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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.19 no.2 São Paulo ago. 2017

https://doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v19n2p264-275 

ARTIGOS
PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

 

Dificuldades e estratégias de enfrentamento de estudantes universitários com sintomas do TDAH

 

Las estrategias de afrontamiento de los estudiantes con síntomas de TDAH para la adaptación académica

 

 

Clarissa Tochetto de OliveiraI; Ana Cristina Garcia DiasII

IUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil
IIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi identificar as principais dificuldades encontradas por estudantes universitários com sintomas do TDAH no ingresso na universidade e verificar quais estratégias de enfrentamento estão associadas com uma melhor adaptação acadêmica. Participaram do estudo 28 estudantes universitários. Os dados foram coletados coletivamente em sala de aula por meio de questionários de autorrelato. As dificuldades relatadas pelos participantes foram submetidas à análise de conteúdo. Também foram estimadas correlações (Pearson) entre as variáveis. Os resultados sugerem que as dificuldades mais frequentes se referem à necessidade de maior autonomia, concentração e raciocínio, à relação com colegas e à falta de informação por parte dos cursos. Verificou-se também que determinadas estratégias de enfrentamento estão associadas com a melhor adaptação acadêmica. Conclui-se que o conhecimento das dificuldades encontradas e das estratégias que podem auxiliar os estudantes com sintomas do TDAH na adaptação acadêmica pode embasar intervenções específicas para esse público.

Palavras-chave: TDAH; dificuldades; estratégias de enfrentamento; adaptação acadêmica; estudantes universitários.


RESUMEN

El objetivo de este estudio es identificar las principales dificultades encontradas por estudiantes universitarios con síntomas de TDAH al ingresar a la universidad y verificar que estrategias de enfrentamiento están asociadas con una mejor adaptación académica. Participaron del estudio 28 universitarios. Los datos fueron recolectados colectivamente en el aula por medio de cuestionarios de auto-relato. Dificultades relatadas pelos participantes fueran sometidas a análisis de contenido. También fueron estimadas correlaciones (Pearson) entre las variables. Los resultados sugieren que las dificultades más frecuentes dicen respecto a la necesidad de mayor autonomía, a la concentración y raciocinio, a la relación con compañeros y a la falta de información sobre las carreras. Se verificó también que algunas estrategias de enfrentamiento están asociadas con la mayor adaptación académica. Se concluye que el conocimiento de las dificultades encontradas y de las estrategias que pueden auxiliar a los estudiantes con síntomas de TDAH en la adaptación académica puede basar intervenciones específicas para ese público.

Palabras-claves: TDAH; dificultades; estrategias de enfrentamiento; adaptación académica; estudiantes universitarios.


 

 

O Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) é caracterizado por um padrão persistente de desatenção, hiperatividade e impulsividade (APA, 2013). Por muito tempo, o TDAH foi tratado como um transtorno específico da infância. Contudo, verificou-se que as pessoas com esse diagnóstico continuavam apresentando os sintomas ao longo da vida. Nos últimos anos, muitos pesquisadores dedicaram-se a esclarecer como os sintomas manifestam-se na vida adulta e suas consequências (Barkley, Murphy, & Fischer, 2010). Adultos com TDAH frequentemente fazem listas, mas se esquecem de usá-las, não conseguem acompanhar muitas atividades ao mesmo tempo, precisam de um prazo rígido para concluir tarefas, mudam de emprego ou planos de forma inesperada e calculam mal o tempo disponível. Em resumo, as queixas de adultos portadores do TDAH referem-se à desorganização, baixa capacidade de concentração, esquecimentos, dificuldades para finalizar tarefas, sensação crônica de excesso de atividades e incapacidade de planejar o futuro (APA, 2013).

