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Psicologia: teoria e prática
versão impressa ISSN 1516-3687
Psicol. teor. prat. v.10 n.2 São Paulo dez. 2008
ARTIGOS ORIGINAIS
O impacto da atividade lúdica sobre o bem-estar de crianças hospitalizadas1
The impact of playing on the well-being of hospitalized children
El impacto de la actividad lúdica sobre el bienestar de los niños hospitalizados
Claudia Mussa; Fani Eta Korn Malerbi
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
RESUMO
A internação hospitalar de uma criança doente pode ser considerada uma situação produtora de estresse. Visando melhorar o estado de humor de crianças hospitalizadas, muitas intervenções têm empregado atividades lúdicas. O objetivo deste trabalho foi avaliar o impacto da atividade lúdica desenvolvida por um grupo de contadores de histórias sobre o estado emocional e as queixas de dor de crianças hospitalizadas. Quinze crianças com neoplasias malignas foram observadas, segundo um roteiro de comportamentos, e submetidas a uma escala de dor, e seus pais foram entrevistados antes e depois da visita dos contadores. Os resultados apontaram que a maioria das crianças aumentou a interação após a visita dos contadores, diminuiu as queixas de dor, ficou mais calma durante os procedimentos médicos, aumentou as movimentações pela enfermaria do hospital, além de apresentar maior aceitação dos alimentos. Esses dados indicam os efeitos positivos da atividade lúdica.
Palavras-chave: Atividade lúdica, Hospital, Crianças, Dor, Humor.
ABSTRACT
The hospitalization for children can be considered a stress situation. Many groups have used interventions to change the mood of hospitalized children. The objective of this study was to assess the impact of playing promoted by a group of story tellers (contadores de histórias), on the hospitalized children emotional state and on pain complaining. Fifteen children with cancer were observed, with the aid of a behavioral ckeck-list. Besides, the children were asked to classify their pain in a Pain Scale and their parents were interviewed before and after the story tellers´ visit. The results showed that, after the story tellers´ visit, the majority of children talked more than before; they reduced their pain complaining and became more calm during the medical procedures. These children increased their mobilities in the ward, and their appetite was better than before the story tellers´ visit. These data show the positive effects of playing.
Keywords: Playing, Hospital, Children, Pain, Mood.
RESUMEN
La hospitalización de un niño enfermo puede considerarse una situación estresante. Con el objetivo de mejorar el estado anímico de los niños hospitalizados, actualmente diversas acciones están usando actividades lúdicas. El objetivo de este estudio fue evaluar El impacto de la actividad recreativa, realizada por un grupo de narradores de cuentos infantiles, sobre el estado emocional y las quejas de dolor de los niños hospitalizados. Quince niños com tumores malignos fueron analizados según un guía de comportamientos, señalaron una escala de dolor y sus padres fueron entrevistados antes y después del trabajo realizado. Los resultados mostraron que la mayoría de los niños, aumentó la interacción, disminuyó las quejas de dolor presentados inicialmente, estuvo más tranquila durante los procedimientos médicos, aumentó su circulación en la enfermería del hospital, además presentó mejor aceptación de los alimentos. Estos datos indican los efectos positivos de la actividad lúdica.
Palabras clave: Actividad lúdica, Hospitalización, Niños, Dolor, Estado emocional.
Introdução
Em 1936, o fisiologista canadense Hans Seyle utilizou o termo estresse para traduzir a capacidade do homem de resistir aos choques emocionais e às agressões do mundo exterior. Dessa forma, o estresse foi definido como uma resposta não específica do organismo a uma demanda do ambiente. Ante um estímulo estressor, o indivíduo tende a apresentar um comportamento adaptativo que restabelece a homeostase, mas, se o estresse permanecer por um período prolongado, pode levar o organismo à exaustão e propiciar o aparecimento de uma doença. Visões mais modernas consideram que o indivíduo é um ser ativo, que pode influenciar o impacto do estressor sobre seu organismo por meio de estratégias cognitivas, emocionais e comportamentais, denominadas estratégias de enfrentamento (DANTZER; GOODALL, 1994).
