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Boletim de Psicologia
versão impressa ISSN 0006-5943
Bol. psicol vol.64 no.141 São Paulo dez. 2014
ARTIGOS ORIGINAIS
Qualidade de vida e satisfação no trabalho: relação entre escalas que avaliam os construtos
Quality of life and job satisfaction: relationship between scales that measure these constructs
Fabián Javier Marín RuedaI,*; Robisom Carlos de LimaI; Alexandre José RaadII
IUniversidade São FranciscoSP - Brasil
IIUniversidade Tiradentes/Aracaju - SE - Brasil
RESUMO
O estudo buscou verificar a relação entre qualidade de vida no trabalho e satisfação no trabalho. Participaram 241 sujeitos de ambos os sexos, com idade entre 18 e 63 anos, que responderam a Escala de Avaliação da Qualidade de Vida no Trabalho (Escala-QVT) e a Escala de Satisfação no Trabalho (EST). Os resultados mostraram correlações positivas e significativas entre as dimensões da Escala-QVT e os fatores da EST, evidenciando que com o aumento da qualidade de vida no trabalho houve um aumento na satisfação laboral. Quando comparadas as médias da Escala-QVT, em relação à classificação dos sujeitos quanto ao grau de satisfação na EST, constatou-se que os sujeitos classificados como 'insatisfeitos' em todos os fatores da EST, foram os que apresentaram as menores pontuações nos fatores da Escala-QVT. Tais resultados forneceram evidência de validade para as escalas, por meio da comparação de testes que avaliam construtos relacionados.
Palavras-chave: Qualidade de vida no trabalho; satisfação no trabalho; evidência de validade; Psicologia Organizacional e do Trabalho.
ABSTRACT
The study intended to assess the relationship between quality of life at work and job satisfaction. Data were collected using the Escala de Avaliação da Qualidade de Vida no Trabalho (QVT Scale) and the Escala de Satisfação no Trabalho (EST) in a sample of 241 subjects, of both sexes, aged between 18 and 63 years. Results showed significant positive correlations between all dimensions of the QVT Scale and all factors of the EST, indicating that with the increase of the quality of life at work there was an increase in job satisfaction. When comparing the means of the QVT Scale regarding the classification of the subjects relative to the degree of satisfaction in EST, it was found that subjects classified as 'unhappy' at all the EST factors, were also those who had the lowest scores on factors of the QVT Scale. These results provided evidence for the validity scales, through comparison of tests that assess related constructs.
Key words: Quality of work life; job satisfaction; evidence of validity; Organizational and Labor Psychology.
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, o significado do trabalho para o homem, assim como a relação que se estabelece entre ambos, vem se modificando em decorrência do desenvolvimento do mercado e das transformações do capitalismo na pós-modernidade. Para Gorz (2005), cada vez mais as empresas se adaptam à realidade da chamada "sociedade do conhecimento", na qual o capital valorizado não se restringe ao produto ou a matéria prima, mas abarca também as competências e conhecimentos do trabalhador. Assim, surge a preocupação em valorizar e desenvolver o capital humano e a necessidade de pensar o homem em sua integralidade (trabalho, lazer, saúde e família). Nesse contexto, o conceito e as práticas voltadas para a qualidade de vida no trabalho fazem referência aos aspectos do trabalhador que podem influenciar o exercício de suas atividades laborais, como estilo de vida, capacidade de autogestão e resolução de problemas (Barros, 2010).
Na literatura não existe um consenso sobre a definição de Qualidade de Vida no Trabalho (QVT), dada a diversidade de formulações sobre o tema (Fernandes & Gutierrez, 1988; Rodrigues, 1998; Detoni, 2001; Heloani & Capitão, 2003). Entretanto, de forma geral, o conceito de QVT faz referência à necessidade de humanizar o ambiente laboral e desenvolver o fator humano relacionado aos processos produtivos (Nadler & Lawler, 1983). Ainda, diz respeito à saúde e ao bem-estar dos trabalhadores em seu ambiente de trabalho, bem como a outras instâncias da vida do trabalhador, que influenciam direta ou indiretamente sobre a forma como executam suas tarefas. O construto está ligado a aspectos como satisfação, motivação, condições e gerenciamento do trabalho (Silva & Tolfo, 1999).
