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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.17 no.3 São Paulo dez. 2015

 

PSICOLOGIA SOCIAL

Representações sociais de família no contexto do acolhimento institucional

 

Social representations of family in the context of institutional shelter

 

Representaciones sociales de familia en el contexto de acogida institucional

 

 

Pollyanna Brandão BelfortI; Sibelle Maria Martins de BarrosI; Maria Lígia de Aquino GouveiaI; Maria de Fátima de Sousa SantosII
I Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande – PB – Brasil
II Universidade Federal de Pernambuco, Recife – PE – Brasil

Endereço para correspondência

 

 


Resumo

O objetivo do presente estudo foi identificar as representações sociais de profissionais que integram a rede de apoio e assistência a crianças e adolescentes em acolhimento institucional sobre família. Participaram da pesquisa cinco sujeitos membros de uma equipe multiprofissional. Para a coleta de dados, utilizou-se a entrevista semiestruturada. Os dados foram analisados a partir da proposta da análise de conteúdo temático-categorial que permitiu a construção de três categorias: concepções de família, práticas profissionais e papel do Estado na assistência às famílias. As análises revelaram a existência de duas representações de família: uma caracterizada por conflitos e responsabilizada pelos problemas das crianças e dos adolescentes, e outra considerada ideal e harmônica. Tais representações são referência para ações dos profissionais que procuram orientar as famílias baseados na ideia de reestruturação familiar, conciliação e harmonização, negligenciando as determinações sócio-históricas e as consequências da desigualdade social na análise e intervenção com os grupos familiares.

Palavras-chave: representações sociais; família; crianças; adolescentes; acolhimento institucional.


Abstract

The aim of this study was to identify the social representations of professionals who compose the network of support and assistance to children and adolescents in shelter institutions. The participants were five subjects members of a multidisciplinary team. For data collection was used the semi-structured interview. Data were analyzed from the proposal of thematic-categorical content analysis which allowed the construction of three categories: family concept; professional practices and the state’s role in assisting families. The analysis revealed the existence of two social representations; a family characterized by conflict and blamed for the problems of children and adolescents; and an ideal and harmonious family. These representations are reference for the actions of professionals who aim to guide families based on the idea of family restructuring, reconciliation and harmonization, neglecting the sociohistorical determinations and consequences of social inequality in the analysis and intervention with family groups.

Keywords: social representations; family; children; adolescents; institutional sheltering.


Resumen

El objetivo de este estudio fue identificar las representaciones sociales de los profesionales que integran la red de apoyo y asistencia a los niños y adolescentes en la atención residencial a unos familiares. Los participantes fueron cinco sujetos los miembros de un equipo multidisciplinario. Para la recolección de datos se utilizó la entrevista semi-estructurada. Los datos fueron analizados a partir de la propuesta de análisis de contenido-temática categórica que permitió la construcción de trés categorías: el concepto de familia; prácticas profesionales y el papel del Estado en la asistencia a las familias. El análisis reveló la existencia de dos representantes de la familia; una familia caracterizada por el conflicto y culpado por los problemas de los niños y adolescentes; y una familia ideal y armonioso. Tales representaciones son de referencia para las acciones de los profesionales que buscan orientar a las familias sobre la base de la idea de la reestructuración de la familia, la reconciliación y la armonización, dejando de lado las determinaciones sociales y históricas y las consecuencias de la desigualdad social en el análisis y la intervención con grupos familiares.

Palabras clave: representaciones sociales; familia; niños; adolescentes; acogimiento institucional.


 

 

É crescente o número de estudos sobre o acolhimento institucional de crianças e adolescentes. As recentes pesquisas em Psicologia têm abarcado, sobretudo, temas como violência, relação entre família e abrigo, processo de acolhimento e experiências de crianças e adolescentes nas instituições, e a reinserção familiar (Vasconcelos, Yunes, & Garcia, 2009; Rossetti-Ferreira et al., 2012; Guedes & Scarcelli, 2014; Moreira, 2014; Iannelli, Assis, & Pinto, 2015). O foco do presente artigo, entretanto, consiste em problematizar as representações sociais de família entre profissionais que trabalham na rede de apoio a crianças e adolescentes institucionalizados, tendo em vista que as representações sociais guiam as ações socioassistenciais dirigidas às famílias desses atores em vulnerabilidade social, podendo contribuir, ou não, para a proteção integral do grupo familiar.

