coordinators from ten different hospitals and twenty senior Psychology students. The survey results show that the partnership is highly valued and motivated by the perspective that the association benefits and helps both sides, which can be determined by the resonance of predominantly positive aspects in the speech of the interviewees. However, the negative aspects of the partnership were relativized denoting a certain resistance in face of questions and possible changes, not favoring a space for reflection able to lead to important advances in the establishment of new health practices in order to satisfactorily meet the real needs and demands of the population.
Keywords: health psychology; partnership; university; health services; professional training.
RESUMEN
El presente estudio tiene como objetivo investigar los aportes que la sociedad entre la universidad y el servicio de salud ofrece a los estudiantes en formación, en particular en los hospitales. Para ello, se realizó un levantamiento de información a través de entrevistas semidirigidas con diez coordinadores de práctica de diez hospitales diferentes y veinte estudiantes del último año de Psicología. Los resultados de la pesquisa muestran que la sociedad es altamente valorada y motivada por la perspectiva de que la sociedad favorece y beneficia a ambas partes, lo cual puede comprobarse por la resonancia de los aspectos predominantemente positivos en el discurso de los entrevistados. Sin embargo, los aspectos negativos de la asociación muestran una cierta resistencia a los cuestionamientos y eventuales cambios, no favoreciendo un espacio para la reflexión que impulsen importantes avances en el establecimiento de nuevas prácticas de salud con el fin de cumplir satisfactoriamente las necesidades y demandas reales de la población.
Palabras clave: psicología de la salud; sociedad; servicios de salud; universidad; formación.
Introdução
A integração entre as instituições de ensino e de saúde permite a aproximação do conhecimento teórico com a realidade prática e, com isso, possibilita o surgimento de novas estratégias para a manutenção e o aprimoramento dos serviços de saúde. Há muitas implicações para a realização desse processo, porém essa parceria pode ser bem-sucedida na medida em que as partes se complementam em sua atuação.
A universidade se faz responsável pela produção de novos conhecimentos que orientam a prática dos profissionais que atuam nos serviços de saúde por meio do atendimento da demanda existente. Portanto, o motivo para estabelecer essa parceria é conseguir uma responsabilidade compartilhada na busca pelo alcance do objetivo maior da psicologia, que é a melhoria das condições de saúde e qualidade de vida do ser humano.
Vale ressaltar que, para que a parceria universidade-serviço de saúde obtenha sucesso, algumas dificuldades devem ser administradas, tais como: divergências de interesses, orientações teórico-técnicas distintas, além de serviços estruturados de maneira precária tanto em seu aspecto físico quanto dinâmico para receber e acompanhar os estudantes. No entanto, é possível reconhecer que os limites e as possibilidades proporcionados podem impulsionar avanços importantes para o estabelecimento de novas práticas e novas teorias que busquem alcançar as necessidades dos usuários, além, é claro, de propiciar o contato direto do estagiário com os desafios da realidade cotidiana de seus colegas de profissão. É certo que um trabalho conjunto e harmonioso pode ampliar as possibilidades de atuação e, consequentemente, a construção de um melhor acesso aos serviços de saúde e uso deles.
A psicologia da saúde tem como objetivo compreender como os fatores biológicos, comportamentais e sociais influenciam na saúde e na doença (AMERICAN PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION, 2003), pois agrega o conhecimento educacional, científico e profissional da disciplina de psicologia para utilizá-lo na promoção e manutenção da saúde, na prevenção e no tratamento da doença, na identificação da etiologia e no diagnóstico relacionado à saúde, à doença e às disfunções, bem como no aperfeiçoamento do sistema de política da saúde, segundo definição de Matarazzo (1980).
A psicologia hospitalar, por sua vez, é uma prática da psicologia da saúde desenvolvida dentro dos hospitais, onde se tratam doentes, internados ou não. No hospital, de acordo com Castro e Bornholdt (2004), encontramos a doença já instalada, só sendo possível as intervenções secundária e terciária para prevenir seus efeitos adversos, sejam eles físicos emocionais ou sociais. Chiattone (2000) considera a expressão psicologia hospitalar inadequada por considerar como referência o local para determinar as áreas de atuação, e não prioritariamente as atividades desenvolvidas.
