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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.17 no.3 São Paulo dez. 2015

 

PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

Bullying na escola: a compreensão do aluno no papel de testemunhaI

 

Bullying at school: a student’s understanding the role of witness

 

Bullying en la escuela: comprensión de un estudiante el papel del testigo

 

 

Maria Teresa Ceron TrevisolII; Luana UbertiIII
I Este artigo é resultante de um trabalho de investigação que contou com bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
II Universidade do Oeste de Santa Catarina, Joaçaba – SC – Brasil
III Núcleo de Apoio à Saúde da Família, Concórdia – SC – Brasil

Endereço para correspondência

 

 


Resumo

Este artigo se propõe a analisar a compreensão de alunos adolescentes, na faixa de idade entre 12 e 16 anos, de uma escola pública e outra particular, sobre as razões promotoras do bullying, enfatizando o que sentem as testemunhas ao presenciarem essas situações. Quase 44% dos alunos da escola particular e aproximadamente 51,5% da escola pública revelaram preocupação para com aquele que está sendo agredido. Quanto às razões que levam o autor a agredir o alvo, sob a percepção da testemunha, 72% dos sujeitos da escola particular e 62% da escola pública consideram que o autor se “acha melhor” que os outros, e 53% da escola particular e 64,5% da escola pública indicam que ele quer ser mais popular..

Palavras-chave: bullying na escola; adolescentes do 8º ano do ensino fundamental; compreensão da testemunha; conflitos interpessoais; razões promotoras.


Abstract

This article aims to analyze the understanding of adolescent students in the age from 12 to 16 years, of a public school and one private school, about the promoting reasons for bullying, emphasizing what the witnesses feel when they witnessed these situations. Almost 44% of private school children and about 51.5% of the public school revealed concern for the one being assaulted. As for the reasons why the author would harm the target, in the perception of the witness, 72% of subjects in private schools and 62% of public school consider that the author “feels better” than others, and 53% of the private school and 64.5% of the public school indicate that he wants to be more popular.

Keywords: bullying at school; teens 8th grade of elementary school; understanding witness; interpersonal conflicts; promoting reasons.


Resumen

Este artículo tiene como objetivo analizar la comprensión de los estudiantes adolescentes en el grupo de edad entre 12 y 16 años, qué están matriculados en una escuela pública y una privada, sobre la base de la promoción del bullying, haciendo hincapié en lo que los estudiantes se sienten cuando fueron testigos de estas situaciones. Casi 44% de los niños de las escuelas privadas y sobre 51,5% de la escuela pública reveló preocupación por la persona que estaba siendo agredida. Cuanto a las razones del autor para alcanzar el objetivo, en la percepción del testigo, 72% de los sujetos en las escuelas privadas y el 62% de la escuela pública consideran que el autor “se siente mejor” que otros, y alrededor del 53% de escuelas privadas y 64,5% de las escuelas públicas indican que él quiere ser más popular.

Palabras clave: bullying en la escuela; adolescentes 8º grado de la escuela primaria; comprensión de los testigos; conflictos interpersonales; promoción de razones.


 

 

Bullying é um termo bastante popularizado que tem colocado em estado de atenção as escolas de forma geral. Fala-se em uma violência com longa data de ocorrência, em que, segundo Silva (2010, p. 111), “o bullying é um fenômeno tão antigo quanto à [sic] própria instituição denominada escola. No entanto, o tema só passou a ser objeto de estudo científico no início dos anos 70”. A preocupação contemporânea se volta a prevenir os casos de violência entre crianças e adolescentes na escola e intervir neles.

Pensar em violência de criança para criança e de adolescente para adolescente é algo que surpreende tanto a escola quanto a família e a sociedade em geral. Aquelas situações que até então eram vistas como brincadeiras – saudáveis para o desenvolvimento desses sujeitos – passaram a exigir um olhar mais sério, o que gerou dúvidas e tensões sobre como agir diante do fenômeno bullying. E quanto aos envolvidos, o que pensam as crianças e os adolescentes? Como o alvo, o autor e a testemunha desse fenômeno o concebem?