No Brasil, a família tem sido privilegiada na provisão de bem-estar desde a não efetivação plena do Estado de bem-estar social, no século XX (Mioto, 2010). A Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente proposto de 1990 e a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) contribuíram para priorizar a instituição familiar e colocá-la como diretriz das políticas de assistência social (Cruz & Guareschi, 2010; Cariaga, 2013). Como consequência, o Estado passou a apresentar maior responsabilidade e deveres com relação à provisão do bem-estar e da assistência a crianças e adolescentes e às famílias destes.

Percebe-se então que, ao longo das últimas décadas, a família foi sendo compreendida como sujeito político, uma instituição que tem lugar na sociedade e um papel fundamental na vida dos indivíduos em formação. Assim, constata-se que, embora os fenômenos sociopolíticos e o avanço da tecnologia tenham configurado novos arranjos familiares que não se definem apenas por laços de consanguinidade, a instituição familiar continua a ser importante (Wagner & Levandowski, 2008) e ter centralidade nas políticas públicas de atenção à criança e ao adolescente.

De acordo com a PNAS (Brasil, 2004), a família é considerada um espaço privilegiado e insubstituível de proteção e socialização primárias, provedora de cuidados aos seus membros, mas que também precisa ser cuidada e protegida. Sobre esse aspecto, Cariaga (2013) ressalta que cabe às políticas públicas de assistência social trabalhar o resgate da família como espaço de proteção, atuando em suas fragilidades para garantir o direito à convivência familiar e comunitária. Todavia, segundo Teixeira (2010), o princípio da matricialidade sociofamiliar contido na PNAS não superou a tendência familista característica da política social brasileira, na medida em que sobrecarrega a família de responsabilizações. Seguindo essa lógica, Nicolau de Melo (2012) acrescenta que a concepção vigente de família na PNAS é conservadora, uma vez que a responsabiliza pelos problemas vivenciados e pelas possíveis soluções, cabendo ao Estado apenas ajudá-la nessa tarefa. As famílias que não conseguem realizar as próprias funções são consideradas desestruturadas, desintegradas ou desorganizadas. Dessa forma, ainda segundo o autor, menosprezam-se as consequências dos processos de exclusão social e delineiam-se ações pontuais e focalizadas nos “problemas das famílias”.

Diante disso, considerando a importância atribuída à família nas políticas públicas, faz-se urgente refletir acerca dos sentidos relacionados ao objeto social família entre os profissionais da assistência social, uma vez que eles terminam por concretizar essas políticas nas suas ações profissionais, subsidiando e viabilizando propostas e práticas profissionais transformadoras ou reprodutoras de desigualdades.

Assim sendo, o estudo sobre as representações sociais de família permite conhecer os sentidos que os profissionais atribuem às famílias, bem como as práticas dirigidas a tais grupos. Também possibilita perscrutar até que ponto a perspectiva psicossocial, que alicerça concepções atuais sobre família na PNAS, está sendo operacionalizada pelas equipes em suas ações socioassistenciais.

Parte-se do pressuposto que as ações dos profissionais e técnicos que operam na rede socioassistencial estão embasadas não apenas no conhecimento técnico adquirido ao longo de sua formação, mas também em representações sociais sobre vários objetos sociais, como a família. À vista disso, esta pesquisa teve como objetivo identificar as representações sociais de família entre profissionais de uma equipe que trabalha na assistência a crianças e adolescentes em acolhimento institucional.

As representações sociais podem ser compreendidas como uma modalidade de saber do senso comum, a respeito de um determinado objeto social. Forjadas por diferentes modos de comunicação e interação cotidiana, elas permitem a construção e compreensão de experiências e fenômenos da vida social, que, por sua vez, orientam processos de condutas e comunicação dos atores sociais em diferentes contextos (Jovchelovitch, 2011). Elas podem ser caracterizadas como sistemas de valores, ideias e práticas, com a dupla função de possibilitar as pessoas a se orientar e controlar o mundo material e social, bem como viabilizar a comunicação, nomeação e classificação de vários aspectos do mundo individual e social (Moscovici, 2012).

Segundo Moscovici (2012), o propósito de todas as representações é tornar algo não familiar em familiar, atenuando as estranhezas peculiares ao surgimento de um novo objeto na vida social, introduzindo-as no espaço comum por meio do encontro de múltiplas visões. Sobre esse aspecto, Jovchelovitch (2011) relembra que, pelo fato de os objetos possuírem uma história no mundo social, o processo representacional implica ligar o objeto com o passado e suas significações. Concomitantemente, novos significados também são construídos e imaginados de acordo com os contextos nos quais se inserem os atores sociais. Após construídas, as representações sociais podem ser modificadas e contribuir para a construção de outras representações (Moscovici, 2012).

