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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.17 no.2 São Paulo ago. 2015

 

PSICOLOGIA SOCIAL

Produção científica sobre Acompanhamento Terapêutico (AT) na pós-graduação brasileira: revisão da literatura

 

Scientific article on Therapeutic Accompaniment in brazilian graduate programs: a scientific literature review

 

La producción científica sobre Acompañamiento Terapéutico en la educación brasileña de postgrado: una revisión de la literatura

 

 

Manoel Antônio dos SantosI; Fernanda Kimie Tavares Mishima-GomesI; Sandra Cristina PillonI; Ana Carolina Guidorizzi ZanettiI; Jacqueline de SouzaI; Adriana Inocenti MiassoI; Rodrigo Sanches PeresII
I Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto – SP – Brasil
II Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia – MG – Brasil

Endereço para correspondência

 

 


Resumo

O Acompanhamento Terapêutico (AT) é um procedimento que tem recebido atenção crescente no cenário da saúde mental. Este estudo teve como objetivo apresentar uma revisão da produção científica nacional sobre AT, tomando como referência as teses e dissertações concluídas em nível de pós-graduação stricto sensu no Brasil, entre 2000 e 2011. As referências foram localizadas no Banco de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), selecionadas criteriosamente e, por fim, avaliadas em um conjunto de dimensões. Em linhas gerais, os resultados obtidos apontam repetições no corpus em termos das estratégias metodológicas, referenciais teóricos e delineamentos metodológicos. Nesse sentido, o presente estudo evidencia lacunas na literatura e contribui para a definição de uma agenda de pesquisa sobre o assunto.

Palavras-chave: acompanhamento terapêutico; reabilitação psicossocial; saúde; saúde mental; psicologia da saúde.


Abstract

Therapeutic Accompaniment (TA) has received increasing attention in the field of mental health. This study presents a scientific literature review of Brazilian scientific articles on TA, based on dissertations and theses concluded in stricto sensu graduate programs in Brazil between 2000 and 2011. The references were obtained from the Dissertation and Thesis Database of the Coordination for the Improvement of Higher Education Personnel (Capes), carefully selected and, finally, assessed in view of different dimensions. In general, the results reveal repetitions in the corpus in terms of the methodo logical strategies, theoretical frameworks and methodological designs. In that sense, this study discloses gaps in the scientific literature and contributes to the definition of a research agenda on the theme.

Keywords: therapeutic accompaniment; psychosocial rehabilitation; health; mental health; health psychology.


Resumen

El Acompañamiento Terapéutico (AT) es un procedimiento que ha recibido atención creciente en el escenario de la salud mental. La finalidad de este estudio fue presentar una revisión de la literatura de la producción científica nacional sobre AT, tomando como referencia las tesis y disertaciones concluidas en nivel de postgrado stricto sensu en Brasil entre 2000 y 2011. Las referencias fueron obtenidas del Banco de Tesis y Disertaciones de la Coordinación de Perfeccionamiento de Personal de Nivel Superior (Capes), seleccionadas con sumo criterio y finalmente evaluadas en un conjunto de dimensiones. En general, los resultados alcanzados indican repeticiones en el corpus en términos de las estrategias metodológicas, referenciales teóricos y diseños metodológicos. En ese sentido, este estudio evidencia lagunas en la literatura y contribuye a la definición de una agenda de investigación sobre el asunto.

Palabras clave: acompañamiento terapéutico; rehabilitación psicosocial; salud; salud mental; psicología de la salud.


 

 

Intervenções direcionadas à alienação social e referenciadas ao contexto hospitalar submeteram pacientes psiquiátricos a condições desumanas de custódia durante um longo período da história (Pitiá & Furegato, 2009). Tais práticas foram problematizadas de modo efetivo somente no século XX, mais precisamente após a Segunda Guerra Mundial, quando o movimento da antipsiquiatria trouxe à baila a discussão sobre os aspectos psíquicos, sociais e políticos da loucura, buscando romper a sinonímia cuidado-exclusão (Silva & Silva, 2006). Seguiu-se tanto a formação das primeiras comunidades terapêuticas, originalmente na Inglaterra e, posteriormente, na Alemanha e nos Estados Unidos da América (Fussinger, 2011), quanto a eclosão de movimentos como a Psiquiatria de Setor e a Análise Institucional na França. Essas iniciativas buscavam criar espaços de acolhimento nos quais o poder de contestação implicitamente contido no discurso do louco poderia ser reconhecido e legitimado (Possani, 2012).