Para Walton (1973), colocar em prática o conceito de QVT, visa proporcionar um ambiente laboral saudável, que possibilite ao trabalhador condições de desenvolver suas atividades com satisfação e bem-estar. O construto resgata valores que foram postos de lado no decorrer do desenvolvimento industrial em favor da produtividade e eficiência. Tal resgate tem por objetivo integrar os interesses entre organização e colaboradores, buscando a eficiência e a qualidade por meio de investimentos voltados para a valorização do capital humano, das competências do trabalhador e do conhecimento que este agrega ao trabalho que executa (Zanelli, 2002).
Ainda que os primeiros estudos datem da década de 1950, a QVT começou a ser pensada em termos de aplicação apenas a partir de 1970, tendo o trabalhador como foco principal de estudo. O conceito era relacionado à motivação, necessidades individuais, satisfação e humanização no trabalho, além de investigar a relação do indivíduo com seu ambiente de trabalho (Walton, 1973; Suttle, 1977). Entre as décadas de 1980 e 1990, os estudos sobre a QVT passaram a focar os processos organizacionais e a forma como tais processos influenciavam o trabalhador. Nesse período observou-se uma preocupação com a efetividade das atividades, as relações laborais, os níveis de produtividade e sua relação com a participação, o bem-estar e a satisfação do trabalhador (Nadler & Lawder, 1983; Delamotte & Takezawa, 1984; Fernández & Giménez, 1988; Robins, 1989). A partir da década de 1990, em concordância com as novas formas de gestão dos recursos humanos e as distintas formas de organização do trabalho, a QVT passou a ser pensada de forma abrangente, extrapolando os limites da organização e integrando outros campos da vida do trabalhador, como família, saúde e lazer (Lau, 2000).
Para Nadler e Lawler (1983), a gestão da QVT diz respeito à busca da efetividade e produtividade por parte da organização, sem que para tanto sejam postos de lado aspectos relacionados à motivação e à satisfação do indivíduo com seu trabalho. Já George e Brief (1990) e Leiter e Durup (1996) tratam da QVT relacionada ao conceito de spillover, que diz respeito à forma como o nível de satisfação em determinada área da vida, como no trabalho, pode influenciar a satisfação em outros domínios, como família ou saúde do trabalhador. Tais estudos demonstram a importância da satisfação, em especial a satisfação laboral, como um importante componente na avaliação da qualidade de vida, que se relaciona de forma abrangente com os fatores da QVT. Portanto, ainda que sejam construtos diferentes, alguns autores consideram a satisfação no trabalho como sendo resultado de uma boa gestão de qualidade de vida no trabalho (Sirgy, Efraty, Siegel & Lee, 2001).
No que se refere à satisfação no trabalho, esta pode ser compreendida como um tema de suma importância e relevância para a Psicologia, cujas primeiras pesquisas datam do início do século XX. Para Locke (1976) o trabalhador se comporta, se posiciona e toma decisões referentes ao seu trabalho a partir da avaliação positiva ou negativa que faz de seu ambiente laboral e do retorno obtido por meio desse trabalho para suas necessidades.
A satisfação no trabalho é um construto de natureza multifatorial, composto por diferentes fatores que se inter-relacionam. Tais fatores dizem respeito a características intrínsecas ao trabalho (inerentes à execução das tarefas ou a seu ambiente laboral) e também a características extrínsecas (que não podem ser controlados pelo trabalhador). Os fatores em questão referem-se à satisfação com a natureza do trabalho, com o salário, com as promoções, com os colegas e com a chefia (Siqueira, 2008).
A importância do construto decorre da forma como a satisfação no trabalho se relaciona com diversos outros construtos. Sua relevância para a compreensão das relações laborais pode ser observada em pesquisas que articulam o construto com diversos aspectos do trabalho, como a produtividade (Martinez & Paraguay, 2003), o estresse laboral (Suehiro, Santos, Hatamoto & Cardoso, 2008) e a qualidade de vida no trabalho (Martins, 2010).
