Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Psicologia: teoria e prática
versão impressa ISSN 1516-3687
Psicol. teor. prat. vol.15 no.1 São Paulo abr. 2013
DESENVOLVIMENTO HUMANO
A influência do suporte parental no desenvolvimento atlético de jogadoras de futsal
The influence of parental support in the athletic development by female soccer indoor athletes
La influencia del apoyo de los padres en el desarrollo deportivo de jugadoras de fútbol sala
João Ricardo Nickenig VissociI; Suellen de Souza FiordelizeI; Leonardo Pestillo de OliveiraII; José Roberto Andrade do Nascimento JuniorIII
IFaculdade Ingá, Maringá - PR - Brasil
IICentro Universitário de Maringá, Maringá - PR - Brasil
IIIUniversidade Estadual de Maringá, Maringá - PR - Brasil
RESUMO
O objetivo do estudo foi investigar a influência do suporte parental no envolvimento de atletas com o futsal feminino. Participaram da pesquisa dez atletas de futsal de Londrina-PR. Os instrumentos de medida foram a escala Embu e uma entrevista semiestruturada. Para a análise dos dados, utilizaram-se a estatística descritiva e a análise de conteúdo. Os resultados evidenciaram a percepção de relacionamentos familiares positivos, de apoio e envolvimento dos pais, afetivo e financeiro. Outros fatores foram destacados: poucos pais com restrições sobre o esporte; influência familiar, social e cultural para a iniciação; prazer e dedicação com a prática que está evoluindo no cenário nacional. Concluiu-se que as atletas perceberam um suporte parental com ênfase na autonomia, envolvimento dos pais com a prática e apoio estrutural que facilitaram a iniciação e continuidade no contexto esportivo.
Palavras-chave: relações pais-filho; esportes; futebol; atletas; autonomia pessoal.
ABSTRACT
This study aimed to investigate parental support's influence on athletes' involvement with female indoor soccer. The subjects were 10 athletes from Londrina-PR. As instruments it was used the Embu scale and a semi-structured interview. Data analysis was conducted through descriptive statistics and content analysis. Results showed a perception of positive family relations, affective and financial support and engagement from de parents. Other highlighted factors were: few parents with restrictions about the sport; family, social and cultural influence to initiation; pleasure and dedication with the practice that is growing in the national context.
Keywords: parent-child relations; sports; soccer; athletes; personal autonomy.
RESUMEN
El objetivo de este estudio fue investigar la influencia del apoyo de los padres en la participación de los atletas con el fútbol sala. Participaron diez atletas de Londrina-PR. Los instrumentos fueron la escala Embu y una entrevista. Para el análisis se utilizó la estadística descriptiva y análisis de contenido. Los resultados mostraron una percepción positiva de las relaciones familiares, el apoyo y la participación de los padres, emocionales y financieras. Otros factores que se destacaron: los padres con pocas restricciones en el deporte, las influencias de la familia, social y cultural para la iniciación, el placer y la dedicación a la práctica. Se concluyó que los atletas perciben un apoyo de los padres con énfasis en la autonomía, participación de los padres con la práctica y el soporte estructural o facilitado el inicio y la continuación en el contexto deportivo.
Palabras clave: relaciones padres-hijo; deportes; fútbol; atletas; autonomía personal.
Estudos atuais têm dedicado especial atenção à influência que o envolvimento parental possui na prática desportiva de crianças e adolescentes (Fredricks & Eccles, 2005), destacando a importância do suporte parental durante o processo de formação esportiva da criança (Holt & Dunn, 2004). No entanto, conforme pudemos averiguar, não existem trabalhos específicos a respeito da relação entre os pais e o envolvimento esportivo de meninas na modalidade futsal. Dessa forma, o presente estudo pretende suprir essa lacuna, relacionando o suporte parental ao desenvolvimento de atletas de futsal feminino.
