Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Psicologia: teoria e prática
versão impressa ISSN 1516-3687
Psicol. teor. prat. vol.11 no.3 São Paulo 2009
ARTIGO ORIGINAL
Preditores da satisfação global em relacionamentos românticos
Predictors of global satisfaction in romantic relationships
Predictores de satisfacción general en lãs relaciones amorosas
Alexsandro Luiz de AndradeI; Agnaldo GarciaI; Débora Staub CanoII
I Universidade Federal do Espírito Santo
II Fundação Educacional Encosta Inferior do Nordeste
RESUMO
Esta pesquisa descreve os dados de um modelo de predição da satisfação global com relacionamento romântico com base em variáveis ligadas ao sentimento amoroso, ao relacionamento sexual e à satisfação com a vida. São apresentados também os dados de validade e fidedignidade de uma medida de satisfação sexual para a cultura brasileira. Participaram da pesquisa 344 pessoas, destas 195 (57%) eram do sexo masculino. A média de idade dos participantes foi de 29,1 anos (DP = 9,2 anos). A medida validada apresentou duas dimensões resultantes após a análise dos componentes principais e análise fatorial exploratória: satisfação sexual no relacionamento (SSR) e insatisfação sexual no relacionamento (ISR), com índices de confiabilidade de alfa de Cronbach de 0,89 e 0,86 respectivamente. Realizou-se uma análise de regressão múltipla para relacionar as dimensões das variáveis estudadas com uma medida de satisfação global no relacionamento. O modelo resultante explicou 50,9% da variância da satisfação com o relacionamento.
Palavras-chave: Satisfação conjugal; Qualidade em relacionamentos românticos; Relações amorosas; Satisfação sexual; Relacionamento interpessoal.
ABSTRACT
This research describes the data of a model to predict the global satisfaction with romantic relationships from a set of variables related to love feeling, sexual relationship and satisfaction with life. Data regarding the validity and reliability of a measure of sexual satisfaction for the Brazilian culture are also presented. In total, 344 participants from two Brazilian cities took part in the survey, including 195 (57%) males. The average age of participants was 29.1 years (SD = 9.2 years). The measure validated in this study presented two resulting dimensions arising from the analysis of principal components and exploratory factor analysis: sexual satisfaction in relationships (SSR) and sexual dissatisfaction in relationships (ISR), with levels of Cronbachs alpha reliability of 0.89 and 0.86 respectively. Finally, a multiple regression analysis was carried out to assess the relationship between the investigated dimensions of variables and a measure of global satisfaction in the relationship. The resulting model explained 50.9% of the variance in satisfaction with the relationship.
Keywords: Marital satisfaction; Quality in romantic relationships; Love relationships; Sexual satisfaction; Interpersonal relationships.
RESUMEN
Esta investigación describe los datos de un modelo de predicción de la satisfacción global con las relaciones románticas a partir de un conjunto de variables relacionadas con el sentimiento amoroso, las relaciones sexuales y la satisfacción con la vida. Juntamente, se presentan los datos de validad y fidedignidad de una medida de la satisfacción sexual para la cultura brasileña. En total, 344 participantes de dos ciudades brasileñas participaron en la encuesta. De estos, 195 (57%) eran varones. La edad media de los participantes fue de 29,1 años (DS = 9,2 años). La medida validada en este estudio presentó dos dimensiones resultantes del análisis de los componentes principales y del análisis factorial exploratorio: la satisfacción sexual en las relaciones (SSR) y la insatisfacción sexual en las relaciones (ISR), con niveles de confiabilidad de Cronbach de 0,89 y 0,86 respectivamente. Por último, fue realizado un análisis de regresión múltiple para relacionar la dimensión de las variables investigadas con una medida de la satisfacción global en la relación. El modelo resultante explicó 50,9% de la varianza en la satisfacción con el relacionamiento.
Palabras clave: Satisfacción conyugal; Calidad en relaciones románticas; Relaciones amorosas; Satisfacción sexual; Relación interpersonal.
Introdução
O amor é uma emoção complexa, e, há mais de três décadas, o estudo do tema vem se convertendo em uma área de intensa demanda e inquietude no âmbito da psicologia social (Alferes, 1996; Sánchez-Aragón, 2008). Rubin (1970) postula que o amor é um dos mais intensos e significativos sentimentos que uma pessoa pode vivenciar em algum momento do seu ciclo de vida.