Para a elaboração do presente trabalho, em abril de 2013 foi feita uma busca em bases de dados nacionais (Periódicos CAPES, Pepsic e Scielo), publicações especializadas na área (Revista Psicologia: Organização e Trabalho), bem como em bases internacionais (DialNET, Springerlink, Medline), considerando, para a pesquisa, a proximidade e a inter-relação que os construtos guardam entre si. Tal busca permitiu a identificação de estudos que abordam o tema, como o trabalho de Timossi, Francisco, Santos Jr e Xavier (2010), que investigou a QVT em relação ao nível de instrução dos trabalhadores. Para isso, um instrumento baseado no modelo de QVT proposto por Walton foi aplicado em uma amostra de 154 sujeitos, em diferentes atividades profissionais e diversos níveis de instrução. A análise de variância e de correlação demonstraram que não existiam diferenças ou correlações significativas entre a medida de QVT e os diferentes níveis de instrução, indicando que os colaboradores da amostra foram sensíveis às medidas de promoção de qualidade de vida no trabalho implantadas pela organização, apresentando melhor ou pior índice de QVT independente do seu grau de instrução.
Já o estudo de Timossi, Pedroso, Pilatti e Francisco (2009) teve por objetivo adaptar o modelo de avaliação da QVT de Walton para a população brasileira, visando trabalhadores de baixa escolaridade. Os itens originais de Walton foram avaliados e reestruturados na forma interrogativa, organizados em escala Likert de cinco pontos, enquanto os critérios de avaliação foram adaptados do trabalho de Detoni (2001). O instrumento foi aplicado em uma amostra composta por 99 sujeitos. Os dados foram submetidos à análise de consistência interna, que apresentou alfa de Cronbach total de 0,96, variando entre 0,66 e 0,88 para os oito fatores separadamente.
Por sua vez, o trabalho de Sirgy, Efraty, Siegel e Lee (2001) propôs uma medida de QVT com base na satisfação e na teoria de spillover1, que possibilitasse compreender a extensão em que as características organizacionais, como supervisão, suporte, ambiente laboral, entre outros, satisfazem as necessidades dos empregados e proporcionam qualidade de vida. O trabalho apresentou evidências de validade convergente e discriminante, bem como análise fatorial confirmatória para os sete fatores propostos pelos autores. Os dados foram coletados por meio de questionário estruturado, dividido em dez etapas, que avaliaram a satisfação dos empregados relacionada a sete categorias de necessidades, além do comprometimento organizacional. Os dados foram coletados a partir de três diferentes amostras (180 funcionários de universidades, 310 alunos e funcionários de universidade rural e 37 trabalhadores de uma agência de empregos) totalizando 527 sujeitos de ambos os sexos. Os resultados demonstraram a validade de construto para o modelo proposto, como também para a hipótese de que a satisfação de necessidades dos trabalhadores no ambiente laboral resulta não apenas em satisfação com o trabalho, mas nos diferentes domínios da vida, contribuindo assim para a qualidade de vida.
A relação ente a satisfação no trabalho e a QVT também foi tema do trabalho de Santos (2000), que propôs modelos estatísticos de regressão e causalidade para analisar em que medida a satisfação em relação à estrutura organizacional se relaciona com o bem-estar subjetivo e com a qualidade de vida no trabalho. Para tanto, foram submetidos à análise os dados de 4.578 trabalhadores assalariados, com idades entre 16 e 80 anos, de ambos os sexos, que responderam o Questionário de Qualidade de Vida no Trabalho. Os resultados demonstraram a significância dos modelos construídos, evidenciando a existência de uma relação positiva entre a satisfação laboral e os níveis de bem-estar e a QVT, além de demonstrar que a satisfação com as estruturas organizacionais é um preditor seguro, quando se avalia o bem-estar subjetivo.
Por fim, o trabalho de Oliveira (2009) investigou a relação entre qualidade de vida no trabalho, satisfação laboral e índices de turnover, no setor de vendas de uma empresa multinacional de Portugal. Os dados foram coletados por meio do Inventário sobre Qualidade de Vida no Trabalho (instrumento desenvolvido com base no modelo de QVT proposto por Walton) e uma Ficha de Dados Pessoais, que além de informações de caráter sociodemográfico, avaliava a satisfação laboral, a afetividade e a intenção de turnover. Os instrumentos foram aplicados em uma amostra composta por 24 representantes de vendas de uma unidade da empresa instalada na cidade de Lisboa, com idades entre 22 e 50 anos. As variáveis QVT, satisfação profissional e intenção de turnover foram correlacionadas, e os resultados mostraram correlações positivas e significativas entre a QVT e a satisfação (variando de 0,47 a 0,65). Tais resultados confirmaram a hipótese da autora, de que uma avaliação positiva da qualidade de vida influenciaria diretamente nos níveis de satisfação laboral dos colaboradores.
