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Psicologia: teoria e prática
versão impressa ISSN 1516-3687
Psicol. teor. prat. vol.17 no.2 São Paulo ago. 2015
PSICOLOGIA CLÍNICA
Intervenção psicológica com familiares enlutados em oncologia pediátrica: revisão da literatura
Psychological intervention for bereaved relatives in pediatric oncology: a literature review
Intervención psicológica con familiares de luto en oncología pediátrica: revisión de literatura
Marina Noronha Ferraz de Arruda-ColliI; Elisa Maria PerinaII; Regina Maria Holanda de MendonçaIII; Manoel Antônio dos SantosIV
I Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto – SP – Brasil
II Universidade Estadual de Campinas, Campinas – SP – Brasil
III Centro Infantil Boldrini, Campinas – SP – Brasil
IV Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto – SP – Brasil
Resumo
Compreende-se luto como a vivência de pesar diante de alguma perda, que exige a reorganização dos papéis familiares e projetos de vida. A assistência aos familiares enlutados é essencial para a elaboração da perda do ente querido e prevenção de danos à saúde emocional. O objetivo desta revisão integrativa é analisar a produção científica sobre a atenção psicossocial especializada oferecida a familiares enlutados no cenário da oncologia pediátrica. Foram analisados 20 artigos publicados entre 2002 e 2013 e recuperados nas bases BVS, PsycINFO e SciELO, com os descritores: neoplasias, família, luto/pesar e consternação. Os resultados permitiram caracterizar o panorama do cuidado oferecido a familiares enlutados em diferentes contextos. Destacaram-se ações preventivas, serviços de transição e medidas de apoio após a perda. Neste artigo, consideram-se os potenciais riscos para o desenvolvimento dos irmãos enlutados e o possível comprometimento do relacionamento conjugal, e são propostas algumas reflexões visando à ampliação dos modelos de atenção psicossocial.
Palavras-chave: luto; família; câncer em crianças; oncologia pediátrica; morte.
Abstract
Grief is defined as the mourning experience after some loss, which requires the reorganization of family roles and of life projects. The assistance to bereaved families is essential for closure when it comes to the loss of beloved ones as well as for the prevention of impairments concerning emotional health. This integrative review aimed to analyze the scientific literature on specialized psychosocial care provided to grieving families in the area of Pediatric Oncology. Twenty papers published from 2002 to 2013, retrieved from three different databases (BVS, PsycINFO and SciELO) and using the keywords: neoplasms, family, grief and bereavement, have been analysed. The results allowed us to characterize the scenario for care delivery to bereaved families in different contexts. Preventive actions, transition services and post-loss support measures were highlighted. Possibilities to expand psychosocial care models are discussed considering the potential developmental risks for bereaved siblings and for marital relationship jeopardy.
Keywords: grief; family; cancer in children; pediatric oncology; death.
Resumen
El luto es la experiencia de pesar delante de alguna pérdida, lo que requiere la reorganización de los roles familiares y proyectos de vida. Reflexionar sobre el cuidado a las familias en duelo es una estrategia valiosa para hacer frente a la elaboración de la pérdida de un ser querido y para prevención de daños a la salud emocional. Esta revisión integradora tuvo como objetivo analizar la producción científica sobre atención psicosocial especializada a las familias en duelo en el ámbito de la Oncologia Pediátrica. Se analizaron 20 artículos publicados desde 2002 hasta 2013, recuperados en las bases de datos BVS, PsycINFO y SciELO, con las palabras clave: cáncer, familia, luto/pesar y consternación. Los resultados permitieron caracterizar el panorama del cuidado ofrecido a familiares enlutados en diferentes contextos. Se destacaron acciones de prevención, servicios de transición y medidas de apoyo después de la pérdida. Al considerar los riesgos latentes para el desarrollo de los hermanos enlutados y el posible comprometimiento de la relación conyugal, se proponen algunas reflexiones para ampliar los modelos de atención psicosocial.
Palabras clave: luto; familia; cáncer en niños; oncología pediátrica; muerte.
A doença grave e a morte são consideradas eventos críticos no ciclo de vida familiar, tendo em vista as influências, rupturas e alterações que ocorrem no percurso desenvolvimental (Brown, 1995). Considerando as influências recíprocas que permeiam a atitude do paciente e de seus cuidadores ante a doença grave e potencialmente fatal, o profissional de psicologia deve ser capaz de oferecer sua escuta aos familiares e buscar compreender o histórico de experiências de cuidados em saúde por meio da investigação de crenças, valores e atitudes, além de identificar a rede social de apoio, de modo a contribuir para o enfrentamento do processo de adoecimento, tratamento e luto (Menezes, Passareli, Drude, Santos, & Valle, 2007).
No Brasil, o câncer é considerado um problema de saúde pública e representa a segunda causa de mortalidade entre crianças e adolescentes de 1 a 19 anos, para todas as regiões do país (Ministério da Saúde, 2008). Com o avanço das tecnologias médicas, os métodos de diagnóstico precoce e de tratamento do câncer infantil foram aprimorados, e a possibilidade de controle da doença hoje é uma realidade. Contudo, o tratamento do câncer infantil é prolongado e resulta em contato frequente com a instituição hospitalar, internações e exposição a procedimentos invasivos, o que pode afetar o desenvolvimento físico, cognitivo, emocional e social da criança adoecida, além de acarretar implicações imediatas e de longo prazo para o sistema familiar (Kohlsdorf & Costa Junior, 2011; Menezes et al., 2007; Motta, Enumo, & Ferrão, 2006).
