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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.13 no.1 São Paulo  2011

 

ARTIGO ORIGINAL

 

A construção da identidade feminina na adolescência: um enfoque na relação mãe e filha

 

The construction of the feminine identity in adolescence: a focus on the mother and daughter relationship

 

La construcción de la identidad femenina en la adolescencia: un enfoque en la relación madre e hija

 

 

Camila Seron; Almir Del Prette; Rute Grossi Milani

Centro Universitário de Maringá, Maringá – PR – Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo teve por objetivo compreender o papel da relação mãe e filha no processo de construção da identidade feminina na adolescência. Participaram da pesquisa dez adolescentes do sexo feminino, com idade entre 14 e 18 anos, que cursavam o ensino médio ou o ensino superior e residiam com suas mães. Foi utilizado um roteiro de perguntas semiestruturado, aplicado por meio de entrevista. Na sistematização e análise dos dados, utilizou-se a análise de conteúdo, e, para a discussão, foi adotado o referencial psicanalítico. Observou-se que a identificação entre elas é um aspecto facilitador para uma relação mais próxima, possibilitando uma maior compreensão dos papéis sociais e da própria feminilidade. Essa relação também contribui para levar a adolescente a refletir sobre que mulher deseja ser, representando um ponto de partida, e posteriormente alcançar uma identidade feminina própria.

Palavras-chave: Adolescência, Feminilidade, Identificação, Psicanálise, Relação mãe e filha.


ABSTRACT

The aim of this study is to understand the role of the relationship between mother and daughter during the process of construction of the feminine identity in adolescence. Ten adolescent girls from 14 to 18 years of age have participated in this research . they attend either secondary/high school or undergraduate courses and all live with their mothers. A semi.structured script with questions has been used . all applied at the interviews. Content analysis was used in the systematization and analysis of data and the psychoanalytic approach was adopted for discussion. It was observed that the identification was a facilitating aspect to the closest relationship, which enabled a better comprehension of social roles and of the own femininity. The relation between mother and daughter also contributes for the teenager to start thinking about which type of woman she wants to be, representing a starting point, and so afterwards an own feminine identity can be achieved.

Keywords: Adolescence, Femininity, Identification, Psychoanalysis, Mother and daughter relationship.


RESUMEM

Este estudio tuevo como objetivo comprender el papel de la relación madre e hija en el proceso de construcción de la identidad femenina en la adolescencia. Participaron de la pesquisa diez adolescentes del sexo femenino, com edad entre 14 e 18 años, que cursaban la enseñanza secundaria o la enseñanza superior, y que vivían con sus madres. Fue utilizado un plan de preguntas semiestructurado, aplicado a través de la entrevista. En la sistematización y análisis de los datos se utilizó el análisis del contenido y para la discusión fue adoptado el referencial psicoanalítico. Se observó que la identificación entre ellas es un aspecto facilitador para una relación más próxima, posibilitando una mayor comprensión de los papeles sociales y de la propia femenilidad. Esa relación también contribuye para llevar la adolescente a reflexionar sobre qué mujer desea ser, representando un punto de partida, y posteriormente alcanzar uns identidad femenina propria.

Palabras clave: Adolescencia, Femenilidad, Identificación, Psicoanálisis, Relación madre e hija.


 

 

Introdução

A adolescência constitui-se de intensas transformações corporais, psicológicas e nas relações sociais do indivíduo. O adolescente, segundo Bassols, Kapczinski e Eizirik (2001, p. 1-28), passa por um "processo de revisão de seu mundo interno e de suas heranças infantis, visando à adaptação ao novo corpo, às novas pulsões, decorrentes desta fase".