Diante do que foi apresentado, o presente trabalho se propõe a explorar as relações entre a qualidade de vida e a satisfação com o trabalho em uma amostra de trabalhadores de diversas áreas de atuação. Com tal investigação pretende-se contribuir para uma melhor compreensão da maneira como se desenvolve a percepção da QVT e como esta pode influenciar os níveis de satisfação dos sujeitos no desempenho de suas atividades. Para tanto, será realizada a análise da correlação entre os fatores da Escala de Avaliação da Qualidade de Vida no Trabalho - Escala-QVT (Rueda, 2013) e as dimensões da Escala de Satisfação no Trabalho - EST (Siqueira, 1995).
MÉTODO
Participantes
Participaram da pesquisa 241 trabalhadores do Estado de Sergipe, com idade variando de 18 a 63 anos (M=33,40, DP=11,26), sendo 124 (51,5%) mulheres. A escolaridade dos indivíduos variou de Ensino Fundamental completo ou incompleto (7,9%) até pós-graduação concluída (9,9%), sendo que a maior porcentagem foi observada com Ensino Médio completo ou incompleto (49,3%), seguido de Ensino Superior completo ou incompleto (32,9%) No que se refere à área de atuação, 111 (46,1%) trabalhavam na área comercial, 73 (30,3%) na área industrial, 35 (14,5%) como prestadores de serviços e 22 (9,1%) no terceiro setor, de diferentes empresas do estado. É importante destacar que a amostra foi por conveniência.
Instrumentos
Escala de Avaliação da Qualidade de Vida no Trabalho - Escala-QVT (Rueda, 2012).
O instrumento foi construído com base no modelo de Qualidade de Vida no Trabalho proposto por Walton (1973), considerando aspectos "intra" e "extra" organizacionais no processo de diagnóstico. Nesse sentido, as dimensões da QVT estão ligadas a aspectos como satisfação, condições e gerenciamento do trabalho e motivação, além de possibilitar a promoção de boas condições no ambiente laboral e a integração dos interesses do colaborador e da organização.
A elaboração da Escala-QVT foi realizada em dois momentos. Um primeiro estudo contou com a participação de 248 trabalhadores e a evidência de validade de construto foi estabelecida por meio de uma análise fatorial exploratória, que resultou em uma estrutura interna com 35 itens, distribuídos em quatro fatores, que explicaram 48,70% da variância total. Posteriormente a escala foi aplicada em 1326 trabalhadores, mantendo os 35 itens e os quatro fatores inicialmente observados. A variância explicada nesse estudo foi de 51,17%. Em sequência encontra-se a descrição de cada um dos fatores.
O fator "QVT relacionado à integração, respeito e autonomia" é composto por 15 itens (alfa=0,90) e se refere à promoção do respeito pelas diferenças individuais e pelos direitos dos funcionários, a colaboração e respeito entre os colegas, assim como a promoção da autonomia por meio de normas e regras claras. O fator "QVT relacionado à compensação justa e adequada" é composto por seis itens (alfa=0,89) e engloba itens que se referem à qualidade de vida, que estaria atrelada à satisfação com o salário e as políticas salariais da organização, percebendo que a mesma é justa com o funcionário nesse quesito. O fator "QVT relacionado ao incentivo e suporte" possui oito itens (alfa=0,82), sendo agrupados aqueles relacionados ao incentivo e suporte que a organização proporciona aos seus funcionários, e que estariam refletindo na qualidade de vida dos mesmos. Tais incentivos e suporte estão relacionados a treinamentos, cursos de aperfeiçoamento, incentivo à realização de atividades culturais, por exemplo. Por fim, o fator "QVT relacionado à possibilidades de lazer e convívio social", composto por seis itens (alfa=0,84), reuniu itens que dizem respeito às qualidades de convívio fora da organização, proporcionadas com base em algumas características da própria organização, como a jornada e trabalho, a carga horária e o volume de trabalho.
O instrumento é respondido por meio de uma escala Likert de cinco pontos (discordo totalmente, discordo parcialmente, nem discordo/nem concordo, concordo parcialmente e concordo plenamente), que são respectivamente pontuados de 1 a 5. A pontuação em cada fator corresponde à soma das pontuações atribuídas a cada item.
Escala de Satisfação no Trabalho - EST (Siqueira, 1995).
