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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.17 no.2 São Paulo ago. 2015

 

AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

Habilidades cognitivas ao longo do desenvolvimento: contribuições para o estudo da atenção concentrada

 

Cognitive skills throughout the development: contributions to concentrated attention study

 

Las habilidades cognitivas a lo largo del desarrollo: contribuciones a lo estudio de la atención concentrada

 

 

Luiz Renato Rodrigues CarreiroI; Caroline Tozzi ReppoldII; Mirella Martins de Castro MarianiIII; Vera Rocha Reis LellisIV; Natália Martins DiasV; Ana Carolina Monnerat Fioravanti-BastosVI; Alessandra Gotuzo SeabraVII
I Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo – São Paulo – Brasil
II Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Porto Alegre – RS – Brasil
III Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo – São Paulo – Brasil
IV Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo – São Paulo – Brasil
V Centro Universitário Fundação Instituto de Ensino para Osasco (Fieo), Osasco – SP – Brasil
VI Universidade Federal Fluminense, Rio das Ostras – RJ – Brasil
VII Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo – SP – Brasil

Endereço para correspondência

 

 


Resumo

A atenção é um construto multidimensional com variações ao longo do desenvolvimento. No Brasil, há carência de instrumentos com características psicométricas adequadas para avaliar tais diferenças. Este trabalho analisou contribuições de diferentes estudos que utilizaram testes de atenção por cancelamento (TAC e AC) para avaliação do desenvolvimento da atenção em uma amostra normativa de crianças (n = 722) e sua comparação em amostra clínica com TDAH (n = 46). Foi realizada uma Anova para avaliar o efeito de idade no TAC, demonstrando diferença significativa para número de acertos e erros. No teste AC, realizou-se uma Anova dos dados de 78 crianças que também apontou aumento significativo de acertos em função da idade. O mesmo padrão ocorreu na comparação com 46 crianças com desatenção e hiperatividade. Os resultados mostram melhor desempenho atencional com a progressão da idade, além da possibilidade de uso desses instrumentos para caracterização de grupos com e sem indicadores compatíveis com TDAH.

Palavras-chave: atenção; avaliação; desenvolvimento; habilidades cognitivas; psicometria.


Abstract

Attention is a multidimensional construct with variations throughout development. In Brazil, there is a lack of instruments with adequate psychometric characteristics to evaluate such differences. This study analyzed the contributions of different papers that used attention by cancelling test (ACT and AC) to evaluate development of attention in a normative sample of children (n = 722) and its comparison to clinical sample with ADHD (n = 46). An ANOVA was performed to evaluate the effect of age on ACT, demonstrating a significant difference for correct numbers of responses and of errors. An ANOVA was performed in the ACT to compare data of 78 children, which also showed significantly higher scores based on age. The same pattern occurred in the comparison of 46 children with attention deficit and hyperactivity. The results show improvement on attentional performance with age progression, besides the possibility to use these instruments for characterization of groups with and without indicators compatible with ADHD.

Keywords: attention; evaluation; development; cognitive abilities; psychometrics.


Resumen

La atención es un constructo multidimensional con variaciones a lo largo del desarrollo. En Brasil hay una falta de instrumentos con características de las psicometrías adecuadas para evaluar tales diferencias. Este estudio analizó las contribuciones de diferentes estudios que utilizaron las pruebas de cancelación de atención (TAC y AC) para evaluar el desarrollo de la atención en una muestra normativa de niños (n = 722) y su comparación con la muestra clínica con TDAH (n = 46). Anova se realizó para evaluar el efecto de la edad en el TAC, demonstrando una diferencia significativa para número de los aciertos y errores. En el teste AC se realizó una Anova de los datos de 78 niños, apuntando también puntuaciones significativamente más altas en base a la edad. El mismo patrón se produjo en la comparación con 46 niños con falta de atención e hiperactividad. Los resultados muestran un mejor rendimiento en la atención con la progresión de la edad y la oportunidad de utilizar estos instrumentos para la caracterización de grupos con y sin indicadores compatibles con TDAH.

Palabras clave: atención; evaluación; desarrollo; habilidades cognitivas; psicometría.


