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Boletim de Psicologia

versão impressa ISSN 0006-5943

Bol. psicol vol.61 no.135 São Paulo jul. 2011

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Motivação para mudança em adolescentes usuários de maconha: um estudo longitudinal

 

Motivation to change in adolescents marijuana users: a longitudinal study

 

 

Luis Fernando Zambom; Jaqueline Garcia da Silva; Ilana Andretta; Margareth da Silva Oliveira*

Faculdade de Psicologia - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - RS - Brasil

 

 


RESUMO

A maconha é a droga ilícita mais usada por adolescentes no mundo, o que constitui um grave problema de saúde pública. Objetivos: avaliar mudanças no consumo de maconha e nos estágios motivacionais de adolescentes após participação em um programa de intervenção motivacional. Estudo quantitativo, longitudinal, com amostra de 102 adolescentes. Avaliação realizada em dois momentos distintos - antes e depois. Instrumentos: Ficha de dados sócio-demográficos, Entrevista clínica semi-estruturada, URICA (University of Rhode Island Change Assessment) para medir estágios motivacionais e BAI e BDI (Inventários de Ansiedade e Depressão de Beck). Na comparação das avaliações 50% dos adolescentes não utiliza maconha atualmente. Na análise das avaliações e grupos (aderiu e não aderiu) pode-se constatar diferenças significativas nos estágios Contemplação, Ação e Manutenção. Estes dados indicam importantes mudanças nos estágios motivacionais ressaltando a importância de programas de atendimento e as repercussões em longo prazo na mudança do comportamento de adolescentes usuários de maconha.

Palavras-chave: Adolescentes; motivação para mudança; entrevista motivacional; maconha.


ABSTRACT

Marijuana is the drug most used by teenagers in the world, which constitutes a serious public health problem. Objectives: To assess changes in marijuana use and the stages of adolescent motivation after participation in a program of motivational intervention. Quantitative study with longitudinal sample of 102 adolescents. The assessment was conducted at two different times - before and after. Instruments: Sheet socio-demographic data, semi-structured clinical interview, URICA (University of Rhode Island Change Assessment) to measure motivational stages and BAI (Beck Anxiety Inventory) and BDI (Beck Depression Inventory). In comparing the ratings 50% of teenagers do not use marijuana today. In the analysis of assessments and groups (joined and not joined) we could observe significant differences in stages of Contemplation, Action and Maintenance. These data indicate major changes in the motivational stages emphasizing the importance of service programs and the impact on long-term change in the behavior of adolescent marijuana users.

Key words: Adolescents; motivation to change; motivational interviewing; marijuana.


 

 

INTRODUÇÃO

Entre as drogas ilícitas, a maconha é a mais usada em todo o mundo e segundo os dados do II levantamento domiciliar sobre o uso de drogas no Brasil, 8,8% da população já usou maconha, sendo que 1,2% destes tornam-se dependentes (Carlini, Galduróz, Noto e Napo, 2007). Sendo também a droga mais usada entre os adolescentes, ocasionando efeitos fisiológicos e psicológicos de risco, como diminuição da função imunológica e ataques de pânico, bem como problemas sociais (McGuinness, 2009; Verweij et al., 2009).

A adolescência é período de diferenciação em que, muitas vezes, os adolescentes afastam-se da família e aderem ao seu grupo de iguais. Se esse grupo estiver experimentalmente usando drogas ilícitas, o pressiona a usar também. Ao entrar em contato com drogas nesse período de maior vulnerabilidade, expõe-se também a muitos riscos, já que, quanto mais cedo se dá a experimentação, menores são os índices de remissão ao longo da vida (Hird, Khuri, Dusenbury e Millman, 1997; Perkonigg et al., 2007). Pesquisas mostram que moderar o consumo de maconha na adolescência, foi associado com menor risco de uso problemático, entre aqueles que persistem, mas os riscos ainda são elevados significativamente, quando comparados a adolescentes não usuários (Swift, Coffey, Carlin, Degenhardt e Patton, 2008; Swift et al., 2009). Sendo assim, avaliar fatores que impelem ao uso também se torna importante em programas de prevenção (Creemers et al., 2009).

