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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.19 no.1 São Paulo abr. 2017

https://doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v19n1p192-207 

ARTIGOS
DESENVOLVIMENTO HUMANO

 

Estimulação transcraniana por corrente contínua no autismo: uma revisão sistemática

 

Estimulación transcraneal de corriente directa en el autismo: una revisión sistemática

 

 

Thiago FernandesI; Ana Luiza Alves DiasII; Natanael Antonio SantosIII

IUniversidade Federal da Paraíba, PB, Brasil
IIUniversidade Federal da Paraíba, PB, Brasil
IIIUniversidade Federal da Paraíba, PB, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O transtorno do espectro autista (TEA) é caracterizado por apresentar prejuízos nas interações sociais, limitações nos comportamentos de comunicação, além de alterações comportamentais de interesses. Devido a sua complexa fisiopatologia, é imprescindível a existência de biomarcadores válidos e confiáveis para um diagnóstico e tratamento eficaz, objetivando a melhora da sintomática. A estimulação transcraniana por corrente contínua (ETCC), uma das formas de estimulação não-invasiva mais utilizadas, apresenta-se como uma técnica promissora com potenciais diagnóstico e terapêutico. Usando a metodologia PRISMA, realizamos uma revisão da contribuição e evidência científica para o uso da ETCC no TEA. Entre 43 artigos, foram identificados seis estudos relevantes. Os dados preliminares sugerem melhora nos sintomas comportamentais e cognitivos do TEA. Todavia, apesar da eficácia da ETCC, algumas divergências metodológicas foram observadas entre os artigos, trazendo a necessidade da realização de mais estudos bem desenhados e controlados para confirmar potencialidade real da ETCC no TEA.

Palavras-chave: estimulação cerebral; neuromodulação; transtorno autístico; autismo; revisão sistemática.


RESUMEN

El trastorno del espectro autista (TEA) es caracterizado por déficits persistentes en comunicación social, deterioro en el lenguaje y la comunicación, y patrones de comportamiento repetitivos. Debido su carácter complejo, es importante conocer los marcadores válidos para el diagnóstico y tratamiento eficaz, mejorando los síntomas. La estimulación transcraneal con corriente directa (tDCS en inglés) es una nova técnica que es una herramienta terapéutica y diagnóstica muy prometedora. Utilizando las directrices PRISMA, se realizó una revisión para ver la evidencia científica para el uso de tDCS en TEA. De los 43 artículos, se identificaron seis estudios potenciales. Los datos preliminares sugieren una mejora en los síntomas conductuales y cognitivos del TEA. Sin embargo, a pesar de la eficacia de tDCS, algunas divergencias metodológicas se observaron entre los estudios, lo que lleva a la necesidad de estudios bien diseñados y controlados para confirmar el verdadero potencial de tDCS en TEA.

Palabras clave: estimulación transcraneal de corriente continua; neuromodulación; autismo; trastorno de espectro autista, revisión sistemática.


 

 

Introdução

O transtorno do espectro autista (TEA) é caracterizado por causar prejuízos nas interações sociais, limitações nos comportamentos de comunicação, além de alterações comportamentais e de interesses (American Psychiatric Association, 2013). Com uma taxa de prevalência de um em cada 110 nascimentos (Baron-Cohen et al., 2009; Oberman et al., 2012), estima-se que o TEA tem maior incidência em crianças do que outras doenças como diabetes, câncer, AIDS e síndrome de Down combinadas (Braun et al., 2014; Oberman et al., 2012).

O diagnóstico do TEA é realizado de forma clínica, pela observação direta da presença de sintomas comportamentais que caracterizam o cerne do transtorno e de entrevistas com os responsáveis dos pacientes (American Psychiatric Association, 2013). Algumas baterias são utilizadas para realizar o diagnóstico clínico, como a Escala de Classificação de Autismo na Infância (Childhood Autism Rating Scale - CARS), a Lista de Verificação de Avaliação Tratamento do Autismo (Autism Treatment Evaluation Checklist - ATEC), a Escala de Avaliação Global para Crianças e Adolescentes (Children's Global Assessment Scale - CGAS) e a Lista de Verificação de Comportamentos Aberrantes (Aberrant Behavior Checklist - ABC) (Garfin, McCallon, & Cox, 1988; Geier, Kern, & Geier, 2013).