A forma como os principais sintomas do TDAH podem interferir na vida acadêmica dos estudantes tem sido o foco de estudos nacionais e internacionais (Advokat, Lane, & Luo, 2011; He & Antshel, 2017; Oliveira, Hauck-Filho, & Dias, 2016; Oliveira & Dias, 2015; Weyandt et al., 2013). Desatenção, hiperatividade e impulsividade podem prejudicar na organização do tempo e tarefas (Rabiner, Anastopoulos, Costello, Hoyle, & Swartzwelder, 2008), no estabelecimento de relacionamentos interpessoais, em prejuízos acadêmicos e ocupacionais em estudantes ou adultos com o transtorno (Barkley, Murphy, & Fischer, 2010; He & Antshel, 2017, Pitts, Mangle, & Asherson, 2015). Em revisão sistemática de literatura recente, verificou-se que estudos internacionais com estudantes universitários com TDAH costumam apontar as semelhanças e as diferenças entre eles e seus pares sem o transtorno (Oliveira & Dias, 2015). No que se refere à experiência universitária, em especial, estudantes com TDAH assemelham-se aos pares nos hábitos de estudo (Advokat et al., 2011). Contudo, apresentam maiores dificuldades de adaptação acadêmica (Oliveira et al., 2016), especialmente em função da necessidade de se adaptar a esse contexto que exige desenvolvimento de maior autonomia e gerenciamento do tempo (He & Antshel, 2017). Também acreditam enfrentar maiores dificuldades que os colegas no planejamento e na realização de atividades diárias (Pitts et al., 2015), bem como em evitar estímulos que podem distraí-los de suas responsabilidades (Advokat et al., 2011; Weyandt et al., 2013). Essas circunstâncias podem contribuir para que estudantes universitários com TDAH demorem mais tempo que os colegas sem o transtorno para completar a graduação (Oliveira & Dias, 2015). Considera-se necessário o desenvolvimento de outros estudos, em especial brasileiros, que atentem para essa realidade e identifiquem quais são as dificuldades específicas que essas pessoas enfrentam no processo de transição para o Ensino Superior e como fazem para encará-las.

Diversas modalidades de intervenção destinada a adultos com TDAH têm sido publicadas. Essas intervenções têm sido realizadas em formato de psicoterapia individual e coaching (Eddy, Broman-Fulks, & Michael, 2015; Prevatt & Yelland, 2013). Os principais aspectos abordados nessas são psicoeducação a respeito do TDAH, necessidade de planejamento e de organização das metas, além do desenvolvimento de estratégias para gestão do tempo. As intervenções, em geral, focam apenas nos aspectos clínicos do transtorno (He & Antshel, 2017) sendo raros os relatos que consideram, também, desempenho acadêmico, estratégias para lidar com a procrastinação, problemas de concentração e planejamento - aspectos que podem interferir na experiência universitária (He & Antshel, 2017; Prevatt & Yelland, 2013). Também não há estudos que investigam estratégias de apoio para estudantes com TDAH na transição do Ensino Médio para o Ensino Superior (Weyandt & DuPaul, 2012) ou de enfrentamento utilizadas por esses alunos para dar conta das eventuais dificuldades. Assim, parece haver a necessidade de identificar quais estratégias de enfrentamento estudantes com sintomas do TDAH utilizam para lidar com as dificuldades acadêmicas e adaptação à universidade, quais são úteis ou não para este fim para, então, sugerir como as universidades podem oferecer apoio a eles.

Este estudo tem dois objetivos. O primeiro é identificar as principais dificuldades encontradas por estudantes universitários com sintomas do TDAH durante o primeiro ano na universidade. Espera-se que as dificuldades relatadas estejam relacionadas com os sintomas do transtorno (como dificuldades de concentração devido à desatenção, para estabelecer novas amizades, ou aquelas geradas pela desatenção e impulsividade) e com a necessidade de se adaptar a um novo contexto que impõe novos desafios. O segundo objetivo é verificar quais estratégias de enfrentamento estão associadas com a melhor adaptação acadêmica. Espera-se que estratégias focadas na solução de problemas e na busca de apoio social estejam correlacionadas com níveis mais elevados de adaptação acadêmica. Acredita-se que esse conhecimento possa embasar intervenções destinadas a esse público, de forma a apontar quais estratégias são úteis para melhor ajustamento à universidade.

 

Método

Participantes

Foram selecionados 28 estudantes universitários de uma amostra de 510 participantes. O critério para seleção foi responder "frequentemente" ou "muito frequentemente" em seis ou mais itens do Adult Self-Report Scale (ASRS), o que sugere sintomas altamente consistentes com a presença de TDAH em adultos (Mattos et al., 2006). Dessa subamostra de 28 participantes, 18 eram do sexo feminino. A idade variou entre 17 e 43 anos (M = 24,25; DP = 6,43). Os participantes eram provenientes de 11 cursos (Administração, Artes Cênicas, Ciências Biológicas, Ciências Contábeis, Educação Especial, Enfermagem, Fonoaudiologia, Matemática, Medicina Veterinária, Sistemas de Informação, Superior em Produção de Grãos) de duas universidades públicas do interior do Rio Grande do Sul.