Como afirmam Sternberg e Weis (2006), apesar do extenso número de teorias e pesquisas, compostas por métodos e focos temáticos diferentes, uma única perspectiva não é capaz do entendimento do fenômeno, sendo necessária a construção de explicações baseadas em modelos mais complexos que envolvam variáveis de diferentes origens, como variáveis psicológicas, sociais, culturais e ambientais. O que se pode afirmar consensualmente é que relacionar romanticamente é parte natural do processo de vida da maioria das pessoas e elemento comum em diferentes culturas, sociedades e momentos históricos (HATFIELD; RAPSON; MARTEL; 2007).
A presente pesquisa propõe-se a construir um modelo capaz de predizer a satisfação global com o relacionamento romântico a partir de um conjunto de dimensões ligadas à esfera do sentimento amoroso, da realização sexual e da satisfação com a vida.
Qualidade e satisfação em relacionamentos românticos
Quando as pessoas se envolvem romanticamente e buscam, de alguma forma, a manutenção da união, pode-se supor que algumas motivações influenciam essa escolha. Entre elas, encontra-se a satisfação em vivenciar o relacionamento romântico com a pessoa escolhida, o que ocorre à medida que a avaliação da qualidade do relacionamento atende às expectativas e aos desejos que o indivíduo tem sobre a pessoa amada. Segundo Fincham e Bradbury (1987), qualidade de relacionamento refere-se a uma avaliação global subjetiva de um indivíduo sobre seu relacionamento romântico. Para Bystronski (1995), o grau de satisfação corresponde a uma avaliação subjetiva sobre a qualidade do relacionamento. Satisfação e qualidade, segundo esses dois autores, são entendidas como sinônimos. E neste estudo o termo é compreendido como um julgamento cognitivo de um relacionamento de namoro, casamento ou mesmo de um relacionamento pouco formalizado em termos de sua qualidade: bom, ruim, razoável e assim por diante (Wachelke et al., 2004).
Segundo Sternberg (1989), a felicidade da pessoa na relação é consequência da comparação entre seus relacionamentos passados com o atual e também, como sugerem Silva e Pereira (2005), das expectativas que o indivíduo constrói sobre o(a) companheiro(a) e as características do(a) companheiro(a) real. Os resultados obtidos por Andrade et al. (2005) apontaram que a satisfação com o relacionamento é um importante preditor da avaliação do bem-estar psicológico do indivíduo; pessoas satisfeitas no relacionamento amoroso geralmente vivenciam de maneira positiva os demais contextos da vida.
O modelo teórico proposto por Fletcher, Simpson e Thomas (2000) propõe que aspectos específicos do relacionamento amoroso contribuem com relativa influência para sua avaliação global. Nessa perspectiva, componentes como sexo, intimidade, comprometimento, comunicação etc. são construtos de ordem hierárquica que compõem a qualidade do relacionamento. De acordo com essa visão de elementos que compõem a qualidade, Garcia e Maciel (2008) afirmam que elementos do envolvimento romântico também sofrem influência de aspectos de natureza religiosa, podendo estes contribuir de forma positiva ou negativa para a satisfação conjugal e para o processo de escolha do companheiro.
Na concepção proposta por Wachelke et al. (2004, p. 11, 2007), a satisfação consiste em uma "avaliação cognitiva positiva de um objeto, obtida após a comparação com objetos semelhantes que possuam características consideradas aceitáveis ou boas". Em outras palavras, satisfação em um relacionamento corresponde a uma avaliação em nível individual, da qualidade do relacionamento, neste caso, do relacionamento amoroso.
Estar satisfeito com a situação de um relacionamento de casal, segundo Arriaga (2001), é algo ligado à avaliação que uma pessoa possui sobre a positividade presente na relação, tomando como referência o que ela espera desse relacionamento. Quando o nível de positividade supera as expectativas individuais acerca do relacionamento, é possível afirmar que uma pessoa encontra-se satisfeita, em maior ou menor grau. Nesse sentido, o processo de comparação com outros relacionamentos e com as percepções individuais sobre o que um dado relacionamento pode oferecer assume um papel determinante na satisfação ou insatisfação com essa relação.
A maioria das formas de mensurar satisfação ou qualidade num relacionamento romântico é feita por meio de escalas de Likert. Nesses tipos de técnicas de medida, os itens são apresentados como sentenças afirmativas ou negativas a respeito de aspectos do relacionamento, e cabe ao indivíduo responder a elas e avaliar quão verdadeiras são no que diz respeito ao seu atual relacionamento. Dentre os instrumentos que medem a satisfação com o relacionamento de casal, há os que a avaliam por meio de itens de avaliação global, não ligados a comportamentos ou avaliações de aspectos específicos, mas ao relacionamento como um todo. Constituem exemplos desse tipo de instrumentos a escala Rusbult, construída por Rusbult (1983), e a Kansas marital satisfaction scale, de autoria de Schumm et al. (1986), ambas com o formato Likert de 9 pontos.