Com a morte do paciente, um novo desafio é imposto para a atenção em saúde. O foco, antes direcionado ao tratamento e à busca da cura, passa a ser deslocado para a atenção aos familiares e ao processo de luto, abrangendo o modo como lidam com os sentimentos diante da perda, os recursos de elaboração psíquica de que dispõem, a dinâmica familiar, a rede de apoio social e os aspectos socioeconômicos envolvidos (Franco, 2008). Para Brown (1995), o ajustamento da família à morte impõe pensar sobre as especificidades e a complexidade da perda, quando comparadas a outras crises da vida familiar, considerando os significados atribuídos ao ente falecido e o lugar ocupado pelo cuidado na dinâmica familiar. A elaboração emocional da perda é um processo singular e variável, conforme o contexto sociocultural da morte, as características da pessoa falecida, os recursos psíquicos e as estratégias utilizadas pela família para o ajustamento após a perda (Franco, 2008).
A morte de uma criança, apesar de trazer poucas perdas no âmbito da função e das responsabilidades familiares, acarreta significativo impacto emocional aos sobreviventes devido ao significado cultural que está em jogo. Os filhos são considerados os elos entre os pais e o futuro, garantindo a continuidade intergeracional na linha do tempo. Além da ruptura biográfica e da linhagem, a morte de um filho traz, implícita, uma contradição entre a intensidade da vida na infância e a quebra da ordem cronológica esperada para a morte, uma vez que se tem a expectativa de que os avós faleçam antes dos pais, e estes, antes dos filhos. Além disso, a morte na infância exige um ajuste sistêmico familiar, emocional e relacional para a superação saudável do momento de crise que se instaura (Gómez Sancho, 2007; Franco, 2008). Nesse momento, o acolhimento e o apoio psicológico mostram-se fundamentais para auxiliar os familiares a elaborar a dor e ressignificar a experiência de perda, de forma a prevenir e/ou superar a exacerbação das reações emocionais, o que pode desencadear prejuízos marcantes para a saúde mental do indivíduo enlutado, caracterizando um processo de luto complicado (Franco, 2008; Parkes, 1998).
O adoecimento grave e a possibilidade de morte constituem variáveis importantes nas crises do ciclo de vida familiar. O processo de luto, por sua vez, apesar de conter reações de tristeza e pesar esperadas culturalmente, pode envolver diferentes níveis de sofrimento e impacto na vida cotidiana, sendo o acompanhamento especializado potencialmente benéfico em termos de saúde integral (Parkes, 1998). Assim, quando se pensa sobre o cuidado emocional nesses contextos, é relevante refletir sobre as possibilidades de atenção psicossocial aos familiares enlutados, compreendidas como ações direcionadas ao acolhimento e à mudança, considerando as pessoas envolvidas e sua rede de relações sociais, de forma a oferecer condições que sustentem a continuidade de seu desenvolvimento (Miranda Afonso, 2011).
Diante da escassa atenção dedicada pela literatura à assistência especializada ao luto (Thompson et al., 2011), buscou-se analisar a produção científica acerca do atendimento psicossocial especializado a familiares enlutados, de modo a identificar as possíveis contribuições e as lacunas do conhecimento produzido nesse campo, com vistas à sistematização da prática na atenção ao luto em oncologia pediátrica.
Método
Trata-se de um estudo de revisão sistemática, no qual se optou pela modalidade de revisão integrativa. A revisão integrativa da literatura consiste na compilação de estudos referentes a determinado problema de investigação, de forma a possibilitar a análise crítica quanto aos objetivos e ao percurso metodológico, gerando contribuições para a integração do conhecimento e aplicabilidade deste, com vistas ao desenvolvimento da área em questão (Pompeo, Rossi, & Galvão, 2009). A opção por esse tipo de abordagem metodológica se justifica por permitir a compilação de estudos tanto quantitativos como qualitativos e pelo foco na prática profissional. Esta revisão foi desenvolvida em cinco etapas: explicitação do problema (formulação da questão norteadora), coleta dos dados, avaliação criteriosa dos dados coletados, análise e interpretação dos dados, e apresentação dos resultados.
A questão norteadora deste estudo foi a seguinte:
• Qual é o status do conhecimento produzido sobre as intervenções psicossociais destinadas a familiares que enfrentam a perda de um filho por câncer?
Para coleta de dados, optou-se pela busca eletrônica de publicações nas bases de dados BVS, PsycINFO e SciELO, considerando a relevância de incluir estudos nacionais e de países latino-americanos (BVS, SciELO) e internacionais (PsycINFO), produzidos na temática.
A revisão foi operacionalizada por meio do cruzamento de palavras-chave selecionadas a partir da terminologia psi e da base de Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), nos idiomas português, inglês e espanhol: neoplasias/neoplasms/neoplasias; família/family/familia; luto/pesar/grief, mourning/duelo; consternação/bereavement/consternación. As buscas abrangeram o período 2002-2013 e foram realizadas em fevereiro de 2014.