Para Siqueira (2008), a satisfação laboral diz respeito ao vínculo afetivo que o sujeito estabelece com o seu trabalho e com os aspectos a ele relacionados, como as relações interpessoais e profissionais, as condições do ambiente laboral e remuneração. O construto diz respeito a características que transcendem do ambiente de trabalho, como a perspectiva de futuro, as relações interpessoais e as normas da organização.
O processo de construção da EST foi baseado na coleta de dados de 287 trabalhadores. Os resultados foram submetidos à análise fatorial, revelando a existência de cinco fatores que explicaram 64,8% da variância total, cujas características são descritas a seguir.
O fator 'Satisfação com os colegas'(alfa=0,86) diz respeito ao contentamento com a colaboração e sentimentos positivos mantido com os colegas de trabalho. Já o fator 'Satisfação com o salário'(alfa=0,82) aborda aspectos relacionados ao contentamento com o que a pessoa recebe, em relação ao quanto ele trabalha, sua competência e esforço, bem como o custo de vida. Por sua vez, o fator 'Satisfação com a chefia' (alfa=0,90) trata do contentamento do funcionário com os seus superiores, no que se refere à organização, competência e interesse pelo trabalho dos subordinados. O quarto fator, denominado 'Satisfação com a natureza do trabalho' (alfa=0,82), está relacionado ao contentamento ao trabalho em si, à dificuldade do mesmo, ao desconforto que provoca e aos desafios inerentes a ele. Por fim, o fator 'Satisfação com as promoções' (alfa=0,87) refere-se ao contentamento com a mobilidade funcional, às garantias e às oportunidades oferecidas pela organização.
O instrumento deve ser respondido por meio de uma escala Likert de sete pontos (totalmente insatisfeito, muito insatisfeito, insatisfeito, indiferente, satisfeito, muito satisfeito e totalmente satisfeito), pontuados de 1 a 7 respectivamente. Deve ser ressaltado que todos os fatores da EST ficaram compostos por cinco itens. Os escores médios para cada fator são obtidos, somando-se os valores indicados pelos respondentes e dividindo-se o valor obtido pelo número de itens. Dessa forma, a pontuação em cada fator poderá variar de 1 a 7, sendo que valores entre 1 e 3,9 indicam insatisfação do sujeito com a dimensão em questão; entre 4 e 4,9 indicam indiferença; e entre 5 e 7 indicam satisfação.
Procedimento
Após a aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética (CAAE: 0376.0.142.000), os instrumentos foram aplicados individual e coletivamente, dependendo do espaço e tempo cedido pelas organizações. O tempo de aplicação foi de aproximadamente 30 minutos, sendo coletados primeiro os dados da Escala QVT e posteriormente da EST.
RESULTADOS
Na análise dos resultados primeiramente os fatores da Escala-QVT foram correlacionados com as cinco dimensões avaliadas pela EST. Em um segundo momento foi realizada uma análise de variância (ANOVA) tendo como variável dependente a pontuação em cada fator da Escala-QVT, em função da classificação dos sujeitos da amostra como insatisfeito, indiferente ou satisfeito, em cada uma das dimensões da EST. Por fim, foi realizada uma análise de variância (ANOVA) considerando os fatores de ambas as escalas em função da área de atuação dos sujeitos participantes da pesquisa. No que se refere às correlações entre os instrumentos, os resultados podem ser vistos na Tabela 1.
O resultado entre as escalas mostrou que as 20 correlações possíveis foram positivas e estatisticamente significativas. No que se refere à magnitude dos coeficientes, três foram fracos, 16 moderados e um forte, de acordo com a classificação de Dancey e Ridey (2006). Quanto ao coeficiente de correlação de magnitude forte, destaca-se que ocorreu entre a 'QVT relacionada à compensação justa e adequada' e a 'Satisfação com o salário'. Esse resultado poderia ser esperado, pois ambos os fatores estão avaliando aspectos organizacionais com características semelhantes, uma vez que na Escala-QVT o fator está relacionado à satisfação com o salário e às políticas salariais da organização, percebendo que a mesma é justa com o funcionário, enquanto que na EST também se refere ao contentamento do funcionário em relação à remuneração se comparado com o quanto trabalha e com os esforços que realiza na sua função. A menor correlação observada foi entre a 'QVT relacionada a incentivo e suporte' e a 'Satisfação com os colegas' (r=0,36).
