Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Psicologia: teoria e prática
versão impressa ISSN 1516-3687
Psicol. teor. prat. vol.12 no.1 São Paulo 2010
ARTIGO ORIGINAL
Deficiência visual e plasticidade no cérebro humano
Visual impairment and cerebral plasticity in the human brain
Deficiencia visual y plasticidad cerebral
Maria Luíza RangelI; Luísa Azevedo DamascenoI; Carlos Alberto Ismério dos Santos FilhoI; Felipe Santos de OliveiraI; Fernanda JazenkoI; Luiz G. GawryszewskiI; Antonio PereiraII, III
I Universidade Federal Fluminense
II Universidade Federal do Rio Grande do Norte
III Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond & Lily Safra
RESUMO
O ser humano é capaz de analisar o mundo à sua volta por meio de informações provenientes das diversas modalidades sensoriais. A percepção do mundo a cada momento envolve a integração dessas informações em áreas multissensoriais existentes no cérebro humano. Dessa forma, podem-se imaginar as profundas transformações que ocorrem no cérebro após a perda de uma aferência sensorial. Estudos anatômicos, fisiológicos e comportamentais em animais têm sugerido que mudanças plásticas compensatórias devem também ocorrer nos seres humanos, alterando as conexões do córtex visual com os córtices somestésico e auditivo. Utilizando as novas idéias sobre as áreas multimodais e metamodais, pretendemos analisar como ocorre a reorganização dos sentidos remanescentes após a perda da visão.
Palavras-chave: Cegueira, Plasticidade, Tato, Controle motor, Audição.
ABSTRACT
Humans are able to analyze the world through information derived from various sensory modalities. After the loss of a given sense, anatomical, physiological and behavioral studies have shown that compensatory plastic changes take place in the cortex, first through the unmasking of synaptic contributions from other modalities, even in primary sensory areas. This fact underscores the metamodal theory of sensory cortical function and can be used to devise effective strategies to train the blind to compensate their loss through better use of the remaining sensory modalities.
Keywords: Blindness, Plasticity, Touch, Motor control, Audition.
RESUMEN
El ser humano es capaz de analizar el mundo que lo rodea a través de información de las diversas modalidades sensoriales. La percepción del mundo en cada momento implica la integración de información multisensorial en las áreas existentes en el cerebro humano. Así, uno puede imaginar los profundos cambios que ocurren en el cerebro después de la pérdida de un aferente sensorial. Los cambios anatómicos, fisiológicos y de comportamiento en animales han sugerido que los cambios compensatorios plásticos también debem ocurrir en los seres humanos, cambiando las conexiones de la corteza visual con las cortezas auditivas y somestésicas. Con nuevas ideas sobre las áreas multimodal y metamod, analizamos la reorganización de los sentidos restantes después de la pérdida de la visión.
Palabras clave: Deficiencia visual, Plasticidad, Tacto, Control motor, Audición.
Introdução
Em humanos, grande parte da apreensão da realidade depende de informação visual. A visão é o sentido no qual a integração sensório-motora é mais evidente, em razão dos movimentos oculares que projetam a região de maior acuidade visual da retina para pontos de interesse no mundo exterior (ver, por exemplo, OGUSUKO; LUKASOVA; MACEDO, 2008). Embora outros sistemas sensoriais também sejam bastante desenvolvidos, a visão é especial porque dá acesso a informações detalhadas sobre objetos localizados a grandes distâncias (muitas vezes maiores que o comprimento do braço, por exemplo), além de possuir um componente hedônico bastante valorizado. A mera possibilidade da perda da visão em humanos pode causar graves distúrbios psicológicos e, em alguns casos, levar ao suicídio (DE LEO; MENECHEL; CANTOR, 1999).
Em 2002, estimava-se que mais de 162 milhões de pessoas em todo o mundo eram deficientes visuais, e mais de 37 milhões completamente cegas (RESNIKOFF et al., 2004). No Brasil, 16,6 milhões de pessoas apresentam algum grau de deficiência visual, e quase 150 mil se declararam cegos nos censos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2009).