A CARS é uma bateria com 15 itens relacionados ao comportamento social, à resposta emocional, ao uso de objetos, à linguagem corporal, à adaptação a mudanças, às respostas visuais, às respostas perceptuais, ao medo e à ansiedade (Garfin, McCallon, & Cox, 1988). De modo geral, essa escala observa a severidade do autismo. A ATEC é uma bateria com quatro subescalas: 1. discurso/linguagem/comunicação (14 itens; escore máximo de 20); 2. social (20 itens; escore máximo de 40); 3. consciência sensorial e cognitiva (18 itens; escore máximo de 36); e 4. saúde física e comportamental (25 itens; escore máximo de 75). Em princípio, quanto maior o escore, menor o rendimento do paciente. A CGAS avalia o funcionamento psicossocial da criança, pontuando de 1 a 100, e quanto menor o resultado, mais severo é o transtorno na criança (Geier et al., 2013). Por fim, a ABC é composta por 57 itens que funcionam como triagem para comportamentos desadaptativos.

Até então, não há um tratamento definitivo para o autismo. A maior parte dos tratamentos para os sintomas centrais do TEA baseiam-se em intervenções comportamentais e cognitivas (Reichow, 2012). Todavia, os resultados não satisfazem casos graves com catatonia, déficit de atenção e hiperatividade ou alta agressividade. Ainda, o tratamento farmacológico, por meio de antipsicóticos ou antidepressivos, tem papel adjuvante, mas não reduzem de forma eficaz os sintomas centrais do transtorno (Oberman et al., 2012). Em muitos casos, são observados sintomas adversos como sonolência, boca seca, agitação, insônia e aumento do prejuízo comportamental (Amatachaya et al., 2015). Portanto, é preciso desenvolver ou investir em opções inovadoras e mais eficazes de tratamento.

No sentido de compreender a fisiopatologia do TEA, estudos de neuroimagem foram realizados ao longo do tempo (Anagnostou & Taylor, 2011; Herbert et al., 2002; Oberman et al., 2012). Os achados indicaram a existência de assimetria cerebral, envolvendo redução de atividade no hemisfério esquerdo - onde existem estruturas relacionadas à linguagem, memória e funcionamento social. Inclusive, essa redução de atividade tem origem em uma maturação sináptica diferenciada, causada por anormalidades microestruturais, principalmente na região esquerda do córtex pré-frontal dorsolateral (DLPFC) (Chiron et al., 1995; Ozonoff & Miller, 1996; Peterson, Mahajan, Crocetti, Mejia, & Mostofsky, 2015). A assimetria cerebral presente no TEA trouxe à tona a discussão de que a lateralização das funções neurais nessas circuitarias podem explicar a origem dos prejuízos na interação social, comunicação, agressividade e linguagem, alguns sintomas presentes no TEA (Casanova et al., 2013; Said, Egan, Minshew, Behrmann, & Heeger, 2013; Sokhadze et al., 2014).

Assim, além das terapias como intervenções comportamentais e farmacológicas, o advento de novos procedimentos que utilizam técnicas de estimulação cerebral não invasivas, como a estimulação magnética transcraniana (EMT) e estimulação transcraniana por corrente contínua (ETCC), podem trazer bons resultados na melhora comportamental e cognitiva da TEA, assim como tem sido sinalizado no tratamento de outros transtornos como esquizofrenia, doença de Alzheimer, depressão, entre outros. (Amatachaya et al., 2015; Bystad et al., 2016; Enticott et al., 2014; Loo et al., 2012). Inclusive, o uso da ETCC em crianças e adolescentes com transtorno do déficit de atenção com hiperatividade mostrou melhora comportamental da agressividade e no processamento de informações, como detecção de estímulos ambientais e habilidade de trocar facilmente entre atividades (Bandeira et al., 2016; Dambacher et al., 2015).