Abric (1998), por sua vez, especifica quatro funções essenciais das representações sociais: 1. função de saber, uma vez que elas permitem compreender e explicar a realidade; 2. função identitária, na medida em que as representações expressam o sistema de normas, crenças e valores dos grupos, reafirmando identidade deles; 3. função de orientação que permite guiar os comportamentos, as práticas e as interações sociais; 4. função justificadora que permite aos sujeitos justificar as tomadas de po sição e os comportamentos, avaliando as próprias ações e condutas em determinada situação.

Realizar uma pesquisa sobre representações sociais da família, a partir da abordagem moscoviciana, requer a adoção de uma perspectiva sócio-histórica que considere as transformações e permanências ao longo do tempo e de acordo com diferentes contextos. Implica também indagar sobre as condições de produção, as intenções e as consequências dessas representações na vida individual e coletiva, no tempo presente e futuro.

 

Método

Participaram da pesquisa cinco sujeitos de uma equipe multiprofissional que trabalha na rede de assistência e apoio a crianças e adolescentes em situação de acolhimento institucional: juíza, promotor, psicóloga, assistente social e cuidadora da casa de acolhimento. Para a realização do estudo, foi utilizado como instrumento de coleta de dados uma entrevista semiestruturada, realizada individualmente nos locais de trabalho dos participantes, de acordo com as disponibilidades e o consentimento. O roteiro de entrevista procurou abarcar os seguintes temas: definição de família, perfil das famílias usuárias da rede de assistência social, práticas voltadas às famílias e o papel do Estado.

Os relatos foram transcritos integralmente e analisados a partir da proposta de análise de conteúdo temático-categorial (Oliveira, 2008). Tal proposta refere-se a procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição de conteúdos da mensagem. Após a transcrição integral do material coletado, cada entrevista foi dividida em unidades de registro (do tipo tema) para posterior codificação e construção das subcategorias e categorias, de acordo com o agrupamento de códigos com conteúdos semelhantes.

Este estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e obteve o cadastro (Caae n. 0435.0.133/2012). Adotaram-se os princípios éticos propostos na Resolução n. 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde que regulamenta a pesquisa com seres humanos no Brasil.

 

Resultados

A análise das entrevistas permitiu a construção de três categorias: concepções de família, práticas profissionais e papel do Estado na assistência às famílias.

A categoria concepções de família abrange os elementos representacionais que definem família. De acordo com os dados, foi possível perceber que a família é conceituada por todos os profissionais como a base de tudo, como ilustra o seguinte trecho: “Para formar um bom cidadão, é fundamental o apoio da família. A família, como a nossa Constituição diz, é a base de tudo, tudo” (juíza).

Além disso, ela é definida principalmente por suas funções, tais como garantir os direitos das crianças, educar e formar futuros cidadãos, preparar para a vida, orientar e disciplinar. Nesse processo, destacam-se as seguintes funções atribuídas aos pais: transmissão de afeto, doação, dedicação e apoio às crianças. De acordo com a assistente social que participou da pesquisa: “A formação do ser humano começa na família, ela tem o papel de educar para a cidadania e fundamentar as crianças através de princípios morais, éticos, sociais e religiosos”.

Os relatos sobre concepções de família também indicam a existência de uma diferenciação entre uma família ideal e a família do cotidiano profissional, as famílias em vulnerabilidade social. Estas, por sua vez, eram consideradas pelos profissionais famílias desestruturadas, conflituosas, sem recursos materiais, até mesmo desprovidas de afetividade. A expressão “desestruturação familiar” estava associada à pobreza, aos problemas conjugais, aos rearranjos familiares, ao uso de álcool e drogas, ao divórcio e à falta de amor e cuidado.

O elemento representacional “desestruturada” contribuía para o processo de culpabilização das famílias vulneráveis. Nos relatos, os entrevistados responsabilizavam com frequência os pais por possíveis problemas que as crianças ou os adolescentes pudessem desenvolver, como condutas antissociais, rebeldia e problemas escolares. Pode-se afirmar, então, que a existência de problemas nos filhos estava relacionada à “falta de estrutura familiar”, ao despreparo das mães para educar e impor limites aos filhos, e à ausência do pai nessas famílias. Paradoxalmente, constatou-se que os participantes também desejam que ela assuma um papel importante na reintegração das crianças e dos adolescentes.