O suporte parental pode ser conceituado como a representação de um conjunto variado de atitudes, crenças e comportamentos dos pais que influenciam a prática esportiva da criança ou do adolescente (Gurland & Grolnick, 2005). Diversos referenciais teóricos têm sido utilizados para compreender a influência dos estilos de criação (Perris, Jacobson, Lindstörm, Von Knorring, & Perris, 1980) ou da participação dos pais no desenvolvimento de atletas (Bloom, 1985; Côté, 1999; Côté & Hay, 2002; Frefericks & Eccles, 2005). Como suporte teórico para este estudo, optou-se por utilizar o modelo teórico de estilos parentais de Grolnick (2003), por ser uma perspectiva teórica que busca integrar o que se estudava sobre estilos parentais com base na teoria da autodeterminação (Ryan & Deci, 2000; Cleveland, Reese, & Grolnick, 2007; Holt, Tamminen, Black, Mandigo, & Fox, 2009).
Para a teoria da autodeterminação, o ser humano é movido por três necessidades básicas universais: autonomia, competência e relacionamento (Ryan & Deci, 2000). Durante a criação, os pais poderiam auxiliar a criança a desenvolver essas necessidades e buscar bem-estar e motivação intrínseca para o envolvimento com um determinado contexto pelo incentivo de 1. um senso de autonomia, por meio de um suporte que favoreça os desejos e a participação ativa na escolha; 2. senso de competência, de modo a propiciar a estrutura necessária para a prática; e 3. senso de relacionamento, por meio do envolvimento com a atividade do filho de maneira afetuosa (Grolnik, 2003; Holt et al., 2009).
Esse modelo tem proporcionado compreensão da influência de ambientes de suporte-autonomia na prática esportiva (Gagné, Ryan, & Bergman, 2003; Holt et al., 2009). Outros estudos têm apontado para o papel dos pais na formação atlética dos filhos (Bois, Lallane, & Delforge, 2009), uma vez que a carreira bem-sucedida do atleta pode ser influenciada pelos familiares por meio de encorajamento, motivação, transmissão de valores (Lavallee & Robinson, 2007), amor, suporte (Latorre, 2001) e controle emocional (Côté & Hay, 2002).
No entanto, a família também pode influenciar de forma negativa o desenvolvimento esportivo do atleta. Para Grolnick (2003), ambientes de criação controladores ou superprotetores podem atrapalhar o desenvolvimento da criança com determinadas atividades. Evidências sugerem que esses ambientes têm proporcionado motivações extrínsecas e pouco envolvimento (Cleveland et al., 2007). Pais considerados superprotetores podem prejudicar o desenvolvimento do indivíduo, impedindo a formação do senso de autonomia e diferenciação, além de atuarem como agentes estressores (Bois et al., 2009). Por sua vez, pais omissos e desinteressados podem auxiliar no desenvolvimento da percepção de competência negativa por parte do atleta (Latorre, 2001).
Num país em que o futebol e o futsal - masculinos - fazem parte da cultura e inspiram sonhos de crianças e adolescentes, o aumento da frequência da prática do futsal por meninas ainda enfrenta algumas dificuldades, como a falta de preparo tanto físico, técnico e tático, quanto psicológico - o que pode atrapalhar a carreira das jovens atletas (Brandão et al., 2004) - e a falta de estrutura física e pessoal ou de reconhecimento que o esporte enfrenta. Estudos como os de Moraes, Rabelo e Salmela (2004), Rigo, Figueiredo, Cunha e Karini (2007) e Vissoci (2009) procuraram verificar a influência dos estilos parentais no futebol (masculino) e em outros esportes no Brasil, entretanto ainda não há estudos em relação ao futsal feminino nem pesquisas que se fundamentem no modelo de Grolnick (2003).
Diante disso, o objetivo deste estudo foi analisar a percepção da influência do suporte parental no envolvimento com a prática do futsal feminino em atletas juvenis e adultas, buscando especificamente verificar a percepção de suporte parental das atletas, caracterizar as relações familiares e sociais e identificar elementos marcantes da influência parental na experiência esportiva das atletas.