Embora haja muitas evidências de que as emoções negativas possam prejudicar a saúde do homem (CASERTA et al., 2008; DANTZER; GOODALL, 1994), as investigações sobre as contribuições do bom humor são mais recentes e menos numerosas.
Grande parte dos estudos envolve avaliações feitas com adultos. Por exemplo, analisando autobiografias de 180 freiras católicas, Danner, Snowdon e Friesen (2001) mostraram a influência da visão positiva da vida sobre o estado de saúde. Os autores verificaram que as freiras que apresentavam em seus relatos maior quantidade de palavras ligadas a sentimentos agradáveis, tais como felicidade, amor, alegria, generosidade e esperança, foram, em média, seis a dez anos mais longevas e chegaram com mais saúde à velhice do que as que costumavam usar grande número de expressões com significados negativos, como tristeza, indecisão, medo, pecado e vergonha.
Utilizando outra metodologia, Berk et al. (2001) estudaram a modulação neuroimunológica de 52 homens saudáveis, durante e depois de terem assistido a um vídeo de humor por uma hora. Os autores coletaram o sangue dos participantes para avaliar os indicadores imunológicos em quatro momentos: 10 minutos antes do início do filme, 30 minutos após ter começado o vídeo, 30 minutos após ter terminado e 12 horas após o término da intervenção. Os resultados apontaram um aumento na atividade das células assassinas naturais com vários efeitos nas imunoglobinas 12 horas após o início da intervenção, além do aumento de outras células. O estudo indicou que o riso e o bom humor podem ter efeitos benéficos sobre a saúde, recomendando esse tipo alternativo de terapia para a melhora do bem-estar e como coadjuvante do tratamento médico formal.
Esses estudos, no entanto, abordaram a interferência das emoções em pessoas saudáveis, e é possível questionar a respeito desta mesma interferência em organismos já debilitados por alguma doença, especialmente no caso de crianças hospitalizadas.
Sabe-se que a criança hospitalizada freqüentemente apresenta ansiedade e medo. Tais reações podem ser atribuídas a diferentes fatores, como a permanência em um ambiente desconhecido, no qual é privada da atividade de brincar, a perda de controle e autonomia, a separação de familiares e amigos, o afastamento das atividades cotidianas, a interrupção da escolaridade, além do desconforto provocado pela própria doença e eventualmente por procedimentos invasivos (EISEN et al., 2008; MOTTA; ENUMO, 2004).
Muitos autores têm defendido a idéia de que deve-se propiciar atividades lúdicas à criança hospitalizada, especialmente porque ao brincar ela altera o ambiente em que se encontra e aproxima-se da sua realidade cotidiana. Consideram que a atividade recreativa, livre e desinteressada tem um efeito terapêutico, uma vez que auxilia na elaboração de emoções e sentimentos e na promoção do bem-estar dos pacientes (FAVERO et al., 2007; MOTTA; ENUMO, 2004; OLIVEIRA; FRANCISCHINI, 2003).
O brincar no hospital também tem sido considerado um meio de socialização e interação com outras crianças, podendo propiciar uma saída para o isolamento que a internação provoca (LEITE; SHIMO, 2008; MITRE; GOMES, 2004).
Várias pesquisas têm procurado avaliar o brincar como uma estratégia de enfrentamento da hospitalização infantil. Por exemplo, Ribeiro (1986) investigou a influência do brinquedo utilizado pela enfermeira sobre o comportamento de crianças de três a cinco anos de idade, recém-hospitalizadas. Observou o comportamento de cada criança em duas ocasiões. As crianças do grupo experimental participaram de uma sessão individual de brinquedo terapêutico, num período entre as duas observações, e as crianças do grupo controle não. Os resultados mostraram que, na primeira observação, a maioria das crianças de ambos os grupos apresentava pouca interação interpessoal, um grande número de movimentos sem motivo aparente, pouca iniciativa e independência em suas ações, aparentava tristeza, mantinha rápidos contatos visuais, não reagia ao que via, verbalizava pouco, não brincava e algumas vezes não respondia aos estímulos ou solicitações. Na segunda observação, a maioria das crianças do grupo controle manteve os mesmos comportamentos. No entanto, os componentes do grupo experimental, ao contrário, apresentaram uma progressão positiva de seus comportamentos após a sessão de brinquedo. A maioria deles passou a estabelecer maior interação com as pessoas, a movimentar-se principalmente para realizar alguma ação com um objetivo aparente, demonstrando iniciativa e independência, a manter contatos visuais, demonstrando atenção, a reagir àquilo que viam, a expressar sentimentos, a demonstrar alegria e a responder aos estímulos e às solicitações.