Com base nos resultados verificados pode-se concluir que ao aumento da qualidade de vida no trabalho, independentemente do fator, aumenta também a satisfação com os diferentes aspectos do trabalho. Pela magnitude das correlações pode-se inferir que ambos os construtos possuem aspectos em comum, mas possuem grande parte de peculiaridades próprias. Assim sendo, é possível afirmar que foi identificada uma evidência de validade referente à relação do escore da Escala de Avaliação da Qualidade de Vida no Trabalho (Escala-QVT) com outro construto similar, a Escala de Satisfação no Trabalho (EST).
Em sequência realizou-se a ANOVA de cada fator da Escala-QVT em função da classificação dos sujeitos em cada dimensão da EST. Os resultados podem ser observados na Tabela 2.
A Tabela 2 mostra que todas as comparações realizadas apresentaram diferença estatisticamente significativa. Par verificar se as três classificações se diferenciavam em cada comparação, foi realizada a prova de Tukey, que demonstrou que em todos os casos foram formados, no mínimo, dois grupos. Nesse sentido, quando essa análise separou os três grupos, as menores pontuações médias na escala QVT foram apresentadas pelo grupo de pessoas classificadas como 'insatisfeitas', seguidos daqueles sujeitos classificados como 'indiferentes', enquanto os sujeitos classificados como 'satisfeitos' apresentaram as maiores pontuações médias no instrumento. Quando a prova de Tukey diferenciou apenas dois grupos, observou-se que as pessoas insatisfeitas foram diferenciadas das pessoas indiferentes ou satisfeitas, que ficaram agrupadas.
Por fim, realizou-se uma ANOVA para os fatores de ambas as escalas, em função da área de atuação dos participantes (comercial, industrial, prestação de serviços e terceiro setor). O resultado encontra-se na Tabela 3.
Pode ser constatado que das nove comparações, apenas três apresentaram diferenças estatisticamente significativas, sendo todas elas relacionadas a fatores da Escala-QVT. As diferenças observadas aconteceram nos fatores 'QVT relacionada à Integração, respeito e autonomia', 'QVT relacionada ao Incentivo e suporte' e 'QVT relacionada à Possibilidade de lazer e convívio social'. Ao realizar a prova de Tukey, para verificar a pontuação de qual(is) grupo(s) justificaria tais diferenças, verificou-se que no caso do fator 'QVT relacionada à Integração, respeito e autonomia' os grupos não foram separados, indicando que, ainda que exista uma diferença significativa na pontuação, esses valores foram próximos o suficiente para que não houvesse distinção entre os grupos. Dessa forma, independentemente da área de atuação, a QVT relacionada a esses aspectos foi semelhante para os grupos. Por sua vez, no fator 'QVT relacionada a Incentivo e suporte' foi observado que as áreas comercial e de prestação de serviços foram separadas da indústria e do terceiro setor, estas últimas apresentando as maiores médias. Analisando esses dados, é possível supor que o setor industrial possa oferecer, de fato, maiores benefícios e possibilidade de suporte para os seus funcionários, o que muitas vezes não acontece na prestação de serviços ou comércio.
DISCUSSÃO
Os estudos sobre qualidade de vida no trabalho vêm despertando o interesse de pesquisadores ligados à Psicologia Organizacional e do Trabalho nas últimas décadas, ao passo que a satisfação laboral vem sendo estudada desde o início do século XX. No entanto, apesar do interesse crescente dos pesquisadores, ainda são poucos os trabalhos que tratam da relação entre esses construtos. Dessa forma, o presente estudo teve como objetivo explorar a relação entre a qualidade de vida no trabalho e a satisfação laboral.
No que tange a essa relação, quando observados os resultados obtidos por meio da análise da correlação de Pearson entre a Escala-QVT (Rueda, 2013) e a EST (Siqueira, 2008), todas as correlações foram positivas e estatisticamente significativas. Tais resultados sugerem que a avaliação feita pelos colaboradores referente à qualidade de vida no trabalho pode influenciar diretamente na satisfação laboral, o que corrobora os achados de estudos anteriores (Martins, 2010; Oliveira, 2009; Santos, 2000).