De acordo com Jordão (2008, p. 157):

A adolescência constitui-se em uma vivência fundamental na constituição identitária, permeada por mudanças, remodelamentos subjetivos, ressignificações de diversas ordens. O adolescente necessita reeditar sentimentos e vínculos primários em relação às figuras parentais, revisando assim, seus objetos internos e sua identidade

Segundo Castro et al. (2009), a adolescência passa por movimentos progressivos e regressivos na busca da construção da identidade, a qual se apoia nas primeiras relações objetais internalizadas, nos vínculos e no suporte com a realidade externa, sustentada pelo ambiente familiar e social. A nova identidade surge quando o adolescente é capaz de adaptar-se às mudanças e organizar sua identidade. De acordo com Almeida (2008, p. 166), "a autonomia do desejo baseia-se numa relação amorosa, segura, estável, constante e de confiança do sujeito com seus objetos primários".

Para Winnicott (2001), a adolescência significa a transformação para a vida adulta e exige que o adolescente adapte-se à nova realidade. Esse período caracteriza-se pela transitoriedade no qual o jovem é um "vir a ser" por meio dos processos de amadurecimento.

A entrada na adolescência é o momento em que as identificações começam a se transformar em identidade (CAMPAGNA, 2005).

De acordo com Laplanche e Pontalis (2001), a identificação é um processo psicológico pelo qual o sujeito esforça-se para assemelhar-se ao outro, total ou parcialmente. O conceito de identidade é inseparável do conceito de identificação.

Segundo Zimerman (1999), para que ocorra um sentimento de identidade harmônico, é fundamental que aconteça a possibilidade de reinvenção de si mesmo por meio da elaboração das identificações parciais que já na infância foram se incorporando no sujeito pela introjeção do código de valores dos pais.

Para Grinberg e Grinberg (1998), a identidade é o resultado da integração de três aspectos. O primeiro refere-se ao vínculo de integração espacial que compreende a relação entre as diferentes partes do self entre si, incluindo o self corporal, mantendo sua coesão e permitindo a comparação e contrastes com os objetos; tende para a diferenciação entre o self e o não self: individuação. Está relacionado com o esquema corporal e que faz se sentir único. O segundo diz respeito ao vínculo de integração temporal que compreende as relações entre as diferentes representações do self ao longo do tempo, estabelecendo uma continuidade entre elas e fornecendo a base para o sentimento de autenticidade. Está relacionado, portanto, à integração das experiências passadas com as vivências do presente e com a capacidade de imaginar-se no futuro. O terceiro, por sua vez, se refere ao vínculo de integração social, em que há a conotação social da identidade, e consiste na relação entre aspectos do self e aspectos dos objetos, mediante os mecanismos de identificação projetiva e introjetiva. Esse vínculo está ligado com os pais e com figuras significativas para o indivíduo.

Assim, pode-se afirmar que tem identidade um indivíduo cujas partes componentes estejam satisfatoriamente integradas na organização de um todo, de maneira que produzam um efeito de unidade, e que, ainda, possua características únicas, singulares, que permitam distingui-lo de todos os outros. Entretanto, o corpo e as expectativas sociais se modificam, a identidade feminina começa a se definir nesse período que chamamos de adolescência.

É característico da adolescência passar por diversas identidades - transitórias, ocasionais e circunstanciais -, mas lutando pela aquisição do eu, pela busca de si mesmo em um "eu" diferente dos outros (ABERASTURY; KNOBEL, 1992).

Considerando a adolescência um período importante na construção da identidade feminina e o valor dado pela psicanálise à relação materna no desenvolvimento psíquico, esta pesquisa busca contribuir para o entendimento das influências que essa relação pode representar para a jovem adolescente. Os dados coletados com as adolescentes poderão contribuir para ampliar a percepção e o entendimento sobre o relacionamento entre mãe e filha e suas implicações na saúde psíquica da jovem que está se tornando mulher. Assim, permitirá conhecer fatores que favorecem ou dificultam a construção da identidade feminina com base nas influências da relação materna, de modo que as mães possam reconhecer o seu papel nessa fase tão significativa do desenvolvimento psíquico. Neste estudo, o objetivo é compreender o papel da relação mãe e filha no processo de construção da identidade feminina na adolescência.