Para Gottman e Notarius (2002) e Mosmann, Wagner e Féres-Carneiro (2006), o campo de estudos envolvendo o aspecto qualidade e satisfação dentro da experiência de casar ou unir-se com outra pessoa ainda carece de modelos teóricos e profundidade na produção de conhecimento. Na presente pesquisa, qualidade conjugal, satisfação conjugal e outros construtos, como qualidade de relacionamento e bem-estar conjugal, são compreendidos como sinônimos de um mesmo construto, uma resultante de diversos fatores da natureza interativa do casal e um fator determinante na qualidade de vida do indivíduo.
Componentes do amor
Explicar o que é o amor, incluindo sua origem, natureza e formas que são base para esta pesquisa, é um desafio. A teoria triangular do amor (Sternberg, 1986) propõe um modelo com três componentes essenciais no relacionamento romântico: intimidade, paixão e decisão/compromisso. Yela (2006), avançando o modelo de Sternberg, propõe uma subdivisão da dimensão paixão: erótica e romântica. Segundo Hernandez e Oliveira (2003, p. 60), a teoria triangular do amor "[...] consiste em um dos mais completos estudos sobre o amor". Outra teoria importante sobre a composição do amor é a de Critelli, Myers e Loos (1986), em que o amor é caracterizado no domínio de cinco componentes gerais: dependência de amor, intimidade comunicativa, excitação física, respeito e compatibilidade romântica.
Na teoria de Sternberg (1986) e Sternberg e Weis (2006), a intimidade possui relação com sentimentos de proximidade, consideração, vínculo, valoração da relação amorosa e do companheiro (CASSEP-BORGES; TEODORO, 2007; HERNANDEZ; OLIVEIRA, 2003). A paixão se relaciona à atração física e ao contato sexual, incluindo aspectos ligados "[à] expressão de desejos e necessidades" (HERNANDEZ; OLIVEIRA, 2003, p. 60), envolvendo registros comportamentais, afetivos e cognitivos de estima, interação da díade e sexo. Por fim, a decisão/comprometimento é a parte do sentimento de amor responsável pela manutenção e decisão de se manter dentro do relacionamento, ligada à expressão de suporte, amor e consideração (CASSEP-BORGES; TEODORO, 2007, p. 514).
Os aspectos do amor, de acordo com o modelo de Sternberg (1986, 1989), constituem um triângulo que, segundo a sua combinação com presença, ausência e intensidade de certos sentimentos, estrutura sete possibilidades de expressão do amor. A falta de um dos três componentes básicos, por exemplo, corresponderia à “falta de amor”. Ao contrário, se estiverem presentes todos os componentes, haverá um amor pleno e completo (Cassep-Borges; Teodoro, 2007; Sternberg, 1989). A presença apenas da intimidade constituiria uma expressão marcada por um intenso carinho, muito próxima de um sentimento de amizade. A presença exclusiva da paixão levaria a um intenso desejo sexual, que, com o tempo, correria o risco de extinguir-se. O amor calcado apenas em decisão/compromisso formaria um “amor vazio”, composto por forte união, mas com pouca intimidade e atração física (Cassep-Borges; Teodoro, 2007; Hernandez; Oliveira, 2003; Sternberg, 1986, 1989).
Estudos sobre o papel dos componentes e de outras variáveis do relacionamento conjugal são escassos na literatura sobre o assunto. Alguns dos poucos estudos encontrados apontam variações entre o componente romântico e a qualidade conjugal: em Hernandez e Oliveira (2003), o aspecto intimidade comunicativa é o componente de maior satisfação em membro de casais, sendo o aspecto “excitação física” menos importante. Mas, em hipótese, variações acerca da influência sobre cada componente para satisfação global do relacionamento por gênero ou sobre o tempo de duração do relacionamento são existentes.
As trocas sexuais são entendidas por Alferes (1996) e Byrne e Keley (1986) como uma função de estímulos externos (aprendizagem, ambiente) e de processos internos (processos afetivos, cognitivos e fisiológicos), por exemplo. Nesse quadro, as interações de natureza sexual são compreendidas como uma experiência de papel fundamental na concepção, manutenção e natureza avaliativa dos relacionamentos conjugais. Diversos estudos demonstram relação positiva entre satisfação sexual e qualidade conjugal (Oggins; Leber; Veroff, 1993; Young et al., 1998).