Para delimitação do corpus de análise, realizou-se a leitura atentiva do resumo e dos textos das publicações recuperadas na íntegra, de acordo com os passos preconizados por Pompeo et al. (2009). Os critérios de inclusão foram os seguintes: 1. publicações em periódicos indexados nas bases selecionadas, 2. em idioma português, espanhol ou inglês, 3. publicadas entre janeiro de 2002 e janeiro de 2013, e 4. foco do estudo nas intervenções psicossociais com familiares enlutados, no âmbito da oncologia pediátrica. Definiram-se os seguintes critérios de exclusão: 1. estudos sobre luto em oncologia clínica e 2. artigos empíricos ou de reflexão teórica que não focalizavam especificamente intervenções com familiares enlutados. Artigos repetidos em mais de uma base indexadora foram computados uma única vez.
Resultados
O levantamento possibilitou o acesso a 282 artigos na base BVS, 219 publicações na PsycINFO e 30 no SciELO. Após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, a seleção final foi composta por 20 publicações, que se mostraram pertinentes aos objetivos propostos, sendo 12 disponíveis na base BVS, cinco na PsycINFO e três na SciELO. O principal motivo para a exclusão de artigos foi o distanciamento em relação ao foco que norteia a presente investigação, seja pela atenção a familiares de pacientes em outras faixas etárias, por não abordarem intervenções em processo de luto ou por trazerem elaborações teóricas sobre a perda, sem vinculá-las às possíveis intervenções e à sua aplicabilidade.
Os estudos analisados foram produzidos no período 2002-2013, nos seguintes países: Estados Unidos (55%, n = 11, sendo dois em parceria com pesquisadores da Suíça e um com autores da Austrália), Israel (15%, n = 3), Austrália (10%, n = 2, sendo um em parceria com a Nova Zelândia), Canadá (10%, n = 2), China (5%, n = 1) e Suécia (5%, n = 1). No que concerne à autoria, destacaram-se pesquisadores ligados às profissões da área de saúde, com predomínio de médicos, psicólogos, enfermeiros e assistentes sociais.
Foram incluídos como participantes: familiares em geral, que abrangeram a família nuclear ou expandida (45%, n = 9); pais (30%, n = 6); irmãos (5%, n = 1); apenas a família nuclear (5%, n = 1); e profissionais dos serviços de saúde (15%, n = 3). O número de participantes variou conforme a metodologia adotada, com o mínimo de um (estudo de caso único) e máximo de 449 familiares. No caso dos estudos teóricos, as intervenções foram descritas de forma genérica, sem fazer menção ao número de participantes beneficiados, em virtude das características e dos objetivos dessas contribuições.
Em relação ao delineamento metodológico, 40% (n = 8) dos artigos utilizaram metodologia qualitativa, 30% (n = 6) eram estudos de abordagem quantitativa, 25%
(n = 5) eram teóricos, e apenas um (5%) teve delineamento misto, mesclando metodologia quantitativa e qualitativa para alcançar os objetivos propostos.
Dentre os artigos selecionados, considerando os instrumentos privilegiados, 30% (n = 6) adotaram questionários para coleta dos dados; 25% (n = 5) optaram por relato de experiência das intervenções ou estudo de caso; 25% (n = 5) discorreram sobre elaborações teóricas sobre a temática, dos quais apenas um (5%) referia-se a um estudo de revisão; 15% (n = 3) fizeram uso de entrevistas; e somente um (5%) utilizou técnicas gráficas projetivas como ferramenta de acesso às vivências infantis.
Em relação aos níveis de evidência dos estudos (Stetler et al., 1998), predominou o nível 4 (65%, n = 13), que corresponde a pesquisas não experimentais, com caráter descritivo correlacional, qualitativo ou estudos de caso. O baixo nível de evidência da maior parte dos estudos recuperados nesta revisão sugere carência de ensaios clínicos controlados e randomizados, bem como estudos de metanálise, preconizados na prática baseada em evidências. No entanto, considerando a temática abordada, deve-se destacar a pertinência dos estudos qualitativos para descrição e definição de práticas psicossociais com familiares enlutados.
De maneira geral, as propostas de intervenção podem ser categorizadas em: 1. ações preventivas multiprofissionais (55%, n = 11), desde a etapa do diagnóstico até a fase final, visando auxiliar no enfrentamento e na preparação para a perda; 2. serviços de transição, com vistas a facilitar a passagem dos cuidados familiares no contexto hospitalar, para a continuidade da assistência na comunidade/residência (15%, n = 3), com foco na elaboração do luto; e 3. medidas de apoio psicossocial fornecidas, após a perda, por profissionais de saúde, a fim de favorecer o processo de superação e elaboração do luto (30%, n = 6). Na sequência, serão abordadas as três categorias de ações/intervenções encontradas nos estudos.