Instrumentos

Questionário de caracterização dos participantes. Continha questões abertas sobre sexo, idade, curso dos participantes e sobre as dificuldades encontradas durante o primeiro ano da graduação ("ao entrar na universidade, você pode se deparar com dificuldades que não encontrava na sua escola. Você poderia descrever quais foram as dificuldades encontradas na universidade?").

ASRS (Mattos et al., 2006). Trata-se de uma escala de rastreio de sintomas do TDAH em adultos validada para o contexto brasileiro. Contém 18 itens (9 sobre desatenção e 9 sobre hiperatividade) que devem ser respondidos de acordo com uma escala do tipo likert de cinco pontos: zero (nunca) a quatro (muito frequentemente). O conteúdo dos itens é baseado nos critérios diagnósticos do DSM-IV para TDAH em crianças adaptados para a vida adulta. O uso do ASRS em adultos ainda é pertinente, visto que não houve mudanças nos critérios diagnósticos do TDAH propostos pelo DSM-V (APA, 2013).

Escala de Modos de Enfrentamento de Problemas (EMEP; Seidl, Tróccoli, & Zannon, 2001). Avalia pensamentos e ações utilizados durante o enfrentamento de estressores específicos. Nesse estudo, solicitou-se que os participantes pensassem em uma situação ou problema atual que estivesse produzindo estresse na vida acadêmica na universidade. Contém 45 itens distribuídos em quatro dimensões: estratégias focadas no problema, estratégias focadas na emoção, práticas religiosas/pensamento fantasioso e busca de suporte social. Os itens devem ser respondidos de acordo com uma escala likert de cinco pontos: um (eu nunca faço isso) a cinco (eu faço isso sempre).

Questionário de Vivências Acadêmicas - Versão Reduzida (QVA-r; Granado, Santos, Almeida, Soares, & Guisande, 2005). Esse questionário avalia a adaptação acadêmica de estudantes universitários. Contém 55 itens organizados em cinco dimensões: pessoal (ajustamento psicológico e bem-estar geral), interpessoal (integração com amigos e percepção de apoio), carreira (satisfação com o curso), estudo (nível de organização e compromisso com estudo) e institucional (satisfação e vínculo com a instituição). Os itens são respondidos em uma escala likert de cinco pontos: um (nada a ver comigo) a cinco (tudo a ver comigo).

 

Procedimento

A pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa de uma das universidades onde foi realizada (CAEE 12378213.9.0000.5346). Primeiro, foram sorteados dois cursos de cada centro da universidade. Em seguida, foi realizado contato com os coordenadores dos cursos a fim de explicar os objetivos e os procedimentos da pesquisa. Os coordenadores indicaram professores em cujas aulas poderia ser realizado contato com os alunos. Em data e hora marcadas com os professores, foram explicados os objetivos e os procedimentos da pesquisa para os estudantes. Aqueles que concordaram em participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e responderam aos instrumentos de coleta coletivamente em sala de aula.

 

Análise dos dados

As informações coletadas na questão aberta foram submetidas a análise de conteúdo temática. As respostas na íntegra de todos participantes foram agrupadas e enumeradas por participante, sendo realizadas leituras flutuantes destas, de modo a identificar os temas recorrentes (categorias). Na fase de análise, as respostas foram desmembradas, conforme o número de unidades de sentido que apresentavam, sendo agrupadas em categorias, que congregavam respostas similares e que apresentavam um tema em comum. Foram observados os princípios da exaustividade, da representatividade, da homogeneidade e da pertinência (Bardin, 2011). Três juízes realizaram esse processo. Após o estabelecimento dessas categorias, as informações oferecidas pelos participantes foram classificadas, sendo obtido um índice de concordância de 97% entre os juízes. Já os dados coletados por meio do EMEP e QVA-r foram analisados por correlações de Pearson entre as dimensões dos instrumentos.

 

Resultados

As principais dificuldades encontradas por estudantes universitários com sintomas do TDAH no ingresso na universidade encontram-se na Tabela 1. Conforme esperado, as dificuldades mais frequentes podem ser explicadas teoricamente pelos sintomas do TDAH e pela adaptação a um novo contexto: necessidade de maior autonomia, concentração e raciocínio, relação com colegas e falta de informação por parte dos cursos.