Este artigo tem como objetivo analisar a compreensão de alunos pré-adolescentes e adolescentes, entre 12 e 16 anos de idade, que frequentam o 8º ano do ensino fundamental, sobre as razões promotoras do bullying na escola, enfatizando, particularmente, as que se referem ao papel da testemunha. O bullying é um conflito entre pares, mas vem sendo discutida a caracterização personológica individual, que facilita ou dificulta o envolvimento nesses conflitos. Então chega-se à seguinte questão: “O que há com a personalidade de quem assiste quieto ao sofrimento de seus pares?”.

O bullying é conflito entre pares e envolve alvo, autor e testemunha, o que significa dizer que uma abordagem que visa compreender esse fenômeno deve prever o envolvimento das três partes, mesmo que isso represente todo o grupo discente de uma escola, pois a participação direta e indireta merece atenção. Além das evidências sociais, o bullying é a representação de que existem conflitos internos, ou seja, que o conflito é dos envolvidos, na medida em que compreende processos psicológicos relacionados aos atos de bullying (Trevisol & Uberti, 2013). É bastante provável que o estímulo essencial do comportamento da testemunha, do autor e do alvo seja de caráter pessoal e subjetivo, estando relacionado com as leituras que estes fazem do mundo à sua volta.

 

Método

A base empírica deste artigo é uma pesquisa de cunho exploratório, de natureza quanti-qualitativa.

Participantes

A amostra foi composta por 171 alunos de ensino fundamental, que estudam no 8° ano de duas escolas centrais de um município da região oeste de Santa Catarina. Foram 64 adolescentes de escola particular (duas turmas) e 107 adolescentes de escola pública (cinco turmas). Os alunos que constituíram a amostra são procedentes de diferentes bairros do município, considerando que as escolas se situam em região central, o que permite a abordagem também dos diversos contextos sociais, demográficos econômicos, familiares, entre outros aspectos. A escola pública atende 851 alunos, desde os anos iniciais até o ensino médio, nos períodos matutino, vespertino e noturno. A escola particular atende 1.221 alunos, desde a educação infantil até o ensino médio, nos períodos matutino e vespertino. A média de alunos por sala de aula na escola pública é de 25 alunos e na escola particular de 30 alunos. Não constitui objetivo deste artigo efetuar comparações entre as diferentes amostras de alunos, pois os consideramos uma amostra representativa da população adolescente que frequenta esse ano letivo..

Instrumento utilizado

Para a coleta de dados com os alunos, foi utilizado um questionário, com roteiro estruturado de questões, tendo como foco: situações do cotidiano escolar em que é evidenciada a violência; como os alunos avaliam essas situações; o que fariam se estivessem envolvidos; como se sente quem pratica o bullying e quem sofre a ação; as razões que podem levar um aluno a praticar o bullying; e como a escola e seus profissionais encaminham essas situações. O questionário utilizado foi adaptado do instrumento utilizado por Fante e Pedra (2008) e Rolim (2010). A validação do instrumento se deu por meio da realização de um estudo piloto, com uma amostra de 20 alunos, nessa mesma faixa de idade e procedentes de outra instituição escolar.

Procedimentos

Tabularam-se as respostas dos questionários com a utilização de uma ferramenta on-line: Google Docs. Os dados foram analisados com base nos objetivos do estudo. Todos os pesquisados foram consultados e receberam um Termo de Consentimento Livre Esclarecido, com detalhes sobre os objetivos da pesquisa e os procedimentos utilizados para a coleta dos dados. Além disso, solicitou-se a autorização dos pais e/ou responsáveis pelos alunos. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Oeste de Santa Catarina (CEP/Unoesc).

 

Resultados

A análise apresentada neste artigo constitui um recorte dos dados coletados por meio do questionário aplicado, cuja abordagem está relacionada com a temática em questão.