A ETCC tem sido bastante estudada e apresenta-se como uma das técnicas mais promissoras para o tratamento de inúmeras condições (Kuo, Paulus, & Nitsche, 2014; Tortella et al., 2015). A base da ETCC é empregar um estimulador impulsionado por bateria que emite correntes elétricas contínuas de baixa intensidade (0.5 - 2.0 mA) por dois eletrodos (cátodo e ânodo), que variam de tamanho entre 25cm2 a 35cm2, que ficam em contato com o couro cabeludo (Stagg & Nitsche, 2011). O fluxo dessa corrente é capaz de modular a excitabilidade neuronal, alterando o potencial de repouso dos neurônios e produzindo efeitos como alterações na excitabilidade neuronal prolongado, que podem ser impulsionadas pela plasticidade sináptica. Assim, a estimulação de apenas uma área pode melhorar áreas adjacentes (Stagg & Nitsche, 2011).

Dependendo da polaridade da estimulação, o ânodo terá efeito despolarizante, e o cátodo terá efeito hiperpolarizante (Bikson, Datta, & Elwassif, 2009; Nitsche et al., 2003, 2008). Devido a sua capacidade de induzir mudanças corticais em longo prazo, a ETCC vem sendo considerada como ferramenta de tratamento para inúmeras condições neurológicas e psiquiátricas como depressão (Palm, Hasan, Strube, & Padberg, 2016), esquizofrenia (Mondino et al., 2015) e Alzheimer (Bystad et al., 2016), por exemplo.

De modo geral, a ETCC pode ter efeitos agudos ou duradouros nas funções corticais, dependendo apenas dos parâmetros utilizados na estimulação (como localização, intensidade de frequência ou repetição da estimulação). Nesse contexto, o presente trabalho justifica-se à medida que a ETCC apresenta-se como uma ferramenta moduladora da plasticidade neuronal, podendo ter efeitos positivos na melhora clínica de pacientes com TEA. Nosso objetivo foi coletar evidências, sintetizar e descrever de forma crítica a literatura disponível relacionada à aplicabilidade e eficácia da ETCC em pessoas com TEA.

 

Método

Revisão da literatura

As diretrizes PRISMA (Liberati et al., 2009; Moher, Liberati, Tetzlaff, & Altman, 2009) foram utilizadas para guiar esta revisão sistemática (número de registro PROSPERO: 42017057365). Uma busca eletrônica abrangente foi realizada nas bases de dados MEDLINE, Cumulative Index of Nursing and Allied Health (CINAHL), Web of Science, PsycINFO, Lilacs e SciELO, da data de publicação até julho de 2016. Os descritores específicos utilizados foram: "transcranial direct current stimulation", "transcranial current stimulation", "micropolarization", "non-invansive brain stimulation" e suas respectivas abreviações juntamente com os termos "autism", "autism spectrum disorder", "asperger" "Tourette syndrome" e "autistic disorder". As palavras-chave foram escolhidas, mesmo na ausência do termo específico (MESH) objetivando priorizar a sensibilidade sobre o especificado.

Seleção dos estudos - Critérios de inclusão

Os critérios de elegibilidade foram: (1) estudos em inglês, português ou espanhol; (2) ensaios clínicos; (3) estudos de intervenção; (4) e pesquisas experimentais, como livros e teses disponíveis na íntegra. Estudos em outras línguas, eletroconvulsoterapia, estudos de estimulação magnética transcraniana, cartas e editoriais, estudos de avaliação de condições diferentes do transtorno do espectro autista ou outras intervenções que não a ETCC foram excluídos.

Após examinados, os artigos tiveram as seguintes variáveis retiradas: (1) delineamento do estudo, (2) metodologia da ETCC, (3) efeitos adversos e (4) achados cruciais. Caso existisse informação insuficiente nos estudos, como metodologia da ETCC, o respectivo autor seria contatado.

Procedimentos de análise

Durante a primeira triagem, dois revisores (TM ou AL) avaliaram os títulos e resumos de cada citação e excluíram os estudos irrelevantes. Para cada estudo potencial, dois revisores (NA ou TM) examinaram o artigo completo e avaliaram se os estudos encaixavam dentro dos critérios de inclusão. Caso houvesse discordância, um terceiro avaliador seria contatado (NL).