A pesquisa de Yen et al. (2006) aponta que indivíduos satisfeitos sexualmente tendem a estar satisfeitos e felizes com seu(sua) companheiro(a) e com o relacionamento, o que, automaticamente, reduz o grau de instabilidade conjugal. Outra constatação da pesquisa é que, tanto em homens quanto em mulheres, a satisfação sexual influencia a natureza global do relacionamento conjugal. Green e Faulkner (2005) demonstram diferenças, regras e similaridades entre gêneros e afirmam a influência de variáveis do contexto sociocultural na avaliação dos aspectos mais importantes num relacionamento sexual. Para mulheres, o sexo é concebido mais facilmente dentro de um relacionamento com caráter de comprometimento, como namoro, noivado ou casamento. Já para os homens, o caráter de permissividade, casualidade e ausência de compromisso é concebido e aceito socialmente de forma mais fácil (Oliver; Hyde, 1993). Ainda segundo Green e Faulkner (2005), no que concerne às características comportamentais e ao grau de satisfação com envolvimento no relacionamento, a habilidade de comunicação para tratar de assuntos dentro da esfera do relacionamento (como desejo sexual, métodos contraceptivos, histórico de passado sexual) é um aspecto importante para qualidade sexual do relacionamento e, consequentemente, um preditor da satisfação global do indivíduo.
Em geral, observa-se que a busca de uma união romântica é um processo que envolve expectativas de satisfação, bem-estar e felicidade. Com base em tais elementos, podem-se fomular duas questões essenciais:
O que faz um relacionamento satisfatório?
Quais características, em termos de sentimento, expectativa e comportamento, fazem um indivíduo estar feliz ou infeliz com seu relacionamento?
Entender tais aspectos representa um avanço para uma compreensão do ponto de vista da ciência sobre os elementos dos relacionamentos românticos e sobretudo uma contribuição social. De acordo com Mosmann, Wagner e Féres-Carneiro (2006, p. 316): “[...] devido à complexidade do fenômeno não há resposta simples para este questionamento”. Ecom o objetivo de entender mais claramente a natureza dos fatores que constituem a satisfação global de um relacionamento que esta pesquisa se desenvolve. “Como hipótese central da pesquisa supõe-se que a avaliação da satisfação geral do relacionamento é um produto de diversos aspectos, no caso as variáveis afetivo-emocionais mensuradas pela escala triangular do amor de Sternberg e os aspectos da qualidade e satisfação ligados às interações de natureza sexual.
Método
Participantes
Neste estudo, trabalhou-se com uma amostra de 344 participantes de duas cidades brasileiras, sendo 188 da Região Sul (Grande Porto Alegre - Rio Grande do Sul) e 156 da Região Sudeste (Grande Vitória - Espírito Santo). Dos participantes, 195 (57%) eram do sexo masculino e 149 (43%) do sexo feminino. A idade média dos participantes foi de 29,1 anos (DP= 9,2 anos). Em relação à escolaridade dos participantes, 29,1% (N= 100) cursaram o ensino médio, e 70,9% (N= 244), ensino superior e/ou pós-graduação. A duração média dos relacionamentos foi de 77,2 meses (DP= 80,2 meses). Os tipos de relacionamento declarados: relacionamento informal 7,9% (N= 27), namoro 45,1% (N= 155) e casamento 47,1% (N= 162).
Instrumentos
Questionário demográfico e de caracterização sexual: continha itens de caracterização dos participantes (sexo, idade, duração do relacionamento, estado em que mora e curso ou profissão) e mais 8 itens adicionais estruturados no formato de escalas nominais, para mensurar e caracterizar aspectos do componente sexual do relacionamento de casal, como frequência de relacionamento do último mês e grau de excitação sexual.
Escala triangular do amor de Sternberg (Etas): utilizou-se uma versão reduzida, em português, da Etas, validada por Cassep-Borges e Teodoro (2007). Essa medida possui 3 subescalas que avaliam os componentes do amor propostos segundo o modelo teórico de Sterneberg (1986): intimidade, comprometimento e paixão. A versão reduzida da escala possui 18 itens distribuídos equivalentemente entres os fatores e com coeficientes alfa de Cronbach variando de 0,90 a 0,91, portanto, de acordo com as recomendações para seu uso.
Escala de satisfação global com relacionamento amoroso: a medida utilizada foi a versão da escala de Rusbult (1983), traduzida e validada numa amostra de 342 participantes, obtendo um coeficiente alfa de Cronbach de 0,90 (Wachelke et al., 2007, p. 223). Essa medida constitui-se de três itens – "Estou satisfeito com meu relacionamento", "Estou satisfeito com meu(minha) companheiro(a) no que diz respeito a seu papel no relacionamento" e "Estou satisfeito com meu relacionamento com meu(minha) companheiro(a)" –, respondidos no formato Likert de 5 pontos, sendo 1 = "discordo fortemente" e 5 = "concordo fortemente".