Essas novas ideias aportaram no Brasil com considerável atraso, de maneira que apenas na década de 1960 foram organizadas as primeiras comunidades terapêuticas nacionais no Rio de Janeiro, em São Paulo e Porto Alegre (Ayub, 1996). Todavia, como desdobramento de tais empreendimentos, foram criadas condições propícias para a emergência posterior do Acompanhamento Terapêutico (AT) como dispositivo de atenção psicossocial em saúde mental. Trata-se, basicamente, de uma prática sociocomunitária com funções reabilitadoras, uma vez que elege como principal cenário o contexto cotidiano do sujeito (Rosique, González de Vega, & Sanz, 2014). Vale destacar que o objetivo inicial do AT era oferecer a pacientes diagnosticados com transtornos mentais possibilidades de interação mais saudáveis em termos biopsicossociais e, consequentemente, contemplar necessidades que dificilmente poderiam ser supridas pelos espaços tradicionais de tratamento, como clínicas, consultórios, ambulatórios e hospitais psiquiátricos.

Contudo, tal objetivo inicial foi ampliado, de forma que, atualmente, existem inúmeras aplicações possíveis do AT. Afinal, essa prática pode se destinar ao atendimento de pessoas em situação de sofrimento psíquico, tipicamente abordadas pela psiquiatria, bem como contemplar sujeitos que se encontram em diferentes etapas do ciclo vital ou que apresentam necessidades especiais, comprometimento do desenvolvimento físico e/ou mental, dificuldades relacionadas às adicções e/ou ao consumismo, ou ainda alguma doença orgânica, para mencionar algumas possibilidades (Pulice, 2011; Reis Neto, Teixeira Pinto, & Oliveira, 2011). Assim, no contexto contemporâneo, a atuação do acompanhante terapêutico (at) não se reduz ao campo da saúde mental. Por sua vez, o trabalho de AT com pacientes em situação de sofrimento psíquico, sobretudo adultos, ainda é predominante, o que se reflete no maior volume de estudos publicados com esse enfoque.

Em que pesem certas especificidades relativas à população a qual se destina, o AT, via de regra, adota como ponto de partida um diagnóstico situacional, capaz de avaliar a interação do sujeito em diferentes contextos: no seu grupo familiar e de amigos, no seu local de trabalho ou na comunidade religiosa, entre outros espaços de circulação da vida (Mauer & Resnizky, 1987; Pitiá & Santos, 2005). Ressalte-se que, segundo Antonucci (1994), o contato com a família é uma das dimensões cruciais do trabalho em AT. Para o autor, especificamente com pacientes em situação de sofrimento psíquico, as primeiras ações do at são dedicadas a diluir o impacto psicossocial que tem recaído sobre os membros da família, bem como propor ao sujeito uma atuação no ambiente que, de alguma forma, venha a contrariar o funcionamento familiar até então estabelecido, considerando que este pode estar associado ao surgimento e à perpetuação dos sintomas vigentes.

Vale destacar que o perfil do at vem se modificando ao longo do tempo e da trajetória histórica do AT (Pulice, 2011). De início, o trabalho era muitas vezes realizado por leigos ou profissionais sem formação técnica específica, porém, atualmente, é reconhecida a necessidade de dotar a prática de um estatuto teórico mais preciso (Reis Neto et al., 2011; Rosique et al., 2014). Desse modo, o at deve ser um profissional de saúde mental, de preferência de nível superior, com formação técnica adequada para cooperar em uma equipe terapêutica e atuar no limite entre o clínico e social (Rossi, 2013). Seguindo essa concepção, cabe ao at assumir uma posição complementar, a do “terapeuta de cabeceira”, conceito introduzido por Lerner (1984) para se referir ao profissional de saúde que planeja o cuidado. A função do at pressupõe, portanto, cumprir as diretivas recomendadas pelo “terapeuta de cabeceira”, mas também demanda capacidade de empatia, tato e intuição (Pitiá & Santos, 2006).