Entre as vantagens adaptativas da visão estão: 1. permitir a detecção e o reconhecimento de objetos e eventos ocorrendo a distâncias variáveis do animal, e 2. fornecer ao sistema motor as informações necessárias para uma decisão rápida sobre o melhor curso de ação em um mundo cheio de surpresas hostis ou de possibilidades de nutrição, abrigo e acasalamento (MILNER; GOODALE, 1995). Poucos estudos, entretanto, se dedicaram a entender como a representação das ações motoras é influenciada pela perda visual completa (para uma revisão, ver IMBIRIBA et al., 2009).
A noção de que a perda da visão é compensada parcialmente por outras modalidades sensoriais é bastante popular e serve para explicar o uso de alternativas comportamentais pelos deficientes visuais (por exemplo, a leitura braille). Em termos da contribuição individual das outras modalidades sensoriais nessa compensação, a audição tem papel destacado pela capacidade de análise espacial do ambiente, semelhante em vários aspectos à visão. Em indivíduos videntes, a análise espacial do ambiente é naturalmente dominada pela visão, mas em cegos a audição assume papel de destaque na navegação, permitindo localizar objetos e obstáculos. Com efeito, foi demonstrado que os cegos possuem habilidades acima do normal em tarefas auditivas, tal como a localização sonora baseada apenas em pistas monoaurais (COLLIGNON et al., 2009).
A idéia de que as áreas corticais primárias são especializadas em analisar exclusivamente cada modalidade sensorial não é nova. Decorre da influência da doutrina das energias nervosas específicas de Johannes Müller (1971), que propunha que: 1. as pessoas são conscientes do estado da atividade nos seus nervos, não do mundo externo em si; 2. a percepção provocada pela ativação de um nervo ocorre independentemente da identidade do estímulo original (um soco no olho nos faz "ver estrelas"); 3. o mesmo estímulo aplicado a diferentes nervos causa sensações diferentes (um soco no olho ou no ouvido tem efeitos distintos). Nos tempos atuais, essa proposta foi reforçada por achados baseados em ferramentas anatômicas e funcionais que demonstram uma elevada especificidade no processamento de informações sensoriais pelas chamadas áreas primárias. Os trabalhos pioneiros de grupos importantes, como os de Mountcastle (1957) e Hubel e Wiesel (1959), revelaram um padrão complexo de circuitos corticais ultraespecializados em analisar estímulos de diferentes modalidades sensoriais, como tato e visão, respectivamente. Recentemente, entretanto, outros grupos vêm demonstrando que essa especialização é mais flexível, com várias células localizadas em áreas sensoriais primárias respondendo a estímulos de duas ou mais modalidades sensoriais (WALLACE et al., 2004). Embora existam evidências de que algumas modalidades sensoriais sejam processadas de uma maneira nervo-específica (HUANG et al., 2006), a maior parte da nossa percepção dos eventos na vida cotidiana é registrada simultaneamente por mais de uma modalidade sensorial de maneira integrada e unificada, sem descontinuidade aparente, otimizando a detecção e o reconhecimento de objetos e também a nossa resposta a estes (KING; CALVERT, 2001). Por exemplo, quando se planeja um movimento, é comum a integração de informação visual, somestésica e auditiva para otimizar a sequência de movimentos necessária para alcançar o objetivo.
No córtex, existem múltiplas áreas devotadas ao processamento sensorial (Figura 1). Em primatas, por exemplo, foram identificadas mais de trinta áreas visuais (TOOTELL et al., 1996). A informação visual chega ao córtex majoritariamente via projeções talâmicas provenientes do núcleo geniculado lateral dorsal (NGLd) para o córtex visual primário (V1), e daí é enviada para outras áreas (Figura 2). Nessa via, diferentes classes de neurônios codificam parâmetros distintos da informação visual. O processamento em paralelo desses diferentes parâmetros se estende por vias corticais além do córtex visual primário para uma variedade de áreas visuais nos lobos occipital, parietal e temporal Figuras 1 e 2 (PURVES et al., 2004).