A compreensão do aluno testemunha sobre o bullying na escola

Os pesquisados foram questionados sobre a conduta e o pensamento como testemunhas de episódios de bullying. A primeira pergunta inquiriu se o sujeito já havia presenciado algum colega praticando bullying. Apesar de todas as respostas terem tido percentis expressivos, a ênfase recaiu sobre a seguinte resposta: “Sim, várias vezes”. Do total de alunos, 54,69% dos alunos da escola particular e 60,75% da escola pública responderam que presenciam com frequência situações de bullying; 23,44% dos alunos da escola particular e 15,89% dos alunos da escola pública descreveram que presenciaram uma única vez; 20,31% dos alunos da escola particular e 23,36% dos alunos de escola pública afirmaram que nunca presenciaram uma cena desse tipo.

Os resultados ficaram um pouco mais acentuados quando se questionaram os alunos sobre colegas que foram agredidos, ameaçados, isolados ou humilhados propositalmente por outros colegas. Nessa questão, 71,88% dos sujeitos da escola particular e 64,49% da pública responderam que “sim”. Os alunos enfatizaram, nas respostas, que os autores de bullying estudavam no mesmo ano que eles (81,25% dos alunos da escola particular e 48,60% da escola pública), mas também em outros anos (23,44% dos alunos da escola particular e 43,93% da escola pública).

Quando os alunos foram questionados sobre a principal forma de violência na escola, 70,31% dos alunos da escola particular responderam que é a psicológica – envolvendo humilhações, ameaças, constrangimento, fofocas etc.; 26,56% responderam que é a física – envolvendo brigas, socos, pontapés, empurrões etc.; 7,81% consideraram que é a violência ao patrimônio (quebrar cadeiras, carteiras, vidros, lâmpadas etc.); e, outros 7,81% responderam que é a discriminação, seja por cor, sexo, raça, idade, entre outros. Já na escola pública, a forma mais citada foi a violência física (64,49%), seguida da violência psicológica (53,27%), violência ao patrimônio (38,32%) e discriminação na escola (27,10%).

Os alunos foram questionados sobre as reações deles ao presenciarem algum colega sofrendo bullying. As respostas são apresentadas pela ordem de maior indicação, já que os sujeitos puderam assinalar mais de uma alternativa. As reações costumeiramente tomadas pelos alunos de ambas as escolas são: “Procuro sair de perto e faço de conta que nem vi” (particular: 10,94% e pública: 26,17%); “Procuro ajudar quem está sendo agredido” – “Saio em defesa do agredido” – (particular: 28,13% e pública: 22,43%); “Peço aos agressores que ‘parem’ com a violência (particular: 37,50% e pública: 24,30%); “Conto para um responsável pela escola (professor, direção, coordenação)” (particular: 25% e pública: 15,89%).

Em seguida, abordou-se o que os sujeitos que presenciam cenas de bullying sentem. A maioria das alternativas que compunha o questionário foi indicada enfaticamente. Positivamente, poucos alunos acham graça dessas situações (particular: 1,56% e pública: 4,67%). O percentil das demais posições assumidas foi: 20,31% da escola particular e 28,04% da escola pública afirmaram que ficam com medo que possa acontecer situação semelhante com eles; 21,88% da escola particular e 17,76% da escola pública apontaram que ficam chateados/tristes, pois já passaram situação semelhante; 43,75% da escola particular e 51,40% da escola pública afirmaram ficam preocupados com os colegas agredidos; alguns ainda indicaram que não sentem nada, por serem somente brincadeiras, 14,06% da escola particular e 3,74% da escola pública. Outros ainda declararam nunca ter visto situações assim – 0,78% da escola particular e 10,28% da escola pública.

Questionaram-se ainda os participantes sobre o motivo que levaria um estudante a praticar bullying. As principais respostas são apresentadas a seguir, em ordem decrescente.

• Escola particular: “Ele faz isso porque se ‘acha melhor’ que os outros” (71,88%); “Ele faz isso porque quer ser mais popular, sentir-se poderoso” (53,13%); “Ele faz isso por diversão” (45,31%); “Ele faz isso porque é uma pessoa que não se preocupa com os sentimentos do outro” (31,25%); “Ele faz isso por não aceitar que as pessoas são diferentes” (31,25%).