 

 

A neuropsicologia é considerada uma área de conhecimento interdisciplinar que estuda a relação entre funcionamento cerebral e expressão de processos cognitivos, emocionais e comportamentais (Lezak, Howieson, & Loring, 2004). Ela se constitui na interface de áreas disciplinares como a neurociência e a psicologia, sendo necessária para dar conta de explicações de problemas complexos com os quais essas ciências se defrontam todos os dias, por exemplo:

• Como selecionamos, armazenamos, decidimos e organizamos uma resposta adaptativa em função dos estímulos do ambiente?

• Como organizamos nossas ideias para escalonar prioridades ao longo do tempo?

• Por que alguns têm dificuldades em tarefas do dia a dia que são tão simples para outros, como ler, escrever ou realizar com propriedade operações matemáticas?

Tais questões são investigadas pela neuropsicologia cognitiva, que se preocupa em compreender como circuitarias cerebrais estão associadas à expressão de funções cognitivas (Posner & DiGirolamo, 2000; Shallice, 2004), como atenção, memória, linguagem e controle executivo (Harley, 2004). Tais funções permitem ao ser humano conhecer o ambiente e atuar sobre ele de maneira efetiva e, por conseguinte, adaptativa.

Um modo de abordar essa questão reside nos estudos da neuropsicologia do desenvolvimento. Essa área de conhecimento busca compreender a relação cérebro-comportamento inserida no contexto dinâmico do sistema nervoso em desenvolvimento (Semrud-Clikeman & Ellison, 2009). Assim, visa entender como mudanças nos processos cognitivos estão associadas à maturação e à plasticidade do sistema nervoso central, bem como às interações com o ambiente e a aprendizagem. Descrever relações desse tipo é fundamental para apontar marcos que estabelecem expectativas sobre o processo de desenvolvimento típico, para, a partir disso, estabelecer critérios de alterações do desenvolvimento com prejuízos cognitivos.

Nesse sentido, fortalece-se, cada vez mais claramente, a importância da neuropsicologia como área de estudos preocupada com o estabelecimento tanto de parâmetros do desenvolvimento como de indicadores de dificuldades nesse processo. Tais parâmetros são essenciais para possibilitar a introdução de intervenções para estimulação de habilidades ao longo do desenvolvimento, antes mesmo de que um prejuízo mais impactante possa ser identificado. Na área de transtornos de aprendizagem, por exemplo, podem-se identificar, ainda em crianças pré-escolares, preditores de futuras dificuldades na alfabetização, tais como déficits em consciência fonológica e memória fonológica de curto prazo, o que permite intervenção precoce e diminuição na incidência e/ou na severidade de problemas futuros (por exemplo, Elbro & Petersen, 2004).

Dentre as funções cognitivas, separações são muitas vezes arbitrárias, entretanto podem auxiliar no estabelecimento de parâmetros que facilitem sua compreensão. Em se tratando de atenção, tal função tem sido definida a partir de muitos pontos de vista; entretanto, características como seletividade, prioridade de processamento pelo sistema nervoso central dos estímulos selecionados e influência nas demais funções cognitivas, como memória e controle executivo, têm sido descritas em muitos estudos (Carreiro, Haddad, & Baldo, 2012; Araujo & Carreiro, 2009). Do ponto de vista neuropsicológico, a atenção é conceituada como um processo de modulação da atividade neural associada ao processamento ativo de estímulos de diferentes naturezas sensoriais (Carreiro & Teixeira, 2012). Desse modo, a atenção é considerada um conjunto de processos neurais que otimiza recursos para processar melhor os aspectos selecionados (Desimone & Duncan, 1995; Palmer, 1999; Posner, 1990). Além disso, as funções relacionadas à atenção são responsáveis pelo ajuste dinâmico e flexível de experiência, vontade, expectativas e tarefas orientadas a objetivos, sendo funções atreladas às chamadas funções executivas (Nobre & Shapiro, 2006).

A atenção visual tem servido como uma ferramenta para estudar o desenvolvimento de habilidades cognitivas básicas na infância (Colombo, 2002). No campo da neuropsicologia cognitiva, a atenção tem sido uma função estudada profusamente como modelo da relação área cerebral e expressão funcional. Mais recentemente, o reconhecimento de prejuízos atencionais ao longo do desenvolvimento tem sido estabelecido como característica de muitos transtornos, como será discutido mais adiante.