Avaliação da Qualidade

Os artigos foram avaliados a partir da validade interna (viés de seleção, viés de desempenho, viés de medição de atrito e relatórios) e do construto de validade (adequação dos critérios operacionais utilizados). De modo geral, a qualidade da evidência dos estudos foi avaliada a partir de três medidas principais: (1) limitações (delineamento mal planejado, por exemplo); (2) consistência dos resultados; e (3) precisão (capacidade de generalização dos achados e fornecimento de dados suficientes). Estudos que apresentaram falhas nesses pontos não foram adicionados ou selecionados.

 

Resultados

A busca inicial das bases de dados identificou 43 artigos. Após triagem de título, resumos e referências dos artigos, consideramos seis artigos de acordo com os critérios de elegibilidade para esta revisão (Figura 1).

 

 

Os estudos restringiram-se a ensaios clínicos randomizados e estudos de casos, com tamanho da amostra variando de um a 30 pessoas por estudo. A Tabela 1 fornece as características principais dos estudos.

Esta análise baseia-se em 72 pacientes com TEA, sendo a maior parte da amostra composta por crianças. Em sua maioria, os estudos fizeram uso da ETCC juntamente com instrumentos neuropsicológicos como ATEC, CARS, CGAS e ABC, com a finalidade de observar a diferença entre pré e pós-aplicação da estimulação. Os resultados indicaram que os pacientes com TEA tiveram melhora em mais da metade dos domínios estudados, tal como diminuição da agressividade, melhora semântica e léxica e da catatonia.

 

Discussão

Principais achados

O objetivo dessa revisão foi buscar evidências e avaliar a eficácia do uso da ETCC no tratamento dos sintomas cognitivos e comportamentais associados ao TEA. Os resultados dos seis artigos elegíveis demonstraram melhora nos sintomas do TEA como, por exemplo, melhoras na aquisição da linguagem, diminuição da hiperatividade, diminuição da agressividade, aumento de atividade (no caso da catatonia). A melhora nos sintomas e em alguns comportamentos ocorreu mesmo diante de protocolos de estimulação e indicadores comportamentais diferentes, conforme objetivo de cada artigo avaliado. Inclusive, os efeitos foram relativamente duradouros (Brunoni et al., 2012; Dedoncker, Brunoni, Baeken, & Vanderhasselt, 2016), de forma que alguns estudos relatam melhoras continuadas após o período de seguimento de três e seis meses de estimulações (Costanzo et al., 2015; D'Urso et al., 2014).

Observam-se poucas reações adversas, como leve irritação do escalpe ou da área aplicada, e a ETCC foi bem tolerada mesmo após seis meses de aplicações diárias consecutivas (Costanzo et al., 2015). A configuração padrão da estimulação consistiu no posicionamento do eletrodo no DLPFC esquerdo e o de referência fora do escalpe, no deltoide contralateral.

Essa configuração baseia-se em achados de neuroimagem e resultados de ensaios com EMT que observaram o fluxo irregular de corrente entre o DLPFC esquerdo, córtex pré-frontal medial, área motora suplementar e córtex parietal (Taub, 2015). Esse fluxo irregular corrobora com a premissa de que existem disfunções entre o funcionamento cortical em determinadas regiões de pacientes com TEA (Pedapati et al., 2016). Nesse sentido, modelos computacionais apontaram que, com as configurações de ETCC comumente utilizadas, a corrente atinge também estruturas encefálicas profundas envolvidas na fisiopatologia do TEA (Rosenberg, Patterson, & Angelaki, 2015).