Pesquisas mostram que o uso da maconha contribui para o abandono escolar e que as meninas foram mais afetadas pela repetência associada a uso diário de maconha (Legleye et al., 2009; Marie, Fergusson e Boden, 2008). Conclusões de um estudo longitudinal realizado com jovens usuários de maconha sugerem que o consumo de maconha na adolescência pode ser associado com posterior envolvimento em atividades criminosas (Pedersen e Skardhamar, 2009).

Com o objetivo de promover tratamentos efetivos para essa população, pesquisadores descobriram a importância da necessidade de, inicialmente, acessar a motivação para a mudança do cliente e só então, adequar as intervenções terapêuticas ao estado motivacional do mesmo (Prochaska, DiClemente e Norcross, 1992). Uma das contribuições relevantes nessa área tem sido representada pelo Modelo Transteórico de Mudança de Comportamento (Transtheoretical Model of Change), desenvolvido por James O. Prochaska e colaboradores nos anos 70, o qual pontua determinadas etapas (de motivação) pelas quais a pessoa passa durante o processo de mudança.

O Modelo Transteórico de Prochaska e DiClemente (1983) descreve a prontidão para a mudança com estágios nos quais o indivíduo transita. Este modelo está baseado na premissa de que a mudança comportamental é um processo e que as pessoas têm diversos estágios de motivação e de prontidão para mudar. O que levou estes autores a desenvolverem este modelo foi sua dúvida sobre as motivações para a modificação dos comportamentos aditivos, em função de sua observação de que, mesmo dependentes químicos não submetidos a tratamento, por algum motivo, conseguiam mudar o comportamento.

Em uma de suas pesquisas, Prochaska e DiClemente (1983) identificaram a existência de níveis de motivação, seqüenciados em cinco estágios: Pré-contemplação, Contemplação, Preparação, Ação, Manutenção (Prochaska et al., 1994). Os indivíduos que estão no Estágio de Pré-contemplação não mostram evidências de intenção de mudar o seu comportamento-problema. Dessa forma, os pré-contempladores dificilmente procuram ajuda para iniciar seu processo de mudança e, quando o fazem, geralmente são impelidos por outros motivos como, por exemplo, encaminhamento judicial (Andretta e Oliveira, 2005). Considerar a possibilidade de mudança ocorre no Estágio de Contemplação, momento em que os indivíduos podem estar pensando sobre as implicações que seu comportamento traz para si e para os que estão a sua volta. Este estágio é marcado pela ambivalência em abandonar ou não o comportamento aditivo (DiClemente, 1991). O estágio de Preparação é onde há a combinação de uma conduta orientada na mesma direção da intenção de mudar, quando os indivíduos planejam mudanças nas suas atitudes e comportamentos (Oliveira, 2000). No Estágio de Ação ocorre a modificação do comportamento-problema através de esforços para mudança, os indivíduos mudaram de forma clara o seu comportamento por um período determinado de tempo (Prochaska e DiClemente, 1983). A estabilização do comportamento em foco, evitando-se a recaída, constitui o Estágio de Manutenção. Estar apto a permanecer livre do comportamento aditivo é o critério para se considerar alguém no estágio de manutenção (Velicer, Prochaska, Fava, Norman e Redding, 1998).

Com o intuito de mensurar em que estágio de mudança a pessoa se encontra, alguns estudiosos iniciaram o processo de validação de um instrumento que medisse tal variável: a URICA (University of Rhode Island Change Assessment). É uma escala constituída por 24 itens que são divididos em quatro sub-escalas: Pré-contemplação (6 itens), Contemplação (6 itens), Ação (6 itens) e Manutenção (6 itens). A URICA é um dos questionários mais usados para medir os estágios de mudança (Szupszynski e Oliveira, 2008). Prochaska et al. (1992) afirmam que avaliar a motivação para mudança, independentemente do tratamento utilizado, parece ser um aspecto importante para a utilização de intervenções adequadas aos pacientes.