Com relação às habilidades de direcionar a atenção, vários estudos têm evidenciado que elas melhoram com o desenvolvimento das crianças. Johnson e Tucker (1996) demonstraram, ao estudarem bebês de 2, 4 e 6 meses, que há uma melhora do direcionamento espacial da atenção com a idade. Colombo (2001) fez uma revisão da literatura sobre o estudo da atenção na infância e tomou por base quatro funções: alerta, orientação espacial, atenção para objetos e atenção endógena. Segundo o autor, formas rudimentares de várias funções atencionais já podem ser identificadas ao nascimento, mas cada uma delas apresenta períodos diferentes de mudanças pós-natal no primeiro ano de vida. O autor descreveu três períodos pós-natais importantes do desenvolvimento com respeito à atenção visual na infância. Um deles é o período até 2 meses, quando ocorre o desenvolvimento do estado de alerta. Outro período abrange dos 2-3 meses até cerca de 6 meses, durante o qual há mudanças rápidas tanto na função orientação espacial quanto na atenção a objetos. O terceiro ocorre de 5-6 meses em diante quando se observam mudanças significativas na atenção endógena (voluntária).

Rueda et al. (2004) avaliaram sistemas neurais relacionados a três redes atencionais vinculadas a orientação, alerta e controle executivo. Tais autores tiveram como participantes em seu estudo crianças de 6 a 9 anos, além de um grupo de crianças de 10 anos, comparadas a adultos. Eles verificaram que os tempos de reação e acurácia melhoraram a cada intervalo etário, demonstrando aumento na eficácia de cada sistema atencional. Posner, Rothbart, Sheese e Voelker (2014) publicaram um artigo no qual descrevem a importância do circuito cerebral atencional em relação ao desenvolvimento, nas crianças, de habilidades relacionadas ao controle de suas emoções e pensamentos. Para tais autores, enquanto áreas cerebrais relacionadas à atenção estão presentes desde a infância, suas conectividades mudam e levam a melhoras no controle comportamental que sofrem também influência do treino. Assim, eles ressaltam que o estudo das relações entre maturação e aprendizagem permitirá avanços na compreensão do desenvolvimento cerebral humano.

Colombo (2002) apresenta como desafio, à medida que os componentes atencionais são estudados, descrever como os vários elementos da atenção visual, com cursos de desenvolvimento próprios, interagem para produzir os comportamentos visuais apresentados durante a infância. Outra questão posta por ele é a necessidade de descrever como esses diferentes componentes contribuem para o desenvolvimento posterior de funções cognitivas de ordem superior e como eles se relacionam com as demandas de interação ambiental. Nesse ponto, ressalta-se ainda a necessidade de compreender como alterações nesse curso contribuem para os prejuízos atencionais e comportamentais descritos nos transtornos ao longo do desenvolvimento. Richards, Reynolds e Courage (2010) investigaram de modo mais aprofundado as bases neurais da atenção na infância. Segundo eles, as alterações observadas da atenção estão intimamente relacionadas às mudanças nos sistemas neurais subjacentes ao controle atencional.

Entre os transtornos que têm sido associados a prejuízos atencionais, estão o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), os transtornos do espectro autista (TEA), além de outros que são descritos, na quinta edição do Manual diagnóstico e estatístico dos transtornos mentais (DSM-5), como “transtornos do neurodesenvolvimento”. Essa classificação diagnóstica é compreendida como um grupo de condições com manifestação precoce no período de desenvolvimento. Tais condições surgem, frequentemente, antes do período de ingresso da criança na escola e são caracterizadas por prejuízos diversos que comprometem esferas ocupacionais, pessoais, sociais e acadêmicas. O espectro de prejuízos do desenvolvimento, presente nesses transtornos, vai desde limitações específicas de aprendizado e controle executivo até prejuízos globais de habilidades sociais e inteligência. O TDAH se caracteriza por um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade impulsividade que pode comprometer diferentes esferas do funcionamento adaptativo de crianças e adolescentes (American Psychiatric Association, 2013).