 

Método

Participantes

Nesta pesquisa, foram entrevistadas dez adolescentes do sexo feminino, com idade entre 14 e 18 anos, solteiras, residindo com suas mães, no município de Marialva – Paraná. Quanto à escolaridade, variou entre as que cursavam o ensino médio e o ensino superior.

Instrumentos

Para a coleta dos dados, utilizou-se um roteiro de perguntas semiestruturado, que foi aplicado por meio de entrevista.

Segundo Minayo (2004), a entrevista é um instrumento para orientar uma "conversa com finalidade", que deve ser um facilitador de abertura, de ampliação e de aprofundamento da comunicação. Os aspectos abordados nas entrevistas foram: caracterização, identidade feminina, percepção da figura materna, relacionamento com a mãe.

Procedimento de coleta e análise dos dados

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética do Centro Universitário de Maringá, Cesumar, sob o parecer nº 350/09.

Em seguida foi agendado um encontro com a mãe de cada adolescente com a finalidade de apresentar os objetivos e procedimentos adotados na pesquisa, com compromisso de sigilo em relação aos dados individuais obtidos e com a garantia de liberdade aos participantes para desistirem do estudo a qualquer momento. Após o consentimento da mãe, foi apresentada uma autorização por escrito (Termo de Consentimento Livre Esclarecido), para a participação das adolescentes na pesquisa. Esclareceu-se, ainda, que seria agendada uma devolutiva com a mãe e a adolescente. As entrevistas foram realizadas na residência das adolescentes, porém em ambiente reservado, para garantir o sigilo das informações.

A análise dos dados foi baseada no método qualitativo. Para Minayo (2004), as pesquisas qualitativas são capazes de incorporar a questão do significado e da intencionalidade como inerente aos atos, às relações e às estruturas sociais, sendo essas últimas tomadas tanto no seu advento quanto na sua transformação, como construções humanas significativas.

Assim, o critério utilizado na pesquisa para sistematização, análise e discussão dos dados foi a análise de conteúdo. Após a análise, os resultados foram discutidos sob o referencial teórico psicanalítico. Segundo Bardin (1999 apud MINAYO, 2004, p. 199), a análise de conteúdo pode ser definida como

[...]: um conjunto de técnicas de análise de comunicação visando obter por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a produção/recepção destas mensagens.

A análise de conteúdo possibilita a compreensão dos “significados”, é utilizada a fim de ir além da leitura simples do real, visando a uma leitura mais profunda das comunicações. Permite ao pesquisador entendimento das representações que o indivíduo tem sobre sua realidade e a interpretação que faz dos significados à sua volta.

 

Resultados e discussão

Os resultados serão apresentados em três categorias: desafios enfrentados na construção da identidade feminina na adolescência; figuras de identificação; e relação materna e identidade feminina: rumo à diferenciação.

Desafios enfrentados na construção da identidade feminina na adolescência

No relato das adolescentes, observaram-se alguns fatores de dificuldade em ser adolescente do sexo feminino, como as mudanças hormonais, as mudanças e os novos cuidados com o corpo, mais exigências e responsabilidades, cobranças da sociedade e as diferentes formas de cuidado da mãe para com as filhas adolescentes.

[...]: é horrível, passa por espinhas, tem cólica (Adolescente 1).

[...]: exige muito cuidado em ser adolescente do sexo feminino, cuidado em tudo, porque nós menstruamos, temos que nos comportar, saber sentar, por exemplo (Adolescente 3).

Essas mudanças na adolescência são sinais importantes de que a jovem está definitivamente abandonando os anos da infância para tornar-se mulher. Por sua vez, a menarca representa a passagem da infância para um novo status. Os sentimentos ambivalentes podem ser comuns, tanto de angústia, por ter que lidar com sua sexualidade, quanto de alívio ou orgulho, por estar ingressando no "mundo feminino", com a experiência de gratificações até então só vividas na fantasia. Trata-se de um acontecimento, pois significa que a menina adquiriu a maturidade biológica, que é mulher capacitada fisicamente para a maternidade (MANESCHY; IKETANI, 2002).