Entre as intervenções focadas na mudança dos comportamentos adictivos por meio do trabalho focado nos estágios motivacionais destaca-se a Entrevista Motivacional, que com sessões baseadas, principalmente, em técnicas não-diretivas cognitivo-comportamentais, busca a conscientização por parte do sujeito dos seus problemas relacionados ao consumo de drogas e o comportamento de cessar ou diminuir o uso da droga (Andretta e Oliveira, 2005).

Existem estudos avaliando a efetividade e impacto de intervenções terapêuticas na motivação pra mudança de adolescentes usuários de drogas (Andretta e Oliveira, 2008; Battjes et. al., 2004; McCambridge, Slym e Strang, 2008; Oliveira, Andretta, Rigoni e Szupszynski, 2008). No entanto, não foram achados estudos que mensuram o efeito desses programas a longo prazo (após um ano da realização do programa de intervenção).

Nesse contexto, se faz necessário uma avaliação longitudinal dos efeitos de um programa de intervenção em dependência química e nos estágios motivacionais de adolescentes usuários de maconha e outras drogas, a fim de entender qual a repercussão a longo prazo destes programas no comportamento dos adolescentes. Os resultados deste estudo podem elucidar quanto ao alcance, benefícios e falhas desses programas em seu objetivo de conscientizar e mudar o comportamento dos adolescentes em relação ao seu comportamento aditivo. O estudo visa avaliar se houve mudança no consumo de maconha e outras drogas e verificar se houve mudança no estágio motivacional após aproximadamente três anos da participação em um programa de avaliação e intervenção motivacional.

 

MÉTODO

Estudo com delineamento quantitativo longitudinal, consistindo na avaliação de um grupo de adolescentes usuários de maconha submetidos a um programa de avaliação e intervenção motivacional para dependência química. A avaliação foi realizada em dois momentos distintos (antes e depois): Avaliação Inicial (AI), realizado durante o programa de atendimento e intervenção, e Avaliação Final (AF), aproximadamente três anos após a avaliação inicial. E os participantes da AF foram divididos em dois grupos: os que terminaram o programa de avaliação e intervenção inicial (aderiram) e os que abandonaram o programa de avaliação e intervenção inicial (não-aderiram).

A amostra foi de 102 adolescentes, com idades entre 16 e 22 anos, encaminhados pelo sistema de justiça pelo ato infracional de uso de maconha, para o serviço de atendimento de uma clínica-escola de uma faculdade de Psicologia de Porto Alegre, entre os anos de 2005 e 2006. A escolha da amostra foi feita por conveniência, com sujeitos do sexo feminino e masculino.

Os critérios de inclusão dos participantes do programa eram: ter cometido ato infracional relativo ao uso de maconha, escolaridade mínima da 5ª série do ensino fundamental e idades variando entre 12 a 18 anos. Os critérios de exclusão eram: presença de transtornos orgânicos cerebrais, transtornos psiquiátricos graves e presença de déficit cognitivo.

Os seguintes instrumentos foram utilizados na AI: Entrevista Estruturada: com o objetivo de traçar o perfil sócio-demográfico da amostra estudada e a história de consumo de cada droga utilizada. Entrevista clínica semi-estruturada, elaborada segundo critérios do DSM-IV-TR (APA, 2002) para realizar diagnóstico de Abuso ou Dependência de Substâncias. URICA - University of Rhode Island Change Assessment (Szupszynski e Oliveira, 2008) - para medir o estágio motivacional no qual o sujeito se encontra. Para avaliar a intensidade de sintomas de ansiedade e depressão foram utilizadas, as escalas de Beck, BDI (Inventário de Depressão de Beck) e BAI (Inventário de Ansiedade de Beck) (Cunha, 2001). Escalas Wechsler de Inteligência (Cunha, 2000): para investigação de déficit cognitivo os subtestes de Vocabulário, Cubos e Dígitos. A Entrevista Motivacional (Miller e Rollnick, 2001; Sampl e Kadden, 2001), entrevista não-diretiva focada neste programa no uso de maconha.