A estimulação anódica sobre o DLPFC esquerdo, objetivando o equilíbrio cortical dessa área, devido a sua extensa conexão com outras redes distribuídas no encéfalo, foi a configuração mais utilizada no TEA, porém não a única. Assim, o DLPFC parece ser um local de potencial interesse para estudar a neuroplasticidade da TEA, uma vez que pode promover o equilíbrio entre excitação e inibição resultando na melhora da comunicação neuronal (Lee, Lee, & Kim, 2016). Alterações nesse equilíbrio podem melhorar o funcionamento da cognição (Sesarini, 2015), principalmente atenção e memória de trabalho, e processamento da informação visual (Vandenbroucke, Scholte, van Engeland, Lamme, & Kemner, 2008). De fato, a excitabilidade do córtex pré-frontal melhora os sintomas, corroborando com estudos que mostraram existência de diminuição da atividade no córtex pré-frontal em pessoas com TEA (Gao & Penzes, 2015).

Outra linha de evidência da estimulação na região do DLPFC advém de ensaios clínicos a partir de estimulações catódicas, em vez de anódicas, no DLPFC esquerdo que reverteram comportamentos pouco adaptativos, como catatonia ou hiperatividade (Costanzo et al., 2015). Os efeitos terapêuticos observados nos estudos desta revisão foram mais relacionados à redução da excitabilidade cortical no DLPFC e à possível cascata decorrente de efeitos inibitórios sobre todas as redes neuronais interligadas com essa região (Gao & Penzes, 2015). Os efeitos positivos das estimulações repercutiram reduzindo disforia, irritabilidade, agitação, choro e sintomas comportamentais avaliados por escalas como ABC, CARS, CGAS e ATEC. Estudos de neuroimagem apontam que o córtex pré-frontal medial e lobo temporal medial também são críticos na fisiopatologia do TEA devido ao aspecto de retraimento social relacionado a indivíduos com TEA que têm como causa a redução dopaminérgica nessa área, ou áreas interligadas com o DLPFC (Gilbert, Bird, Brindley, Frith, & Burgess, 2008).

Possíveis mecanismos de ação da ETCC no TEA

Um resumo dos possíveis mecanismos de ação pelos quais o uso da ETCC parece fornecer benefícios no tratamento do TEA está sendo fornecido por esta revisão, embora as pesquisas ainda sejam específicas e restritas dentro de um universo complexo que envolve a própria fisiopatologia do transtorno. Naturalmente, muitas descobertas permanecerão desconhecidas, assim como os principais mecanismos de ação que precisam ser testados, generalizados e compreendidos pela realização de mais pesquisas. Todavia, os efeitos da ETCC parecem determinados pela polaridade neuronal e, provavelmente, por extensão, até a circuitaria neural (Krause, Márquez-Ruiz, & Kadosh, 2013; Wokke, Talsma, & Vissers, 2015).

Protocolos de estimulação utilizados

A estimulação anódica foi responsável por aumentar a excitabilidade neuronal, e a estimulação catódica desencadeia o inverso. Essa mudança de polarização ocorre provavelmente devido ao deslocamento do potencial de repouso, pelo menos dentro de uma concepção atual relacionada ao mecanismo subjacente aos efeitos em curto prazo da ETCC (Nitsche & Paulus, 2001). Os efeitos em longo prazo da ETCC são propostos como decorrentes de alterações nas regiões sinápticas (Medeiros et al., 2012), especificamente por alterações de atividade em receptores N-Methyl-D-aspartate (NMDA) e GABA, que podem então levar a mudanças permanentes em áreas que apresentavam redução de atividade, por exemplo. Além disso, a ETCC pode resultar em modulações da neuroplasticidade pelo mecanismo dependente de fator neurotrófico derivado do cérebro (brain-derived neurotrophic factor - BDNF), uma vez que a hiperatividade do BNDF tem papel fundamental na etiologia do autismo na fase inicial da vida (Fritsch et al., 2010). Com esses achados, foi possível observar que os efeitos da ETCC não estão limitados aos locais de aplicação, tendo efeito inclusive em outras áreas.

Comparação com outros estudos

Esta é a primeira revisão que incluiu a estimulação transcraniana por corrente contínua junto a estratégias da eficácia em pacientes com TEA. Alguns estudos avaliaram o uso da ETCC no TEA utilizando desfechos neuropsicológicos. Por exemplo, demonstrou-se que a ETCC pode melhorar a aquisição de linguagem (Amatachaya et al., 2015) e a memória operacional (Steenburgh, Varvaris, Schretlen, Vannorsdall, & Gordon, 2016). Sugere-se que, em conjunto com outras formas de micropolarização, é possível observar melhora na sintomática.