Nos últimos 20 anos, surgiram grupos que atuam em hospitais, tanto no Brasil quanto em outros países, visando à melhora do paciente, por meio de técnicas e atividades que estimulam o riso e despertam a alegria.
No nosso meio, Masetti (1998) avaliou a atuação dos Doutores da Alegria um grupo de atores que, por meio da arte do palhaço, realiza visitas às crianças hospitalizadas. A autora entrevistou 38 familiares e 45 profissionais de saúde (médicos e enfermeiros) e solicitou que as crianças realizassem d esenhos antes e depois da atuação dos palhaços. Também avaliou a história que a criança contava enquanto desenhava. Os resultados mostraram que a atuação desse grupo teve como conseqüência, entre outros fatores, tornar os pacientes mais ativos, promover uma aceitação melhor dos procedimentos e exames, maior colaboração com a equipe hospitalar, uma imagem mais positiva da hospitalização, uma aceleração da recuperação pós-operatória, uma diminuição de estresse da equipe e dos pais e melhor relacionamento entre profissionais, pais e crianças.
Segundo Masetti (2001), a presença de grupos que colaboram para a humanização hospitalar propicia o surgimento de paixões alegres, produzindo resultados positivos para sua saúde e estada no hospital. Podemos nos perguntar se as paixões alegres não teriam um efeito semelhante àquele de medicamentos como analgésicos e opióides, trazendo a sensação de bem-estar e interferindo no estado emocional e nas queixas de dor dos pacientes.
O presente estudo pretendeu avaliar o impacto da atividade lúdica desenvolvida por um grupo de voluntários que visitam pacientes hospitalizados na cidade de São Paulo os contadores de histórias da Associação Viva e Deixe Viver sobre o comportamento de crianças, portadoras de câncer, hospitalizadas e suas queixas de dor. Os contadores desenvolvem atividades lúdicas diferentes dos Doutores da Alegria, cuja atuação foi avaliada por Masetti (1998).
A comprovação empírica dos benefícios produzidos por atividades lúdicas desenvolvidas com pacientes hospitalizados pode servir para incentivar a disseminação dessas práticas com diversos tipos de pacientes, em diferentes situações de internação.
Método
Participantes
Deste estudo, participaram 15 crianças hospitalizadas numa enfermaria da Santa Casa de São Paulo e seus pais. Essas crianças tinham idades entre cinco e dez anos, e apresentavam neoplasias malignas, e quatro delas estavam recebendo quimioterapia.
Critérios de seleção dos participantes
Os participantes foram selecionados com base em informações obtidas em seus prontuários. Decidiu-se incluir crianças entre cinco e dez anos, uma vez que crianças mais novas ou mais velhas apresentam características desenvolvimentais muito diferentes. Quanto ao gênero, procurou-se coletar dados de crianças de ambos os sexos. As crianças e seus acompanhantes, que se encontravam na enfermaria e preenchiam esses critérios, eram convidados a participar do presente estudo.
Instrumentos de coleta dados
• Instrumento 1: Roteiro de observação dos comportamentos das crianças.
• Instrumento 2: Escala unidimensional de dor visual analógica dirigida à criança, para a classifi cação da queixa de dor.
• Instrumento 3: Roteiro de entrevista dirigida aos pais da criança, para obtenção de informações sobre os estados físico e emocional da criança.