• Escola pública: “Ele faz isso porque quer ser mais popular, sentir-se poderoso” (64,49%); “Ele faz isso porque se ‘acha melhor’ que os outros” (61,68%); “Ele faz isso por diversão” (37,38%); “Ele faz isso porque é uma pessoa que não se preocupa com os sentimentos do outro” (37,38%); “Porque ele deve ter uma relação familiar na qual tudo se resolve pela violência verbal ou física e ele reproduz isso no ambiente escolar” (32,71%); “Ele faz isso porque é mais forte” (30,84%).

Mesmo que não diretamente relacionados ao objetivo deste artigo, considerou-se importante trazer outros dados complementares da pesquisa realizada. O primeiro deles diz respeito a quem os alunos questionados comunicam os episódios de bullying. Perguntou-se aos alunos se eles contariam para alguém se tivessem sofrido algum tipo de violência. Do total de participantes, 48,44% dos alunos da escola particular e 59,81% dos alunos de escola pública responderam que haviam passado por tal situação. Dos alunos que passaram por situação de bullying, 26,56% dos alunos de escola particular e 18,69% da escola pública contaram aos pais; 15,63% dos alunos de escola particular e 16,82% da escola pública contaram para colegas/amigos; 20,31% dos alunos de escola particular não contaram para ninguém, a mesma atitude foi tomada por 9,35% dos alunos da escola pública. Cabe destacar que um número pequeno de alunos contou a situação para professores (escola particular: 4,69% e escola pública: 3,74%) e direção (escola particular: 6,25% e escola pública: 5,61%).

Outro aspecto que merece destaque e tem relação com o anterior envolve a avaliação que os alunos fazem da postura tomada pela escola diante de episódios de bullying. Ao serem solicitados que indicassem formas de conduzir as situações de bullying, os alunos indicaram a expulsão/ transferência dos envolvidos (34,38% dos alunos de escola particular e 58,88% de escola pública), bem como conversa de orientação entre a equipe da escola, os responsáveis e os envolvidos na situação (59,38% dos alunos de escola particular e 42,99% de escola pública). Eles também indicaram outros encaminhamentos. A suspensão foi a sugestão de cinco alunos de ambas as escolas – sendo essa a alternativa mais branda e que antecede a radical expulsão. A alternativa primeira da advertência também foi citada, bem como a sugestão de que o aluno deveria perder nota. Outros comentários variaram entre intervenções educativas e punitivas.

Sobre os procedimentos adotados pela escola nos casos de bullying, obtiveram-se as seguintes respostas: “Normalmente, eles nem ficam sabendo” (23,44% dos alunos da escola particular e 31,78% da escola pública); “Normalmente quando sabem, não tomam nenhuma providência” (25% dos alunos da escola particular e 27,10% da escola pública); “Normalmente quando sabem, buscam punir os culpados” (20,31% dos alunos da escola particular e 38,32% da escola pública); “Normalmente quando sabem, buscam resolver o problema, orientar os culpados, mas sem puni-los” (32,81% dos alunos da escola particular e 21,50% da escola pública). O maior número de indicações evidencia a tomada de providência por parte da direção da escola e a necessidade de haver mais controle e fiscalização dos alunos e a promoção do respeito entre os próprios alunos.

Considerando os dados coletados por meio de investigação realizada por Salgado, Senra e Lourenço (2014) que buscou efetuar um levantamento de artigos indexados nas bases Web of Science, Psyclnfo, Redalyc, Dialnet e Eric, referentes aos indicadores de efetividade dos programas de intervenção em situações de bullying, dos 165 artigos analisados, evidenciou-se que, dos programas para situações de bullying, 30,9% dos artigos consideram fundamental a capacitação docente; 26,11%, a necessidade de conscientização sobre o fenômeno; e 23,6%, o suporte individual e/ou coletivo para os alunos como elementos de maior impacto e eficácia na intervenção em situações de bullying.