O ciclo menstrual é condição inseparável da própria feminilidade, trata-se de um símbolo da verdadeira feminilidade.

A dificuldade está ligada também ao próprio crescimento, advinda com a mudança de papel:

[...]: adolescente é viver com aventura, aproveitar a vida a cada momento, querer fazer tudo a qualquer hora, e ser mulher é muito mais complicado, se beber, passar mal, fica marcada. Então tem que aproveitar com responsabilidades (Adolescente 1).

A forma como algumas adolescentes percebem os modelos apresentados pela sociedade pode influenciar na maneira de a jovem adolescente comportar-se e vestir-se:

[...]: muita mídia em cima exigindo um corpo perfeito, maquiada, modelo de comportamento (Adolescente 10).

Construir a independência na adolescência possibilita à jovem perceber diferenças quanto aos cuidados que recebia da mãe quando criança e que agora na adolescência ocorrem mudanças:

[...]: antes tudo era a mãe que fazia por nós, agora tem que começar a assumir mais um papel de mulher mesmo, mais do que antes (Adolescente 9).

A nova identidade passa a se constituir na medida em que a adolescente acolhe as mudanças flutuantes, isto é, características infantis e passa a enfrentar o desconhecido (ABERASTURY; KNOBEL, 1992).

As jovens adolescentes passam por intensas mudanças, podendo gerar algumas dificuldades nesse momento da vida, mas são anunciadas também expectativas em relação à entrada no mundo adulto, como ampliação dos contatos sociais, aquisição de independência e participação em grupos.

[...]: não é mais criança, pode sair mais, ter outras conversas com as amigas, de roupas, namoradinhos, é um relacionamento já com as pessoas elas te percebem mais (Adolescente 4).

[...]: se conhece mais, busca mais afinidade nas coisas, tipo com as amizades, não busca só um grupo, mas coisas em comum. Identifica-se mais, mais liberdade e assim acaba ficando mais próximo das pessoas com características comuns às nossas (Adolescente 8).

Na medida em que a adolescente dá maior ênfase ao desenvolvimento da sua autopercepção, ela aprimora a construção de outras relações favoráveis ao seu crescimento, como as amizades.

Figuras de identificação

As figuras de identificação relatadas pelas adolescentes foram: em primeiro lugar, a mãe; em segundo, referiram-se à importância especialmente das avós maternas e posteriormente das avós paternas; e, por último, irmãs, tias e Nossa Senhora.

A identificação com a mãe está presente no relato das dez adolescentes participantes do estudo. As adolescentes valorizam a companhia, a ajuda e a confiança na relação materna. É atribuída à mãe uma condição privilegiada, ela é percebida pelas adolescentes como "mulher única e especial". Nota-se, assim, que mãe e filha compartilham de uma relação particular. Segundo Corso (2006, p. 232), "a mãe apresenta uma condição de rainha do lar".

[...]: mãe porque está sempre comigo, é quem me colocou no mundo, me ensinou as coisas (Adolescente 1).

[...]: porque é ela que me ajuda nos momentos difíceis, me apoia (Adolescente 2).

[...]: mãe porque me baseio nela para ser mulher (Adolescente 3).

[...]: a mãe porque é mãe, né? Saí de dentro dela, ela está sempre por perto (Adolescente 4).

[...]: ela que me dá segurança, amiga, conto tudo para ela (Adolescente 5).

[...]: porque a vida dela é uma vida de renúncia pelas filhas (Adolescente 6).

[...]: a mãe porque simplesmente é mãe, diz tudo (Adolescente 7).

[...]: mãe porque é a mais próxima, está comigo no dia a dia (Adolescente 8).

[...]: mãe é tudo, primeiro contato, cresci com ela, meu espelho, meu tudo (Adolescente 9).

[...]: mamãe. Ela é muito capaz no que faz, faz tudo bem feito (Adolescente 10).