Método
O presente estudo, realizado dentro de um programa de iniciação cientifica, consistiu em uma pesquisa de delineamento qualitativo, descritiva, do tipo estudo de caso, realizado com atletas das categorias adulto e juvenil de uma equipe de futsal feminino do norte do Paraná, que disputam campeonatos de níveis regional, estadual e nacional. A equipe consta de 23 atletas divididas nas duas categorias. Fizeram parte do estudo dez atletas, sendo cinco da categoria adulto (idade X = 18,54; SD = 1,23) e cinco da categoria juvenil (idade X = 15,71; SD = 0,74), selecionadas pela amostragem por conveniência, tendo como critérios aceitar participar da pesquisa e consentir voluntariamente a pesquisa por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ou da permissão assinada por um responsável. O projeto teve sua aprovação pelo Comitê de Ética da Faculdade Ingá-Maringá/PR, com Parecer nº 0153/10.
Como instrumentos, utilizaram-se uma entrevista semidirigida estruturada e a escala de estilos parentais (Embu). A entrevista foi utilizada para avaliar a percepção sobre a influência dos pais perante o envolvimento das atletas com o esporte, abordando elementos de identificação (idade, escolaridade, envolvimento com o esporte, tempo de prática, nível competitivo, idade em que começou a competir e escolaridade dos pais), envolvimento com o esporte, influência dos pais no esporte, vida social e familiar.
O questionário empregado para avaliar os estilos parentais percebidos foi a escala de estilos parentais (egna minnen betraffande uppfostran - Embu) (Perris et al., 1980), adaptada e validada para a língua portuguesa por Serpa, Alves e Barreiros (2004). A escala é composta de 21 itens em uma escala Likert de quatro pontos (0 = nada; 3 = muito), quer para os comportamentos do pai, quer para os comportamentos da mãe, variando de "nunca" a "sempre". Os resultados são avaliados a partir de três subescalas: suporte emocional, rejeição e superproteção. O instrumento permite ainda responder a algumas questões relacionadas à diferenciação dos comportamentos dos dois progenitores, além de considerar o estatuto civil do casal (casados ou divorciados) ou o fato de já não estarem vivos.
Inicialmente, todas as participantes receberam informações sobre a finalidade da pesquisa e seus procedimentos. Os dados foram coletados por meio da aplicação individual dos questionários e da entrevista semiestruturada. A análise dos dados quantitativos foi feita por meio da estatística descritiva (média e desvio padrão). Os dados qualitativos foram analisados com base no método de análise de conteúdo.
Resultados
A Tabela 1 apresenta os estilos parentais das atletas das categorias juvenil e adulta. A tabela identifica resultados diversos referentes aos níveis materno e paterno de rejeição, suporte e superproteção.
Na Tabela 1, verificou-se que o estilo de suporte foi o predominante na percepção das atletas (X = 3,40 para suporte materno e X = 3,26 para paterno). O estilo de menor percepção foi o de rejeição, principalmente paterna (X = 1,17). O Quadro 1 apresenta as categorias que representam a caracterização das relações familiares e sociais das atletas de futsal feminino.
No Quadro 1, percebe-se que o relacionamento das atletas com os amigos e com a família é considerado positivo, enfatizando o apoio e o encorajamento que recebem deles. Em termos de suporte social, as atletas relataram recorrer aos amigos e aos membros da família sempre que necessitam de ajuda para lidar com os problemas da carreira esportiva. Quando relatam a importância das pessoas para suas vidas, as atletas referem-se aos familiares como o principal elemento de suas vidas, dando menor destaque para os amigos, como relata a atleta J1: "A minha família é minha base para tudo, e alguns amigos porque sei que eles estão presentes e não vão me abandonar nas horas difíceis".
Focar o suporte social significativo na família pode estar relacionado ao fato de esta representar a base de suas formações e não abandonar as atletas nos momentos mais difíceis, independentemente dos problemas que enfrentam. O Quadro 2 apresenta as categorias e subcategorias referentes ao envolvimento das atletas com a prática esportiva.
