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Interamerican Journal of Psychology
versão impressa ISSN 0034-9690
Interam. j. psychol. v.42 n.2 Porto Alegre ago. 2008
Participação política e experiência homossexual: dilemas entre o indivíduo e o coletivo
Political participation and homosexual experience: predicaments between the individual and the collective
Frederico Alves Costa1; Frederico Viana Machado; Marco Aurélio Maximo Prado
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil
RESUMO
O artigo discute a dinâmica da participação política de GLBT’s (Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros) no movimento social GLBT de Belo Horizonte/BR. Este trabalho aponta para vínculos variados e marcados por conflitos e antagonismos entre o movimento social GLBT de Belo Horizonte/ BR, o Estado e outras organizações sociais, dificultando a delimitação de fronteiras políticas neste espaço sócio-político. Ademais, enfatiza a consideração de aspectos psicossociais, estruturais e conjunturais na reflexão sobre os impedimentos e as possibilidades da participação política dos GLBT’s. Buscamos indicar a necessidade de uma ampliação do campo político para a compreensão da participação política nas sociedades contemporâneas e contribuir para a promoção de uma sociedade democrática.
Palavra-chave: Participação política, Movimento social GLBT, Identidade coletiva, Democracia.
ABSTRACT
This article aims to discuss the dynamic of the political participation of GLBT’s in the GLBT social movement of Belo Horizonte/BR. This work addresses to several relations and conflicts between the GLBT social movement of Belo Horizonte/BR, the State and other social organizations. Moreover, it is focused on different aspects in the reflexion about the obstacles and possibilities of the political participation of GLBT’s in the GLBT social movement of Belo Horizonte. With this article we seek to indicate the need of enlargement of the politic space to understand the political participation in the contemporary society and to contribute to the construction of a democratic society.
Keywords: Political participation, Social movement GLBT, Collective identity, Democracy.
O estudo da participação política em movimentos sociais atraiu escasso interesse por parte da psicologia brasileira, segundo Sandoval (1989), ficando esse campo de pesquisa concentrado em estudos sociológicos. Os modelos explicativos sobre participação política ou acabaram por privilegiar a influencia das estruturas sociais e das categorias sociais na promoção da participação política, deixando de lado a compreensão do individuo e de sua motivação em sair de uma postura individualista em benefício da participação em um projeto coletivo; ou reduziram a explicação da participação política às disposições individuais, obscurecendo as análises referentes aos elementos macroestruturais que interpelam a constituição de ações coletivas (Sandoval, 1989, 1997). Dessa forma, observa-se um hiato quanto à elaboração teórica sobre “os processos mediadores e a natureza dos vínculos entre o indivíduo e a decisão coletiva do grupo” (Sandoval, 1989, p. 123).
Diante da insuficiência desses modelos explicativos, tanto a Sociologia do Comportamento Político quanto a Psicologia Política, segundo Sandoval (1997), compreendem na atualidade que se deve colocar o indivíduo como elemento central na análise do comportamento, considerando-se necessário o uso de abordagens construtivistas “na medida em que as pessoas determinam sua participação política e interativamente e uma vez que as relações interpessoais e as forças estruturais também interagem para impactar o processo de decisão individual e coletivo” (Sandoval, p. 18).
Dessa maneira, buscamos analisar a dinâmica da participação política no movimento social GLBT (Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros) de Belo Horizonte/BR, com o objetivo de compreender tanto fatores psicossociais, quanto fatores estruturais e conjunturais dos impedimentos e possibilidades da participação política dos GLBT’s nesse movimento social, e, consequentemente, contribuir para a articulação de diferentes dimensões na reflexão sobre as ações coletivas.
Apesar do crescimento e fortalecimento de movimentos sociais GLBT em diferentes países do mundo, tendo eles conseguido influenciar a construção de políticas públicas e garantir direitos até então ausentes ou inexistentes aos GLBT’s, há poucos estudos sobre as formas de participação da população GLBT, a qual é violentada cotidianamente em decorrência de atitudes homofóbicas. Além disso, é importante apontar que mesmo com esse fortalecimento e crescimento de movimentos sociais GLBT há uma baixa participação dos GLBT’s em grupos ligados a esses movimentos sociais (Prado, Rodrigues & Machado, 2006), reforçando a necessidade de refletirmos sobre a dinâmica da participação política dos homossexuais.