A mãe é aquela, segundo Corso (2006), que busca completar-se com os filhos, ser presente no dia a dia e dar preferência nos cuidados para com eles. Segundo Almeida (2008), quando os filhos percebem a segurança vinda dos pais, quando estes apresentam uma vida psíquica organizada, pode-se assim auxiliá-los como uma base sólida para suportar os diferentes conteúdos da mente.

As figuras das avós foram citadas no relato de sete das dez adolescentes entrevistadas, e cinco mencionaram as avós maternas. A avó, principalmente a materna, é considerada uma extensão da própria mãe. A figura da avó apresenta a ideia de uma anciã, segundo Almeida (2009), que tem como características a sabedoria e a confiança, e pode ainda cuidar das pessoas ao seu redor, representando uma figura protetora. A maioria das adolescentes entrevistadas percebe a avó materna como alguém que incentiva a construção de uma identidade feminina, que valoriza o cuidar de si, tanto no aspecto pessoal como profissional, de forma a favorecer a autonomia da jovem que está se tornando mulher:

[...]: ela é como se fosse minha segunda mãe (Adolescente 4).

Para Corso (2006, p. 83), “os adolescentes encontram nos avós abrigo para os conflitos resultantes do narcisismo ferido dos pais. No velho, podem reencontrar o conforto daquele amor materno perdido”. A figura das avós pode ser percebida como referência em que as adolescentes buscam conforto, carinho e atenção.

As irmãs e tias são percebidas pelas adolescentes como mulheres amigas e companheiras.

[...]: com minha irmã posso conversar mais, quando preciso comprar alguma coisa ela me acompanha (Adolescente1).

[...]: as minhas tias são importantes porque gosto muito de estar com elas (Adolescente 4).

Nossa Senhora foi citada por apenas uma adolescente, o que pode estar representando para a jovem adolescente uma mãe ideal. A forma como alguns adolescentes se voltam para a religiosidade é entendida por Aberastury e Knobel (1992) como uma tentativa de soluções da angústia que vive o ego na procura por identificações positivas:

[...]: Nossa Senhora porque ela é sempre meu primeiro colo para não desesperar minha mãe. Sempre que estou sofrendo ou passando por algo difícil, é para ela que recorro (Adolescente 6).

A mãe é a primeira figura de identificação da filha, considerando que há uma maior tendência na repetição de características de mãe para filha. A adolescente visa a novas conquistas quanto ao desenvolvimento de seu próprio mundo feminino. Logo, as demais figuras femininas também apresentam seu papel como modelos de identificação.

Relação materna e identidade feminina: rumo à diferenciação

Foi possível verificar que as adolescentes têm uma percepção positiva de suas mães, pois estas são percebidas como figuras presentes na vida daquelas.

[...]: preocupada, superprotetora, esforçada, um exemplo pra mim (Adolescente 6)

[...]: sempre conversamos, brincamos, estamos juntas (Adolescente 7).

[...]: ela é forte, segura, minha mãe é algo divino, mãe é mãe. Ela adora brincar, é engraçada, sabe cozinhar muito bem (Adolescente 9). .

As adolescentes relatam a importância de perceber a mãe próxima delas para compartilhar vivências marcantes. A mãe é percebida como um referencial para quem a filha pode “revelar os segredos”, o que ajuda a filha adolescente a conhecer seus papéis sociais e a própria feminilidade, pois a mãe tem o papel de ser a mediadora entre a filha e os acontecimentos externos.

[...]: quando eu tinha 7 anos, minha mãe já começou a me ensinar a fazer as coisas de casa (Adolescente 1).

[...]: quando veio minha menstruação, fiquei desesperada, então ela foi meu socorro (Adolescente 6).

[...]: a história do beijo. Quando contei para ela que tinha beijado um menino, nossa! Ela ficou desesperada no início, mas depois queria conhecer o menino (Adolescente 7).

[...]: sempre ligadas. Ela pegava no meu pé por causa da comida, porque eu era gordinha. E esses dias saí com meus amigos e bebi um pouquinho, passei mal, e fui explicar o que tinha acontecido, mas ela disse: “Tudo bem, filha. Essas coisas acontecem” (Adolescente 10).