Várias evidências confirmam que a convergência multissensorial é uma característica geral das áreas sensoriais, pois ocorre mesmo nas áreas primárias (GHAZANFAR; SCHROEDER, 2006; SCHROEDER; FOXE, 2005). Várias técnicas têm demonstrado a ativação de áreas primárias por estímulos de outras modalidades (WALLACE et al., 2004; MARTUZZI et al., 2007). Além das áreas multissensoriais, foram também identificadas áreas corticais chamadas metamodais, que respondem a uma característica específica de um objeto, como a sua forma, mesmo quando apresentada por meio de diferentes modalidades sensoriais (AMEDI et al., 2007). A descoberta dessas áreas mudou o conceito de áreas corticais modalidade-específica para função-específica.
A idéia principal do conceito de processamento metamodal é de que a prevalência de uma determinada modalidade sensorial em áreas corticais decorre de um processo competitivo que premia a modalidade mais adequada para o tipo de computação proporcionada pela rede neural em questão. Por exemplo, os circuitos neurais disponíveis em V1 são adequados para a discriminação espacial fina do ambiente, um papel com o qual os inputs visuais provenientes da retina são otimamente compatíveis. Entretanto, mesmo após a seleção de um "vencedor" na competição entre aferentes, os inputs de outras modalidades permanecem subliminarmente operacionais e podem ser desmascarados em situações de privação visual, mesmo que de curto prazo (PASCUAL-LEONE; HAMILTON, 2001).
Neste artigo, iremos utilizar o conceito de áreas metamodais proposto por Pascual-Leone e Hamilton (2001) para discutir como a perda da visão afeta as representações sensoriais no córtex visual e como mudanças plásticas compensatórias desmascaram contribuições de outras modalidades, principalmente auditivas, para a função do córtex visual, mostrando a grande capacidade do cérebro humano em se reorganizar. Serão discutidos os resultados comportamentais e funcionais apresentados em artigos científicos na área da psicologia cognitiva e das neurociências em geral.
Conceituando plasticidade
palavra plasticidade deriva do grego plastikos, que significa moldável. A plasticidade neural refere-se à capacidade de reorganização do sistema nervoso durante o desenvolvimento e na fase adulta em resposta a desafios ambientais (PURVES et al., 2004). A plasticidade é uma propriedade intrínseca do sistema nervoso, além de ser o mecanismo pelo qual ocorrem o aprendizado e as mudanças compensatórias após lesão do tecido neural (cf. PASCUAL-LEONE et al., 2005).
Mudanças nos padrões de estimulação periférica em qualquer sistema neural levam a uma reorganização das sinapses do sistema, que é mais evidente durante o período crítico do desenvolvimento, característico de cada modalidade. Essa plasticidade é demonstrada em vários níveis de análise, do molecular ao comportamental. Atualmente, a plasticidade não é mais considerada um estado extraordinário do sistema nervoso, mas sim um mecanismo latente capaz de gerar mudanças contínuas durante toda a vida (cf. PASCUAL- LEONE et al., 2005).
O cérebro plástico e a perda da aferência visual
A proposta deste estudo é discutir a reorganização do córtex visual que ocorre em pessoas cegas. Além do interesse em melhorar a vida dos pacientes cegos, os estudos descritos nesta revisão também podem produzir insights sobre a organização cerebral e as compensações comportamentais que ocorrem após a privação sensorial.
A maioria dos estudos sobre a cegueira e a plasticidade subsequente mostra que a amplitude da reorganização cortical está correlacionada com a idade do surgimento da deficiência. Diversos pesquisadores identificaram um padrão de ativação cortical diferente entre cegos precoces e aqueles que perderam a visão tardiamente. Cohen et al. (1997) relataram atividade no córtex visual em tarefas discriminativas táteis em cegos congênitos ou precoces, mas não em cegos tardios. Sadato et al. (2002) mostraram resultados semelhantes, isto é, maior atividade no córtex visual primário (V1) de cegos precoces (antes dos 16 anos) do que em cegos tardios e ativação semelhante nas áreas extraestriadas nos dois grupos. Burton et al. (2002) mostraram ativação em V1 durante leitura em braille tanto em cegos precoces quanto em tardios. Entretanto, em oposição à maioria dos outros estudos, Büchel et al. (1998) descreveram ativação de V1 em cegos tardios, mas não em cegos congênitos. Esses autores sugeriram que a ativação de V1 observada em cegos tardios estaria relacionada com a experiência visual prévia. Esses resultados discrepantes revelam a necessidade da realização de mais estudos sobre plasticidade intermodal em função da idade de início da cegueira.