Na AF foi aplicada uma entrevista estruturada para avaliar as mudanças no consumo de maconha, URICA, BAI e BDI.

Procedimento

Foi organizado o protocolo de AF do estudo longitudinal, baseado no protocolo da AI. Foi estabelecido um rapport padrão na abordagem dos sujeitos da pesquisa. Após esta fase foram coletadas as fichas dos 102 adolescentes que participaram do programa junto a clínica-escola e a partir delas, organizado um cadastro dos mesmos com dados pessoais para realizar o contato via telefone.

Dos 102 adolescentes da AI, 30 sujeitos participaram da AF. Todos os participantes do estudo moram na cidade de Porto Alegre (Rio Grande do Sul) ou na Grande Porto Alegre (municípios vizinhos). Durante a AI os pais ou responsáveis pelo adolescente, receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, optando ou não por participar de pesquisas referentes a sua passagem pelo programa. O projeto deste estudo foi submetido e aprovado pela Comissão Científica da Faculdade de Psicologia e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) número 07/03984.

Análise Estatística

Os resultados foram codificados, tabulados e submetidos à análise estatística utilizando-se o software estatístico Statistical Package for the Social Sciences, SPSS, versão 17.0. O nível de significância adotado foi de 5%. Foi utilizado o Mann-Whitney Test e Qui-quadrado e Pearson para verificar a associação das variáveis.

Para comparação das médias obtidas na avaliação inicial e final para cada estágio motivacional e a relação destes dados entre os grupos (aderiu e não-aderiu), utilizou-se a Análise de Variância, com o delineamento em Medidas Repetidas, complementada pelo Teste de Comparações Múltiplas de Tukey, e o nível de significância de 5%.

 

RESULTADOS

O contato com os adolescentes, em sua maioria, foi feito 69,6% (n= 71) por telefone e 30,4% (n= 31) por correspondência (pela falta de registro telefônico). Nenhum sujeito retornou via correspondência. A descrição dos contatos podem ser evidenciada na Tabela 1.

 

 

O grupo de 30 adolescentes que participou do estudo caracterizou-se por ser na maioria homens (n= 29). Todos solteiros com média de idade de 19 anos (DP= 2,85). Quanto à escolaridade, 20% (n=6) tinham ensino fundamental, 76,7% ensino médio e 3,3% (n=1) ensino superior, a renda familiar ficou entre um e dois salários mínimos.

Quanto ao trabalho e estudos a maioria dos sujeitos 53,3% (n = 16) relatou estar trabalhando, 66,7% (n = 20) referiram estarem estudando, sendo que do total da amostra 90% (n = 27) já repetiram o ano alguma vez, e 16,7% (n = 5) já foram expulsos alguma vez.

No que tange a percepção do adolescente quanto a sua organização familiar 73,3% (n = 22) referiram que em sua casa existe horário para acordar, comer e dormir, 56,7% (n = 17) relataram que seus pais não são nem rígidos nem permissivos, 73,3% (n = 22) referem que seus pais proíbem o uso de drogas em casa e 46,7% (n = 14) disseram que os problemas familiares são sempre resolvidos de forma rápida. Parte importante dos adolescentes 46,7% (n = 14), relatou que seu pai já teve problemas associados ao uso de substâncias ilícitas.

Com relação ao contexto social em que os adolescentes estão inseridos 50% (n = 15) disseram que os amigos próximos usam drogas ilícitas, a maioria disse que não aceitaria caso alguém lhe oferecesse drogas proibidas 53,3% (n = 16) e 66,7% (n = 20) referiu que, em seu bairro, usam-se muitas drogas ilícitas.

