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Boletim de Psicologia

versão impressa ISSN 0006-5943

Bol. psicol vol.64 no.140 São Paulo jun. 2014

 

RESENHA

 

Crisálida: O desvelar da Criatividade

 

Chrysalis: The unveiling of creativity

 

 

Resenhado por Helena Rinaldi Rosa*

Laboratório Interdepartamental de Técnicas de Exame Psicológico (LITEP) do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo - SP - Brasil

 

 

Giora, R.C.F.A. (Org.). (2012). Crisálida: O desvelar da criatividade. Taubaté: Cabral Editora e Livraria Universitária, 256 p.

Este livro é uma produção do grupo de estudos denominado "Criatividade na Arte, na Ciência e no Cotidiano" (CNPq), criado em 2009, e dá continuidade ao primeiro, "Crisálida - o despertar da criatividade", publicado em 2010. É organizado pela coordenadora do grupo, Regina Célia Faria Amaro Giora. São 13 capítulos, escritos como artigos isolados, pelos diferentes membros do grupo, que pretendem socializar o conhecimento produzido na academia, dialogando com o senso comum, razão pela qual foi escrito em linguagem acessível ao público comum. Assim, o conteúdo abrange as ideias de apenas alguns dos pensadores de uma vasta bibliografia disponível sobre o tema da criatividade, em uma perspectiva interdisciplinar e da influência dos estudos e pesquisas recentes.

Cleusa Kazue Sakamoto inicia resgatando a técnica de Brainstorming, ou ideação criativa, proposta por Osborn, cujo objetivo é a produção de ideias criativas, amplamente utilizada nas mais diversas áreas e ambientes profissionais na busca de soluções criativas nos variados setores. Segundo a autora, a obra de Osborn tem grande influência nos estudos direcionados aos processos cognitivos, isto é, na compreensão das estruturas mentais relacionadas ao processo criativo: os fatores envolvidos e as estruturas facilitadoras do pensamento criativo. Apresenta a Psicologia da Criatividade de Winnicott, como associada à saúde mental, uma vez que esse autor faz uma associação entre a brincadeira da criança e a imaginação do adulto, que já estava presente na obra de Freud. Afirma que na concepção winnicottiana a Criatividade se relaciona como o "sentimento que o indivíduo tem de que a vida é real ou significativa" (p. 20), decorrente de uma interação com o ambiente ao longo do seu desenvolvimento, "capaz de suprir satisfatoriamente as necessidades de cuidado e proteção" (p. 20). Assim, a saúde psíquica está relacionada à utilização do potencial criativo e a Criatividade é concebida como um estilo de viver (modo de ser e fazer) saudável e singular do indivíduo. A ênfase no ambiente da teoria de Winnicott vem ao encontro das idéias de Csikszentmihalyi, para quem a Criatividade "ocorre na interação entre os pensamentos de uma pessoa e um contexto sociocultural" (p. 22), ressaltando que a experiência criativa (do "fluir") gera prazer, diferentemente de outras ações humanas. A autora aponta também a relação entre a técnica do Brainstorming com a associação livre da Psicanálise, bem como destaca que, no estudo da Criatividade, os fatores intelectuais e os afetivos, usualmente separados nas análises psicológicas, estão interligados e são complementares.

Em seguida Márcia Polacchini de Oliveira aborda a importância da Arte no desenvolvimento humano e na sociedade, defendendo a Criatividade como uma necessidade indispensável à autorrealização e que "é possível criar as condições básicas necessárias para se aproveitar ao máximo o potencial criativo de cada um" (p. 33). Propõe para isso o trabalho de terapia expressiva Conexão Criativa, desenvolvido pela filha de Carl Rogers, Natalie Rogers, a partir da Abordagem Centrada na Pessoa. Discute o teatro como a forma mais completa de favorecer o desenvolvimento da expressividade. E vai além: "pode contribuir na construção de uma sociedade composta de cidadãos que saibam situar-se integralmente entre as suas dimensões afetiva e cognitiva" (p. 39).

O pensamento do filósofo francês Bergson é abordado por Isabel Orestes Oliveira, que sintetiza de forma breve algumas das suas contribuições teóricas. Centraliza-se nas proposições de Bergson sobre o conceito de tempo, bem como aponta que ele aborda a criatividade, não apenas do ponto de vista individual ou grupal, mas de um ponto de vista sistêmico. Ressalta que está considerando criatividade como inseparável do processo de viver, algo que pode ser encontrado em toda a parte, no processo contínuo de surgimento do novo.

Danielle Telles relata a visão de seis mulheres sobre a criatividade dita "feminina", como parte de uma pesquisa mais ampla, buscando construir uma cartografia da questão feminina na contemporaneidade. Analisa suas falas a partir das posições de Keller, Perrok e Rolnik. De acordo com Keller, o homem vive na vida cotidiana adaptando-se aos costumes e afazeres da cotidianidade, de forma a desempenhar satisfatoriamente suas atividades, mas não se refere explicitamente à criatividade. As entrevistadas consideram que para conseguir tal desempenho, a mulher deve ser criativa. Telles questiona o uso da criatividade da mulher como ferramenta de marketing e não como, de fato, criação e inovação. Já Perrot discute a relação entre as mulheres e as ditas profissões femininas, que priorizam o doméstico e não o profissional. Considera que haveria um acordo entre as duas esferas, mas que para isso as mulheres pagam um preço altíssimo (renúncias, celibato, calar o excesso de trabalho). Para a autora, a criatividade pode auxiliá-las a se libertarem dessa pressão. Segundo Rolnik, o avanço tecnológico é um dos fatores que leva à atual crise nos modos de subjetivação, pois a realidade fica em constante mudança e traz o mal estar da desestabilização, por causa da projeção de uma suposta completude, idealizada na verdade, que "nos distancia cada vez mais da possibilidade de criação de territórios singulares" (p. 108). Segundo Telles, as falas das entrevistadas ilustram as convulsões contemporâneas de Rolnik. A criatividade possibilitaria, então, processos de criação, transformação e mudança. As mulheres compartilham os valores tradicionais de família e buscam corresponder aos ideais de mulher, mãe e esposa por meio da criatividade.