Escala de satisfação sexual: Escala de satisfação sexual: neste estudo, utilizou-se uma versão adaptada e traduzida para o português da escala de satisfação sexual de Sánchez Aragón (2008). Essa medida foi traduzida por um expert em inglês, com doutorado em psicologia. Em seu formato inicial, o instrumento contou com 25 itens descritivos e expostos na forma de Likert de 5 pontos, sendo 1 = "em nenhum momento" e 2 = "todo o tempo". Os dados de validação da medida para o português apresentam um estrutura dimensional de dois fatores, "satisfação sexual no relacionamento (SSR)" e "insatisfação sexual no relacionamento (ISR )", e ambos obtiveram alfas satisfatórios segundo Nunnally (1970): 0,89 e 0,86 respectivamente. Os dados de validação são discutidos na sequência do artigo.
Escala de satisfação com a vida: foram utilizados cinco itens da versão em português da escala (Diener et al., 1985), validada para o português por Giacomoni e Hutz (1997). Os itens incluíram sentenças do tipo "A minha vida parece-se em quase tudo com o que eu desejaria que ela fosse" e "As minhas condições de vida são muito boas", dispostos no formato Likert de 5 pontos, sendo 1 = "discordo muito" e 5 = "concordo muito".
Procedimentos
Em conformidade com as normas do Conselho Nacional de Saúde, o estudo foi primeiramente avaliado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEPSH) da Universidade Federal de Santa Catarina, sendo aprovado sob o Protocolo no 84/06. Depois disso, a coleta de dados foi iniciada e realizada em ambientes públicos das cidades de Vitória e Porto Alegre, em locais como campi universitários, estabelecimentos comerciais, igrejas e assim por diante. A aplicação ocorreu de forma individual e/ou coletiva. Em ambas as situações, um pesquisador treinado se apresentava e convidava os participantes a fazerem parte de um estudo sobre relações interpessoais. Em caso de resposta positiva, um questionário era entregue ao participante. Enquanto este respondia ao questionário, o pesquisador aguardava e se colocava à disposição para esclarecimentos de qualquer dúvida. Depois de respondido, o questionário era recolhido juntamente com um termo de consentimento livre e esclarecido devidamente assinado pelo participante.
Análise de dados
O programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 13.0, foi utilizado para realizar as análises estatísticas. Inicialmente, efetuaram-se cálculos de estatística descritiva com todos os itens dos questionários e das escalas. Na sequência, com objetivo de verificar a estrutura dimensional e a validade da escala de satisfação sexual, partiu-se para a análise fatorial exploratória. Concluiu-se essa etapa com cálculos dos índices de confiabilidade alfa de Cronbach para os itens da escala. Finalmente, foi empregada a análise de regressão linear com a escala de satisfação de Rusbult como variável dependente e as variáveis dos componentes do amor (Etas), de satisfação sexual (SSRe ISR) e satisfação com a vida como preditores.
Resultados
Validação da escala de satisfação sexual
Inicialmente, foi realizada a análise dos componentes principais com o objetivo de checar a viabilidade dos dados à análise fatorial e o número de fatores a serem extraídos.
O KMO teve o valor de 0,92, e o teste de esfericidade de Bartlett foi significativo (p < 0,001). Posteriormente, realizou-se uma análise dos componentes principais. A partir do gráfico de sedimentação e análise paralela, foram testadas soluções com dois e três fatores, optando-se pela solução com dois fatores, para seguir com análise fatorial exploratória (método de fatoração do eixo principal) e com rotação oblíqua direct oblimin; observando-se uma correlação de -0,25 entre os dois fatores, considerada baixa, foi efetuada nova análise com rotação varimax, permitindo fatores ortogonais e uma solução mais bem marcada.
O Quadro 1 apresenta as cargas fatoriais maiores que 0,40 e os respectivos itens por fator. Os dois fatores encontrados receberam a seguinte nomeação: satisfação sexual no relacionamento (SSR - fator 1) e insatisfação sexual no relacionamento (ISR -fator 2). O primeiro fator diz respeito à avaliação de aspectos positivos do relacionamento sexual, como grau de interesse no relacionamento sexual, excitação, comportamento desejado do companheiro e outros. O segundo fator, por sua vez, representa aspectos negativos do envolvimento sexual, como evitação, aborrecimento, insatisfação e monotonia com envolvimento físico e sexual.