Ações preventivas
Com o objetivo de explorar uma modalidade de intervenção com familiares enlutados em Taiwan, Liu e Lai (2006) aplicaram nos cuidadores, no período anterior à morte do paciente, uma escala para avaliação do luto antecipatório e, pelo menos dois meses após a perda, avaliaram o processo do luto. Os resultados evidenciaram que familiares mais velhos apresentaram maior incidência de luto antecipatório. Além disso, identificaram-se influências do luto antecipatório no processo do luto posterior ao óbito, mas sem clarificar seu mecanismo ou a possibilidade de esse indicador funcionar como preditor do luto complicado. Os autores consideraram que acompanhar individualmente os pacientes e familiares ao longo do processo de morrer se mostrou uma boa opção de atenção, no entanto, destacaram a dificuldade prática em manter visitas domiciliares para todos os familiares após a morte.
De modo análogo, Tadmor (2004) buscou investigar o modelo de crise denominado perceived personal control model e avaliar seus possíveis benefícios para o processo de elaboração do luto e para a preservação da saúde, com foco no âmbito pessoal e familiar. Tal modelo propõe a manipulação de variáveis situacionais, a fim de ampliar o senso de controle emocional, cognitivo e comportamental. Nessa vertente, o autor focalizou intervenções dos profissionais de saúde que visavam auxiliar os pais a lidar com a proximidade da morte do filho e acompanhar o luto antecipatório, identificando sintomas e necessidades para subsidiar a intervenção. Os resultados evidenciaram que a possibilidade de discutir a evolução e o prognóstico da criança com o médico responsável e ter acesso aos profissionais de saúde mental ao longo do adoecimento e no final de vida da criança facilitou a elaboração da perda por parte dos pais e irmãos. Foi destacada ainda a necessidade de manter o apoio aos familiares após a perda, principalmente nos dois anos iniciais do processo de luto.
Em estudo conduzido nos Estados Unidos, Clark, Brethwaite e Gnesdiloff (2011) propuseram uma reflexão acerca da oferta de suporte no momento da morte e suas implicações para o ajustamento dos familiares e cuidadores formais e informais após a perda, a partir do levantamento das necessidades psicossociais, decorridos cinco anos da perda da criança por câncer. O grupo teve caráter psicoeducativo e estruturado, abordando estratégias e informações para enfrentamento do processo de luto. Utilizou-se método misto, com aplicação de questionário, cujos resultados foram analisados estatisticamente, seguido de duas questões abertas, analisadas sob a perspectiva da teoria fundamentada nos dados. Os participantes destacaram a relevância de confiar na familiaridade da equipe de saúde com o histórico de saúde do paciente, compreender as opções e os desafios da tomada de decisão no cuidado e ter conhecimento sobre o prognóstico e as opções de conforto no processo de morrer.
Reconhecendo o luto parental como o mais longo e intenso processo de luto, um estudo suíço objetivou avaliar os resultados alcançados pelos pais em seu processo de elaboração da perda e o impacto do apoio profissional e social que lhes foi oferecido nesse contexto (Kreicbergs, Lannen, Onelov, & Wolfe, 2007). Foram enviados questionários que investigavam o histórico da doença e tratamento, as eventuais conversas que os pais mantiveram com a criança sobre a morte, a vivência do período após a perda, o apoio psicossocial recebido e a autopercepção dos pais sobre a própria saúde mental atual. Os dados indicaram uma relação direta entre o nível educacional do participante – a expressão de sentimentos ao longo do tratamento e a consciência da iminência da morte do filho com antecedência maior do que algumas horas do óbito – e o relato de ter trabalhado tal luto. Além disso, fatores como acesso a atendimento psicológico, oferecimento de atendimento pela equipe de saúde mental no mês anterior à morte e possibilidade de discutir a situação clínica com a equipe de referência aumentaram a probabilidade de os participantes se engajarem na elaboração da perda. Nessa direção, os autores enfatizaram a relevância de implantar o serviço de apoio ao luto desde a fase em que se diagnostica que não existe qualquer possibilidade terapêutica de cura para a criança, e não somente após o falecimento. Dessa forma, pontua-se a maior eficácia do suporte fornecido por profissionais de saúde que conheceram os familiares previamente, bem como do apoio social posterior ao óbito.
A fim de avaliar os benefícios oferecidos pelos serviços especializados em cuidados paliativos, Abernethy et al. (2007) entrevistaram cuidadores de pacientes que receberam ou não cuidados especializados, incluindo pacientes oncológicos e não oncológicos, adultos e pediátricos. Os autores pontuaram como objetivos dos cuidados paliativos, na atenção aos cuidadores durante o tratamento, o oferecimento de suporte psicossocial diante da ruptura da rotina familiar, bem como dos problemas financeiros, questões da rede de apoio social, desgaste físico e prejuízos na autoestima. No que se refere ao futuro imediato à perda, destacaram o papel do apoio na facilitação do ajustamento dos familiares à perda que experimentaram. Cabe ressaltar que, no sul da Austrália, existe incentivo governamental para implementação e manutenção dos serviços para assistência à comunidade. Os dados obtidos sugerem que 82% (n = 158) dos cuidadores que receberam ações especializadas em cuidados paliativos estavam mais propensos a seguir a vida após a morte dentro do período de um ano, ao passo que a ausência de intervenções específicas implicou a exigência de dois anos para alcançar semelhante percentual (80%, n = 60); após três anos, entre 10% e 14% dos cuidadores ainda não haviam conseguido superar a perda. Concluiu-se que os serviços especializados promoveram 46% de melhora na habilidade de ajustamento psicossocial dos cuidadores, além de terem contribuído para o planejamento do cuidado atual e futuro.