A leitura em braille é um exemplo da substituição sensorial em cegos. O trabalho pioneiro de Wanet-Defalque et al. (1988) demonstrou que há ativação de áreas visuais occipitais durante a realização de uma tarefa tátil em deficientes visuais. Posteriormente, Sadato et al. (1996) demonstraram que a ativação do córtex visual primário ocorria apenas quando a tarefa era discriminar palavras em braille, e não para outros estímulos táteis. Esse resultado sugere uma relação entre a ativação metamodal do córtex occipital e uma função cognitiva semântica. A importância do córtex occipital fica ainda mais evidente nos casos de lesão dessa região em pessoas cegas. Hamilton et al. (2000) relataram um caso de alexia para o braille após acidente vascular encefálico que atingiu córtex occipital bilateralmente. Nesse caso, a paciente era cega desde o nascimento e leitora profissional do braille. Após o acidente, ela era capaz de identificar formas e objetos do dia a dia pelo tato, porém era completamente incapaz de ler palavras em braille ou até mesmo de identificar uma única letra em braille.
Cohen et al. (1997) utilizaram a estimulação magnética transcraniana de repetição (TMSr) para verificar a funcionalidade da ativação do córtex visual em indivíduos cegos desde a infância, em uma tarefa de identificação de letras em braille e de letras romanas em relevo. A TMSr foi utilizada porque é uma técnica não invasiva que bloqueia reversivelmente o funcionamento de uma pequena região cortical através de pulsos eletromagnéticos que atravessam o crânio. Dessa forma, pode-se criar uma lesão virtual reversível e analisar o efeito da ausência da função daquela região (PASCUAL-LEONE et al., 1999). A inativação transiente do córtex occipital provocou mais erros em ambas as tarefas (leituras em braille e em letras romanas) e distorceu a percepção tátil nos cegos. Em contraste, nos videntes, essa inativação não apresentou efeito nenhum na performance tátil, mas prejudicou a percepção visual (COHEN et al., 1997). Em outro estudo recente, a ativação do córtex occipital usando pulsos únicos para estimulação magnética transcraniana (TMS) causou sensações táteis em pacientes cegos leitores de Braille (PTITO et al., 2008).
Embora poucos estudos tenham atentado para a relação existente entre o planejamento motor e a perda visual, Imbiriba et al. (2006) compararam dois grupos de sujeitos cegos (precoces e tardios) quanto à variabilidade establiométrica, eletromiográfica (EMG) e da frequência cardíaca durante uma tarefa de simulação mental na qual os sujeitos deveriam realizar a seguinte sequência de tarefas: 1. ficar de pé em uma plataforma de força, com os pés juntos e os olhos fechados; 2. contar mentalmente de 1 a 15; 3. imaginar-se executando um movimento de flexão plantar 15 vezes; e, para finalizar, 4. executar o mesmo movimento 15 vezes. Os resultados sugeriram que, para esses grupos, as representações corporais são construídas de formas distintas; para os cegos precoces, a representação é baseada somente na informação proprioceptiva, enquanto, para os cegos tardios, poderia haver influência de informações visuais adquiridas como videntes (IMBIRIBA et al., 2006).