No Quadro 2, observa-se que o envolvimento com a prática esportiva teve início pela influência de fatores motivacionais extrínsecos, como a indicação de pares sociais significativos, principalmente os pais e os amigos, além da importância do ambiente social, nesse caso delimitado pela cultura brasileira, que preconiza a importância do futebol e do futsal. Nesse sentido, a atleta A2 afirma: "Comecei a praticar através de meu pai e amigos, devido a isso, a prática deu continuidade no colégio e escolinha de futsal, não deixando alguns ídolos de espelho".
Outros motivos extrínsecos também foram abordados pelas atletas, como a oportunidade de estudar, uma vez que a prática da modalidade permitiu o ingresso em uma instituição de ensino superior. Percebe-se que a busca por melhora na saúde ou na aptidão física também levou as atletas a buscar a prática esportiva, assim como a possibilidade de estudar e ajudar a família no aspecto financeiro.
No Quadro 2, nota-se também que a motivação para continuar praticando o esporte também se dá por motivos intrínsecos, como as sensações estimulantes que o esporte proporciona aos seus praticantes, a paixão, o gosto e o prazer com a prática, como demonstra o depoimento da atleta A4: "Esta modalidade, além de fornecer prazer, fornece um profissionalismo se houver dedicação todos os dias para um alto rendimento".
As atletas destacam que o início da prática do esporte ocorreu em escolinhas de futsal juntamente com meninos, já que são poucos os programas de iniciação esportiva especialmente para meninas. Outro aspecto interessante ressaltado pelas atletas foi o fato de jogarem com jogadores do sexo masculino, o que requer e proporciona melhor desempenho às atletas, além da influência da família por meio de suporte e apoio para a continuidade na prática.
No entanto, esse predomínio do sexo masculino no futebol de campo e futsal tem mudado, segundo as atletas (Quadro 2). As atletas afirmam que a modalidade está se tornando cada vez mais estruturada e profissional, estando em um período de grande evolução no contexto brasileiro, o que é relatado pela atleta J3: "Hoje a modalidade está numa grande crescente, onde existem competições internacionais e nacionais, representados por vários Estados, isso se faz a grande evolução do futsal feminino".
Observa-se que o crescimento atlético está presente no depoimento das atletas, relacionado a um maior comprometimento e dedicação por parte das esportistas, o que permite seu aperfeiçoamento. O Quadro 3 apresenta as categorias e subcategorias que representam a percepção das atletas sobre a influência dos pais na prática esportiva.
De acordo com o Quadro 3, alguns pais ainda consideram o futsal feminino uma modalidade masculinizada, que deve ser praticada por homens. Outros parecem não gostar que a filha seja atleta. Entretanto, a maior parte das atletas relatou que seus pais gostam muito da modalidade e desejam que o esporte cresça e se estruture cada vez mais, conforme o depoimento da atleta A4: "Meus pais gostam muito que eu pratico esta modalidade, eles acham que deve ser valorizado e estruturado, além de ser mais aceito perante a sociedade".
No Quadro 3, pode-se perceber que os pais têm uma participação ativa no envolvimento de suas filhas com o esporte, acompanhando os jogos com regularidade, auxiliando no desenvolvimento da carreira e na formação humana das atletas. Conforme fica visível no relato da atleta J4, muitos pais apenas permitem a participação no esporte se essa prática não prejudicar os estudos da filha: "Meus pais não interferem muito, só quando eles veem que estou sendo prejudicada em meus estudos".
O apoio parental também se faz importante para a manutenção do envolvimento das atletas, por meio de apoio financeiro, moral e afetivo. Em relação a esse apoio, as atletas relataram perceber atenção e preocupação dos pais com a prática da modalidade e com o desenvolvimento da carreira. Como evidencia o relato da atleta A1, os pais veem com seriedade a formação esportiva da filha: "Meus pais acompanham jogos e treinos, além deles terem participado financeiramente no início e até o momento da minha carreira".