Atuação dos contadores de histórias
Os contadores de histórias são voluntários que visitam as crianças internadas na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, de segunda a quinta-feira, no período entre 19 e 21 horas, desde o ano de 1997. Eles abordam determinada criança e propõem a leitura de livros, usam jogos e oferecem papel e lápis de cor, sugerindo a pintura de desenhos.
Quando a criança está impossibilitada de sair da cama, a atuação ocorre no leito; quando há possibilidade, a criança é convidada junto com outras crianças e seus pais a desenvolver as atividades lúdicas em torno de uma mesa, localizada no corredor da enfermaria.
Procedimentos de coleta de dados
Uma hora antes da visita dos contadores, a primeira autora realizava uma entrevista com a mãe/o pai da criança participante do presente estudo e aplicava a escala unidimensional de dor na criança. Aproximadamente uma hora após a visita dos contadores, os mesmos instrumentos eram reaplicados.
Antes, durante e depois da atuação dos contadores, eram registrados os comportamentos das crianças, utilizando-se o instrumento 1.
Os acompanhantes das crianças assinaram um termo de consentimento após serem informados sobre os objetivos da pesquisa, que a participação era voluntária, podendo haver desistência caso desejassem, sem que isso alterasse o tratamento dos filhos, com a garantia de anonimato. O projeto foi aprovado pelos Comitês de Ética da PUC/SP e da Santa Casa de São Paulo.
Resultado e discussão
Das quatro crianças que estavam recebendo quimioterapia, três aceitaram a atuação dos contadores no leito. A criança que recusou o convite do contador pegou o brinquedo que este lhe deixou e começou a brincar sozinha.
Entre os 11 participantes que não estavam recebendo quimioterapia, sete foram à mesa do corredor com o contador, dois aceitaram participar de alguma atividade no leito e os demais, que inicialmente não haviam aceitado o convite, foram levados por seus pais à mesa do corredor./b>
Como se pode ver na Tabela 1, as crianças apresentavam estados de humor muito variados, antes de receberem a visita dos contadores.
Tabela 1. Avaliação do humor (a partir da observação dos comportamentos) e da dor (auto-avaliada) de cada participante, antes e depois da visita dos contadores de história
Dez das 15 crianças apresentaram uma melhora no seu estado emocional, após a visita dos contadores. Aquelas que estavam quietas ou aparentavam tristeza antes da visita (P3, P4 e P9) mostraram-se mais animadas após a presença dos contadores. Para as outras sete que estavam agitadas e/ou chorando (P2, P5, P6, P7, P10, P13 e P14), a visita pareceu ter contribuído para acalmá-las.
As cinco crianças (P1, P8, P11, P12 e P15) que aparentavam estar calmas ou alegres, antes de receberem a visita dos contadores, mantiveram-se inalteradas quanto ao estado emocional.
Ao serem questionados sobre o estado emocional de seus filhos antes e depois da visita dos contadores, sete dos 15 pais apontaram estados de humor coincidentes com aqueles avaliados pelas pesquisadoras. Nos demais casos, as discordâncias referiam-se ao fato de os pais considerarem os filhos alegres (três pais), quando os comportamentos observados pelas pesquisadoras indicavam agitação ou tristeza; tristes (três pais), quando os comportamentos observados pelas pesquisadoras indicavam alegria; e, no caso de um pai que mencionou que seu filho estava agitado, observou-se que a criança estava chorando.
O aumento da alegria nas crianças hospitalizadas, observado na presente pesquisa, após a atividade lúdica, é semelhante ao relatado por Ribeiro (1986). Entretanto, vale ressaltar que, no presente estudo, além do aumento da alegria nas crianças antes entristecidas ou quietas, observou-se também que a atividade lúdica teve o efeito de acalmar as crianças que estavam agitadas ou chorando.
Tanto crianças do sexo feminino quanto do sexo masculino pareceram beneficiar-se da atuação dos contadores, não havendo diferença significativa entre os gêneros (p = 0,608; prova de Fisher).
A idade das crianças tampouco se mostrou importante no efeito da visita dos contadores, uma vez que houve a mesma proporção (0,67) de crianças pequenas (entre cinco e sete anos) e maiores (entre oito e dez anos) que melhoraram seu estado emocional após a visita.