O objetivo primordial da atuação do psicólogo hospitalar é minimizar o sofrimento psíquico gerado pelo adoecimento e pela hospitalização, evitando possíveis sequelas emocionais. Porém, mesmo que o atendimento realizado no hospital seja essencialmente clínico, o setting terapêutico não é tão favorável ao psicólogo e ao paciente quan to o que encontramos no modelo tradicional de atendimento (ANGERAMI-CAMON, 1998). Campos (1995) conclui que, diante da complexidade do trabalho do psicólogo no hospital, faz-se necessária a constante atualização de conhecimento por parte do profissional, que pode ser alcançada, entre outras maneiras, pela participação em supervisões de estágio e cursos de aprimoramento. A atuação do psicólogo deve habilitar os indivíduos que trabalham diretamente com pacientes nos hospitais. Além disso, a autora afirma que o trabalho realizado pelo psicólogo pode resultar em pesquisas e, portanto, em produção de novos conhecimentos e percepções sobre o tema, que poderão servir como base para a prática clínica, o que revela a necessidade de documentar aspectos importantes de vivência no hospital.
Desde que essa especialidade passou a fazer parte da grade curricular de algumas universidades do país, resultado de uma preocupação em expandir a atuação profissional para novos contextos, a formação integral do aluno passou a exigir uma prática que contemplasse diferentes formas de atuação, integração de saberes, reflexão crítica sobre o fazer, conduta ética, desenvolvimento do pensamento científico e criação de novas estratégias de intervenção (BRUSCATO; RODRIGUES; LOPES, 2004). Para Brusca to, Rodrigues e Lopes (2004), as universidades e as escolas de saúde pública do Brasil vêm colaborando para tal processo de reflexão e, muitas vezes, propondo ações por meio dos estágios curriculares, para implantar o novo paradigma na graduação, pós-graduação e nos cursos de atualização, com a pretensão de promover mudanças no ensino e na prática da saúde pública no país. Entretanto, a universidade deve estar atenta ao acompanhamento do trabalho do estagiário, pois a dificuldade do sistema público de saúde pode facilitar o uso de "mão de obra barata". O trabalho do estagiário não deve ser de preencher lacunas e falhas do sistema, e sim uma real parceria para troca de experiências e conhecimentos.
Enquanto a universidade visa formar profissionais e produzir conhecimentos por meio das pesquisas que podem ser consumidas pelos serviços de saúde, os profissionais desses serviços buscam atender às necessidades de atenção à saúde da população. Isso implica uma dificuldade notada, porém esses trabalhos podem ser integrados, pois o processo de pesquisa pode e deve auxiliar os serviços, saindo assim do âmbito da universidade e do próprio pesquisador. Podemos dizer que a relação universidade-serviço de saúde ocorre de forma dialética, transformando ambas para a realidade e o conceito de saúde vigente (MISHIMA et al., 1997).
De acordo com a Resolução CFP nº 13/07, que confere o título profissional de especialista em psicologia, define, entre outras, as funções do especialista em psicologia hospitalar da seguinte forma: atende pacientes, familiares e/ou responsáveis pelo paciente, membros da comunidade dentro de sua área de atuação e membros da equipe multiprofissional e eventualmente administrativa, visando ao bem-estar físico e emocional do paciente. Deve oferecer e desenvolver atividades em diferentes níveis de tratamento, tendo como sua principal tarefa a avaliação e o acompanhamento de intercorrências psíquicas dos pacientes que estão ou serão submetidos a procedimentos médicos, visando basicamente à promoção e/ou à recuperação da saúde física e mental. Promover intervenções direcionadas à relação médico/paciente, paciente/família e paciente/paciente quanto ao processo do adoecer, à hospitalização e às repercussões emocionais que emergem nesse processo. No trabalho com a equipe multidisciplinar, preferencialmente interdisciplinar, participa de decisões em relação à conduta a ser adotada pela equipe, objetivando promover apoio e segurança ao paciente e à família, aportando informações pertinentes à sua área de atuação, bem como na forma de grupo de reflexão, no qual o suporte e manejo estão voltados para possíveis dificuldades operacionais e/ou subjetivas dos membros da equipe (CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA, 2011).
Rinaldi et al. (2009) conduziram uma pesquisa que consistiu na experiência de estágio de um ano de dez alunos de quarto e quinto anos de psicologia em um hospital geral, cujo objetivo era a abordagem psicológica aos pacientes internados, por meio de uma entrevista inicial, que visava diagnosticar a necessidade de acompanhamento individual ou familiar na situação de internação, ou o encaminhamento posterior para serviço de psicologia na rede pública de saúde. Observada a necessidade de apoio psicológico, passava-se ao atendimento, pelo tempo determinado pela duração da internação, bem como à discussão do caso com a equipe multiprofissional e orientação para acompanhamento pós-alta. Os autores concluíram que o aprendizado proporcionado pelo estágio foi um avanço na formação dos estudantes de psicologia porque permitiu que, antes de sua inserção na área da saúde, já tivessem adquirido minimamente os recursos necessários para atuar a partir da análise do que se apresenta como necessidade de trabalho e das demandas, e não como mera transposição de modelos previamente aprendidos.