Os dados da comparação sobre a utilização de drogas entre AI e AF e a comparação do padrão de consumo de maconha entre AI e AF podem ser observados, respectivamente, nas Tabelas 2 e 3. Quanto à porcentagem de adolescentes que usam tabaco e álcool, esta continua a mesma, permanecendo com o mesmo padrão de consumo da AI, sendo que a maioria dos tabagistas referiram fumar até de 1 à 5 cigarros por dia 63,3% (n = 19) e todos (n = 30) os usuários de álcool relataram beber em média até 250 ml de bebidas alcoólicas por dia.

 

 

 

 

Quanto a sintomas afetivos, a maioria da amostra 73,3% (n = 22) apresentou sintomas mínimos de depressão no BDI e 13,3% (n= 4) apresentaram sintomas moderados. No que se refere a sintomas de ansiedade, 70% (n= 21) apresentaram sintomas mínimos no BAI e 13,3% sintomas moderados. Devido à grande quantidade de dados perdidos na AI quanto aos escores do BAI e BDI não foi possível traçar qualquer tipo de comparação entre grupos quanto a sintomas afetivos.

Da amostra total de 30 adolescentes, que participaram da AF, apenas 30% (n = 9) aderiram ao programa da AI enquanto 70% (n = 21) não aderiram. Em relação aos adolescentes que não participaram da AI, 37,5% (n = 27) aderiram, enquanto 62,5% (n = 45) não aderiram ao tratamento.

Na AI dos adolescentes que usavam maconha atualmente, 33,3% (n = 3) aderiram ao tratamento e 57,1% (n =12) não aderiram, 66,7 % (n = 6) não usavam maconha atualmente e haviam aderido a intervenção, 42,9% (n = 9) não usam e não haviam mostrado adesão ao tratamento. Pela análise do teste Qui-quadrado pode-se observar que não houve relação estatisticamente significativa entre o fator adesão ao programa da AI e o uso atual de maconha, pelo teste Qui-quadrado (p = 0,232). Os dados do momento da avaliação comparados aos estágios de mudança estão descritos na Tabela 4.

Pela análise de variância de medidas repetidas verificou-se não haver interação significativa entre adesão e momento de avaliação, quanto ao estágio da Pré-Contemplação, embora exista tendência para os que aderiram terem menor Pré-Contemplação, do que os que não aderiram (p = 0,006). Quanto ao estágio Contemplação, apenas o fator momento foi significativo, ou seja, independente da adesão no momento inicial a média de contemplação foi significativamente maior do que no momento final (p = 0,005). Quanto ao estágio da Ação, houve interação significativa entre adesão e momento, ou seja, no momento inicial não houve diferença significativa na média de Ação em relação à adesão ou não, mas no momento final, quem aderiu apresentou média significativamente maior do que os que não aderiram (p=0,005), comparando os momentos entre os que aderiram ao tratamento.

Na análise de variância seguida pelo teste de Tukey, verificou-se interação significativa entre adesão e momento (p = 0,003), ou seja, no momento inicial não houve diferença significativa na média de manutenção em relação à adesão, mas no momento final, quem aderiu apresentou média significativamente maior do que os que não aderiram. Comparando os momentos entre os que aderiram ao tratamento, verifica-se um aumento na manutenção, porém esta diferença não é significativa (p = 0,0754), mas entre os que não aderiram houve uma redução significativa na média de Manutenção (p = 0,001). Os resultados evidenciaram que não houve correlação de Pearson significativa na prontidão para mudança entre AI e AF (p = 0,234).

 

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Do total de 102 adolescentes que participaram da AI, apenas 30 desejaram participar da pesquisa de follow-up. Os participantes foram localizados via contato telefônico, sendo que destes, a maioria não participou do estudo, seja por realizar trote, não ser autorizado por pais, desligar o telefone durante as ligações ou por sermos informados do óbito do sujeito. Não foi obtido retorno sobre o contato via correspondência.