Os prejuízos atencionais descritos nos transtornos do neurodesenvolvimento são diversos, o que leva à discussão de que a atenção não pode ser compreendida como um construto único, mas deve ser vista do ponto de vista de muitos subaspectos de sua constituição, como ocorre com a grande parte das funções cognitivas. Por exemplo, Gupta e Kar (2009) ressaltam que crianças com TDAH frequentemente são caracterizadas por dificuldades cognitivas com prejuízos na inibição de respostas, erros de monitoramento, de desengajamento atencional, na atenção executiva e aversão à demora que afetam esse período de desenvolvimento.

Strauss, Sherman e Spreen (2006) descrevem modelos nos quais a atenção é apresentada como um sistema complexo de componentes integrantes, que permite ao indivíduo filtrar informações relevantes em função de determinantes internos ou intenções, manter e manipular informações mentais, além de monitorar e modular respostas a estímulos. Para tais autores, a atenção está relacionada com vários processos básicos, como seleção sensorial (filtrar, focalizar, alterar a seleção automaticamente), seleção de respostas (intenção de responder, iniciação e inibição, controle supervisor), capacidade atencional (como alerta) e desempenho sustentado (como vigilância).

Essas classificações necessitam de operacionalização em termos de instrumentos de avaliação. Assim, são estabelecidos testes de atenção que têm ancoragens teóricas nos pressupostos da neuropsicologia. Um dos procedimentos utilizados para avaliar as habilidades de concentração da atenção são os testes de cancelamento. Esses testes solicitam que o participante marque, com um traço inclinado ou um risco (daí o termo cancelamento), determinado estímulo em um conjunto de distratores. Os atributos do estímulo-alvo podem variar de acordo com complexidade da tarefa e com os objetivos do teste (Montiel & Seabra, 2012).

Um dos instrumentos utilizados para avaliar a atenção concentrada durante o desenvolvimento é o teste de atenção por cancelamento (TAC), desenvolvido por Montiel e Seabra (2012). O teste avalia a atenção seletiva (partes 1 e 2) e atenção seletiva e alternada (parte 3). O TAC já foi usado em várias pesquisas, revelando que os escores tendem a aumentar em sujeitos com idade de 4 a 14 anos e apresentam correlação com sinais de desatenção e hiperatividade e com outros testes de funções executivas (Godoy, 2012). Além do TAC, outros instrumentos também têm sido utilizados na literatura nacional para avaliar a atenção ao longo do desenvolvimento. Por exemplo, Lellis et al. (2014) avaliaram a atenção concentrada e difusa ao longo do desenvolvimento de alunos no ensino fundamental I, com idades de 6 a 11 anos, matriculados do 1º ao 5º ano do ensino fundamental. Os instrumentos utilizados foram: Testes de atenção concentrada AC, Tecon-1 e Tecon-2; e Testes de atenção difusa Tedif-1 e Tedif-3. Os resultados, em todos os testes, demonstraram aumento significativo de acertos e pontos em função da escolaridade, relacionando-se, assim, a características do desenvolvimento infantil e consequentemente à maturação do sistema nervoso central.

Nesse sentido, o presente trabalho tem por objetivo descrever e analisar contribuições de alguns testes de cancelamento, especificamente o TAC e AC, no estabelecimento de marcos do desenvolvimento, com a progressão da idade, de habilidades de atenção concentrada. Além disso, este artigo também apresenta alguns resultados referentes a amostras clínicas, especialmente com queixa de desatenção e/ou hiperatividade com­patíveis com o TDAH, evidenciando mudanças nos padrões dos testes de cancelamento nessa população.

 

Método

Serão apresentados resultados de análises secundárias de dados coletados em projetos de pesquisa envolvendo grupos coordenados pelos professores Luiz Renato Rodrigues Carreiro e Alessandra Gotuzo Seabra, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, e pela professora Caroline Tozzi Reppold, da Universidade de Ciências da Saúde do Rio Grande do Sul. Dados originais, com detalhamento das amostras utilizadas, podem ser consultados em Cantiere (2014), Mariani (2013), Dias, Trevisan,
Pereira, Gonzales e Seabra (2012) e Lellis (2011). Foram selecionados os testes de atenção por cancelamento para essa análise em função do seu fácil uso e pelo fato de esses grupos de pesquisa terem estabelecido grande número de trabalhos com a sua utilização.