Foram calculadas as médias e desvios-padrão para todas as dimensões do EMEP e do QVA-r (Tabela 2). Verifica-se que as estratégias de enfrentamento mais utilizadas pelos participantes são focadas na resolução do problema e na busca por apoio social. No que se refere à adaptação acadêmica, as maiores dificuldades parecem estar relacionadas ao bem-estar psicológico (dimensão pessoal) e aos hábitos de estudo e gestão do tempo (dimensão estudo), que tiveram médias menores.

As correlações mostraram que determinadas estratégias de enfrentamento estão associadas a melhor adaptação acadêmica em estudantes universitários com sintomas do TDAH. Os resultados das correlações encontram-se na Tabela 3. Estratégias focadas na resolução de problemas apresentaram correlação positiva com hábitos de estudo e gestão do tempo. Estratégias focadas na emoção (como regular as emoções por meio de medicação) têm correlação negativa com o bem-estar psicológico e com o estabelecimento de amizade com colegas e professores. Práticas religiosas apresentaram correlações negativas com a identificação com o curso, mas positivas com hábitos de estudo e gestão do tempo. Ao contrário do esperado, a busca por apoio social não esteve correlacionada com as dimensões da adaptação acadêmica, embora seja uma das estratégias mais utilizadas pela amostra estudada.

 

Discussão

O primeiro objetivo deste estudo foi identificar as principais dificuldades encontradas por estudantes universitários com sintomas do TDAH durante o primeiro ano na universidade. As principais dificuldades elencadas pelos participantes podem ser explicadas, pelo menos teoricamente, pelos sintomas do transtorno. A necessidade de maior autonomia no contexto universitário, de buscar conhecimento relacionado à área de estudo ou de informações sobre o curso pode ser um desafio para estudantes com TDAH que não contam com o suporte dos genitores e/ou professores para organizar e planejar o uso dessas informações (Rabiner et al., 2008).

As dificuldades relacionadas à concentração e ao raciocínio relatadas pelos participantes também podem ser decorrentes dos sintomas do TDAH. Há um deficit funcional na região fronto-orbital do cérebro que compromete o comportamento inibitório e as funções executivas, responsáveis pela inibição do comportamento, pela manutenção da atenção, pelo emprego do autocontrole e pelo planejamento para o futuro (Sjöwall, Roth, Lindqvist, & Thorell, 2013). Assim, pode ser particularmente difícil para estudantes com TDAH manter atenção na explicação do professor durante as aulas ao mesmo tempo que tentam controlar o impulso de prestar atenção à conversa dos colegas ou a outros estímulos do ambiente.

Outra dificuldade apresentada pelos participantes foi a de relacionamento com os colegas. Há evidências de que estudantes com TDAH tendem a estabelecer relações problemáticas no âmbito acadêmico em decorrência dos sintomas do transtorno. Assim, pode haver reclamações sobre a aparente falta de comprometimento deles com os estudos, sobre o fato deles apresentarem diferentes comportamentos de procrastinação e, frequentemente, entram em conflito com docentes e colegas (Barkley et al., 2010). Nesse sentido, é possível que os colegas, e até mesmo os professores, se mostrem menos disponíveis para se relacionar com esses estudantes. Esse fato explicaria o motivo pelo qual a busca de apoio como estratégia de enfrentamento não parece estar associada com a adaptação acadêmica na amostra estudada.

As dificuldades na graduação identificadas nessa amostra parecem ser parcialmente semelhantes às de estudantes universitários em geral. Oliveira & Dias (2014) verificaram que as dificuldades de alunos no ensino superior eram referentes ao grau de exigência e didática dos professores, à falta de compreensão dos aspectos burocráticos da formação, falta de opções de atividades extracurriculares, apresentação de trabalhos, interação com outras pessoas, saudade dos familiares, responsabilidade pelas atividades domésticas e liberdade. A comparação qualitativa dessas informações com aquelas apresentadas na Tabela 1 mostra que as dificuldades que os participantes do presente estudo têm em comum com as da amostra de Oliveira & Dias (2014) são relacionadas a atividades e relacionamentos estabelecidos no âmbito acadêmico (apresentação de trabalhos orais, exigência e didática dos professores, compreensão de aspectos burocráticos). Já as dificuldades específicas de cada uma das amostras parecem ser decorrentes da experiência individual de cada participante: cognitivas, gestão do tempo, econômicas e transporte neste estudo; falta de opções de atividades extracurriculares, saudade dos familiares, responsabilidade pelas atividades domésticas e liberdade na pesquisa de Oliveira & Dias (2014). A comparação qualitativa das dificuldades apresentadas nesses dois estudos, somada à correlação negativa entre severidade dos sintomas do TDAH e adaptação acadêmica (Oliveira et al., 2016), sugere a realização de pesquisas que possam, de fato, comparar se há diferenças qualitativas e quantitativas nas dificuldades de adaptação acadêmica enfrentadas por estudantes com e sem TDAH.