A grande perda amostral não é incomum em pesquisas de follow up com adolescentes usuários de substâncias químicas, sendo que em muitas destas pesquisas o sucesso no recrutamento é obtido devido à motivação do adolescente mediante ao incentivo financeiro por parte dos pesquisadores (Baer, Garrett, Beadnell, Wells e Peterson, 2007; French et al., 2008).

Outra circunstância que pode ter contribuído para perda amostral é o fator tempo, estudos de seguimento indicam taxas importantes de perda amostral. D`Amico, Miles, Stern e Meredith (2008) trabalharam com uma amostra inicial de 724 adolescentes, sendo que apenas 42 terminaram o processo de seguimento 6 meses após a avaliação inicial. French et. al. (2008) tiveram perda amostral de 6 pacientes numa amostra inicial de 120 na avaliação de seguimento após 7 meses da avaliação inicial. O estudo de Battjes et al. (2004) foi realizado com uma amostra inicial de 238 adolescentes, sendo que destes, 173 (89,2%) realizaram a avaliação de seguimento após 12 meses da avaliação inicial. Em outro estudo, Martin e Copeland (2008), realizaram a avaliação inicial com 85 sujeitos, sendo que destes, quatro não participaram do estudo de seguimento três meses após a avaliação inicial.

Os adolescentes encaminhados para a AI tinham como característica comum ter cometido ato infracional de uso da maconha, sendo encaminhados pelo sistema de justiça. Portanto, fica evidente que esses adolescentes foram encaminhados para tratamento contra sua vontade espontânea, o que pode ter colaborado tanto para o abandono da AI, quanto para a baixa motivação para participar do estudo longitudinal. Segundo Farabee, Prendergast e Anglin (1998), estratégias de intervenção baseadas na coerção do comportamento criminal podem ser efetivas, mas as mudanças duradouras acontecem quando o sujeito está verdadeiramente motivado para mudar seu comportamento.

Os resultados obtidos nesse estudo indicam que os adolescentes começam a usar drogas já no início da adolescência. Dorard, Berthoz, Phan, Corcos e Bungener (2008) explicam que a dependência de maconha em adolescentes e adultos jovens está relacionada a um significativo sofrimento psíquico e emocional e ressalta a importância da prevenção do uso de substâncias, o mais cedo possível, como no ensino médio.

Quanto ao contexto social em que os participantes da pesquisa estavam inseridos, metade da amostra relatou que amigos próximos usam drogas ilícitas e, ainda referiram, que em seu bairro são usadas muitas drogas ilícitas, o que pode ser encarado como fator de risco para o uso de drogas. Pois segundo Hird et al. (1997), durante a adolescência o indivíduo procura homogeneizar seu comportamento com o do seu grupo de amigos como modo de inserção grupal, embora, ainda assim, a maioria disse que não aceitaria caso alguém lhe oferecesse drogas ilícitas.

Quanto à percepção subjetiva da organização familiar, os adolescentes destacaram que em sua casa existem horários para acordar, comer e dormir e relataram que seus pais proíbem o uso de drogas em casa. Esses dados de pesquisa podem ser encarados como fatores de proteção quanto ao uso de drogas, pois segundo Stolle, Sack e Thomasius (2007), tanto para a prevenção quanto para o tratamento de adolescentes usuários de drogas, se faz extremamente importante um contexto familiar saudável. Garmendia, Avarado, Montenegro e Pino (2008), em um estudo, cujo objetivo foi mensurar a importância do apoio social na abstinência de drogas de indivíduos pós tratamento ambulatorial, utilizando o instrumento MOS (Medical Outcomes Study), verificaram significância estatística no item Índice Global de Apoio Social.

Quanto ao padrão de uso de drogas, não houve mudanças significativas no padrão de uso de tabaco e álcool. No que se refere ao uso de maconha, metade dos participantes do estudo relataram não usar mais maconha, embora metade dos adolescentes que continua usando referiram ter o mesmo padrão de consumo que tinham na AI. A mudança dos adolescentes quanto ao seu uso de maconha foi mais evidente, quando comparado ao de outras drogas (tabaco, álcool). Esse fato, talvez, possa ser atribuído ao motivo do encaminhamento e objetivo do tratamento, que eram focados, principalmente, no uso da maconha.