 

Discussão

O objetivo deste artigo é analisar a compreensão de alunos adolescentes em relação às razões promotoras do bullying na escola, particularmente os que ocupam o lugar de testemunhas. Na concepção de Maldonado (2011, p. 32), a testemunha pode ser entendida da seguinte forma:

Na “plateia silenciosa”, as testemunhas ou espectadores se omitem, observando o desenrolar das agressões sem nada dizer, sem tomar providências no sentido de denunciar ou desmascarar os agressores, que se tornam ainda mais audaciosos por acreditarem que não haverá consequências para suas ações. Os espectadores se omitem por medo de serem escolhidos como alvos, por indiferença ou pela recusa de perceber a realidade: “O problema não é meu, então não sou eu quem vai resolver”.

Considerando os dados apresentados na seção anterior, identifica-se a presença de violência na escola e que essa violência ocorre, na maioria das vezes, sob a forma psicológica. De acordo com Tognetta (2009), a violência se traduz como uma forma de resolver um conflito, na qual se utiliza coerção física ou psicológica. Não raramente, mesmo sendo uma agressão física, há a presença do fator psicológico tanto na motivação para a ação quanto na forma de receber a agressão e lidar com ela.

As consequências também são sentidas física e emocionalmente, em curto e longo prazos (Silva & Rosa, 2013). Segundo Moura, Cruz e Quevedo (2011, p. 19), “O bullying [...] acarreta sofrimento psíquico, diminuição da autoestima, isolamento, prejuízos no aprendizado e no desempenho acadêmico”.

Os índices relacionados à identificação de bullying se assemelham aos de identificação da violência. Quase 78% dos sujeitos da escola particular e 77% da escola pública já presenciaram pelo menos um episódio de bullying, o que explicita que há a compreensão sobre o que é bullying, bem como a identificação desse fenômeno. Essa é uma realidade positiva, pois, conforme os dados anteriormente mencionados e a contribuição de Tognetta e Vinha (2010a, p. 460), “as formas de ataque mais percebidas nesse cotidiano violento da escola não são em sua maioria materialmente explicitadas: são formas sutis de violência moral”. Ou seja, nem sempre são claras aos olhos dos adultos responsáveis pela escola, mas são identificadas pelos próprios alunos.

Considerando a explicitação das manifestações conflituosas assinaladas pelos alunos contendo os componentes de bullying, cabe enfatizar a definição de bullying ressaltada por Avilés (2006, p. 82):

Chamamos bullying a intimidação e o maltrato entre escolares de forma repetida e mantida no tempo, sempre longe dos olhares dos adultos/as, com a intenção de humilhar e submeter abusivamente uma vítima indefesa por parte de um abusador ou grupo de valentões através de agressões físicas, verbais e/ou sociais com resultados de vitimização psicológica e rejeição grupal.

Além de identificarem o bullying, os sujeitos desta pesquisa conhecem os autores: 81,25% dos questionados da escola particular e 48,60% da escola pública responderam que quem prática o bullying está no mesmo ano que eles. Os sujeitos questionados também indicaram predominantemente reações adequadas como testemunhas ao presenciarem um episódio de bullying. A testemunha é papel fundamental na promoção do bullying. Entretanto, “não há bullying sem que haja um público a corresponder com as apelações de quem ironiza, age com sarcasmo e parece liderar aqueles que são espectadores” (Tognetta & Vinha, 2010a, p. 452). Então, quando a testemunha se indigna e pede para que o autor pare com o comportamento, quando defende o alvo ou quando pede ajuda a um adulto rompe com as expectativas de aceitação e motivação social por parte do autor.