Ainda sobre os cuidados paliativos, Foster, Lafond, Reggio e Hinds (2010) buscaram descrever combinações de componentes das ações presentes nessa filosofia de cuidar, que auxiliariam o alcance dos objetivos propostos com a criança doente e seus familiares. Nesse sentido, desenvolveram uma revisão de literatura sobre a temática, no âmbito da oncologia pediátrica, perpassando questões de diagnóstico, etapas do tratamento, cura e fase terminal. No que tange aos processos de luto, as autoras apontaram os benefícios de empreender uma reflexão, ao longo do tratamento, sobre os significados atribuídos ao papel de bom pai ou boa mãe, os desejos expressos pela criança sobre como gostaria de ser lembrada e a ressignificação dos vínculos familiares após a morte. Além disso, destacaram a importância de os cuidados à família não se encerrarem com o óbito do paciente, sugerindo a necessidade de prolongamento do contato entre equipe assistencial e família.
Uma reflexão sobre as falas e ações da criança sob cuidados paliativos, entendidas como marcas identitárias e formas de se fazer lembrada após a morte, foi foco do estudo de Foster et al. (2009). O objetivo dessa pesquisa qualitativa foi investigar a percepção dos familiares sobre essa estratégia infantil e avaliar o impacto desses registros mnêmicos para a elaboração do luto dos pais e irmãos. Para tanto, avaliaram o perfil socioeconômico das famílias e realizaram uma entrevista aberta. Os relatos obtidos foram submetidos à análise de conteúdo temática. Os dados sugeriram a importância de considerar a consciência da criança acerca de seu processo de morrer, bem como a percepção dos pais, o que permite pensar sobre a dificuldade de entrar em contato com essa realidade. Os autores sustentam que fazer uso das lembranças e marcas deixadas pela criança pode ser uma ferramenta relevante no enfrentamento da fase final da doença e no ajustamento familiar ao luto.
Com foco no cuidado aos pais enlutados, Lannen, Wolfe, Prigerson, Onelov e Kreicbergs (2008) analisaram a relação entre impacto mental, físico, social e o uso de serviços de saúde no luto não resolvido dos pais, investigando a mesma amostra de estudo anteriormente mencionado (Kreicbergs et al., 2007), por meio de instrumentos de avaliação específicos. Os participantes que referiram não ter trabalhado seu luto evidenciaram maiores níveis de ansiedade e depressão, com pior qualidade de vida. Quanto ao gênero, notou-se que os homens parecem ter maior risco de desenvolver problemas de saúde associados ao luto, com significativa piora da saúde física e mental no período investigado e aumento do uso de medicação para atenuar dificuldades psicológicas e alterações do sono, o que pode ter implicações para o trabalho e a vida cotidiana. Já as mulheres apresentaram risco aumentado para desenvolver problemas de saúde e fazer uso do sistema de saúde, notadamente para acompanhamento das manifestações de ansiedade e depressão, porém sem alterações significativas quanto ao uso de medicações e ao sono. Considerando o curso dos sintomas identificados e o acometimento físico e mental, os autores reforçaram a necessidade de intervenções com pais enlutados, destacando o sucesso do apoio multidisciplinar fornecido ao longo do tratamento para a redução dos sintomas associados ao luto patológico.
Também preocupados com o estresse associado ao cuidado de crianças com câncer, o mesmo grupo de pesquisadores (Kreicbergs et al., 2005) estudou pais enlutados no período entre quatro e nove meses após a morte do filho. Dentre as possibilidades de intervenção com os familiares, os autores destacaram a relevância da qualidade na comunicação estabelecida ao longo do tratamento e do óbito, bem como o controle dos sintomas da criança com câncer, como formas efetivas de reduzir o estresse em longo prazo. Além disso, sugeriram a manutenção do contato da equipe de saúde após a morte e adequado suporte familiar e social, como recursos auxiliares no enfrentamento do processo de luto.
Reflexões sobre as especificidades da condução de pesquisas no final de vida foram elaboradas no estudo de Hinds, Pritchard e Harper (2004). Os autores destacaram cinco áreas com significativa demanda de investigação científica, entre elas as intervenções no luto. Discorreram sobre a necessidade de abranger a família nuclear e pessoas envolvidas no cuidado da criança com câncer, vislumbrando benefícios no processo de morrer e no enfrentamento do luto. A despeito de reconhecerem a ausência de consenso em relação à precisão, ao formato e ao momento ideal de implementação da intervenção, os autores valorizaram a assistência preventiva para identificar e assistir questões de luto complicado.
Ao ponderarem sobre o luto patológico, Peteet, Maytal e Rokni (2010) apresentaram cinco estudos de caso com o propósito de auxiliar na identificação do risco de suicídio em familiares de pacientes com câncer, cuja ocorrência é significativamente superior se comparada à população controle. Apontam para a importância de estender a atenção ao familiar, a despeito de o foco clínico continuar direcionado ao paciente com câncer, atentando para a possibilidade de encaminhamento para acompanhamento psiquiátrico e/ou psicológico ao longo do tratamento e no período posterior ao óbito.