O presente estudo tem como objetivo analisar as contribuições resultantes da parceria de estágio universidade-serviço de saúde sob a ótica dos alunos e coordenadores de estágio das instituições conveniadas.
Método
Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, dentro do modelo exploratório- -descritivo, que visa esclarecer e atualizar conceitos e paradigmas com o intuito de formular hipóteses que podem render pesquisas posteriores, além de descrever aspectos específicos de determinado fenômeno, segundo Gil (1994).
Optou-se por investigar a parceria entre universidade e hospitais, uma vez que a maioria dos estágios oferecidos na área de saúde concentra-se nesse tipo de equipamento. A título de esclarecimento, os estágios na área de saúde/hospitalar na Universidade Presbiteriana Mackenzie ocorrem no último ano de curso de Psicologia. Os alunos desenvolvem suas atividades nas instituições parceiras, semanalmente, no período de um ano letivo, sob a orientação dos psicólogos dos hospitais, com supervisão sistemática dos docentes da universidade. As atividades caracterizam-se basicamente por atendimentos clínicos, individual ou grupal, no modelo de consultas terapêuticas ou psicoterapia breve a pacientes e familiares no ambiente das enfermarias ou dos ambulatórios específicos.
O levantamento das informações ocorreu por meio de entrevistas semidirigidas realizadas com dez psicólogos responsáveis pelos estágios em dez diferentes hospitais (públicos e privados) conveniados e 20 alunos estagiários do último ano do curso de Psicologia, que estavam desenvolvendo suas atividades nas respectivas instituições. Todos os coordenadores de estágio das instituições parceiras, no momento da pesquisa, foram contatados, e apenas aqueles que concordaram e se dispuseram a conceder uma entrevista fizeram parte deste estudo. Foram elaborados dois roteiros de entrevista: um para os estagiários e outros para os coordenadores. As perguntas eram abertas e versavam sobre a experiência e as expectativas de estágio, a atuação profissional, dificuldades , limitações e contribuições da relação de parceria. As informações concedidas foram analisadas e seus dados cruzados entre si com a finalidade de verifi car semelhanças e diferenças entre os discursos e as percepções. Para tal análise, utilizou-se o conceito de análise de conteúdo que, segundo Bardin (1979), consiste em um conjunto de técnicas de análise das comunicações que tem como objetivo a obtenção de indicadores que infiram conhecimentos relativos às condições de produção dessas mensagens.
O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Presbiteriana Mackenzie, acompanhado por cartas de Informação e de Consentimento Livre e Esclarecido. O projeto foi aprovado por meio do processo CEP/UPM nº 1127/04/2009 e Caae nº 0022.0.272.0000-09.
Nas citações dos entrevistados, não aparecerá nenhuma referência a fim de garantir que as revelações não identifiquem o aluno, o coordenador ou mesmo a instituição hospitalar, mantendo assim o sigilo, a ética e a privacidade dos envolvidos.
Resultado e discussão
Com o propósito de sintetizar as respostas e facilitar a posterior discussão, elencaram- se categorias de análise apresentadas a seguir.
Estagiário
Motivação para a escolha do estágio
As principais razões apresentadas pelos alunos pela escolha do estágio em psicologia hospitalar foram: curiosidade advinda dos estudos teóricos ao longo da graduação acerca do tema; o fato de eles terem tido alguma vivência anterior em hospitais, mesmo que esta não tenha sido no setor de saúde mental; interesse em continuar na área como carreira profissional; pais ou parentes que trabalham na área de saúde, o que promove certa familiaridade com o local; e identificação com a área clínica ampliada.
Expectativas
A maioria dos alunos respondeu que esperava poder atender os pacientes e seus familiares individualmente e/ou em grupo, participar de reuniões multidisciplinares e contribuir com o conhecimento da psicologia para melhor compreensão e condução dos casos assistidos:
Imagino-me no hospital atendendo clinicamente um paciente em estado grave e depois conversando com a equipe médica sobre o caso.