Discussão
Este estudo buscou verificar a influência do suporte parental no futsal feminino, que, diferentemente da modalidade masculina e do futebol feminino, recebe pouca atenção das pesquisas. Este é o primeiro estudo na literatura nacional a investigar a influência do suporte parental no envolvimento de atletas com o futsal feminino. Apesar de ser uma modalidade com maior importância para o gênero masculino, o futsal feminino tem crescido e atraído muitas jovens, principalmente pelo destaque que essa modalidade tem no país, como apontado nos resultados deste estudo. Por ser uma prática em ascensão, o futsal feminino ainda sofre preconceito por parte de pais de atletas em razão da dominação masculina desse esporte (Quadro 3).
O futebol já é considerado a modalidade de maior destaque para jovens jogadores, influenciando no interesse por outras modalidades e também pela percepção de suporte para a prática por parte dos pais (Vissoci, 2009). Teoriza-se que o mesmo pode acontecer com a modalidade do futsal feminino, que recebe a mesma representação social do futebol, favorecendo o crescimento da modalidade. Esse fato se confirma quando se verifica alguma das influências para a iniciação da prática do futsal (Quadro 2).
Destaca-se que a maior parte das atletas entrevistadas relatou receber suporte parental e como isso influenciava positivamente no desenvolvimento da carreira, na motivação e na continuidade da prática. Vissoci (2009) verificou os estilos parentais percebidos por atletas de futebol de campo de diferentes fases da carreira esportiva e aponta que atletas com mais tempo na carreira atlética apresentavam perfis de suporte parental que se sobrepõem aos perfis de rejeição ou superproteção.
Rigo et al. (2007) constataram que os pais participavam ativa e intensamente, inclusive interferindo no trabalho das escolas de iniciação esportiva. Esses resultados vão de encontro aos resultados encontrados por Moraes et al. (2004), que perceberam pouca participação dos pais na carreira esportiva de atletas de futebol masculino, apesar de que a comparação se complica porque a faixa etária difere da deste estudo.
Percebe-se que a participação parental em modalidades do futebol de campo e do futsal ainda não tem um padrão bem definido, sofrendo influências de fatores contextuais (como idade e nível de desempenho) (Holt et al., 2009). Além disso, com base nos resultados desta pesquisa, a participação parental também difere no que se refere ao gênero. Essa diferença pode se dar pela cultura nacional paternalista que remete a um maior cuidado atribuído à criação da menina e, portanto, maior participação dos pais na atividade em relação aos meninos ou pela pouca estrutura do esporte (futsal) que requer maior participação parental para a realização das competições ou financiamento de materiais e viagens.
Outro aspecto abordado nesta pesquisa foi a percepção da influência do suporte parental por meio do modelo proposto por Grolnick (2003), que se sustenta nas práticas parentais de suporte-autonomia (em vez de controle), estrutura e envolvimento.
Observou-se que a influência dos pais na carreira esportiva das filhas diminui com o passar do tempo, dando lugar à figura do técnico ou à própria autonomia da atleta em tomada de decisões sobre a sua carreira. Esse é um elemento que sugere o conceito de prática de suporte-autonomia que corre pela preocupação dos pais em que os filhos sejam independentes e autossuficientes, resultando, assim, em um afastamento dos pais em relação à prática esportiva dos filhos (Grolnick, 2003).
Há evidências na literatura que suportam a ideia de que pais com práticas de suporte-autonomia favorecem o desenvolvimento de motivação intrínseca (Ryan & Deci, 2000), envolvimento e desempenho em diferentes contextos, incluindo o esporte, confirmando os resultados deste estudo quando verificam que a motivação para a prática do futsal é de prazer, gosto e paixão pela prática (Quadro 2) ou quando relatam alto comprometimento e dedicação com a modalidade. A autodeterminação está relacionada a comportamentos mais favoráveis à prática esportiva (Vallerand & Losier, 1994; Vallerand, 2007) e comprometimento.