Instrumentos

Teste de atenção por cancelamento (TAC): avalia a atenção seletiva (partes 1 e 2) e atenção seletiva e alternada (parte 3). Baseia-se no paradigma clássico de cancelamento de estímulos e é composto por três partes, cada um com uma matriz com 300 estímulos (formas geométricas). Na parte 1, há apenas um estímulo-alvo, e a criança deverá cancelar todos os estímulos idênticos ao alvo; na parte 2, a complexidade da tarefa é maior, pois o estímulo-alvo é composto por duas figuras, que precisam estar dispostas uma ao lado da outra na mesma linha e ordem; na parte 3, o estímulo-alvo muda a cada linha. Há tempo limite de um minuto para cada parte do teste. É computada a quantidade de acertos e erros em cada parte e no total do teste. O teste tem evidências de validade e precisão nacionais, bem como tabelas normativas para sujeitos desde 5 anos de idade até jovens adultos (Dias et al., 2012).

Teste de atenção concentrada (AC): avalia a capacidade que o sujeito tem de manter a atenção concentrada no trabalho que realiza durante um período determinado. O tempo de aplicação do teste, após as instruções, é de cinco minutos. O participante deve marcar com um risco os símbolos idênticos aos do modelo. Para obter o total de acertos (A), contam-se os símbolos que foram marcados corretamente. Depois, contam-se os erros (E), que são figuras que estão riscadas e que não deveriam ter sido marcadas. Posteriormente, conta-se o total das omissões (O), que são as figuras que deveriam ser marcadas, mas não foram, considerando até a última figura marcada. Depois de encontrado o total de acertos, erros e omissões, deve-se aplicar a fórmula P = A (E + 0) para chegar ao total de pontos (P) (Cambraia, 2003).

Análises

Foram conduzidas análises de variância (Anova) para verificar possíveis diferenças entre as idades avaliadas em ambos os testes. Consideraram-se como diferenças significativas aquelas que apresentaram p < 0,05. Para o AC, compararam-se também, por meio de análises de variância, grupos com indicadores compatíveis com TDAH e controle nas várias medidas do teste. Finalmente, foi descrito o resultado, em ambos os testes, de um grupo de crianças com diagnóstico de TDAH em avaliação pré e pós-intervenção cognitiva.

 

Resultados e discussão

Grupo com desenvolvimento típico

Inicialmente, considerando o TAC, foi realizada análise a partir dos dados de crianças de 5 a 14 anos de idade descritos em Dias et al. (2012), coletados em cidades do Estado de São Paulo (n = 631), acrescidos dos dados de mais 19 crianças de 4 anos de idade, oito de 5 anos e quatro de 6 anos, todas de escola pública da cidade de São Paulo, e de dados de mais 60 crianças de 9 anos de escolas públicas de Porto Alegre, RS. No total (n = 722), foram distribuídos os dados dos participantes, como mostra a Tabela 1.

 

 

Calcularam-se os acertos e erros para as três partes do TAC separadamente, bem como para o TAC total. Os dados de média e desvio padrão estão descritos na Tabela 2, e as médias obtidas para o TAC total encontram-se representadas no Gráfico 1.

 

 

 

Os resultados do TAC total foram submetidos à análise de variância para verificar possíveis efeitos de idade. Como pode ser observado na Tabela 3, houve diferença significativa para as medidas de acertos e erros. Assim, a pontuação de acertos e erros no TAC foi sensível para discriminar entre as idades, compreendendo a faixa etária de 4 a 14 anos. Os resultados revelaram que, com a progressão da idade, as crianças pas­sam­ a ter melhor desempenho, com maior número de acertos e menor cometimento de erros no teste.

 

 

Com relação ao AC, foi realizada análise a partir dos dados de 78 crianças do ensino fundamental I, matriculadas em uma escola particular e com idade entre 6 e 11 anos, descritos em Lellis (2011). Os resultados obtidos demonstraram aumento significativo (tabelas 4 e 5) de acertos e pontos em função da idade. Os erros e as omissões não apresentaram diferenças expressivas (Gráfico 2).

 

 

 

 

Em conjunto, os resultados anteriormente sumariados demonstram uma progressão no desenvolvimento da atenção no curso das diversas faixas etárias, tanto no TAC quanto no AC. É interessante observar que efeitos significativos foram encontrados em algumas medidas, porém não em outras, o que pode sugerir que alguns escores, como “acertos” e “pontos” no AC, possam ser mais sensíveis ou discriminativos de mu­danças relacionadas ao desenvolvimento. Considerando o TAC, tanto “acertos” quanto­ “erros” sofreram efeito de idade, apesar de a medida “acertos” mostrar-se mais discriminativa entre as diferentes faixas etárias.