Em um estudo realizado por Amedi et al. (2007), foi possível transformar, por um sistema de substituição sensorial, um estímulo visual em um estímulo sonoro. Os sons eram gerados pelas imagens de objetos, por meio de um dispositivo de substituição sensorial visuoauditiva. As imagens capturadas por uma câmera eram transformadas em padrões sonoros capazes de preservar a informação relacionada à forma do objeto. O objetivo era investigar uma área cerebral específica conhecida como área tátil-visual occipitolateral (LOtv, sigla em inglês), que é ativada quando objetos são reconhecidos pela visão ou pelo toque. A tarefa executada era a seguinte: o padrão sonoro deveria ser reconhecido e classificado em duas categorias: objeto feito pelo homem ou presente na natureza. Dos sujeitos que participaram, dois eram cegos (um cego congênito e um tardio), ambos treinados nesse tipo de substituição sensorial visuoauditiva. Os resultados mostraram que os objetos auditivos provocavam uma ativação tanto de áreas visuais na região occipital quanto da área LOtv. Todavia, a área LOtv não era ativada por estímulos sonoros quando os sujeitos eram treinados a fazer uma simples associação entre o som e o objeto, mas somente quando eles classificavam o objeto. Tais achados sugerem uma organização metamodal de regiões específicas do cérebro capazes de processar certos tipos de informação, independentemente da entrada sensorial (AMEDI et al., 2007).
É importante destacar também que, tanto em videntes quanto em cegos, a ativação do córtex occipital foi verificada em tarefas que envolviam a imaginação, algo que, para os videntes, está muito relacionado à visualização. Em um estudo, Lambert et al. (2004) mostraram que o córtex visual de cegos congênitos ou precoces pode não apenas ser ativado, mas que tal ativação pode ser observada em uma tarefa que não envolva nenhuma entrada sensorial além da instrução verbal.
Conclusão
A proposta do cérebro como sistema metamodal tem um correlato teórico com as concepções de Luria (1981), que considerava as funções mentais nos seres humanos como resultante da ação coordenada de várias regiões corticais e subcorticais, integradas com as modificações corporais. Para Luria, a função resulta da atividade de um sistema funcional, no qual uma tarefa invariável (por exemplo, pegar um copo) pode ser desempenhada por diversas combinações de efetores, que levam o processo a um resultado constante (preensão do copo). Ou seja, nenhum dos processos mentais deve ser considerado como isolado ou indivisível, ou tido como uma "função" exclusiva de um grupo celular específico ou de uma área localizada no cérebro (LURIA, 1981).
Essas formulações de Luria, apoiadas pelos resultados de seus estudos em pacientes, foram inspiradas pelas idéias de Vygotski (1996), que propunha que deficiências como a cegueira são capazes de reorganizar todo o cérebro, desenvolvendo meios alternativos para atingir uma meta. Ou seja, as pessoas com deficiência podem se beneficiar do processo de aprendizagem, assim como as demais, pontuando a complexidade e a plasticidade do sistema psicológico humano. Veer e Valsiner (1996) destacaram também que, segundo Vygotsky, a pessoa com deficiência não é menos desenvolvida em determinados aspectos que outras, mas um sujeito que se desenvolve de outra maneira.
Os resultados dos diversos estudos discutidos anteriormente mostram que a grande "seletividade" do sistema visual para o processamento de estímulos luminosos decorre principalmente dos métodos usualmente empregados para estudar esse sistema. Na ausência de visão, o córtex visual (inclusive a área visual primária) pode responder a estímulos táteis e auditivos (cf. GHAZANFAR; SCHROEDER, 2006), porque a ausência daquela permite o desmascaramento de conexões latentes, revelando assim a organização metamodal. Além disso, esse processo gera uma expansão das áreas corticais envolvidas com o tato e a audição. Isso explica o refinamento das funções auditivas e somestésicas observadas em cegos. Um melhor entendimento de como o cérebro se adapta à perda da visão e quais são as consequências funcionais para as informações sensoriais restantes podem resultar numa melhor qualidade de vida para os deficientes visuais. Compreender essas mudanças fisiológicas é essencial para otimizar o processo de reabilitação após a privação visual.