Após introduzir um pequeno histórico do conceito de imaginação na Filosofia, Thais Hayek analisa a criatividade segundo a proposta de Bachelard com o conceito de imaginação material (que difere da imaginação que ele chama de formal, e que atuam juntas), que estabelece que "todas as imaginações materiais são associadas a algum ou alguns dos elementos: água, terra, fogo e ar" (p. 120). A autora propõe que a leitura de Bachelard se apoia na psicanálise, assim como na Filosofia, poesia, mitologia e literatura, concluindo que esses quatro elementos "funcionam como uma linguagem universal e primitiva, sendo também uma fonte inesgotável da criatividade" (p. 127).

Outros pensadores são mencionados no livro, como Taylor, Morin, Vygostski e Jung. Ângela Maria Mendes e Silvia Soler Bianchi trazem o pensamento de Morin. A primeira busca mostrar a forma inovadora do pensamento desse autor, que usa o conceito de pensamento complexo, "os sete saberes para a educação do futuro, ou seja, sugere que a escola pode se beneficiar do uso do pensamento que integra todos os conhecimentos de forma simultânea e não excludente" (p.136). Na verdade, ele faz uma crítica à educação que está ancorada num conhecimento fragmentado que impede a visão do homem e do mundo integral. Segundo Mendes, essa mudança sugerida por ele abriria o espaço para a criatividade, para a criação do novo.

Já Bianchi aborda o tema da sociedade de consumo sob a perspectiva de Morin, discutindo que o consumismo desenfreado contribui para a alienação do indivíduo, servindo como instrumento de manipulação das massas e impedindo o exercício do poder criador. Ela propõe a criatividade como meio para a liberação humana, considerando a transdisciplinaridade, no sentido exposto acima, como processo de desalienação e que possibilita "o despertar de sua consciência sob o aspecto de agente criativo e produtor desse mundo" (p. 158).

Três capítulos são dedicados ao pensamento Vygotski. Juliana Hoffman comenta como a teoria de Vygotski sobre a defectologia, ou estudo dos defectos - deficientes, "pode contribuir na construção de políticas de inclusão inovadoras de pessoas com necessidades especiais, na contemporaneidade" (p. 161). A inclusão defendida por ela é possível por meio da criatividade, como ferramenta para a transformação da carência em força para a superação, o que chama de compensação da deficiência. Tarefa também da escola, vista como um espaço criativo, para que essa superação e compensação sejam alcançadas. Já Erenice Jesus de Souza apresenta os estudos de Moscovici sobre as representações sociais, de Vygotski sobre o pensamento e a linguagem e de Lubart sobre a criatividade, e destaca que estes autores apresentam uma leitura contextualizada sociohistoricamente, e propõe, como os demais, a criatividade como forma de enfrentamento e de libertação dessa alienação.

Maria Silvia Santa Fé busca compreender o conceito de criatividade no cotidiano, também a partir da obra de Vygotski. Segundo a autora, ele considera a atividade criativa como o que diferencia a cultura humana do mundo da natureza, pois não é inata, mas aprendida, e se desenvolve inserida no contexto histórico e sociocultural do homem. Portanto, pressupõe maturação tanto biológica, quanto social. Enfatiza ainda o papel do pensamento, da memória e também da emoção no processo de desenvolvimento humano e da sua atividade criadora.

Os dois últimos capítulos abordam a criatividade na teoria junguiana. O primeiro destaca o papel da Imaginação Ativa, proposta por Jung, para a comunicação com o inconsciente, seja o pessoal, construído pelas experiências do indivíduo, seja o coletivo, herdado, arquetípico. Segundo Jung, essa comunicação possibilita ao homem conhecer melhor a si-mesmo (self) e, portanto, também uma melhor compreensão da criatividade. Ela permite liberar as fantasias do inconsciente, integrando-as na consciência, assim ampliando-a e contribuindo para o processo de individuação, que a autora considera como desenvolvimento da personalidade individual, o que permitiria a liberação da força criativa.

O outro capítulo retoma os conceitos de inconsciente coletivo, símbolos e mitos de Jung e tem como proposta analisar a influência, a função e o peso dos mesmos no processo criativo. Os mitos e os símbolos, assim como o sonho, e presentes nele, permitem o acesso ao inconsciente. E a criatividade, segundo a autora, vem do inconsciente, quer seja pessoal ou coletivo. São muitos os teóricos comentados e, como não pode deixar de ser, não é possível aprofundar o pensamento de nenhum deles em um espaço limitado. A abordagem do livro é interessante, com um tom mais filosófico e sociológico. A criatividade como instrumento de liberação diante de uma sociedade manipuladora e alienante parece ser a tônica de toda a obra. Foram apresentados pelos autores dos capítulos alguns dos nomes de uma ampla bibliografia disponível, assim, fica aqui um convite à leitura desta obra, bem como do volume anterior e, talvez, do próximo.

 

 

Recebido em 25/06/14
Aceito em 27/06/14

 

 

* Endereço para correspondência: Av. Prof. Mello Moraes, 1721. São Paulo - SP. CEP: 05508-030. Fone: 2648-0210. E-mail: helenarr@osite.com.br

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