Nas respostas, é importante destacar que, mesmo havendo reações adequadas diante de situações de bullying, não se evidencia uma forte tentativa de reação e/ou manifestação de indignação pelos que presenciam essas situações. Nesse sentido, cabe questionar por que esse tipo de comportamento ocorre. Na essência desse tipo de comportamento, estaria o medo de se envolver e de ser agredido ou a ausência de coragem para enfrentar essas situações e colaborar para o encaminhamento delas sem ocupar somente o lugar de testemunha passiva do processo? Tognetta, Faria, Barbosa, Silva, Razera, Rodrigues e Pereira (2010) realizaram estudo com 150 adolescentes do 9º ano do ensino fundamental II e 1º ano do ensino médio de escolas públicas da região metropolitana de Campinas. Ao serem questionados sobre o fato de saberem e terem visto quaisquer dessas formas de violência entre os colegas, 92% desses adolescentes enfatizaram que já haviam assistido a alguma situação de bullying na escola. Isso significa que quase todos os alunos já foram testemunhas de uma forma de violência na escola. O que fizeram? Na maioria das vezes, calaram-se. Isso indica, no mínimo, que aqueles que assistem às formas de violência entre pares também precisam de ajuda para se indignar com a situação pela qual passam os outros, sejam próximos ou não.

O comportamento é adequado na maioria das vezes. Mas o que há por trás dessa atitude? O que sentem as testemunhas questionadas ao presenciarem uma situação de bullying? Quase 44% dos alunos de escola particular e aproximadamente 51,5% da escola pública revelaram preocupação para com aquele que está sendo agredido. Essas porcentagens sugerem a presença de empatia, solidariedade, indignação e justiça. Outros dois sentimentos também indicados: a tristeza por lembrar que já esteve no papel de alvo e o medo por talvez ser o próximo alvo. Essas categorias de sentimento podem inibir a ação, pois o medo de ser o próximo alvo ou a lembrança de já ter estado em semelhante situação (e não querer vivê-la novamente) viabiliza, segundo Tognetta & Vinha (2010a), comportamentos que parecem concordar com tais ações, entre eles a indiferença e a omissão.

Na percepção da testemunha, outro aspecto a ser enfatizado diz respeito às razões que levam o autor a agredir o alvo. Aproximadamente 72% dos sujeitos questionados na escola particular e quase 62% na escola pública consideraram que o autor se “acha melhor” que os outros, e 53% dos alunos da escola particular e 64,5% da escola pública mencionaram que ele quer ser mais popular. A identificação dessa motivação para praticar bullying está relacionada de forma direta com a autoimagem, a necessidade de sobressair, de ser bom aos olhos dos outros.

Compartilhamos com Tognetta (2011, p. 149) o entendimento de que “crianças e adolescentes que desrespeitam os outros ou se deixam desrespeitar não construíram por si um autorespeito [sic] (não tem [sic] consciência de seu valor e do outro)”. Adler afirma (1935 como citado em Tognetta, 2009, p. 5): “há muito tempo insisto no fato de que ser homem é sentir-se inferior” e desejar se superar. Os alunos da amostra também destacaram as seguintes possibilidades: aquele que pratica o bullying se diverte com as próprias ações, não se preocupa com o sentimento dos outros ou não consegue aceitar as diferenças. Essas considerações são pertinentes, pois ao autor do bullying falta o senso ético para compreender até que ponto os atos praticados são adaptativos e quando começam a ser prejudiciais a si, ao alvo e à sociedade.

O argumento de que o autor pratica bullying porque não é punido é aceito também. Tognetta (2005, p. 17) sugere que sejam aplicadas sanções por reciprocidade, que “baseiam-se em dar ao sujeito a possibilidade de fazer escolhas, de sofrer as consequências naturais de seus atos e se responsabilizar pelas correções a serem realizadas”. Da mesma forma, a influência do ambiente familiar também deve ser considerada , no sentido de compreender se esse ambiente está sendo permissivo ou limitativo demais, impedindo o desenvolvimento da moral com parâmetros equilibrados de possibilidades, limites e responsabilidades.

Avilés (2013, p. 11) enfatiza que a superação do problema do bullying depende de uma análise séria e global das relações interpessoais que imperam na comunidade educativa, dos valores que se promovem nela e como seus membros participam nos “projetos de convivência na escola”. É fundamental que as escolas organizem “planos de convivência” que sejam capazes de apontar caminhos para que meninos e meninas superem as dificuldades de conviver num ambiente em que se sintam pertencentes e fortalecidos no propósito de resolver seus problemas com formas mais equilibradas do que o uso da violência e da submissão.