Referências
AMEDI, A. et al. Shape conveyed by visual-to-auditory sensory substitution activates the lateral occipital complex. Nature Neuroscience, v. 10, n. 6, p. 687-689, 2007. [ Links ]
______. Neural and behavioral correlates of drawing in an early blind painter: a case study. Brain Research, v. 1242, p. 252-262, 2008. [ Links ]
BÜCHEL, C. et al.. Different activation patterns in the visual cortex of late and congenitally blind subjects. Brain, v. 121, p. 409-419, 1998. [ Links ]
BURTON, H. et al. Adaptive changes in early and late blind: a fMRI study of Braille reading. The Journal of Neurophysiology, v. 87, n. 1, p. 589-607, 2002. [ Links ]
COLLIGNON, O. et al. Cross-modal plasticity for the spatial processing of sounds in visually deprived subjects. Experimental Brain Research, v. 192, n. 3, p. 343-358, 2009. [ Links ]
COHEN L. G. et al. Functional relevance of cross-modal plasticity in blind humans. Nature, v. 389, p. 180-183, 1997. [ Links ]
DE LEO, D., MENECHEL, G., CANTOR, H. M. Blindness, fear of sight loss, and suicide. Psychosomatics, v. 40, n. 4, p. 339-344, 1999. [ Links ]
DE VOLDER A. G. et al. Auditory triggered mental imagery of shape involves visual association areas in early blind humans. Neuroimage, v. 14, p. 129-139, 2001. [ Links ]
FELLEMAN D. J.; ESSEN D. C. van. Distributed hierarchical processing in the primate cerebral cortex. Cereb. Cortex, v. 1, n. 1, p. 1-47, Jan./Feb. 1991. [ Links ]
GHAZANFAR A. A.; SCHROEDER C. E. Is neocortex essentially multisensory? Trends in Cognitive Sciences, v. 10, p. 278-295, 2006. [ Links ]
HAMILTON, R. H.; PASCUAL-LEONE, A. Cortical plasticity associated with Braille learning. Trends in Cognitive Science, v. 2, n. 5, p. 168-174, 1998. [ Links ]
HAMILTON, R. et al. Alexia for Braille following bilateral occipital stroke in an early blind woman. NeuroReport, v. 11, p. 237-240, 2000. [ Links ]
HUANG, A. L. et al. The cells and logic for mammalian sour taste detection. Nature, v. 442, n. 7105, p. 934-938, 2006. [ Links ]
HUBEL, D.; WIESEL, T. Receptive fields in cat striate cortex. Journal of Physiology, v. 48, p. 574-591, 1959. [ Links ]
IMBIRIBA, L. A. et al. Motor imagery in blind subjects: the influence of the previous visual experience. Neuroscience Letters, v. 400, p. 181-185, 2006. [ Links ]
IMBIRIBA, L. A. et al. Blindness and motor imagery. In: GUILLOT A.; COLLET, C. (Org.). The neurophysiological foundations of mental and motor imagery. Oxford: Oxford University Press, 2009. [ Links ]
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo 2000. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 5 ago. 2009.
KING, A. J.; CALVERT, G. A. Multisensory integration: perceptual grouping by eye and ear. Current Biology, v. 11, n. 8, p. 322-325, 2001. [ Links ]
KUJALA,T. et al. Visual cortex activation in blind humans during sound discrimination. Neuroscience Letters, v. 183, p. 143-146, 1995. [ Links ]
LAMBERT, S. et al. Blindness and brain plasticity: contribution of mental imagery? An fMRI study. Cognitive Brain Research, v. 20, p. 1-11, 2004. [ Links ]
LEWALD, J. Opposing effects of head position on sound localization in blind and sighted human subjects. European Journal of Neuroscience, v. 15, n. 7, p. 1219-1224, 2002. [ Links ]
LIU, Y. et al. Whole brain functional connectivity in the early blind. Brain, v. 130, p. 2085-2096, 2007. [ Links ]
LURIA, A. R. Fundamentos de neuropsicologia. São Paulo: Edusp, 1981. [ Links ]
MARTUZZI, R. et al. Multisensory interactions within human primary cortices revealed by BOLD dynamics. Cerebral Cortex, v. 17, v. 1672-1679, 2007. [ Links ]