Preparo técnico do estagiário
O estagiário diz sentir-se preparado do ponto de vista teórico, porém inseguro para enfrentar as diferentes situações do contexto hospitalar.
Sei qual é o papel e a função do psicólogo no hospital, mas não sei o que dizer quando me perguntarem alguma coisa sobre determinado caso, tenho medo de falar alguma coisa errada e prejudicar o paciente.
Os estagiários que estão no segundo semestre do estágio referem sentir-se mais seguros na condução dos atendimentos, no contato com os acompanhantes e mesmo diante dos demais profissionais da instituição.
Agora já me sinto mais à vontade quando entro no quarto do paciente e sua família está presente, já consigo perceber o momento e saber o que fazer, sei também o que e como falar alguma coisa para equipe, quando questionado.
Facilidades encontradas
Os estagiários que atuam nos hospitais revelam que somente há facilidade no desempenho do trabalho quando a instituição e a equipe de profissionais dão abertura aos alunos e os recebem de maneira acolhedora, o que foi vivenciado por parte dos alunos em formação.
No hospital que eu estou, a equipe é bastante acolhedora... constantemente me perguntam sobre os casos atendidos, me convidam para assistir às consultas, é bem legal lá. Sei que nem todo lugar é assim.
Dificuldades enfrentadas pelos alunos
A dificuldade enfrentada pelos estagiários está relacionada a aspectos institucionais, como a não existência de um setor de psicologia bem estruturado, com funções e atividades bem definidas, carência de espaço físico, falta de salas que permitam privacidade aos pacientes durante os atendimentos e indiferença por parte dos demais profissionais.
Lá no hospital a gente fica solto, meio perdido, não sabe bem quem atender, o que fazer, pra que fazer, tem vezes que o pessoal da enfermagem pede pra gente cuidar da porta.
Coordenadores de estágio
Facilidades encontradas
Os profissionais consideram que a facilidade na condução dos estágios está relacionada ao bom conhecimento teórico que os alunos possuem, tornando-os mais bem preparados para a atuação no hospital.
Aspectos negativos
Os profissionais consideram que o aspecto negativo da parceria é o trabalho que o aluno demanda e a responsabilidade que se tem sobre ele, o que acaba ocasionando sobrecarga de atividades. Revelam ainda que, desde que estabeleceram parcerias com instituições de ensino, viram-se obrigados a reduzir o número de estagiários ao longo do tempo, em decorrência da impossibilidade, verificada pelos próprios profissionais, em acompanhar um grande número de alunos em formação.
Os alunos quando chegam demandam muita atenção e orientação, temos que dedicar certo tempo a eles, o que por vezes compromete o nosso dia a dia, com o tempo vão ficando mais seguros e independentes, daí nos ajudam muito.
Sobre a parceria
Contribuições advindas da parceria
O aluno se diz beneficiado na medida em que encontra no estágio a oportunidade de entrar em contato com a realidade prática do profissional, até então não vivenciada.
Os psicólogos do hospital apontam para um aumento no número de pacientes atendidos, o que contribui para a execução das tarefas e para a elevação da produtividade do setor. Além disso, consideram que o contato mais direto com os estagiários se torna uma oportunidade de atualização de seus conhecimentos, já que o aluno agrega novas ideias e percepções que muitas vezes podem substituir aspectos já cristalizados para o profissional e para a instituição na qual ele atua.
Relação estabelecida
A relação estabelecida entre o estagiário e o responsável pelo estágio na instituição de saúde é relatada como altamente positiva, assim como a relação entre este e o respectivo supervisor da universidade.
Na opinião dos alunos, um aspecto que merece ser mais bem cuidado é, por vezes, a indisponibilidade da equipe de psicólogos dos hospitais em acompanhá-los mais de perto e a pouca abertura para lidar com seus frequentes questionamentos.
Já os profissionais referiram que, em alguns momentos, deparam com alunos muito inseguros e dependentes, que demandam assistência contínua, ou com alunos bastante independentes, muito críticos e pouco receptivos às orientações dadas.
Propostas para novos estágios
As entrevistas tanto com os estagiários quanto com os psicólogos hospitalares revelaram que uma possibilidade para futuros estágios em psicologia hospitalar seria a expansão das atividades dos estagiários para outras áreas do hospital, além das já disponibilizadas (em geral enfermarias de especialidades médicas). Segundo os profissionais, também poderia ser estudada uma alternativa de trabalho a ser aplicada durante o período de férias escolares, uma vez que os pacientes não aceitam bem a interrupção do tratamento, o que pode levar a certa resistência ao tratamento conduzido.