O melhor desempenho com a progressão da idade era, de fato, esperado. Estudos prévios, como o de Rueda et al. (2004), também verificaram que tanto o tempo de reação quanto a acurácia melhoraram com o avanço da idade, devido ao aumento na eficácia dos sistemas atencionais. Os resultados aqui apresentados podem ser considerados parâmetros para comparação de desempenhos nos respectivos testes de atenção. Dessa forma, o artigo contribui com dados acerca de marcos que estabelecem expectativas sobre o processo de desenvolvimento típico da atenção concentrada. Tal conhecimento é fundamental, pois é base para o estabelecimento de critérios de alterações do desenvolvimento dessa habilidade.

Grupo clínico com TDAH

Trabalhos do protocolo de pesquisa que avaliam crianças e adolescentes com queixas de desatenção e hiperatividade têm utilizado testes de cancelamento tanto para avaliar a queixa quando da chegada desses indivíduos para avaliação, quanto para uso como medida de efeito de processos interventivos, como treino cognitivo para desenvolvimento de habilidades de atenção.

Mariani (2013) analisou 46 crianças com idades entre 6 e 11 anos que possuíam queixa de desatenção e hiperatividade em nível clínico avaliado por inventários comportamentais da plataforma Aseba, respondidos por pais (CBCL/6-18) e professores (TRF/6-1). O estudo comparou o desempenho desses participantes com um grupo controle de crianças sem queixa de desatenção e hiperatividade. Os participantes foram separados em três faixas etárias para comparação, sendo o grupo 1 composto por crianças de 6 e 7 anos, o grupo 2 por crianças de 8 e 9 anos, e o grupo 3 por crianças de 10 e 11 anos. Os resultados de ambos os grupos no AC são apresentados na Tabela 6. Para o grupo experimental, observou-se aumento do número de acertos em função da faixa etária. Porém, para erros e omissões, não foram observadas diferenças estatisticamente significativas.

 

 

A Tabela 7 mostra o efeito da idade nas medidas de acertos e pontos, com aumento no desempenho em função da faixa etária. Também ilustra a comparação entre o grupo experimental (com indicadores de desatenção e hiperatividade compatíveis com o TDAH) e controle (sem indicadores), com o primeiro apresentando pior desempenho nas medidas de acertos e pontos.

Para a medida de omissões, houve efeito significativo do grupo e da interação idade-grupo. Apesar de o grupo experimental cometer, no geral, maior número de omissões, esse número foi diminuindo em função do aumento da faixa etária até não apresentar diferença significativa do grupo controle aos 10-11 anos. As crianças do grupo experimental de 6-7 anos têm um número muito maior de omissões e erros quando comparadas­ com as crianças maiores do mesmo grupo e aquelas da mesma faixa etária do grupo controle. Tais resultados podem ser observados no Gráfico 3 (A e B).

 

 

 

Esses resultados sustentam a utilidade e a sensibilidade do AC na discriminação de grupos com e sem indicadores compatíveis com TDAH. Conforme afirma Mariani (2013), os prejuízos típicos do transtorno, tais como dificuldade na inibição de respostas, erros de monitoramento e de desengajamento atencional (Gupta & Kar, 2009), podem impactar o desempenho nesse tipo de tarefa. Por exemplo, uma hipótese seria a de que crianças com dificuldade na inibição de respostas poderiam cometer mais erros ao assinalarem estímulos não alvo (distratores), ao passo que erros de monitoramento poderiam levar à baixa taxa de acertos e alta taxa de omissões. Por sua vez, dificuldades de desengajamento atencional poderiam estar relacionadas à ocorrência de perseverações (que levariam a erros) em testes que requerem mudança de estímulo-alvo. É interessante destacar que Mariani (2013) encontrou diferenças entre grupos mesmo em amostra não clínica, em indivíduos com indicadores do transtorno.