Ocorre que o AT se apresenta como tática de acolhimento, buscando operar a (re)inserção do sujeito em sintonia com a realidade urbana, tendo em vista que as atividades­ são realizadas em saídas, incursões, passeios pela cidade, preferencialmente fora dos lugares já conhecidos dele (Antúnez, 2011; Silva & Silva, 2006). Assim, é preciso levar em consideração os modos de subjetivação implicados nessa clínica cujo funcionamento se desdobra no e pelo espaço. De fato, o AT caracteriza-se por ser uma modalidade de tratamento sui generis, que se realiza em movimento, isto é, privilegiando o deslocamento pelo espaço público (Reis Neto et al., 2011), atendo-se àquilo que se revela nesse caminhar. Portanto, busca explorar espaços e interstícios nos quais a cidade pode incorporar o que o sujeito tem, sem gerar estranhamento, repúdio e exclusão social.

Não obstante, o AT pode ser realizado também na residência do sujeito, com o propósito de auxiliá-lo na reorganização de sua rotina e de seu espaço vital, bem como de seus interesses e relações afetivas e familiares, permanecendo, ainda assim, como uma prática que se faz essencialmente em movimento (Pitiá & Santos, 2005), acompanhando a dinâmica da vida como um ser de passagem. Ou seja, o AT “passa por lugares sem se fixar” (Reis Neto et al., 2011, p. 31), independentemente de ser ou não uma clínica a céu aberto.

Quer seja realizado nos espaços da cidade ou na residência do sujeito, Silva e Silva (2006, p. 212) recomendam que o AT, para que de fato possa adquirir uma função terapêutica­, não deve ser pensado como um programa baseado na noção de uma “adaptação unidirecional” do indivíduo à sociedade de consumo, mas, sim, “como uma estratégia de pesquisa-intervenção que vai sendo construída a partir de expe­rimentações, numa aposta ético-estética de análise dos movimentos inéditos da/na vida”. Os autores sustentam que, dessa forma, o AT pode potencializar a produção de novos sentidos, contemplando as dimensões clínica e política, e, como consequência, contribuir para a superação de “protocolos institucionalizantes”.

A literatura nacional sobre AT tem apresentado crescimento substancial nos últimos anos, o que sugere sua franca expansão em nosso contexto. Os estudos de Mauer e Resnizky (2009), Antúnez (2011), Barretto (2012), Possani (2012) e Acioli Neto e Amarante (2013), para mencionar apenas algumas publicações no país, ilustram esse fenômeno de incremento da produção científica sobre o tema. Porém, parece válido propor que o AT constitui um campo teórico e prático ainda em construção, pois conta com uma história recente e que se desenrola em diferentes referenciais teóricos, com ampla aplicabilidade nas mais diversas experiências clínicas e populações assistidas.

Assumindo tais premissas, este estudo teve como objetivo apresentar uma revisão sistemática da produção científica nacional sobre AT, tomando como referência as teses de doutorado e dissertações de mestrado concluídas em nível de pós-graduação stricto sensu no Brasil. A opção pelo tema em questão se justifica pela relevância do AT no atual cenário da saúde mental. Entretanto, não existe nenhum estudo que tenha dimensionado e analisado a produção científica sobre AT dos programas de pós-graduação no Brasil. Ademais, as revisões sistemáticas viabilizam a identificação de tendências em termos da produção científica sobre um determinado assunto, bem como contribuem para delimitar as lacunas do conhecimento, de modo a fornecer subsídios relevantes para novos estudos.

 

Método

Para mapear a produção científica acerca do AT, especificamente desenvolvida nos programas de pós-graduação do país, delineou-se um estudo de revisão da literatura. Para desenvolvê-lo, foram adotadas as estratégias metodológicas preconizadas na literatura especializada, que incluem, como será detalhado mais adiante, a adoção de procedimentos para a localização, seleção e caracterização das referências (Santos & Hormanez, 2013).