Os alunos iniciam o ano com certo atraso por conta da documentação e de outros ajustes, depois tem o período de férias no meio do ano, voltam, ficam mais um tempo e vão embora, exatamente no momento em que ficam bons.
Além disso, os alunos sugerem a possibilidade de ter uma atuação institucional, realizando, por exemplo, trabalho com as equipes de profissionais:
Estou há quase um ano no hospital e tive muito pouco contato com a equipe de saúde, só com a psicóloga mesmo.
Os estagiários escolhem a área hospitalar, em grande medida, motivados pelo desejo de realizar atendimentos clínicos individuais nos moldes da clínica tradicional, porém num ambiente diferenciado. Ao chegar ao hospital, o aluno depara com um local que, na maioria das vezes, não oferece as condições "ideais" para realização dos atendimentos, o que pode causar sensação de impotência, sentimento de insegurança e frustração diante da experiência de estágio. Para Ceccim et al. (2008), o imaginário liberal-privatista atravessa o que se ensina sobre saúde desde a educação infantil até a pós-graduação das áreas clínicas em saúde, uma concepção marcada pela prática de consultório, pelo atendimento individual embasado na díade diagnóstico-prescrição, tendo a doença como referência e o curativismo biologicista como paradigma. Esse imaginário não tem sido colocado em questão mediante aproximações concretas ao mercado de trabalho em saúde.
A insegurança do início do estágio, fruto do distanciamento da realidade institucional e das demandas psicossociais da população que busca ajuda nos serviços públicos, faz-se presente mesmo que o aluno tenha apropriação teórica acerca do tema. A atuação do aluno-estagiário no hospital é fundamental na medida em que a base teó rica não substitui a prática, porque é o contato direto com a realidade que permitirá a integração do conhecimento. Lembrando Namen e Galan (2011), questões como políticas de saúde devem ser exaustivamente debatidas tanto quanto políticas de ensino, além de aspectos relacionados ao perfil dos profissionais na área de saúde. Contudo, a familiarização com os aspectos peculiares da técnica e da dinâmica institucional, adquirida no decorrer do estágio, vai permitindo progressivamente a construção de um saber prático, que resulta em maior autonomia e segurança, aspectos reconhecidos tanto pelos próprios alunos quanto pelos profissionais que os acompanham nos hospitais.
Para os alunos, a concepção inicial de que a área da psicologia hospitalar contemplava uma análise institucional e posterior intervenção foi transformada após o estágio. Percebeu-se que a atuação esperada era clínica e focada exclusivamente na deman da do paciente/familiares, fato que não foi encarado pelos alunos com um aspecto negativo. Entretanto, a falta de contato com a equipe, seja por meio de reuniões, discussões de casos ou mesmo de trabalhos pontuais, foi observada como um aspecto ne gativo da parceria. Nesse aspecto, é possível pensar que, em muitas instituições, a en trada do psicólogo não corresponde à sua inserção, conforme nos fala Moretto (2006).
Dessa forma, o estagiário conhece uma realidade parcial da atuação do psicólogo, ainda que as supervisões acadêmicas procurem suprir em suas discussões esta lacuna. Para Tonetto e Gomes (2007), no âmbito hospitalar, a falta de clareza quanto às atribuições dos diferentes profissionais é um dos fatores que dificultam o trabalho em equipe. Uma primeira condição para o trabalho multidisciplinar efetivo do psicólogo é a clareza de suas atribuições e das expectativas concernentes à sua especificidade (ROMANO, 1999). No caso de estarem esclarecidas as atribuições do psicólogo, espera-se que ele seja capaz de se mostrar competente o suficiente para que sua prática seja vista como necessária.
Sabe-se que, apesar de o Conselho Regional de Psicologia referir que é atribuição do psicólogo hospitalar o trabalho junto à equipe interdisciplinar, essa prática ainda não faz parte da rotina de muitas instituições, que, por diferentes motivos, não conseguiram efetivá-la.
A demanda do aluno-estagiário ao profissional de saúde é percebida por ambos, sendo este um fator gerador de certo desconforto para o profissional que muitas vezes não tem tempo disponível para realizar o acompanhamento necessário para o bom desenvolvimento do processo de formação. Porém, a falta de suporte pode acentuar o sentimento de insegurança dos estagiários, como pode também empobrecer a relação na medida em que desfavorece a troca de ideias.