Outro resultado deste estudo mostrou que, quanto à prática parental de proporcionar estrutura, a participação e o envolvimento dos pais na vida esportiva das filhas foram satisfatórios (suporte-autonomia), e poucas atletas relataram indicadores de rejeição dos pais pela sua participação no futsal (quadros 2 e 3).
Essa discrepância pode estar relacionada ao elemento cultural associado à prática de modalidades semelhantes ao futebol, no Brasil, percebido nas falas das atletas ao referirem que iniciaram a prática pela influência cultural, de amigos ou da família (Quadro 2) ou pelas oportunidades que essa modalidade tem apresentado para o desenvolvimento pessoal ou familiar das atletas (Quadro 3).
O fato de a família apoiar a prática e proporcionar apoio afetivo e financeiro (prática parental de estrutura) favorece a vinculação com a modalidade esportiva, facilitando a iniciação e continuidade das atletas no contexto do futsal. A participação dos pais no desenvolvimento dos filhos de forma a proporcionar os elementos básicos necessários para a prática (estrutura) é um dos componentes do modelo teórico de Grolnick (2003), que permite a formação de um senso de competência. Vale ressaltar que a estrutura não se refere apenas aos materiais para a prática ou às condições financeiras, a estrutura também se reflete no tipo de participação dos pais na atividade que o filho executa (Cleveland et al., 2007). Os pais devem incentivar a autonomia dos filhos, mas também precisam estar ao lado para proporcionar apoio ao lidar com as dificuldades, modelos para aprendizagem de comportamentos e estabelecimento de regras, confirmando os resultados deste estudo com o futsal feminino.
As práticas parentais são independentes, podem ser concorrentes, atrapalhando na formação da criança ou adolescente (Holt et al., 2009), portanto é determinante que os pais apresentem envolvimento com a prática do filho para que este consiga desenvolver um senso de pertença ao contexto em questão (Grolnick, 2003). Esses aspectos foram evidenciados no presente estudo. Na percepção das atletas, os pais apresentaram interesse pelo esporte, além de se sentirem gratificados com os benefícios trazidos pelo esporte às suas vidas. Esses resultados foram de encontro à hipótese inicial do estudo de que as atletas de futsal feminino não perceberam muito suporte parental para a prática, por ser uma modalidade tomada pelo gênero masculino.
Percebe-se que o interesse dos pais é um forte elemento motivador, que muitas vezes influencia o sucesso das jovens, estimulando-as a enfrentar os obstáculos e as dificuldades da carreira (Côté, 1999), uma vez que o apoio e atitudes positivas são ações fundamentais durante o processo de desenvolvimento atlético (Carlsson, 1993).
Em relação ao contato dos pais com os filhos, Granados, Guzmán e Sánchez (2009) ressaltam que uma presença parental mais próxima pode influenciar o comportamento de crianças e adolescentes no esporte. Os resultados do presente estudo demonstraram que os pais possuem um convívio familiar bastante próximo e intenso com as filhas, favorecendo assim o bom desenvolvimento esportivo e pessoal das meninas. Além disso, Hellstedt (1995) assinala que um ambiente familiar favorável é indispensável para um jovem atleta, já que toda a segurança, a motivação, o incentivo e o amor vêm da família.
Os achados corroboram a literatura de que, na autodeterminação, o sujeito busca a satisfação das necessidades básicas e, entre elas, a necessidade de relacionamento. Essa necessidade favorece uma percepção de participar ativamente de um grupo social ou de pertencer a determinado contexto. Essa sensação é fundamental para a motivação para a prática esportiva (Ryan & Deci, 2000), e os pais têm papel determinante nesse processo ao facilitarem a transição da sensação de relacionamento do contexto familiar para outros contextos ao longo do desenvolvimento humano.