No relato de três adolescentes, foi possível identificar alguns aspectos difíceis diante da percepção da mãe, demonstrando pouca aproximação entre mãe e filha.

[...]: acho que não somos muito amigas, poderíamos ter uma relação mais próxima, mais aberta para falar as coisas (Adolescente 2). )

[...]: muito perfeccionista, ela prefere fazer as coisas sozinha em vez de me ensinar (Adolescente 3).

[...]: muito estressada, frágil, nossa liberdade que é complicada porque sei que posso contar as coisas pra ela, mas não com muita liberdade (Adolescente 4).

Assim, as mães que buscam incluir-se na vida das adolescentes participam, conversam, brincam, preocupam-se, perguntam sobre os acontecimentos rotineiros, contribuem para uma relação mais próxima. Mãe e filha compartilham de uma relação particular que influencia na maneira de a adolescente planejar o seu próprio futuro. É no relacionamento com a mãe que a filha pode identificar-se com os atributos femininos e construir o que é ser mulher.

O sentimento de identidade está presente no relato das adolescentes, pois conservam alguns aspectos essenciais da relação mãe e filha. Segundo Zimerman (1999, p. 131), "a identificação com a figura amada e admirada é uma forma que constituiu as identificações mais sadias e harmônicas".

[...]: na cor e no corte de cabelo, não gostamos de salto alto, preferimos tênis, no jeito de limpar a casa e guardar as coisas (Adolescente 1).

[...]: ela gosta de comprar bijuterias para combinar com uma determinada roupa, e eu também, nós gostamos de gente, de conversar (Adolescente 4).

No processo de identificação, nota-se a importância da similaridade entre mãe e filha, como facilitadora para uma relação mais próxima.

Segundo Zimerman (1999), outra forma de ocorrer a identificação é pela figura idealizada, quando a adolescente cria um modelo de mãe, que foge ao seu real modelo, assim pode se tornar difícil a identificação para a adolescente, dificultando o vínculo com a mãe real:

[...]: somos fracas emocionalmente, de chorar fácil, estourar por qualquer coisa, muito carentes. Tenho muito medo de ficar igual à minha mãe, ela tem depressão crônica, e vejo o quanto ela sofre (Adolescente 6).

PPara Corso (2006, p. 81), "é importante que a filha reconheça elementos de identificação com a mãe. Ser como ela em alguns aspectos, mas como ponto de partida e não de chegada". Quando a jovem adolescente percebe o limite do modelo materno, passa a buscar outros referenciais e vivências femininas.

Quando a adolescente prioriza a conquista de uma identidade própria, tende, por meio do mecanismo de oposição, a distinguir características e opiniões apresentadas pela mãe, definindo assim os seus próprios objetivos:

[...]: o jeito que ela se organiza, por exemplo, ela já acorda e sabe o que vai fazer naquele dia, eu já tento e não consigo, deixo para depois, faço do meu jeito (Adolescente 3).

A diferenciação buscada pelas adolescentes no relacionamento com a mãe é uma maneira de construir a sua identidade, pois, de acordo com Grinberg e Grinberg (1998), ser igual a alguém denota uma forma de morte, deixando de existir assim um modo de ser único, aquele que nos identifica. Nota-se que, na adolescência, intensificam-se os pensamentos e as opiniões das filhas, distintas de suas mães. Para Campagna (2005), é na adolescência que as jovens estão se adaptando às mudanças e podendo organizar sua identidade:

[...]: ela é muito sincera e eu também, mas não por ter que ser igual a ela, não e regra, é que acontece natural (Adolescente 2).

Considerando ainda que se trata de uma fase que precisa ser efetivamente vivida, segundo Winnicott (2001), o adolescente vive uma experiência intensa, é a fase que possibilita descobrir aspectos subjetivos.

[...]: ela, muitas vezes, não deixa a gente ter as nossas experiências, e isso e péssimo (Adolescente 6).