Os itens 13 - "Meu(minha) companheiro (a) fala demasiadamente de sexo" - e 11 - Sinto que meu(minha) companheiro(a) quer excessivamente sexo de minha parte - foram excluídos por apresentarem cargas fatoriais menores que 0,40. O Quadro 2 apresenta a quantidade final de itens, a variância explicada por fator e os índices de confiabilidade do tipo alfa de Cronbach de cada um deles. O primeiro fator explicou 22,01% da variância, e o segundo, 18,96%. O fator SSRapresentou alfa de Cronbach com o valor de 0,89, e o ISR, 0,86. Ambos foram considerados aptos para uso (Cronbach, 1996; Nunnally, 1978).
Quadro 2. Alfa de Cronbach, variância total explicada e quantidade de itens por fator
Aspectos preditores de satisfação global com relacionamento romântico
Posteriormente, com o objetivo de predizer qual modelo de combinação de variáveis melhor explica a satisfação global dentro do relacionamento romântico, foi realizada uma análise de regressão linear múltipla (Dancey; Reidy, 2006; Kline, 2005; López, 2005), com inserção simultânea das variáveis (método Enter) para chegar a um modelo de predição da variável dependente satisfação global com o relacionamento, a partir das subescalas ETAS paixão, ETAS intimidade, ETAS comprometimento, SSR, ISR e satisfação com a vida.
A regressão foi realizada somente com 308 participantes, dado que a existência de dados faltantes (missing cases) foi fator de exclusão de indivíduos, já que é empregado o tratamento listwise para esse tipo de ocorrência. O modelo com seis preditores explicou 50,9% da variância da satisfação global com o relacionamento (F6, 327 = 56,418; p < 0,001). Os coeficientes padronizados (beta) e não padronizados (b) e sua significância estatística são apresentados na Quadro 3.
Quadro 3. Coeficientes do modelo de regressão de predição da satisfação global com o relacionamento
Observando os coeficientes padronizados, identifica-se que cinco das seis variáveis predizem a satisfação com o relacionamento. Os componentes paixão e intimidade tiveram os maiores coeficientes, mostrando-se positivamente relacionados à satisfação. Além disso, satisfação com aspectos positivos do sexo e com a vida e o comprometimento na relação também estão ligados à maior satisfação no relacionamento de casal.
Discussão
Inicialmente, quanto à escala de satisfação sexual, os resultados do procedimento fatorial indicam uma medida composta por duas dimensões: satisfação sexual com relacionamento (SSR) e insatisfação sexual com relacionamento (ISR), compostas por 12 e 11 itens, respectivamente, com indicadores de confiabilidade elevados. Tais resultados, de maneira geral, mostram que a medida é adequada e apresenta-se válida para os resultados da presente pesquisa, bem como para próximos estudos envolvendo a temática sexual em relacionamentos conjugais. É evidente que estudos adicionais com procedimentos de análise confirmatória e discriminantes serão pertinentes para o alcance e o fortalecimento de outros tipos de validade, como validade de critério e construto.
Os dados da análise de regressão permitem validar a hipótese sobre a multiplicidade de aspectos que interagem na avaliação da satisfação global com relacionamento. É possível aferir com segurança empírica que a predição global da satisfação com relacionamento, a partir do conjunto das variáveis empregadas no estudo (intimidade, paixão, comprometimento, aspectos positivos da satisfação sexual e satisfação com a vida), é adequada, sendo a dimensão “insatisfação sexual com relacionamento” não significativa para o modelo. Os componentes-base do amor na teoria de Sternberg (1986) " intimidade, paixão e comprometimento", alinhados ao grau de realização com envolvimento sexual, mostram a complexidade de variáveis atuando na qualidade do relacionamento romântico. Os bons resultados do modelo resultante, acrescido da variável satisfação com a vida, demonstram também o papel-chave de um relacionamento romântico de qualidade na vida do indivíduo.
Certos aspectos, como paixão e intimidade, construtos que referenciam comportamentos de proximidade, respeito, valorização do companheiro, bem como atratividade física, desejo e comportamento sexual propriamente dito, mostram maior contribuição para satisfação global com relacionamento romântico do que outros aspectos, como a satisfação sexual e o comprometimento. Tal informação corrobora os resultados obtidos e justifica-se dentro do enquadre triangular de Sternberg (1986), demonstrando que quanto mais elevada for a intensidade dos afetos ligados aos três componentes, mais próximo o indivíduo estará de viver um amor pleno e satisfatório. Ao contrário, quando um desses elementos apresentar menor importância, mais próximo o indivíduo de viver outra forma de amor não plena, como uma amizade ou um relacionamento de intensidade exclusivamente sexual.