Serviços de transição
Ao perceberem a dificuldade de pais em lidar com a perda de um filho e a baixa qualidade dos grupos de apoio oferecidos por outros pais enlutados na comunidade canadense, D’Agostino, Berlin-Romalis, Jovcevska e Barrera (2008) realizaram um estudo com o objetivo de conhecer as necessidades de pais que estão em processo de luto e refletir sobre como atender a elas nas intervenções dirigidas. Dez pais responderam a um questionário enviado por correio, e sete deles concordaram em participar de um grupo focal sobre o processo de luto, sob coordenação de uma psicóloga e uma assistente social. Os dados obtidos com os questionários foram analisados descritivamente e indicaram que 60% dos pais haviam utilizado serviços oferecidos pela comunidade, e 67% deles os consideraram benéficos. Todos julgaram positiva a possibilidade de haver, no hospital, um serviço voltado para o luto. No grupo, D’Agostino et al. (2008) destacaram a atenuação das perdas e da sensação de abandono quando é oferecido um serviço de luto pelo hospital no qual a criança foi tratada. No entanto, devido à dificuldade em retornar ao local de morte da criança, os autores enfatizam a necessidade de flexibilidade quanto ao formato, às características e ao tempo do serviço de apoio ao luto, que deve ser implementado conforme a disposição psicológica e as necessidades singulares dos pais. Algumas dessas sugestões têm sido colocadas em prática em um hospital australiano. Além do programa de cuidados paliativos, há apoio psicológico aos pais e irmãos, encontro de fechamento com o médico após a morte da criança e contato com agências de atenção ao luto de referência na comunidade. Nesse contexto, deCinque et al. (2006) estudaram as vivências de pais logo após a perda dos filhos com câncer e identificaram as necessidades com vistas a contribuir para o aprimoramento do serviço oferecido. Seis mães e três pais participaram do estudo, respondendo às questões norteadoras da entrevista. Com base nos resultados obtidos, os autores sugeriram que um serviço destinado a familiares enlutados e aberto à família expandida deveria oferecer informação psicoeducativa sobre: os mecanismos necessários para enfrentar o período em que a criança foi considerada fora de possibilidades terapêuticas de cura; a morte e o processo de luto; a manutenção do contato com a equipe para suporte durante o período terminal e posteriormente à morte da criança; a estimulação do contato com outros familiares enlutados, para troca de informação e apoio mútuo; e um programa formal destinado aos irmãos dos pacientes falecidos, de forma a compartilhar o cuidar por um período e fortalecer o vínculo do familiar com a comunidade.
Os pesquisadores israelenses Stein, Peles-Borz, Buchval, Klein e Yaniv (2006) descreveram o rompimento dos laços com a equipe de saúde como um dos traumas enfrentados pelo familiar após o falecimento do filho e destacaram a dificuldade dos profissionais em expressar sentimentos ante a morte do paciente e lidar com essa perda. No estudo realizado, os autores compartilharam a experiência de visita da equipe aos familiares enlutados e pontuaram a dupla função desse procedimento: favorecer a elaboração inicial da perda pelos familiares e possibilitar à equipe compartilhar do sofrimento e estabelecer um fechamento. Como a maior parte das mortes ocorre na unidade hospitalar, os autores pontuaram que o processo de luto se inicia sob a supervisão da equipe e necessita de seguimento, caracterizado pela visita multiprofissional (médico, enfermeira e assistente social) ao domicílio durante o processo de luto.
Extensão do apoio psicossocial após a perda
As experiências dos pais diante da perda de um filho por câncer na infância têm sido foco de estudo de pesquisadores sobre intervenções, com o propósito de facilitar a elaboração da perda. Alam, Barrera, D’Agostino, Nicholas e Schneiderman (2012) acompanharam mães e pais longitudinalmente, com entrevistas feitas seis e 18 meses após a morte da criança, a fim de refletir sobre as vivências e peculiaridades de seus percursos de enfrentamento. Destacou-se o uso, pelos homens, da maior dedicação ao emprego e da focalização em tarefas, na tentativa de sufocar a dor da perda. Já as mulheres evidenciaram tendência a utilizar, como estratégias de enfrentamento, reações intensas de luto e uso do foco na criança falecida e na relação afetiva com os outros filhos. Além disso, os participantes abordaram as ressonâncias na relação conjugal e as modificações percebidas com o processo de adoecimento, tratamento e morte do filho, assim como a percepção de mudanças na relação estabelecida com a parentela. Ao ponderarem sobre o papel social na compreensão e na forma de lidar com o processo de luto, os autores sugeriram maiores esforços na oferta de serviços de luto para suprir a atenção à família, considerada como unidade de cuidado.