Nem o número de internações (que variou de uma a dez vezes) nem a duração da hospitalização (1-17 dias) tiveram efeito diferencial sobre a melhora do estado emocional das crianças (p > 0,05; prova de Fisher).
Após a visita dos contadores, sete das 15 crianças aumentaram a interação com o seu acompanhante, com outras crianças e/ou com a pesquisadora. Para seis participantes, não houve alteração no padrão de interação, e, em dois casos, houve uma diminuição na interação, após a visita dos contadores.
Deve-se ressaltar que, mesmo aquelas crianças cujos pais relataram que não gostavam de brincar com as outras crianças, passaram a interagir com as outras crianças do próprio quarto ou do quarto ao lado após a visita dos contadores.
As alterações no padrão de interação das crianças foram salientadas por dez dos 15 pais, os quais mencionaram que seus filhos ficaram mais calmos, passaram a brincar ou a falar mais com eles, ficaram mais apegados, mais carinhosos, mais atenciosos ou mais alegres após a visita dos contadores.
Outra alteração observada, após a visita dos contadores, diz respeito às movimentações de nove das 15 crianças nas dependências do hospital. Quatro dessas crianças, que se encontravam imóveis na cama no início da visita, passaram a movimentar-se no próprio leito; três saíram da cama e passearam tanto pelo quarto quanto fora dele; e as outras duas, que estavam sentadas na cadeira do acompanhante ou passeando pelo quarto, saíram do quarto e passaram a movimentar-se pelo corredor e pelos demais quartos. Esse aumento de movimentos, após uma atividade lúdica, replica os dados obtidos no estudo de Ribeiro (1986).
É importante salientar que, ao aceitarem o convite dos contadores para irem à mesa no corredor, onde brincariam, algumas crianças, que estavam inicialmente isoladas ou interagiam apenas com seus acompanhantes, passaram a se relacionar com um maior número de pessoas, por movimentarem-se não somente no seu quarto, mas no corredor e nos demais quartos. Esses dados sugerem, conforme haviam apontado Leite e Shimo (2008) e Mitre e Gomes (2004), que o brincar no ambiente hospitalar promove a socialização.
Tivemos a oportunidade de observar também a reação de sete das 15 crianças à visita dos profissionais de saúde. Cinco aceitaram calmamente os procedimentos médicos, tanto antes quanto depois da visita dos contadores, e as duas que reclamaram e choraram antes da visita dos contadores aceitaram tais procedimentos calmamente após a chegada dos contadores.
Embora alguns acompanhantes tenham relatado a dificuldade da criança diante do procedimento médico e a pesquisadora também tenha observado reações de choro, os dados do presente estudo apontam que, após a visita, as crianças apresentaram-se mais tranqüilas nessas mesmas situações. Essas observações condizem com os resultados do estudo de Masetti (1998), que verificou que as crianças demonstraram maior aceitação dos procedimentos médicos e exames após a visita de palhaços.
A Tabela 2 permite que se analise a aceitação de comida pelas crianças, antes e depois da visita dos contadores. Nove das 15 crianças não aceitaram o jantar antes da visita dos contadores, alegando diversos motivos. Destas, oito aceitaram o lanche após a visita e uma disse que comeria mais tarde.
Tabela 2. Observação da aceitação de comida pelos participantes, antes e depois da visita dos contadores
Observou-se também uma diminuição na freqüência de reclamações (dor, mal-estar, barulho, comida) das crianças após a visita dos contadores. Das cinco crianças que apresentavam alguma reclamação, três deixaram de fazê-la após a visita dos contadores.
Em relação à avaliação de dor, por meio do instrumento 2, oito crianças pontuaram entre 2/3 e 8 na escala analógica, antes da visita dos contadores (Tabela 1). Destas, seis relataram diminuição da dor (0-5) depois da atuação dos contadores, das quais três estavam recebendo quimioterapia. A criança P15, que também estava recebendo quimioterapia, não alterou a sua avaliação de dor (2/3), e P7 alterou a sua avaliação de 5 para 7, alegando que a dor era intermitente.