Corroborando com este entendimento muitos estudos, onde houve foco principal na mudança do comportamento do uso de maconha, foram obtidos resultados importantes. Martin e Copeland (2008) realizaram um programa de intervenção focado na mudança do comportamento de uso de maconha, a amostra foi constituída por 40 adolescentes, na avaliação de seguimento após 3 meses da intervenção houve mudanças na quantidade de maconha utilizada diariamente. McCambridge e Strang (2005) realizaram um programa de intervenção com uma amostra de 200 adolescentes usuários de maconha e outras drogas, os autores constataram que houve diferença significativa no consumo de maconha no grupo de intervenção no seguimento realizado após 3 meses (p = 0,003).

Da amostra total de 30 adolescentes que participaram da AF apenas 9 aderiram ao programa da AI, enquanto 21 sujeitos não aderiram. O resultado não era esperado, mas pode ser compreendido, pois a escolha da amostra foi feita por conveniência e pode ter sido influenciada pelo fator tempo, ou seja, muitos foram os adolescentes que aderiram a AI que não puderam ser contatados, pois não responderam às correspondências. Esse viés pode ter colaborado para a falta de relação estatisticamente significativa entre o fator "uso de maconha atual" e o fator "adesão à AI".

Foi investigada a correlação entre estágios motivacionais nos momentos da AI e AF. Não houve correlação significativa entre os estágios nos diferentes momentos de avaliação, embora exista uma importante tendência relacionada ao aumento do escore do estágio "Ação" na AF. Oliveira (2000) encontrou, em estudo clínico com alcoolistas que receberam a EM, diminuição nos estágios pré-contemplação e ação logo após a reavaliação. Em outro estudo, Andretta e Oliveira (2005) relacionando os dados da avaliação inicial com a reavaliação (logo após intervenção com Entrevista Motivacional), constataram uma diminuição significativa no estágio da pré-contemplação (p< 0,005). Rodriguez (2003) aplicou a EM em alcoolistas e tabagistas e também houve diminuição da Pré-contemplação na amostra, porém, sem resultados estatisticamente significativos.

Em relação a interações entre os fatores estágios motivacionais, momento (AI e AF) e adesão (se terminou o programa da AI), pode-se observar que, os pacientes que aderiram ao programa da AI possuem tendência a menores escores na Pré-Contemplação. Quanto ao estágio Contemplação, o fator momento foi significativo, ou seja, independente da adesão, no momento inicial a média de contemplação foi significativamente maior do que no momento final.

No que se refere ao estágio da Ação, houve interação significativa entre adesão e momento, ou seja, no momento inicial não houve diferença significativa na média de ação em relação à adesão ou não, mas no momento final, quem aderiu apresentou média significativamente maior do que os que não aderiram. Esses dados evidenciam que, no que se refere ao consumo de drogas, existe uma tendência de uma maior conscientização dos adolescentes quanto ao seu comportamento aditivo após aproximadamente 3 anos da AI. Com estes dados pode-se entender que, durante a AI, os adolescentes estavam mais ambivalentes, mas após aproximadamente 3 anos (AF) o grupo de adolescentes, que aderiu à programa da AI, pratica mais ações no seu dia-dia relacionadas à mudança de seu consumo de drogas, mais especificadamente a maconha. Diclemente, Schlundt e Gemmel (2004) apontam que, no tratamento da dependência química, sujeitos que estão predominantemente no estágio da ação possuem uma tendência a praticarem ações na sua rotina diária voltadas à mudança do comportamento aditivo.