Outro dado a ser explicitado se refere ao argumento de que quem pratica bullying já foi alvo também. E aqui cabe o princípio básico de relações de respeito. Segundo Tognetta (2010b, p. 10), as crianças e os adolescentes que “desrespeitam os outros também se sentem desrespeitados primeiro. Respeitar as crianças (o que não significa permi tir o desrespeito [...]) é nosso grande desafio para vencer, não só as situações de bullying, mas qualquer outro tipo de violência na escola”. Os princípios éticos e morais não são aprendidos pela teoria, são internalizados na prática, nas relações e nos exemplos.

De acordo com Tognetta (2010b), a escola está mais preocupada com a indisciplina de seus alunos e em criar novas regras para que eles se comportem dentro dos padrões, em vez de voltar seu olhar para as relações e perceber que até mesmo a indisciplina se originará em ambientes em que a ética e a moral são palavras oportunas, escritas nos documentos, mas não aplicadas. Nesse sentido, para Veiga (2007, p. 11), “a escola deve assumir a sua responsabilidade na formação da consciência moral dos jovens, quer através do tipo de conteúdos que ensina, quer através da maneira como tais conteúdos são transmitidos”.

A escola “é o germe de modificação do indivíduo, que traz em si a essência de tal modificação por meio das potencialidades que pode desenvolver [...]” (Zluhan & Raitz, 2014, p. 31). E aí se pode pensar nos conflitos vividos pelos seus alunos como oportunidade de promover a aprendizagem, reflexão e internalização de valores (Tognetta & Vinha, 2010b).

Quando se considera como os alunos avaliam os encaminhamentos efetuados pela escola antes manifestações de bullying, muito do indicado pelos alunos lembra o estudo de Tognetta (2010a) que enfatiza as intervenções promovidas pelas escolas. Trata-se de intervenções pontuais, quase sempre havendo punição, com simultânea ou consequente chamada dos responsáveis para que se dirijam até a escola. Aplicam-se as advertências, as suspensões e então a expulsão. Não raramente, é solicitada a intervenção da polícia e do Conselho Tutelar. Segundo Tognetta (2010a), essas intervenções apenas alimentam sentimentos de raiva, ódio e indignidade nos alunos.

Devem-se destacar as alternativas de encaminhamento que possam ser organizadas no contexto escolar e que primem por projetos que visem à convivência entre os envolvidos nesse contexto: alunos, professores, direção, funcionários, pais, entre outros . No que se refere a contar com o apoio e a parceria da família nos processos educativos dos alunos, Avilés Martinez (2013, p. 12) sugere os “fóruns com as famílias”. Mais do que cobrar por medidas e exigências políticas, mais do que denunciar o problema das famílias mal formadas, mal instruídas sobre a educação de seus filhos, é preciso abrir espaços para se pensar, conjuntamente, o problema da qualidade das relações com aqueles que mais podem auxiliar no desenvolvimento dos alunos: os educadores e os pais.

Cabe destacar, ainda, outras possibilidades de encaminhamento dos problemas envolvendo o bullying e os alunos de diferentes faixas de idade, segundo Avilés (2013, p. 12), trabalhos com equipes de ajuda, grupos de mediação, tutorias, círculos de justiça restaurativa e assembleias constituem interessantes alternativas. Enfim, é importante desafiar o protagonismo infantil e juvenil com o objetivo de que os alunos não assumam o lugar de somente espectadores que aguardam pela proposição de ações. Devem ser atuantes porque podem decidir, escolher e restaurar a paz mediados por professores que entendem do desenvolvimento humano e permitem a expressão do que sentem e pensam. Se o bullying é um problema entre pares, é o grupo o espaço de trabalho no qual os adultos devem intervir preferencialmente.