Entre as limitações do estudo, uma amostra com um número maior de participantes e com características demográficas mais diversificadas colaboraria para ampliar sua consistência dimensional e generalidade de aplicação da escala de satisfação sexual para outras populações. Outra limitação quanto à predição da qualidade em relacionamento refere-se à medida utilizada como variável dependente, a escala Rusbult. Por ser uma medida unidimensional, limita o entendimento mais complexo das interações entre determinantes da qualidade e seus subcomponentes. O aspecto qualidade em relacionamento ou satisfação é mais bem compreendido como um construto multidimensional. Assim, são necessários estudos futuros que utilizem medidas multidimensionais como variável dependente para contornar tal limitação e possibilitar evidências mais claras sobre o padrão de interação entre as variáveis determinantes e determinadas da qualidade ou satisfação global com relacionamento.
Referências
ALFERES, V. R. Atração interpessoal, sexualidade e relações intímas. In: Vala, J.; MONTEIRO, M. B. (Ed.). Psicologia social. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996. p. 125-158. [ Links ]
ANDRADE, A. L. de et al. Relações entre satisfação com o relacionamento amoroso, aspectos específicos da interação e bem-estar psicológico. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA, 2. 2005, Gramado. Gramado, 2005. [ Links ]
ARRIAGA, X. B. The ups and downs of dating: fluctuations in satisfaction in newly formed romantic relationships. Journal of Personality & Social Psychology, v. 80, n. 5. p. 754-765, 2001. [ Links ]
BYRNE, D.; KELEY, K. editors. Alternative approaches to the study of sexual behavior. Hillsdale, New Jersey: Lawrence Erlbaum, 1986. [ Links ]
BYSTRONSKI, B. Teorias e processos psicossocias da intimidade interpessoal. In: RODRIGUES, A. (Org.). Psicologia social para principiantes: estudo da interação humana. Petrópolis: Vozes, 1995. [ Links ]
CASSEP-BORGES, V.; TEODORO, M. Propriedades psicométricas da versão brasileira da escala triangular do amor de Sternberg. Psicologia: reflexão e crítica, v. 20, n. 3, p. 513-522, 2007. [ Links ]
CRITELLI, J. W.; MYERS, E. J.; LOOS, V. E. The components of love: romantic attration and sex role orientation. Journal of Personality, v. 54, n. 2, p. 355-370, 1986. [ Links ]
CONTRERA, R.; HENDRICK, S. S.; HENDRICK, C. Perspectives on marital love and satisfaction in Mexican American and Anglo-American couples. Journal of Counseling and Development, v. 74, p. 408-415, 1996. [ Links ]
CRONBACH, L. J. Fundamentos da testagem psicológica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. [ Links ]
DANCEY, C. P.; REIDY, J. Estatística sem matemática para psicologia usando SPSS para Windows. Porto Alegre: Artes Médicas, 2006. [ Links ]
DIENER, E. et al. The satisfaction with life scala. Journal of Personality Assessment, v. 49, p. 91-95, 1985. [ Links ]
FINCHAM, F. D.; BRADBURY, T. N. The assessment of marital quality: a re-evaluation. Journal of Marriage and the Family, v. 49, p. 797-810, 1987. [ Links ]
FLETCHER, G. J. O.; SIMPSOM, J. A.; THOMAS. G. The measurement of perceived relationship quality components: a confirmatory factor analytic approach. Personality and Social Psychology Bulletin, v. 26, n. 3, p. 340-354, 2000. [ Links ]
GARCIA, A. Relacionamento interpessoal: uma área de investigação. In: ______. Relacionamento interpessoal: olhares diversos. Vitória: GM Gráfica e Editora, Núcleo Interdisciplinar para o Estudo do Relacionamento Interpessoal da Ufes, 2005. [ Links ]
GARCIA, A.; MACIEL, M. G. A influência da religião na busca do futuro cônjuge: um estudo preliminar em comunidades evangélicas. Psicologia: teoria e prática, v. 10, n. 1, p. 95-112, 2008. [ Links ]
GIACOMONI, C. H.; HUTZ, C. S. A mensuração do bem-estar subjetivo: escala de afeto positivo e negativo e a escala de satisfação com a vida [Resumos]. In: SOCIEDADE INTERAMERICANA DEPSICOLOGIA (Org.). Anais XXVI Congresso Interamericano de Psicologia. São Paulo: Sociedade Interamericana de Psicologia, 1997. p. 313. [ Links ]