Ao considerarem a dificuldade dos clínicos em oferecer suporte e encorajar a expressão emocional dos pais, em vez de insistirem em minimizar a perda, Kacel, Gao e Prigerson (2011) realizaram um estudo com a finalidade de subsidiar a compreensão e o enfrentamento do processo de luto. Pontuaram sobre a possibilidade de oferecer cuidado emocional e orientações quanto aos trâmites funerários, além do envio de carta de condolência e oferta de reuniões de encerramento com a família. Ao analisarem estudos anteriores, pontuaram que entre 50% e 70% dos enlutados desejavam receber suporte após a perda, porém as ofertas de apoio continuavam escassas. Os autores destacaram a importância de apresentar os cuidadores aos serviços comunitários disponíveis no final de vida e de oferecer grupos terapêuticos focais para promover apoio mútuo entre pais e filhos sobreviventes. No entanto, ponderaram sobre a dificuldade, reconhecida pela literatura, de definir como a ajuda deve ser prestada. Destacaram alguns estudos que indicaram que sintomas graves de luto podem ser aliviados com tratamento psicofarmacológico e/ou intervenção psicoterapêutica, em nível individual, em grupo, familiar ou pela internet.
No âmbito hospitalar, deCinque et al. (2004) mapearam os programas de apoio ao luto na Austrália e Nova Zelândia, com foco em dez unidades de oncologia pediátrica. Foi distribuído um questionário que abordava as práticas existentes. Como retorno, os autores obtiveram a resposta de oito centros que ofereciam algum suporte, e, em apenas quatro deles, havia um profissional específico para prover esse cuidado. Na maioria das vezes, enfermeiras e nutricionistas realizavam atendimentos individuais aos pais e irmãos enlutados, tanto por telefone como presencialmente, com o propósito de apresentar o programa de apoio ao luto e oferecer assistência no hospital ou em domicílio. Outras estratégias utilizadas foram: grupo de apoio a pais e irmãos enlutados e realização de sessões de homenagem ao falecido. Entre as estratégias psicoeducativas, destacam-se a organização de seminários, com o intuito de compartilhamento de informações sobre o processo de luto e socialização, e a entrega de um folheto informativo sobre serviços de luto na comunidade, com informações práticas sobre o luto e o funeral.
O uso de narrativas e relatos de histórias sobre o luto para facilitar o processo de elaboração (Bostiocco & Thompson, 2005) também foi explorado, considerando o papel desses recursos na construção de sentido e expressão da visão de mundo. Nesse sentido, as autoras mencionadas recuperaram aportes teóricos com o propósito de articulá-los com a prática, atendo-se à concepção dos aspectos projetivos envolvidos na tarefa e na potencial contribuição para compreensão da unidade de sentido. Os argumentos dão apoio à hipótese de que recuperar características da pessoa falecida, das circunstâncias de sua morte, dos eventos anteriores e posteriores à perda, do impacto nos membros da família e do aprendizado obtido ao longo desse processo poderia auxiliar na definição do percurso emocional do enlutado e, assim, contribuir para a definição dos focos da intervenção.
Packman et al. (2008) consideraram evidências clínicas de aspectos terapêuticos dos acampamentos para irmãos de crianças com câncer, nos quais foram oferecidas atividades psicoeducativas aliadas à arteterapia. Realizaram avaliações antes e depois da experiência, por meio da aplicação de técnicas gráficas projetivas. De forma geral, notaram aumento da autoestima e da qualidade de vida, além de redução importante dos níveis de ansiedade e estresse pós-traumático dos irmãos. Ambos os grupos mostraram redução significativa de estresse emocional na prova do desenho da figura humana. Já no desenho da família, os autores destacaram a redução dos sinais sugestivos de sintomas clínicos para os dois grupos, porém os familiares enlutados não apresentaram declínio estatisticamente significativo.
Nehari, Grebler e Toren (2007) consideraram a vivência do luto para além da família nuclear, buscando explorar a experiência dos avós, a partir da oferta de um grupo terapêutico específico para esse segmento familiar, em uma unidade de cuidados paliativos de Israel. Abordaram a relação entre os avós, filhos e netos, com o objettivo de compreender o posicionamento deles no processo de morte e morrer da criança e o impacto da perda nessas relações. Os autores enfatizaram a ausência de definição do lugar social dos avós enlutados, assim como as possibilidades destes de sentir e enfrentar o luto, tendo o grupo papel importante na legitimação do sofrimento e na organização de estratégias para o enfrentamento positivo, levando em conta particularidades do contexto sociocultural. Nehari et al. (2007) sugeriram a emergência de três ciclos concêntricos: 1. o lidar com as perdas relacionadas à idade avançada e com a proximidade da própria morte, 2. a dinâmica familiar e o papel desempenhado pelos avós, e 3. aspectos culturais referentes a onde, como, quando e com quem expressar o pesar.
Em relação à classificação geral diagnóstica, apenas uma mãe apresentou respostas que revelavam adequação em todos os setores (adaptação eficaz), ou seja, consegue resolver as situações de forma satisfatória, sem resultar em conflito intrapsíquico ou ambiental.
Discussão
A literatura sobre luto é vasta, principalmente em termos do desenvolvimento teórico-conceitual e das características do processo de elaboração da perda, porém poucos estudos focalizam as intervenções possíveis nessa situação. Alguns autores destacaram que, culturalmente, o processo de luto e o sofrimento que o acompanha são considerados reações esperadas nesse contexto, o que pode contribuir para inibir a produção de estudos científicos que questionem como as ações e intervenções dos profissionais de saúde podem auxiliar pacientes e familiares que vivenciam esse processo (Parkes, 1998).