Quanto ao estágio da manutenção verificou-se haver interação significativa entre adesão e momento, ou seja, no momento inicial não houve diferença significativa na média de manutenção em relação à adesão, mas no momento final, quem aderiu apresentou média significativamente maior do que os que não aderiram. Entre os que não aderiram houve uma redução significativa na média de manutenção, com esses dados pode-se constatar que, comparados os momentos, na AF os adolescentes que aderiram ao programa da AI estão mais engajados na manutenção da abstinência do consumo de maconha, do que os que não aderiram à AI.

Corroborando com estas evidências, pode-se constatar a redução da metade no uso atual de maconha por parte dos adolescentes participantes do estudo longitudinal. Não obstante, muitos são os estudos que apontam para redução do consumo de drogas entre adolescentes que participaram de programas especializados em intervenções motivacionais (Andretta e Oliveira, 2005; Baer et al., 2007; D`Amico et al., 2008; McCambridge e Strang, 2005; Oliveira et al., 2008). A análise e compreensão dos estágios motivacionais auxiliaram no entendimento da repercussão a longo prazo dos ganhos terapêuticos do programa da AI, sendo ponto central das discussões do presente estudo.

 

CONCLUSÕES

O estudo apresentou o desafio do recrutamento de adolescentes após aproximadamente três anos da participação em um programa de avaliação e intervenção. As dificuldades no acesso à amostra foram importantes, mas não se tornaram um empecilho para a concretização do estudo.

Foi observado na percepção subjetiva da organização familiar, que de forma geral, as famílias dos participantes da amostra são percebidas como organizadas, que resolvem rapidamente os problemas e proíbem o uso de drogas. Esses fatores se constituem em importantes fatores de proteção em relação ao uso de drogas.

Foram encontradas importantes interações estatisticamente significativas entre os estágios motivacionais e grupo de adesão e o momento da avaliação. Foram observadas importantes mudanças nos estágios motivacionais da Pré-Contemplação, Contemplação, Ação e Manutenção, apontando para a importância dos programas de atendimento e suas repercussões a longo prazo na mudança do comportamento dos adolescentes usuários de maconha e outras drogas.

Dessa forma, constata-se ser importante que ocorra uma maior capacitação e mais freqüentes discussões entre os profissionais da saúde para desenvolver programas de prevenção, avaliação e intervenção, possibilitando a diminuição do número de pessoas envolvidas em problemas relacionados a drogas.

Estudos recentes têm demonstrado a existência de uma dependência em relação à maconha. Van den Bree e Pickworth (2005) realizaram um estudo com 13.718 estudantes, entre 11 e 21 anos que já haviam experimentado maconha e encontraram que mais da metade (55%) continuaram seu uso um ano depois. Fergusson e Horwood (2000), em um estudo longitudinal realizado na Nova Zelândia, que acompanhou 1265 crianças, também constataram que 9% dos jovens de 21 anos preenchiam critérios diagnósticos, conforme o DSM-IV, para dependência em relação à maconha. Coffey, Carlin, Lynskey, Li e Patton (2003) observaram que, entre os usuários de maconha de um ano ou menos, 33,6% além de continuar usando a maconha após um ano, ainda aumentaram a quantidade de uso, e, os que usavam maconha há três ou mais anos, 61,8% preenchiam critérios para dependência de maconha.

A presente pesquisa pretende reforçar a importância dos estudos de seguimento longitudinais para o entendimento da efetividade de programas de tratamento voltados ao combate da dependência química, assim como entender quais os fatores de risco e proteção que contribuem para a manutenção dos resultados obtidos nas intervenções terapêuticas. Nesse contexto, a avaliação dos estágios motivacionais se constitui numa importante ferramenta para o tratamento e compreensão dos comportamentos aditivos.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 30/11/10
Revisto em 28/06/11
Aceito em 12/09/11

 

 

* Endereço para correspondência: Margareth da Silva Oliveira. Programa de Pós Graduação em Psicologia Clínica. Av. Ipiranga, 6681, Partenon. Porto Alegre/RS - CEP: 90619-900. Fone/Fax: (51) 3320.3500 - Ramal: 7749; E-mail: marga@pucrs.br.