A premissa de que os benefícios contemplam as duas partes da parceria advêm do fato de que as instituições desenvolvem atividades distintas, o que permite, e até exige, o desenvolvimento de um trabalho integrado e complementar. A consciência sobre a responsabilidade compartilhada e a importância dos diferentes exercícios desempenhados pelas instituições pode remeter a um discurso valorizado que enfatiza os aspectos essencialmente positivos da relação.
O estagiário de fato necessita da atuação prática para a sua formação, bem como o profissional, continuamente, de reciclagem. Qualquer parceria que se consolide resulta em entraves para ambas as partes e é natural que isso ocorra. A aliança universidades- -serviços de saúde deve contribuir para a transformação da realidade, para a atualização do conceito e práticas de saúde vigentes, porém, quando o espaço para questionamentos e reflexão é visto com reserva e resistência, as possibilidades de mudança de paradigma e de melhoria no serviço prestado se tornam pouco significativas. Ou seja, o trabalho integrado de fato permite o aparecimento de novas práticas e a reformulação do saber, mas para que isso ocorra é necessário que a troca seja efetiva. Nesse sentido, devemos estar atentos ao papel que o ensino desempenha na socie dade do conhecimento, já que a figura do professor/orientador é uma peça-chave nas mudanças e a educação precisa de polêmicos para mudar a sociedade (NAMEN; GALAN, 2011).
Vale ressaltar que as contribuições resultantes da parceria são significativas, como o aumento do número de pacientes que recebem assistência psicológica nos hospitais conveniados, contudo a relevância da parceria não pode ser reduzida ao número de pacientes atendidos. O fato de tal discurso se mostrar tão presente pode sugerir que o estagiário de psicologia ocupa o lugar daquele que meramente amplia o fluxo de atendimento do hospital, o que pressupõe que o serviço de saúde utiliza o aluno-estagiário como mão de obra barata para sua manutenção.
A constatação de que o estagiário é visto como mais uma opção de mão de obra, e não como um profissional em circunstância de treino e formação, pode ser exemplificada pela preocupação com o período de férias do aluno, que acarreta uma mudança na rotina do hospital, mesmo que a justificativa da preocupação esteja relacionada às questões exclusivas à saúde do paciente. Além disso, os profissionais defendem que o contato com estudantes permite uma atualização de seus conhecimentos, o que é altamente enriquecedor, porém menos ressonante quando comparada à ideia de aumento de casos atendidos pelo setor, ou seja, o benefício quantitativo que a parceria agrega ao hospital é prioritário ao envolvimento com os aspectos de natureza acadêmica, mesmo que a alegação seja a favor da importância do suporte psicológico aos pacientes em estado de adoecimento e internação.
No que se refere às sugestões, as entrevistas com estagiários e profissionais da saúde apontaram para uma possível expansão dos estágios para diferentes áreas do hospital, incluindo aí maior participação no âmbito institucional, o que parece extremamente relevante.
Considerações finais
Conclui-se que a parceria entre instituição de ensino e serviço de saúde oferece con tribuições para as partes envolvidas. O estagiário é beneficiado na medida em que se apropria da realidade prática até então não vivenciada e adquire experiência na área, enquanto o serviço de psicologia do hospital tem um aumento no número de pacientes atendidos e ainda pode contar com a possibilidade de atualizar de seus conhecimentos na medida em que o aluno agrega novas ideias e percepções, possibilitando um repensar paradigmas e práticas de saúde em vigor. Contudo, é preciso refletir sobre o modo como a parceria se dá na realidade e se estão sendo aproveitadas todas as possibilidades que essa relação pode oferecer.
O restrito número de instituições de saúde pesquisadas, circunscrito apenas aos hospitais, restringiu o olhar mais amplo para a prática profissional na área de saúde, além do fato de as pesquisadoras estarem vinculadas a uma universidade, o que pode ter eventualmente inibido alguma consideração mais crítica ao programa de estágio, tanto por parte dos coordenadores quanto dos próprios estagiários.
Por tratar-se de um tema ainda pouco explorado em nosso meio, sugere-se que novas pesquisas sejam realizadas, incluindo não apenas os coordenadores de estágio das instituições, como definido neste estudo, mas também os demais psicólogos que acompanham os estagiários em seu cotidiano, pelas ricas contribuições que possam oferecer.
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Endereço para correspondência
Contato
Sandra Ribeiro de Almeida Lopes
e-mail: salmeidalopes@mackenzie.br
Tramitação
Recebido em outubro de 2010
Aceito em junho de 2012