Ainda no que diz respeito à relação entre os instrumentos em questão, praticamente todas as correlações observadas (com exceção de uma correlação em específico), apresentaram coeficientes entre 0,36 e 0,66, que são resultados semelhantes aos encontrados por Oliveira (2009). A exceção ficou por conta da correlação entre a dimensões 'QVT relacionada à compensação justa e adequada' e a 'Satisfação com o salário', cujo coeficiente de correlação pode ser classificado como forte, de acordo com Dancey e Ridey (2006), o que indica que ambos os construtos partilham de aspectos bastante semelhantes, porém mantendo algumas especificidades. Nesse sentido, deve-se mencionar que a 'satisfação com o salário' refere-se ao contentamento que o indivíduo apresenta com o que é recebido de salário, levando em consideração o quanto ele trabalha, sua capacidade profissional, com o seu custo de vida e com os esforços realizados na sua atividade laboral. Por sua vez, a 'QVT relacionada a compensação justa e adequada' se refere à qualidade de vida que estaria atrelada à satisfação com o salário e as políticas salariais da organização, percebendo que a mesma é justa com o funcionário nesse quesito. Dessa forma, a forte relação evidenciada entre ambas as variáveis parece ser coerente com os pressupostos teóricos (Rueda, 2013; Siqueira, 2008).
Quando comparados os resultados obtidos na Escala-QVT, em função da classificação feita com base na EST, observou-se que os colaboradores classificados como "insatisfeitos" apresentaram as menores pontuações médias na Escala-QVT. Tais resultados sugerem que trabalhadores que avaliam como insuficientes as medidas da organização para proporcionar uma maior satisfação no trabalho, tendem a apresentar menor QVT. No entanto, quando comparados os resultados de ambas as escalas em função da área de atuação, o setor industrial e o terceiro setor se destacaram nos resultados referente às dimensões "QVT relacionada ao Incentivo e suporte" e "QVT relacionada à Possibilidade de lazer e convívio social", com pontuações médias mais elevadas. Essa informação pode significar que os trabalhadores de empresas ligadas ao setor industrial percebem com maior facilidade as garantias e incentivos oferecidos pelas organizações, quando comparados a trabalhadores de outros setores que, muitas vezes, não têm segurança e estabilidade no emprego.
CONSIDERAÇõES FINAIS
O mundo vem sofrendo grandes transformações no cenário econômico, em parte, resultado da abertura de mercado e de capital. Na tentativa de se adaptar a esse novo contexto, no qual o mercado demanda qualidade e competitividade, as organizações tem dado cada vez mais atenção ao seu capital humano. Nesse sentido, o presente trabalho buscou aprofundar a discussão sobre qualidade de vida e satisfação no trabalho, investigando a relação entre esses que são dois dos indicadores de bem-estar mais investigados nas empresas na atualidade.
Assim, diante do que foi discutido, este estudo apresenta uma contribuição para a área organizacional, assim como também para o avanço nas discussões sobre o tema, uma vez que os resultados aqui apresentados, além de demonstrar a relação entre os construtos em questão, fornecem evidência de validade convergente para as escalas estudadas (AERA, APA & NCME, 1999).
Entretanto, novos estudos se fazem necessários. Ainda que os coeficientes de correlação apresentados indiquem o quanto a qualidade de vida no trabalho e a satisfação estejam interligados, estes resultados não permitem descrever uma relação de causalidade. Dessa forma, estudos que explorem análise de regressão são indicados. Uma limitação do estudo diz respeito à pouca informação a respeito da caracterização do terceiro setor. Uma análise mais aprofundada sobre o grupo proveniente dessa área de atuação seria interessante, inclusive para embasar os resultados relacionados a essa área de atuação. Um exemplo é o resultado da ANOVA em função da satisfação dos sujeitos, que demonstrou que no caso do fator 'QVT relacionada à Possibilidade de lazer e convívio social' foi observado que o terceiro setor foi o único a se diferenciar das demais áreas. Um resultado expressivo, mas que carece de melhor caracterização dessa área de atuação.
REFERÊNCIAS
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Recebido em 19/11/13
Revisto em 03/12/14
Aceito em 05/12/14
* Endereço para correspondência: Rua Alexandre Rodrigues Barbosa, 45, Centro, Itatiba, São Paulo. CEP: 13251-900. Telefone: (011) 4534-8034. E-mail: fabian.m.rueda@gmail.com
1 Termo oriundo do neofuncionalismo, que faz referência a determinados processos que "repercutem" e provocam a integração de outros processos ao sistema. No caso do estudo em questão, diz respeito à forma como a adoção de medidas de gestão da satisfação laboral podem repercutir em outras áreas do trabalho e da vida.