Os testes de atenção por cancelamento também têm sido utilizados como indicadores de eficácia em protocolos de intervenção neuropsicológica em indivíduos com TDAH. Cantiere (2014), em um estudo exploratório, desenvolveu, implementou e avaliou indicadores de melhora de um programa de intervenção neuropsicológica para treino de habilidades de atenção e flexibilidade cognitiva em crianças com queixa de desatenção e hiperatividade. Participaram desse estudo quatro indivíduos com idade entre 8 e 12 anos, sem déficit intelectual e com diagnóstico de TDAH. Os participantes foram submetidos a uma avaliação pré-intervenção, utilizando inventários de perfis comportamentais, testes de atenção voluntária, automática e temporal, função executiva e resistência à distração e velocidade de processamento cognitivo. Após a avaliação inicial, foram realizados 15 encontros com cada participante, um por semana, com duração média de 60 minutos cada, nos quais foram feitas atividades lúdicas direcionadas à atenção e à flexibilidade cognitiva. Ao final das intervenções, os participantes foram reavaliados pelos mesmos instrumentos comportamentais e neuropsicológicos, e compararam-se os dados com os da pré-avaliação. Entre os instrumentos do trabalho de Cantiere (2014), estavam os testes AC (Cambraia, 2003) e TAC (Montiel & Seabra, 2012). Os resultados de Cantiere (2014) evidenciaram, no AC, que todos os participantes tiveram um aumento no número de respostas corretas e no número de pontos na fase pós-intervenção em relação à pré. Os erros aumentaram em um ponto para dois participantes, um diminuiu e um permaneceu inalterado. No caso do teste TAC, foi verificada melhora no desempenho quando se compararam as condições de pré e pós-intervenção de três dos quatro participantes.

Treinos cognitivos podem ser bastante úteis na remediação (mesmo na prevenção) de dificuldades em diversos âmbitos, a exemplo do escolar. Alguns autores já têm destacado a influência do treino sobre as habilidades atencionais e, por consequência, sobre o controle comportamental (Posner et al., 2014). Nesse âmbito, os resultados de Cantieri (2014) são bastante promissores ao apontarem ganhos em habilidades atencionais em participantes com TDAH. Esses resultados também ilustram que as medidas utilizadas, especificamente os testes de cancelamento (TAC e AC), são sensíveis para detectar ganhos após intervenção.

Testes pautados no paradigma de cancelamento, a exemplo do TAC e AC, são, em geral, de fácil e rápida aplicação. A demanda da tarefa, porém, pode possibilitar a avaliação de distintos processos mais básicos, como aqueles descritos por Strauss et al. (2006), ou seja, seleção sensorial (filtrar, focalizar, alterar a seleção automaticamente), seleção de respostas (intenção de responder, iniciação e inibição, controle supervisor) e capacidade atencional (como alerta), e tarefas mais longas podem impor demanda também sobre a capacidade de desempenho sustentado ou vigilância. Nesse sentido, tais medidas fornecem informações úteis à compreensão das dificuldades e queixas apresentadas por um indivíduo perante as diferentes demandas da vida diária.

 

Considerações finais

Os resultados ilustram as contribuições dos testes de cancelamento, paradigma clássico em neuropsicologia, à avaliação do desenvolvimento e dos comprometimentos atencionais. A súmula de estudos apresentada e as novas análises conduzidas evidenciaram que os instrumentos TAC e AC são sensíveis para discriminar entre diferentes faixas etárias, assim como entre grupos com e sem indicadores de desatenção e hiperatividade, e, ainda, efeitos de intervenção cognitiva em indivíduos com TDAH. Deve-se destacar, porém, que ainda há carência no Brasil de testes de atenção com características psicométricas adequadas. Diante da relevância dos testes de atenção, sugere-se que outros instrumentos sejam desenvolvidos, bem como que sejam conduzidas pesquisas com grupos clínicos distintos, de forma a ampliar a compreensão acerca do comprometimento atencional nesses grupos.

 

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Endereço para correspondência:
Luiz Renato Rodrigues Carreiro
Programa de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, Universidade Presbiteriana Mackenzie
Rua da Consolação, 896, prédio 28, Consolação
São Paulo – SP – Brasil. CEP: 01302-907
E-mail: renato.carreiro@gmail.com

Submissão: 10.4.2015
Aceitação: 11.5.2015

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