Esses dados mostram que a maioria das crianças que relataram dor ou mal-estar, antes da visita dos contadores, mencionou diminuição após a presença destes, sem nenhum medicamento analgésico. Isso nos leva a supor que a atividade lúdica desenvolvida com as crianças, por meio da leitura de uma história, de um jogo ou da pintura de um desenho, e as reações provocadas por essa atividade, como o riso, provavelmente proporcionaram uma vivência positiva, acompanhada da liberação de endorfina (RANG; DALE; RITTER, 1997).
Observamos, no entanto, que, em alguns casos, a atividade lúdica não foi suficiente para alterar as queixas de dor e de enjôo. Não podemos deixar de considerar que algumas manifestações clínicas do câncer pediátrico são dor óssea, dor de cabeça e enjôo, especialmente quando o tratamento ainda não foi ministrado, além do fato de a própria quimioterapia provocar náusea, vômito, enjôo, mudanças no apetite e na capacidade de comer.
Deve-se mencionar que, no dia da coleta de dados, cinco das 15 crianças receberam visitas de familiares (diferentes daqueles que as acompanhavam), o que pode ter interferido no seu estado emocional e nas queixas de dor. Dessas crianças que receberam visita de familiares, duas mostraram-se alegres antes da visita dos contadores. No entanto, as demais (P4, P10 e P13) estavam tristes e/ou chorando antes da atuação dos contadores, a qual parece tê-las alegrado ou acalmado. Essas mesmas crianças, após a visita de familiares, queixaram-se de dor, mas, após a atuação dos contadores, relataram diminuição nessa dor.
Em resumo, o presente estudo constatou alterações positivas na maioria das crianças observadas, depois da atividade lúdica desenvolvida pelos contadores de histórias, tendo ocorrido um aumento da interação das crianças com seus pais presentes no hospital, com outras crianças do quarto ou dos quartos vizinhos, um aumento nas suas movimentações, maior aceitação dos alimentos, uma diminuição do número de reclamações, uma autoavaliação de diminuição de dor e um estado emocional mais alegre e/ou calmo.
Outros estudos já haviam relatado os efeitos positivos das atividades lúdicas sobre a aceitação de procedimentos médicos, o relacionamento com os pais e os profissionais, a interação das crianças com as pessoas e o bem-estar emocional (MASETTI, 1998; RIBEIRO,1986). Além desses benefícios, o presente estudo pôde observar também o efeito da atividade lúdica nas queixas de dor das crianças hospitalizadas, independentemente do seu estado geral, do recebimento de visita de familiares, do tempo de internação e do tratamento médico.
Conclusão
O presente estudo constatou os efeitos positivos da atividade lúdica realizada com crianças em situação de internação hospitalar. Sendo a hospitalização uma situação geradora de estresse para a criança, em virtude dos aspectos envolvidos não somente no tratamento, mas também no ambiente em que ela se encontra, restritivo e diferente do seu universo habitual, o desenvolvimento de atividades lúdicas mostrou-se benéfico tanto física quanto emocionalmente.
Os dados obtidos apontam a importância do trabalho de grupos formados por profissionais, voluntários ou pelos próprios familiares que acompanham as crianças, cada um dentro de suas possibilidades, visando favorecer o brincar como um instrumento facilitador do tratamento de crianças hospitalizadas.
Embora os resultados da presente pesquisa tenham mostrado a influência da atividade lúdica sobre os comportamentos, o estado emocional e as queixas de dor, estudos mais específicos tornam-se necessários, focando diferentes doenças e diferentes situações de hospitalizações.
Referências
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Endereço para correspondência
Claudia Mussa
Rua Iperoig, 320, ap. 153 – Perdizes
CEP 05016-000 São Paulo – SP
E-mail: claum9@yahoo.com.br
Tramitação
Recebido em setembro de 2008
Aceito em novembro de 2008
1 As autoras agradecem ao Serviço de Psicologia Hospitalar e ao Departamento de Pediatria da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, e a Maria das Graças Saturnino de Lima – psicóloga responsável pela pesquisa na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.