GOTTMAN, J. M.; NOTARIUS, C. L. MARITAL research in the 20 Century and a research agenda for the 21 Century. Family Process, v. 41, p. 159-197, 2002. [ Links ]
GRAHAM, J.; LIU, Y. J.; JEZIORSKI, J. The dyadic adjustment scale: a reliability generalization meta-analysis. Journal of Marriage and Family, v. 68, p. 701-717, 2006. [ Links ]
GREEN, K.; FAULKNER, S. L. GENDER, belief in the sexual double standard, and sexual talk in heterosexual dating relationships. Sex Roles, v. 53, n. 3, p. 239-251, 2005. [ Links ]
HAIR JR., J. F. et al. Análisis multivariante. Madrid: Prentice Hall International, 1999. [ Links ]
HATFIELD, E; RAPSON, R. L.; MARTEL, L. D. Passionate love and sexual desire. In: Kitayama, S.; Cohen, D. (Ed.). Handbook of cultural psychology. New York: Guilford Press, 2007. p. 760-779. [ Links ]
HERNANDEZ, J. A. E.; OLIVEIRA, I. M. B. Os componentes do amor e a satisfação. Psicologia Ciência e Profissão, v. 21, n. 3, p. 58-69, 2003. [ Links ]
KLINE R. B. Principles and pratice of structural equation modeling. New York: The Guilford Press, 2005. [ Links ]
LÓPEZ, C. P. Métodos estadísticos avanzados con SPSS. Madrid: Thomsom, 2005. [ Links ]
MOSMANN, C.; WAGNER, A.; FÉRES-CARNEIRO, T. Qualidade conjugal: mapeando conceitos. Revista Paideia, v. 16, n. 35, p. 315-325, 2006. [ Links ]
NUNNALLY, J. C. Introducción a la medición psicológica. Buenos Aires: McGraw-Hill, 1970. [ Links ]
______. Psychometric theory. New York: McGraw-Hill, 1978. [ Links ]
OGGINS, J.; LEBER, D.; VEROFF, J. Race and gender difference in black and white newlywesperceptions of sexual and marital relatioships. Journal of Sex Research, v. 30, p. 152-160, 1993. [ Links ]
OLIVER, M. B.; HYDE, J. S. Gender differences in sexuality: a meta-analysis. Psychological Bulletin, v. 114, p. 29-51, 1993. [ Links ]
RUBIN, Z. Measurement of romantic love. Journal of Personality and Social Psychology, v. 16, p. 265-273, 1970. [ Links ]
RUSBULT, C. E. A longitudinal test of the investment model: The development (and deterioration) of satisfaction and commitment in heterosexual involvements. Journal of Personality and Social Psychology, v. 45, p. 101-117, 1983. [ Links ]
SANCHEZ-ARAGÓN, R. Arrebato y poderío sobre la pasión romántica y sus efectos en la satisfacción sexual. In: CONGRESO DEL CONSEJO NACIONAL PARA LA ENSEÑANZA E INVESTIGACIÓN EN PSICOLOGÍA, 35., 2008, Puerto Vallarta. Puerto Vallarta, México: Cneip, 2008. [ Links ]
SCHUMM, W. R. et al. Concurrent and discriminant validity of the Kansas marital satisfaction scale. Journal of Marriage and the Family, v. 48, p. 381-388, 1986. [ Links ]
SILVA, D. Z.; PEREIRA, C. A. A. O papel da consistência ideal-percepção no bem-estar subjetivo em relacionamentos íntimos. Revista Psico, v. 36, n. 2, p. 181-188, 2005. [ Links ]
STERNBERG, R. J. A triangular theory of love. Psychological Review, v. 93, p. 119-135, 1986. [ Links ]
______. El triangulo del amor: intimidad, passión y compromisso. Barcelona: Paidós, 1989. [ Links ]
STERNBERG, R. J.; WEIS, K. The new psychology of love. Yale: University of Yale, 2006. [ Links ]
WACHELKE, J. F. et al. Estudo complementar da validade fatorial da escala fatorial de satisfação em relacionamento e predição de satisfação global com a relação. Psico-USF, v. 12, n. 2, p. 221-225, 2007. [ Links ]
______. Medida da satisfação em relacionamento de casal. Psico-USF, v. 9, n. 1, p. 11-18, 2004. [ Links ]
YELA, C. The Evaluation of Love: Simplified Version of the Scales for Yelas Tetrangular Model Based on Sternbergs Model. European Journal of Psychological Assessment, v. 22, p. 21-27, 2006. [ Links ]
YEN, H. et al. Relatioships among sexual satisfaction, marital quality, and marital instability at midlife. Journal of Family Psychology, v. 20, n. 2, p. 339-343, 2006. [ Links ]
YOUNG, M. et al. Correlates of sexual satisfaction in marrigage. Canadian Journal of Human Sexuality, v. 7, p. 115-128, 1998. [ Links ]
Contato
Alexsandro Luiz de Andrade
Av. Fernando Ferrari, 514
Goiabeiras ES
CEP 29075-910
e-mail: alexsandro.deandrade@yahoo.com
Tramitação
Recebido em julho de 2009
Aceito em dezembro de 2009