Procedimentos

Localização das referências: as referências foram localizadas mediante a execução de busca eletrônica no Banco de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Trata-se do principal veículo de divulgação eletrônico da produção da pós-graduação brasileira. O levantamento foi concluído em outubro de 2014. As buscas envolveram a utilização da palavra-chave “acompanhamento terapêutico”, sem qualquer cruzamento com outra palavra-chave, de modo a possibilitar um levantamento bibliográfico o mais amplo e completo possível. A revisão contemplou o período compreendido entre 2000 e 2011, devido ao interesse de acompanhar a produção acadêmica na primeira década deste século, período no qual se assistiu a uma forte expansão do sistema de pós-graduação no país, concomitantemente com a consolidação da Reforma Psiquiátrica, que preconiza a necessidade de investir em recursos extra-hospitalares como alternativa aos serviços de internação.

Seleção das referências: inicialmente, os resumos das referências localizadas foram submetidos a uma leitura preliminar, cujo propósito foi determinar se o material era efetivamente pertinente ao presente estudo. Tal leitura foi norteada por um critério de inclusão básico: a referência deveria apresentar como principal objeto de estudo o AT, como prática clínica que se desenvolve nos espaços urbanos e/ou residenciais ou no contexto do trabalho ou da escola, podendo estar associada ou não ao trabalho psicoterapêutico, bem como a serviços oferecidos a indivíduos em dificuldades psicossociais, como parte de um tratamento orientado por equipe multiprofissional. Foram excluídas as produções que, embora cadastradas na base de dados consultada, estivessem indisponíveis para consulta em sua versão integral.

Caracterização das referências: as referências selecionadas constituíram o corpus do presente estudo. Desse modo, foram recuperadas na íntegra e submetidas a uma leitura analítica, realizada de modo independente por três pesquisadores com experiência na aplicação do procedimento. A fim de atender aos objetivos propostos, foi delineado um formulário para extrair os dados das referências selecionadas, o qual contemplava as principais variáveis de interesse para o presente estudo. A apreciação das referências envolveu a identificação de seis dimensões, a saber: 1. área do conhecimento; 2. filiação institucional dos autores; 3. abordagem teórica; 4. delineamento metodológico; 5. estratégia metodológica; 6. participantes do estudo. Para assegurar a fidedignidade da classificação, os resultados que obtiveram consenso entre os três avaliadores foram aceitos automaticamente. Já as análises que se revelaram discordantes foram discutidas caso a caso até que se chegasse a um comum acordo.

 

Resultados e discussão

Localizaram-se, inicialmente, 78 referências, das quais foram selecionadas, no total, 43 por se enquadrarem no critério de inclusão preestabelecido. O Quadro 1 apresenta a autoria/ano de publicação/título de cada uma das referências selecionadas e sintetiza os resultados concernentes à primeira, segunda e terceira dimensões de análise, uma vez que, nestes aspectos, houve maior dispersão dos achados. Já os resultados relativos à quarta, quinta e sexta dimensões de análise serão sumarizados adiante no corpo do texto.

Preliminarmente, faz-se necessário mencionar que a média de referência/ano foi de 3,6, já que a maior parte das referências (62,8%) foi produzida entre 2007 e 2011. Nesse sentido, observa-se que houve aumento expressivo – ainda que oscilante – do número de teses e dissertações a partir de 2005, o que pode ser considerado correlativo do destaque que o AT tem recebido no campo da saúde mental nos últimos anos e representa um indicador promissor em termos do avanço do conhecimento atualmente disponível acerca do assunto no país.

No que se refere à primeira dimensão de análise (área de conhecimento), os resulta­dos apontam que, conforme as informações cadastradas no Banco de Teses e Dissertações da Capes, as principais áreas do conhecimento nas quais as referências selecionadas­ foram enquadradas são “Psicologia” (41,9%) e “Tratamento e prevenção psicológica” (25,6%). Ou seja: predominaram uma grande área genérica e uma categoria específica, porém ambas relativas à mesma área do conhecimento. Obviamente, tal achado está diretamente associado à natureza do programa de pós-graduação em que cada referência foi produzida. De qualquer forma, suscita reflexões, uma vez que não traduz perfeitamente a desejável multidisciplinaridade inerente ao AT como campo teórico e prático. Desse modo, ainda são pouco frequentes os estudos sobre o assunto em áreas como Fisioterapia, Terapia Ocupacional, Enfermagem, Saúde Coletiva, História e Educação Especial.