O segundo objetivo foi verificar quais estratégias de enfrentamento estão associadas com a melhor adaptação acadêmica dos estudantes com sintomas do TDAH. Estratégias focadas na emoção parecem estar associadas com piores níveis de bem-estar psicológico e de relacionamentos com colegas e professores (dimensões pessoal e interpessoal do QVA-r, respectivamente). Já estratégias focadas em práticas religiosas também estão associadas com uma menor identificação com o curso escolhido. Uma explicação possível para esses resultados é que esses tipos de estratégia de enfrentamento buscam aliviar sentimentos desagradáveis, mas não resolvem o problema que os gerou, de forma a manter os níveis de bem-estar psicológico dos estudantes e do estabelecimento de relações de amizade com colegas mais baixos. Isso pode ser preocupante, visto que sintomas de ansiedade e depressão de estudantes com TDAH aumentam frente às dificuldades encontradas na universidade, ainda mais sem a relação com os colegas para lidar com esses problemas (Meaux, Green, & Broussard, 2009; Nelson & Gregg, 2012).

No entanto, estratégias com foco no problema e práticas religiosas estão associadas positivamente com hábitos de estudo e gestão do tempo. A adoção de estratégias para resolver os problemas de estudantes universitários com TDAH (como planejamento, uso de alarmes, métodos para lembrar dos compromissos, eliminação das distrações) e autoinstrução (internal self-talk) são reconhecidos como fatores que auxiliam estudantes com TDAH (Meaux et al., 2009). Uma vez que os estudantes reconhecem as dificuldades que enfrentam, pode ser útil guiá-los no uso dessas estratégias de enfrentamento, de forma a realizar pequenas mudanças nas suas atividades e rotina (Weyandt & DuPaul, 2012).

Esse estudo possui limitações que devem ser consideradas na interpretação dos resultados apresentados. A amostra estudada apresenta sintomas consistentes com o TDAH, conforme avaliado pelo ASRS, mas não possui diagnóstico clínico do transtorno. É possível que os sintomas apresentados sejam decorrentes de outras condições clínicas comuns não exploradas ou mesmo comórbidas ao TDAH, a exemplo da depressão e ansiedade. Contudo, a presença desses sintomas, mesmo sem o diagnóstico, não impede que eles interfiram nas questões de adaptação acadêmica e não significa que esse público não se beneficiaria de programas voltados para dar conta dessas dificuldades. Além disso, a realização do diagnóstico na vida adulta pode ser problemática. Em estudo realizado no Reino Unido, 45% da amostra recebeu o diagnóstico do TDAH após os 18 anos de idade, e o processo diagnóstico levou mais de um ano e foi realizado apenas após a visita a pelo menos três profissionais (Pitts et al., 2015). Outra limitação refere-se à impossibilidade de comparar se há diferenças nas dificuldades relatadas, nos níveis de adaptação acadêmica e nas estratégias de enfrentamento utilizadas para lidar com as questões do primeiro ano de curso de graduação de estudantes com sintomas de TDAH e de seus pares sem sintomas (ou com sintomas menos frequentes). Essa comparação não foi realizada no presente estudo porque não foi possível parear os participantes em termos de sexo, idade e semestre.

Apesar das limitações relatadas, acredita-se que os resultados deste estudo podem interessar psicólogos clínicos ou órgãos universitários responsáveis por prestar apoio aos estudantes. As intervenções destinadas a alunos com sintomas do TDAH podem enfatizar estratégias de enfrentamento que parecem impactar mais na adaptação acadêmica, como a resolução de problemas. Técnicas de resolução de problemas que envolvam definição do problema, geração de ações que poderiam solucioná-lo e sua avaliação, escolha e implementação de uma alternativa podem ser ensinadas e treinadas com os estudantes nas situações que eles mesmos apresentam a fim de proporcionar uma melhor experiência universitária.

 

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Clarissa Tochetto de Oliveira
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Submissão: 3.5.2016
Aceitação: 20.6.2017

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