MERABET, L. et al. What blindness can tell us about seeing again: merging neuroplasticity and neuroprostheses. Nature Reviews Neuroscience, v. 6, n. 1, p. 71-77, 2005. [ Links ]
MERABET, L. B. et al. Rapid and reversible recruitment of early visual cortex for touch. Plos One, v. 3, n. 8, p. e3046, 2008. [ Links ]
MILNER, A. D.; GOODALE, M. A. The visual brain in action. New York: Oxford University Press, 1995. [ Links ]
MOUNTCASTLE, V. B. Modality and topographic properties of single neurons of cats somatic sensory cortex. Journal of Neurophysiology, v. 20, p. 408-434, 1957. [ Links ]
MÜLLER, J.M. Johannes Müller: As energias específicas dos nervos, 1838. In: Herrnstein R. and Boring, E. (Ed.). Textos básicos de história da Psicologia, São Paulo: Editora Herder Universidade de São Paulo, 1971. [ Links ]
OGUSUKO, M. T.; LUKASOVA, K.; MACEDO, E. C. Movimentos oculares na leitura de palavras isoladas por jovens e adultos em alfabetização. Psicologia: teoria e prática, v. 10, n. 1, p. 113-124, 2008. [ Links ]
PASCUAL-LEONE, A.; HAMILTON, R. The metamodal organization of the brain. In: CASANOVA, C.; PTITO, M. (Ed.). Vision: from neurons to cognition, progress in brain research. Amsterdam: Elsevier, 2001. v. 134, p. 427-445. [ Links ]
PASCUAL-LEONE, A. et al. Transcranial magnetic stimulation and neuroplasticity. Neuropsychologia, v. 37, p. 207-217, 1999. [ Links ]
______. The plastic human brain cortex. Annual Review Neuroscience, v. 28, p. 377- 401, 2005. [ Links ]
PTITO, M. et al. TMS of the occipital cortex induces tactile sensations in the fingers of Braille readers. Experimental Brain Research, v. 184, p. 193-200, 2008. [ Links ]
PURVES, D. et al. (Ed.). Neuroscience. 3. ed. Sunderland: Sinauer Associates, 2004. [ Links ]
RESNIKOFF,S. et al. Global data on visual impairment in the year 2002. Bulletin of the World Health Organization, v. 82, n. 11, p. 844-851, 2004. [ Links ]
SADATO, N. et al. Activation of the primary visual cortex by Braille reading in blind subjects. Nature, v. 380, p. 526-528, 1996. [ Links ]
______. Critical period for cross-modal plasticity in blind humans: a functional MRI study. Neuroimage, v. 16, n. 2, p. 389-400, 2002. [ Links ]
SCHROEDER, C. E.; FOXE, J. J. Multisensory contributions to low-level, "unisensory" processing. Current Opinion in Neurobiology, v. 15, p. 454-458, 2005. [ Links ]
SHENTON, J. T.; SCHWOEBEL, J.; COSLETT, H. B. Mental motor imagery and body schema: evidence for proprioceptive dominance. Neuroscience Letters, v. 370, p. 19-24, 2004. [ Links ]
STEVENS, A. A. et al. Preparatory activity in occipital cortex in early blind humans predicts auditory perceptual performance. Journal of Neuroscience, v. 27, n. 40, p. 10734-10741, 2007. [ Links ]
TOOTELL, R. B. H. et al. New images from human visual cortex. Trends in Neurosciences, v. 19, p. 481-489, 1996. [ Links ]
VEER, E van der.; VALSINER, J. Vygotsky Uma síntese. São Paulo: Unimarco, Loyola, 1996. [ Links ]
VIGOTSKI, L. S. Teoria e método em psicologia. São Paulo: Martins Fontes, 1996. [ Links ]
WALLACE, M. T. et al. Visual experience is necessary for the development of multisensory integration. Journal of Neuroscience, v. 24, n. 43, p. 9580-9584, 2004. [ Links ]
WANET-DEFALQUE, M. C. et al. High metabolic activity in the visual cortex of early blind human subjects. Brain Research, v. 446, p. 369-373, 1988. [ Links ]
WEEKS, R. et al. A positron emission tomographic study of auditory localization in the congenitally blind. Journal of Neuroscience, v. 20, p. 2664-2672, 2000. [ Links ]
Luiz G. Gawryszewski
Caixa Postal 100.180
Niterói RJ
CEP 24001-970
e-mail: gawryszewski.lg@pq.cnpq.br
Tramitação
Recebido em novembro de 2009
Aceito em abril de 2010