De modo geral, com base na análise e nas discussões dos resultados, pode-se concluir que a formação atlética está relacionada à influência que os pais têm sobre a vida esportiva das atletas de futsal, principalmente durante o processo de iniciação esportiva. Neste estudo, testou-se a influência dos pais, percebida pelas atletas de futsal feminino, e percebeu-se que, diferentemente da modalidade masculina e do futebol de campo, as atletas relataram alto envolvimento dos pais, com ênfase em um ambiente de suporte e favorecimento de autonomia, com presença de apoio afetivo e estrutural dos pais para a prática.
Apesar dos relatos de resistência ou de não aceitação de alguns pais, as atletas relatam ter apoio familiar para a prática, nos aspectos psicológico, social e financeiro, apesar de as opiniões quanto ao esporte divergirem entre gostar ou achar que é uma modalidade masculina. Evidencia-se a forte presença parental na fala das atletas, e essa influência é fundamental para a adesão, a continuidade e o aproveitamento no envolvimento com o futsal. Por fim, o estilo parental que predominou foi o de suporte-autonomia, enfatizando que este facilita a prática esportiva em detrimento do estilo de controle ou superproteção.
Nesse sentido, entende-se que uma limitação do estudo se refere à amostra, pois o pequeno número de sujeitos dificulta o entendimento de análises quantitativas, entretanto, por se tratar de um estudo de caso e também qualitativo, justifica-se a restrita amostragem. Outra limitação se refere à investigação apenas da percepção das atletas, sendo interessante abordar a impressão dos pais quanto à prática dessa modalidade.
Assim, sugerem-se novas pesquisas que estudem o futsal feminino, por ser uma modalidade que atrai novos praticantes e investimentos e que tem se mostrado um lugar também para o protagonismo feminino. Essas pesquisas poderiam analisar outros fatores psicológicos relacionados aos estilos parentais, para melhor entender o comportamento dessa variável e sua influência nessa modalidade (como os estilos parentais, a autodeterminação ou outras variáveis já em estudo), ou estudos que procurem compreender melhor as diferenças entre gêneros nas modalidades esportivas.
Referências
Bloom, B. S. (1985). Developing talent in young people. New York: Ballantine books. [ Links ]
Bois, J. E., Lalanne, J., & Delforge, C. (2009). The influence of parenting practices and parental presence on children's and adolescents' pre-competitive anxiety. Journal of Sports Sciences, 27(10), 995-1005. [ Links ]
Brandão, M. R. F., Casal, H. M. V., Machado, A. A., Rebustini, F., Agresta, M., & Ribeiro, F. A. (2004). Futebol, esporte internacional e identidade nacional. Estudo 1: uma comparação entre Brasil & Japão. Revista Brasileira de Ciência e Movimento, 12(1), 57-62. [ Links ]
Carlsson, R. (1993). The path to the national level in sports in Sweden. Scand. J. Med. Sci. Sports, 3(3), 170-177. [ Links ]
Cleveland, E. S., Reese, E., & Grolnick, W. S. (2007). Children's engagement and competence in personal recollection: effects of parent's reminiscing goals. Journal of Experimental Child Psychology, 96(2), 131-149. [ Links ]
Côté, J. (1999). The influence of the family in the developmental of talent in sport. The Sports Psychologist, 13(4), 395-417. [ Links ]
Côté, J., & Hay, J. (2002). Children's involvement in sport: a developmental perspective. In D. Stevens (Ed.). Psychological foundations of sport (pp. 484-519). Boston: Benjamin Cummings. [ Links ]
Fredricks, J. A., & Eccles, J. S. (2005). Family socialization, gender, and sport motivation and involvement. Journal of Sport and Exercise Psychology, 27(1), 3-31. [ Links ]