[...]: quando temos opiniões diferentes e eu tenho que ceder, ela sempre está certa, não posso nunca contrariar porque ela não aceita, então acabo cedendo, mas continuo com a minha opinião (Adolescente 7).

O adolescente, para Winnicott (2001, p. 123), "luta para sentir-se real, luta para estabelecer uma identidade pessoal, luta para viver o que deve ser vivido sem ter de conformar-se a um papel preestabelecido".

[...]: hoje mudou porque queremos fazer as coisas um pouco diferentes do que eram, porque a gente busca respostas diferentes para as mesmas perguntas, querer explicar as coisas de outro jeito, ser diferente, mostrar que não é só ela a certa (Adolescente 2).

[...]: agora criei minha visão das coisas, acho que é quando começa a criar personalidade. Hoje entendo o que são os gostos dela e eu sei dos meus (Adolescente 9).

[...]: hoje ando com minhas próprias pernas, ela fica de olho e eu vou, sei que posso gritar por ela quando precisar (Adolescente 10).

Para as adolescentes, tornar-se mulher implica experimentar as transformações da puberdade como uma passagem à procura do novo, sendo uma via de acesso à construção de uma identidade própria que resultará no reconhecimento de características essencialmente vividas no relacionamento com a mãe:

[...]: quero ser muito da minha mãe. Ser uma mulher independente, estudar, batalhar, ter minhas cosias (Adolescente 9).

Neste estudo sobre a identidade feminina na adolescência, verificou-se que, para as adolescentes, a presença materna, a escuta, a mediação e a similaridade são características consideradas importantes no relacionamento com a mãe, o que indica uma relação positiva, saudável. Assim, no longo processo de conquista de uma identidade pessoal, a adolescente busca primeiramente na figura da mãe um modelo. Perceber a mãe próxima é muito importante para que a filha identifique-se com os atributos femininos. .

 

Considerações finais

Por meio desta pesquisa, foi possível compreender que a construção da identidade feminina na adolescência sofre influências da relação entre mãe e filha, pois as jovens procuram na figura materna um modelo, do qual com o passar do tempo conseguem se diferenciar, entretanto carregam consigo características essenciais vividas dessa relação. A identificação, diferentemente da cópia, coloca a adolescente diante do desconhecido, possibilitando a composição de uma identidade feminina própria apoiada em atributos compartilhados na relação com a mãe, mas que só puderam fazer parte dessa construção por causa da presença afetiva da mãe.

Outro aspecto relevante levantado durante esta pesquisa é o fato de que as avós maternas são consideradas figuras significativas no desenvolvimento da identidade feminina das adolescentes, pois são percebidas como mulheres cuidadoras, acolhedoras e receptivas.

Na amostra estudada, observou-se uma tendência de as filhas seguirem o modelo da mãe. A proximidade na relação entre mãe e filha favorece o desenvolvimento da identidade feminina. Ressalta-se, porém, que tais adolescentes apresentavam uma relação predominantemente positiva com suas mães, o que influencia nos resultados obtidos, mostrando a importância da relação materna.

Vale ressaltar a importância de novos estudos com adolescentes em situação de vulnerabilidade, como a violência doméstica, as drogas, a separação dos pais, a doença mental materna e a gravidez precoce, no sentido de explanar as relações entre adversidade no contexto familiar e os processos de construção da identidade feminina.

Por fim, nota-se que o entendimento da relação entre mãe e filha pode auxiliar as mães na identificação de características que influenciam na construção da identidade feminina na adolescência, além de auxiliar os profissionais da psicologia no trabalho preventivo e terapêutico com as mães e filhas, no sentido de oferecer um espaço de escuta para a adolescente e sua família, a fim de que se possam elaborar as atribulações relativas a esse processo.

 

Referências

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Endereço para correspondência

Camila Seron
e-mail: seron_camila@hotmail.com

Tramitação
Recebido em outubro de 2010
Aceito em março de 2011