 

 

Os resultados da segunda dimensão de análise (filiação institucional dos autores) revelaram que 72,1% das teses e dissertações foram produzidas por pesquisadores vinculados a instituições de ensino superior públicas, o que é consistente com a tendência histórica à maior produtividade científica das universidades dessa natureza no Brasil. Ressalte-se que, entre elas, sobressaiu, mais especificamente, a Universidade de São Paulo, respondendo por 27,9% das produções. Além disso, é válido mencionar que 74,4% das referências selecionadas são oriundas de instituições situadas na Região Sudeste, achado já esperado na medida em que acompanha a maior concentração de cursos de pós-graduação nessa região do país.

Quanto à terceira dimensão de análise, verificou-se que a psicanálise foi a abordagem teórica predominante (48,8%) no corpus do presente estudo. Contudo, parece razoável cogitar que o recurso a outras abordagens teóricas – independentemente do fato de serem oriundas da Psicologia ou de outras áreas do conhecimento – seria mais condizente com o multiatravessamento de saberes que, conforme Pulice (2011), é a marca distintiva do AT. Nessa direção, uma possível expansão de abordagens teóricas poderia ser potencialmente proveitosa como diretriz para futuras pesquisas dedicadas ao assunto, tendo em vista que se trata de uma prática em plena construção de seus alicerces. Como tal, o AT apresenta diversas questões ainda em aberto, cuja compreensão poderia ser enriquecida à luz de aportes conceituais oriundos de matrizes epistemológicas distintas, não obstante a relevância e consistência do arcabouço teórico psicanalítico.

Já no que tange à quarta dimensão de análise (delineamento metodológico), os resultados evidenciam que houve total prevalência, entre as referências selecionadas, das abordagens qualitativas de pesquisa, posto que não foi identificada qualquer ocorrência correspondente às abordagens quantitativas. É notório que esboçar qualquer espécie de hierarquia entre os diferentes delineamentos metodológicos que podem ser utilizados em pesquisas científicas se afigura como um procedimento equi­vocado. Como bem observaram Minayo e Sanches (1993), estudos quantitativos e qualitativos são de natureza diferenciada, de modo que, entre esses enfoques, não há oposição, assim como não há continuidade, mas pode haver complementaridade. É justamente nesse sentido que parece válido propor que o desenvolvimento de pesquisas quantitativas sobre AT, desde que em consonância com os procedimentos que são próprios às abordagens desse paradigma, poderia contribuir para o avanço do conhecimento científico atualmente disponível. Nessa direção, estudos mistos, isto é, que combinam métodos quantitativos e qualitativos de pesquisa, também são bem-vindos, a exemplo do que vem ocorrendo a propósito de outras áreas e temáticas concernentes ao conhecimento psicológico.

A propósito da quinta dimensão de análise (estratégia metodológica), constatou-se que predominaram no corpus os estudos descritivo-exploratórios (79,1%), em particular aqueles que podem ser enquadrados como relatos de experiência. Usualmente, os relatos de experiência fornecem subsídios de especial importância para a prática profissional em diversas áreas. De modo geral, esses estudos enfatizam a apresentação de situações-problema acerca do desenvolvimento de intervenções, bem como discutem possíveis caminhos para a superação das barreiras encontradas. Porém, os relatos de experiência muitas vezes prescindem da explicitação de procedimentos de coleta e até mesmo de análise dos dados, e, sob esse aspecto, podem não apresentar o mesmo rigor metodológico das pesquisas empíricas. Logo, uma maior preocupação com a questão da reprodutibilidade de resultados se revela potencialmente proveitosa em pesquisas futuras sobre AT.