Uma vez indagados sobre como deveriam ser as famílias, os profissionais fizeram menção a características como afeto, estrutura e disciplina, além da convivência harmônica entre seus membros. Percebe-se que eles, nesse caso, fazem menção a uma família ideal e romântica: “A família ideal seria aquela onde não houvesse conflitos, as pessoas convivessem harmonicamente e fosse dada assistência necessária aos filhos menores” (promotor).

Com relação à categoria práticas profissionais, não houve consenso entre os participantes quando questionados sobre os trabalhos de assistência às famílias desenvolvidos pela equipe. Alguns alegavam a existência de um trabalho com as famílias, enquanto outros afirmavam não existir um trabalho sistemático com elas: “Não existe um trabalho formal voltado às famílias das crianças institucionalizadas” (promotor).

Os profissionais que afirmaram haver um trabalho com as famílias alegaram que existem acompanhamentos, observação da família e emissão de relatórios ao juizado. Também apontaram que os serviços de assistência psicossocial ocorrem apenas quando existe interesse por parte das famílias. Alguns profissionais destacaram ainda que muitas famílias não têm interesse e não procuram os serviços: “A equipe tenta uma reaproximação da família das crianças institucionalizadas, mas geralmente não conseguem devido à sua desestruturação ou falta de interesse” (assistente social).

Os profissionais apontaram como necessária a existência de um trabalho sistemático a ser realizado com as famílias antes da tomada da medida protetiva, no intuito de evitar tantos casos de institucionalização. Ademais, assinalaram a importância da articulação entre as demais redes e da integração delas à equipe do fórum. Relataram as dificuldades que existem no funcionamento de serviços públicos como o Centro de Referência em Assistência Social (Cras) e o Centro de Referência Especial de Assistência Social (Creas) que não oferecem um suporte adequado às famílias, causando uma sobrecarga ao Judiciário, como relata a assistente social: “Falta trabalho estruturado com as famílias das crianças antes da realização da medida protetiva. Deveria haver uma rede socioassistencial efetiva e completa para trabalhar junto à equipe do fórum”.

Dentre os entrevistados, a assistente social, a psicóloga e o promotor entendem que a atuação profissional deles é de grande relevância para as famílias, porém não explicam ao certo qual é a importância, nem como ocorrem suas práticas. A psicóloga, entretanto, sugere a seguinte modalidade de intervenção: “Uma possibilidade de trabalho a ser feito com as famílias que deixam a criança em situação de vulnerabilidade seria a convivência dos casais desestruturados com uma família de responsabilidade”.

Quanto à categoria papel do Estado na assistência às famílias, embora todos os profissionais tenham destacado a importante função do Estado nesse processo, apontaram a ausência e omissão dele diante do cumprimento do dever que lhe cabe. Segundo os entrevistados, o poder público não proporciona boas condições e assistência às famílias, o que contribui para a situação de vulnerabilidade social e sobrecarrega o trabalho do Judiciário.

É importante ressaltar que os profissionais fizeram menção ao papel do Estado, apenas quando questionados, ao final da entrevista: “Os principais problemas sociais que afetam as famílias que têm a guarda da criança retirada são problemas de governo” (coordenadora da casa de acolhimento).

 

Discussão

A análise dos dados revelou a existência de elementos representacionais ancorados no modelo de família nuclear burguesa, ainda hegemônico na sociedade ocidental. Dessa forma, a família é representada principalmente por elementos que remetem à estrutura, educação, harmonia, disciplina e afetividade. As famílias que se afastam desse modelo, seja por não exercerem as funções esperadas ou mesmo pela presença de conflitos, são consideradas desestruturadas.

Os dois esquemas simbólicos representacionais sobre família que são compartilhados pela equipe permitem a classificação das famílias em saudáveis ou problemáticas. Nesse estudo, a maioria das famílias que recorre à rede socioassistencial é caracterizada como vulnerável, conflituosa e desestruturada. Identifica-se uma lógica implícita de patologização da pobreza, na medida em que há uma associação entre a “desestrutura familiar” e as questões socioeconômicas das famílias. A ideia implícita nas entrevistas de que as famílias com poucos recursos financeiros são desestruturadas permite que se atualize o preconceito sem ferir os princípios de desejabilidade social. Entretanto, apesar de categorizarem as famílias como “desestruturadas”, os profissionais enfatizaram que a destituição do poder familiar deve ocorrer apenas em último caso, como preconizam as políticas de assistência voltadas à criança e ao adolescente. Tal atitude positiva pode ser explicada pela dicotomia em relação aos significados atribuídos à família, como discutem Santos e Oliveira (2006). Segundo as autoras, a família é pensada como um palco de conflitos que apresenta riscos e é culpabilizada por problemas que as crianças e os adolescentes venham a desenvolver no futuro, mas também é enaltecida como base da sociedade e local de prioridade para a permanência desses sujeitos.