Relevância do estudo

Apesar dos poucos resultados encontrados nesta revisão, observamos que são imprescindíveis para continuidade de mais estudos. Por exemplo, em todos os estudos, foram observadas melhoras nos sintomas do TEA mesmo após vários meses de acompanhamento. A existência de estudos de seguimento seria um ponto positivo para mostrar a durabilidade dos efeitos da ETCC. Além disso, é imprescindível realizar mais estudos controlados e randomizados com uma amostra maior utilizando diferentes classes medicamentosas e tentando equiparar os sexos dos participantes, uma vez que o autismo em mulheres apresenta-se de forma mais abrupta (Werling & Geschwind, 2013).

Prevendo que o número de estudos seria baixo (como o uso da ETCC no TEA ainda é incipiente em todo o mundo), o nosso objetivo inicial não foi executar meta-análise e técnicas de meta-regressão. Em vez disso, optou-se por uma revisão ressaltando às suas limitações e contribuições.

Limitações

Existem poucos estudos utilizando ETCC para promover melhoras nos sintomas do TEA. Nesse sentido, essa revisão foi delineada para ser abrangente a partir de uma estratégia de busca robusta. Ainda assim, é possível que nem todos os estudos tenham sido identificados. Apesar da importância dos estudos de relato de caso, alguns dos benefícios clínicos podem ser melhor observados em ensaios clínicos randomizados (ECR). Não obstante, esses estudos foram incluídos nesta revisão, uma vez que podem ser os primeiros passos para ensaios clínicos futuros e, apesar de não prover evidências robustas acerca da eficácia da ETCC no TEA, seus achados são importantes para o delineamento de estudos futuros. Todavia, os ECR apresentaram alta responsividade e eficácia da ETCC.

Por fim, outra limitação é que os estudos nem sempre utilizam os mesmos protocolos de estimulação. Os ECR utilizando ETCC apresentam delineamento experimental mais robusto e refletem bem os estudos que utilizam a EMT, apontando para o uso de estimulação no DLPFC.

 

Conclusão

Os resultados sugerem que a ETCC é uma ferramenta promissora para o tratamento da TEA. Isso ocorreu mesmo em estudos utilizando delineamentos, objetivos e condições diferentes. O que no geral reforça o uso da ETCC como uma ferramenta clínica promissora no estudo e acompanhamento do TEA, principalmente considerando a melhora sintomática quando os tratamentos específicos ou convencionais não surtem efeitos.

Protocolos que visem estimular regiões como o DLPFC, por exemplo, podem levar a melhora dos prejuízos comportamentais e cognitivos, além de servir como ferramenta investigativa e terapêutica. Assim, ficou claro que a estimulação nessa área causa melhoras.

Estudos investigativos não fornecem com clareza quais são os mecanismos fisiológicos alterados ou se essas mudanças podem ser generalizadas a toda população com TEA. Ainda, não está claro qual região é a mais afetada e qual região deve ser mais estimulada. Todavia, de acordo com os estudos de neuroimagem e os achados apresentados, a estimulação do DLPFC apresenta-se como a melhor escolha, por hora. A necessidade de mais estudos avaliando a eficácia da ETCC no TEA é um dos pontos a ser considerado.

Devido à potencialidade do uso da ETCC para o TEA, pode-se saber quais sintomas são melhores tratados e quando deve-se utilizar a estimulação como agente terapêutico. O refinamento da técnica deve ser realizado para que profissionais possam saber o exato momento da aplicação da estimulação. Compreender isso é crucial, do ponto de vista da fisiopatologia, uma vez que pode fornecer novos direcionamentos para o tratamento de condições refratárias ou recorrentes.

 

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Endereço para correspondência:
Thiago Monteiro de Paiva Fernandes
Cidade Universitária, s/n - Castelo Branco
João Pessoa - PB, 58051-900
Telefone para contato: (83) 3216-7337
E-mail: thiagompfernandes@gmail.com

Submissão: 22.8.2016
Aceitação: 26.4.2017

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