Por fim, os resultados concernentes à sexta dimensão de análise (participantes do estudo) também evidenciam uma tendência consistente, visto que a maioria das referências selecionadas (60,5%) elegeu como participantes adultos submetidos ao AT. Tal achado pode ser qualificado como desfavorável, na medida em que a prática em questão igualmente é passível de aplicação em crianças, adolescentes, adultos e idosos, como salientam diversos autores (Pulice, 2011, Rossi, 2013). Contudo, há que se considerar que a supremacia de estudos com a população adulta reflete o fato de o AT ainda ser utilizado predominantemente em indivíduos de faixa etária mais específica. Além disso, verificou-se no corpus a existência de uma parcela reduzida de pesquisas cujos participantes foram os próprios ats (16,3%). A reversão desse cenário possivelmente contribuiria para o aprimoramento do AT como campo teórico e prático, visto que, como já salientado, a figura do at recentemente tem assumido novos contornos, bem como têm emergido novas configurações nesse nicho de trabalho (Reis Neto et al., 2011).

Em síntese, no presente estudo, os achados relativos ao ano de publicação das referências selecionadas podem ser qualificados como positivos, uma vez que sugerem crescente interesse da comunidade científica pelo AT, o qual se revela por meio do aumento do número de produções científicas dedicadas ao assunto. Em contrapartida, os achados acerca da maioria das dimensões de análise propriamente ditas se afiguram como algo problemático, na medida em que representam reiterações – mais especificamente quanto à abordagem teórica, ao delineamento metodológico, à estratégia metodológica e aos participantes – capazes de ensejar vieses no processo de produção do conhecimento sobre o AT. É preciso, portanto, investir mais na diversidade de enfoques, delineamentos e estratégias de pesquisa aplicadas ao campo do AT, incentivando os estudos sobre novas abordagens teórico-metodológicas. Também é desejável expandir o foco de abrangência, de modo a abarcar a investigação de um espectro etário mais amplo, o que certamente contribuiria para a desejável consolidação do campo no contexto nacional.

Desse modo, pode-se afirmar que o presente estudo traz subsídios para o mapeamento de aspectos relevantes da produção científica nacional sobre AT, em nível de pós-graduação stricto sensu. Evidencia-se a existência de algumas lacunas que, embora até certo ponto compreensíveis por se tratar de um campo teórico e prático historicamente recente e ainda em construção, devem ser gradualmente preenchidas, mediante o desenvolvimento de pesquisas futuras. Nesse aspecto, o presente estudo fornece elementos para a definição de diretrizes gerais a serem contempladas em uma agenda de pesquisa sobre o assunto. Os achados implicam, mais especificamente, a recomendação de que outras pesquisas devem ter como escopo ampliar substancialmente o horizonte de interesses, contemplando desenhos teórico-metodológicos inovadores, bem como amostras constituídas por maior diversidade, tanto em termos etários (crianças, adolescentes e idosos) como de condições psicopatológicas.

Na medida em que se deixou nortear pelos procedimentos propostos na literatura especializada para o empreendimento de revisões da literatura, o presente estudo viabiliza um mapeamento representativo do conhecimento já produzido acerca do assunto, dentro do recorte temporal, espacial e do campo delimitado (dissertações e teses produzidas no país). Como toda pesquisa realizada, apresenta algumas limitações, sobretudo no que tange à abrangência do campo de captura da literatura, na medida em que se contemplou exclusivamente um determinado tipo de produção acadêmica. Outras modalidades de produção científica – como artigos, livros e capítulos – devem ser exploradas por investigações futuras, uma vez que extrapolam o escopo do presente estudo.

Em resumo, a presente investigação aponta que o interesse dos pesquisadores pelo AT tem se mantido no contexto da pós-graduação brasileira nos últimos anos. Trata-se de um dispositivo de atenção psicossocial em saúde mental que vem se expandindo significativamente, mas que ainda exige maior sistematização para que possa, de fato, se consolidar como uma ferramenta e expandir sua aplicabilidade para diversos contextos. A avaliação do conhecimento que tem sido produzido nas universidades brasileiras sugere que o AT se afigura como um campo teórico e prático atravessado por diferentes saberes, o que conduz a variadas possibilidades de aplicação clínica, considerando as mudanças observadas no cenário da saúde mental nas últimas décadas.

 

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Endereço para correspondência:
Manoel Antônio dos Santos
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Departamento de Psicologia, Laboratório de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde (Lepps)
Avenida Bandeirantes, 3.900, Monte Alegre
Ribeirão Preto – SP – Brasil. CEP: 14040-901
E-mail: masantos@ffclrp.usp.br

Submissão: 20.1.2015
Aceitação: 18.3.2015

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