O presente estudo confirma a escassez de pesquisas sobre intervenções com familiares enlutados pela morte de crianças com câncer em face do reduzido número de artigos encontrados pertinentes ao tema específico desta revisão. Possivelmente, serviços de apoio têm sido oferecidos pelos hospitais e pela comunidade, porém se notou insuficiente sistematização científica de suas ações, tanto em termos de avaliação de processo como de resultados, o que poderia contribuir para o necessário aperfeiçoamento das práticas de cuidado.
Ainda que esse tema esteja recebendo pouca atenção nas investigações científicas, os estudos analisados permitiram delinear um panorama do cuidado aos familiares enlutados no contexto da oncologia pediátrica, em diferentes países e culturas, oferecendo indícios valiosos sobre o impacto da cultura na experiência e elaboração do processo de luto e a importância de se observarem tais aspectos na formulação de políticas e serviços de saúde. Notou-se, nas publicações, a ênfase nas intervenções que se materializam após o óbito do paciente (Alam et al., 2012; Bostiocco & Thompson, 2005; Carrington & Bogetz, 2004; deCinque et al., 2004; Kacel et al., 2011; Nehari et al., 2007; Packman et al., 2008), porém também se destacaram possibilidades diversificadas de atenção aos familiares, que abrangem ações preventivas (Abernethy et al., 2007; Bostiocco & Thompson, 2005; Clark et al., 2011; Foster et al., 2009; Hinds et al., 2004; Kreicbergs et al., 2005, 2007; Lannen et al., 2008; Liu & Lai, 2006; Peteet et al., 2010; Tadmor, 2004) e serviços de transição entre o contexto hospitalar de cuidado e a comunidade (D’Agostino et al., 2008; deCinque et al., 2006; Stein et al., 2006).
Foram descritas intervenções individuais, grupais, familiares e comunitárias, com foco não restrito ao trabalho psicoterapêutico, mas ampliado para abarcar as questões socioeconômicas, culturais e espirituais envolvidas no luto. Parte dos estudos de casos clínicos abordou a preocupação familiar quanto ao desenvolvimento psicológico dos irmãos da criança falecida (D’Agostino et al., 2008; deCinque et al., 2006; Foster et al., 2009; Packman et al., 2008; Stein et al., 2006), porém a inclusão do cuidado aos irmãos enlutados geralmente foi apenas mencionada, sendo discutida em maior profundidade apenas em dois estudos (Foster et al., 2009; Packman et al., 2008). Pontuou-se também a vulnerabilidade deflagrada no relacionamento conjugal pelo processo de perda de um filho (Alam et al., 2012; deCinque et al., 2006). Essas dimensões, que não foram suficientemente exploradas nos estudos, constituem lacunas do conhecimento que merecem maior atenção de futuras investigações. As intervenções necessitam ser planejadas de modo a oferecer espaços de elaboração e cuidado a todos os membros familiares, e, assim, atenuar o impacto sobre o desenvolvimento psicológico dos irmãos.
Percebeu-se a valorização da intervenção multiprofissional no luto, como forma de compreender o indivíduo enlutado de forma holística, com vistas à humanização da atenção oncológica. No entanto, é preciso notar que, em algumas pesquisas, não foi mencionada a presença do psicólogo nas equipes de oncopediatria (Lannen et al., 2008; Stein et al., 2006), apesar da preocupação expressa com a saúde mental dos cuidadores. Esse dado instiga a ponderação sobre os motivos que têm levado a essa omissão e como as equipes têm pensado o papel desse profissional no cuidado de familiares enlutados, tão valorizado no contexto brasileiro. Esses aspectos devem ser mais bem explorados em estudos posteriores.
Destacou-se a preocupação com a qualificação dos profissionais de saúde para lidar com a complexidade das questões colocadas pela finitude humana, de modo a se capacitarem para auxiliar o paciente e seus familiares ao longo do processo de morrer e na elaboração do luto. Nesse sentido, sugerem-se ações de educação permanente em cuidados paliativos e o oferecimento, para a equipe, de grupos de reflexão e/ou terapêuticos sobre a prática com pacientes em situação de terminalidade.
Ao discutir evidências de eficácia do cuidado com familiares enlutados, nos diferentes momentos do processo de elaboração do luto, e sistematizar a variedade de possibilidades de intervenção psicossocial, este estudo sintetizou as contribuições significativas no que se refere a ações preventivas do luto complicado, acompanhamento da transição da atenção hospitalar para a rede de saúde e comunidade, além de práticas de cuidado após a perda.
Referências
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Endereço para correspondência:
Manoel Antônio dos Santos
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Departamento de Psicologia, Laboratório de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde (Lepps)
Avenida Bandeirantes, 3.900, Monte Alegre
Ribeirão Preto – SP – Brasil. CEP: 14040-901
E-mail: masantos@ffclrp.usp.br
Submissão: 23.6.2014
Aceitação: 12.11.2014