As representações sociais de família também podem dificultar o processo de reintegração familiar à medida que reduzem as problemáticas de crianças e adolescentes acolhidos às próprias famílias e não se trabalham “as causas do afastamento junto à família de origem de maneira a contribuir, efetivamente, para uma reintegração familiar, como preconizado pelo ECA (1990)” (Costa & Rossetti-Ferreira, 2009, p. 112).

Constata-se que os discursos dos profissionais revelam um olhar romântico, idealizado e a-histórico da família que nega a existência de conflitos e que responsabiliza os pais pelos problemas das crianças e dos adolescentes, negligenciando as complexas relações das famílias com diferentes contextos. Isso posto, pode-se supor que a representação social de família, ancorada no modelo nuclear tradicional, contém elementos de idealização que orientam práticas que negligenciam as dinâmicas, os contextos e as histórias, sobretudo de violação de direitos, das famílias com as quais lidam no âmbito profissional. Analisam-se, portanto, as famílias pobres a partir do modelo tradicional de família nuclear, desconsiderando que “as contradições hoje, vivenciadas pelas famílias, são expressões, no espaço cotidiano, das contradições inerentes a uma sociedade de classes que vive, sobrevive e lucra com as desigualdades sociais” (Nicolau de Melo, 2012, p. 107).

Com relação às práticas profissionais voltadas às famílias das crianças institucionalizadas, é possível perceber a inexistência de um trabalho psicossocial sistematizado e interdisciplinar. As orientações verbais que buscam harmonização, reconciliação e “estruturação” das famílias são práticas socioeducativas antigas que denunciam padrões de normatividade e estabilidade que fortalecem a visão de família como in competente e produtora de patologia (Mioto, 2004; Teixeira, 2009). A crença na falta de interesse das famílias em buscar assistência psicológica, como citado pela juíza, revela uma perspectiva psicologizante e individual na compreensão da prática psicológica no cenário da institucionalização, o que provavelmente dificulta o surgimento de um trabalho psicossocial.

Diante disso, parece não haver intervenções que promovam o empoderamento das famílias para o enfrentamento dos problemas sociais cotidianos, para o alcance da cidadania por meio do acesso aos serviços públicos e para a garantia de direitos (Teixeira, 2009). Além disso, no intuito de suplantar uma perspectiva individualizante, é necessário voltar o olhar para as redes sociais com as quais essas famílias interagem, trocam experiências e constroem suas identidades, bem como trabalhar para prevenir e erradicar as causas do abandono e da violência estruturais, de modo a fortalecer as bases de apoio familiares e comunitárias para crianças e adolescentes (Bernardi, 2010).

Nesse processo, cabe ao poder público promover o funcionamento efetivo de uma rede socioassistencial, romper com as práticas de ajudas parciais, mínimas e fragmentadas, e assegurar os direitos de forma integral e qualificada, conforme preconizam a Constituição e a PNAS (Brasil, 2004). Todavia, a efetivação da proposta de proteção integral às famílias exige uma transformação das representações sociais sobre as famílias pobres, de modo a resgatar o papel da historicidade e das determinações sociais na análise dos problemas por elas vivenciados.

À guisa de conclusão, pode-se afirmar que os elementos representacionais atribuídos às famílias pauperizadas (desestruturadas, conflituosas, sem afeto), com outras representações de outros objetos sociais, como de pessoas pobres, contribuem para a constante culpabilização dessas famílias, mantendo e legitimando a desigualdade social. À vista disso, é preciso promover espaços para a reflexão sobre os processos familiares, ressaltando os vários determinantes como pobreza, direitos sociais básicos não contemplados, violência, entre outros. Por meio da construção de novos significados sobre as famílias, é possível construir novas ações e reordenar políticas voltadas às famílias que possam minimizar os sofrimentos e efetivar a proteção delas.

 

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Endereço para correspondência:
Sibelle Maria Martins de Barros
Rua Baraúnas, 351, Universitário
Campina Grande – PB – Brasil. CEP: 58429-500
E-mail: barros.sibelle@gmail.com

Submissão: 26.1.2015
Aceitação: 10.8.2015

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