Gagné, M., Ryan, R. M., & Bergman, K. (2003). Autonomy support and need satisfaction in the motivation and well-being of gymnasts. Journal of Applied Sport Psychology, 15(4), 372-390. [ Links ]
Granados, S. R.; Guzmán, G. M. E., & Sánchez, M. L. Z. (2009). El comportamiento de los padres en el deporte. Retos. Nuevas tendencias en Educación Fisica, Deporte y Recreación, 1(15), 29-34. [ Links ]
Grolnick, W. S. (2003). The psychology of parental control: how well-meant parenting backfires. Mahwah, NJ: Lawerence Erlbaum. [ Links ]
Gurland, S. T., & Grolnick, W. S. (2005). Perceived threat, controlling parenting,and children's achievement orientations. Motivation and Emotion, 29(2), 103-121. [ Links ]
Hellstedt, J. C. (1995). Invisible players: a family systems model. In S. M. Murphy (Ed.). Sport psychology interventions. Champain: Human Kinetics. [ Links ]
Holt, N. L., & Dunn, J. G. (2004). Toward a grounded theory of the psychological competencies and environmental conditions associated with soccer success. Journal of Applied Sport Psychology, 16(3), 199-219. [ Links ]
Holt, N. L., Tamminen, K. A., Black, D. E., Mandigo, J. L., & Fox, K. R. (2009). Youth sport parenting styles and practices. Journal of Sport & Exercise Psychology, 31(1), 37-59. [ Links ]
Latorre, D. L. (2001). Influencia de la familia en el deporte escolar. Lecturas: Educación Fisica y Deporte, 7(40), 1. [ Links ]
Lavallee, D., & Robinson, H. K. (2007). In pursuit of an identity: a qualitative exploration of retirement from women's artistic gymnastics. Journal of Psychology of Sport and Exercise, 8(1), 119-141. [ Links ]
Moraes, L. C., Rabelo, A. S., & Salmela, J. H. (2004). Papel dos pais no desenvolvimento de jovens futebolistas. Psicologia: Reflexão e Crítica, 17(2), 211-222. [ Links ]
Perris, C., Jacobson, L., Lindstörm, H., Von Knorring, L., & Perris, H. (1980). Development of a new inventory for assessing memories of parental rearing behavior. Acta Psychiatrica Scandinavica, 61(4), 265-274. [ Links ]
Rabelo, A. S. (2002). O papel dos pais no desenvolvimento de jovens atletas de futebol. Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil. [ Links ]
Rigo, L. C., Figueiredo, M. X. B., Cunha, G. B., & Karini, G. O. (2007). Relações parentais no futebol de salão: a experiência do Paulista Futebol Clube. Movimento, 13(2), 77-90. [ Links ]
Ryan, R. M., & Deci, E. L. (2000). Self-determination theory and the facilitation of intrinsic motivation, social development and well-being. American Psychologist, 55(1), 68-78. [ Links ]
Serpa, S., Alves, P., & Barreiros, A. (2004). Versão portuguesa do Egna Minnen av Barndoms Uppfostran (EMBUp): processos de tradução, adaptação e fiabilidade. Lisboa: Laboratório de Psicologia do Desporto, Faculdade de Motricidade Humana, Universidade Técnica de Lisboa. [ Links ]
Vallerand, R. J. (2007). A hierarchical model of intrinsic and extrinsic motivation for sport and physical activity. In M. S. Hagger, & N. L. D. Chatzisarantis (Eds.). Intrinsic motivation and self-determination in exercise and sport. Champaign: Human Kinetics. [ Links ]
Vallerand, R. J., & Losier, G. F. (1994). Self-determined motivation and sportsmanship orientations: an assessment of their temporal relationship. Journal of Sport and Exercise Psychology, 16(2), 229-245. [ Links ]
Vissoci, J. R. N. (2009). Estudo da influência do contexto esportivo no status de identidade de atletas de futebol de campo. Dissertação de mestrado, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, PR, Brasil. [ Links ]
Endereço para correspondência:
José Roberto Andrade do Nascimento Junior
Universidade Estadual de Maringá
Departamento de Educação Física
Avenida Colombo, 5790, bloco M06, sala 10
Maringá - PR - Brasil. CEP: 87020-000
E-mail: junior_jrs001@hotmail.com
Submissão: 23/4/2012
Aceitação: 05/10/2012