 

Considerações finais

O termo bullying e as informações a ele correspondentes se popularizaram de forma que as pessoas sabem não somente o que significa e suas características, mas são capazes de identificar o fenômeno, de apontar autores e alvos, e, mais além, são capazes de descrever de forma elaborada quais as consequências e as atitudes a serem tomadas. Ou seja, o tema é conhecido de forma ampla. Porém, como o bullying tem sido vivenciado na prática? Considera-se importante dar sequência às reflexões iniciadas neste artigo, realizando a observação prática do cotidiano dessas turmas de alunos, buscando observar como surgem os conflitos e de que forma são resolvidos.

Os dados coletados confirmaram que o fenômeno bullying está relacionado às dimensões inter e intrapessoal dos alunos. Ao serem questionados sobre os motivos que levam o autor de bullying a agir, as principais indicações de respostas se relacionaram a características pessoais, quase sempre decorrentes de alguma influência externa, de seu meio social.

Essas respostas são a porta de acesso para trabalhar a prevenção de bullying na escola. Mesmo que diretamente os alunos não possuem consciência de que alguém age de determinada forma, por ter sido essa a única maneira de se portar que aprendeu. Mesmo assim, os sujeitos compreendem que há algo a ser modificado para o bem das relações. Essa compreensão permite que se insiram discussões e planos de ação para promover essas mudanças no coletivo, visando melhorar o individual de cada sujeito envolvido – não somente o autor, mas também o alvo e as testemunhas.

Outra porta de entrada para as ações de prevenção e abordagem do bullying são os próprios comportamentos dos alunos ante situações de conflito. Essa é a primeira conduta a se trabalhar com os alunos quando se aborda a temática bullying e violência na escola. Por muito tempo, as crianças e os adolescentes sofreram calados situações de injustiça e humilhação, assistiram a cenas em que os colegas eram maltratados e ficaram com medo de agir, clamaram por serem enxergados, mesmo que fosse preciso atingir os colegas para conseguir isso. Hoje, cabe aos próprios alunos identificar o bullying e colaborar para a erradicação dele ou de qualquer forma de violência na escola. Entretanto, cabe aos professores, pais e demais educadores fornecer às crianças e aos adolescentes subsídios para tal.

Os dados explicitados no decorrer do artigo revelaram sentimentos de medo, pena e tristeza perante os casos de bullying. São esses os sentimentos que se deseja despertar nesses seres humanos em desenvolvimento? Que adultos estão sendo formados nos ambientes escolares? Medo, tristeza e pena não condizem com aquilo que se pretende ensinar aos alunos. Esses sentimentos estão na contramão do senso de justiça, dignidade, melhorias, respeito, empatia e reconhecimento das diferenças do outro.

O bullying é conflito entre pares e envolve alvo, autor e testemunhas, o que significa dizer que uma abordagem comprometida deve prever o envolvimento das três partes. De acordo com o posicionamento de Avilés (2013, p. 36), “parece insuficiente, também, tratar de intervir só sobre [sic] vítimas e agressores/as, e assim é fundamental implicar às [sic] testemunhas como parte do problema, que o sintam seu para que se impliquem e impeçam que aconteça”.

Cabe ressaltar ainda que a formação e capacitação adequadas dos docentes, coordenadores e orientadores pedagógicos, bem como a atuação dos psicólogos escolares, certamente tendem a contribuir para auxiliar o cotidiano escolar com temáticas como essa. Entretanto, cabe ressaltar que as ações diante do problema do bullying não têm receitas prontas. Da mesma forma, não são cartilhas entregues aos professores (Avilés, 2013) que resolverão a situação problemática. Torna-se fundamental avaliar o contexto social, com suas particularidades, as quais envolvem tanto a família quanto a escola.

 

Referências

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Avilés, J. M. (2013). Bullying: guia para educadores. (Coleção Psicologia e Educação em Debate). Campinas: Mercado de Letras.         [ Links ]

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Endereço para correspondência:
Maria Teresa Ceron Trevisol
Universidade do Oeste de Santa Catarina, campus de Joaçaba
Rua Minas Gerais, 62-E, ap. 501, Residencial Europa
Chapecó – SC – Brasil. CEP: 89801-015
E-mail: mariateresa.trevisol@unoesc.edu.br

Submissão: 27.8.2014
Aceitação: 10.8.2015

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