A questão central deste trabalho, portanto, se debruça sobre os impedimentos e as possibilidades da participação política no movimento social GLBT de Belo Horizonte/ BR. Para responder a tal questionamento, buscamos analisar as estratégias e espaços de participação política no movimento social GLBT de Belo Horizonte/ BR, bem como os fatores que proporcionam ou dificultam a participação dos GLBT’s neste movimento social.
Revisitando o Campo Teórico
Nas últimas décadas, segundo Mouffe (1999), ocorreram grandes transformações no mundo como a queda de regimes totalitários, o desaparecimento da oposição democracia/totalitarismo, a expansão dos meios de comunicação, a crescente globalização e dentro deste quadro histórico observou-se também mudanças nas formas de se fazer política, de se comportar coletivamente, propiciando “um vasto processo de redefinição das identidades coletivas e o estabelecimento de novas fronteiras políticas” (Mouffe, p. 266), o que indica novas formas de participar politicamente no mundo público.
De acordo com estudos sobre a participação política na realidade brasileira (Sader, 1988) e em outros países, tal como explicita o estudo de Tejerina (2005), novas e renovadas cidadanias marginalizadas emergem no espaço público da sociedade contemporânea, transitando entre as esferas públicas e privadas, possibilitando apontar para um redimensionamento dessas esferas nos dias atuais. Assim, anunciam a crise de um modelo dicotômico entre público e privado, o qual se estrutura na definição de espaço público a partir de uma concepção universalmente abstrata (Mouffe, 1996), sendo gerido pela lógica de classe e pela atuação do Estado (Tejerina).
Portanto, essas condições políticas exigem a necessidade de refletirmos sobre rearticulações entre as esferas pública e privada para compreendermos a participação política na sociedade contemporânea. Dessa forma, Tejerina (2005) ressalta a noção de privacidade compartilhada para analisar o espaço político na atualidade, propondo enfatizar experiências privadas que são compartilhadas em esferas semi-públicas, as quais se inserem, portanto, em um espaço de latência com relação à emergência dos indivíduos no espaço público, alcançando visibilidade e reconhecimento na esfera pública através da mobilização política. Assim, o conceito de privacidade compartilhada propicia a politização de experiências percebidas, a partir das dicotomias público- privado e pessoal-político, como pré-políticas ou, muitas vezes, como anti-políticas.
A dicotomia entre público e privado deve ser questionada, segundo Mouffe (1996), uma vez que na comunidade política, a partir da concepção de cidadania democrática radical, todas as situações são um encontro entre o público e o privado, pois os desejos e as decisões são uma responsabilidade de cada indivíduo, existindo espaço para a liberdade individual, mas a atuação e a pertença neste espaço são públicas, pois os indivíduos estão ligados por um interesse público, pautado pelo reconhecimento de certas condições de ações, não relegando, dessa forma, “todos os aspectos normativos para a esfera da moralidade privada” (Mouffe, p. 94).
Segundo Sandoval (1997):
provavelmente as relações entre o indivíduo (e sua identidade pessoal), o ator social (e sua identidade social), o cidadão (e suas identificações sociais) até o ator coletivo (e sua identidade coletiva) se definem em fluxos de interações de influencias diferenciadas conforme o tipo de comportamento político, condições situacionais e contextos sociais. (p. 20).
Assim, diante da necessidade de uma análise interativa e construtivista para a compreensão do comportamento político, faz-se necessário uma crítica à dicotomia público-privado, sendo fundamental buscar “os vínculos interativos entre as esferas de determinação [público-privado / individual-coletivo] pelas quais os indivíduos constróem seus significados e realizam suas ações, conforme configurações específicas de fatores determinantes” (Sandoval, 1997, p. 22).
A partir destas considerações, entendemos a participação política como uma manifestação pública, que pode se relacionar a espaços de privacidade compartilhada, através da qual se busca superar as tendências de privatização da vida, dominantes na sociedade moderna (Tejerina, 2005), e também propiciar a construção de uma sociedade mais justa e democrática.
Dessa forma, consideramos os movimentos sociais como importantes espaços de participação política na sociedade contemporânea, pois “se situam em um espaço de privacidade compartilhada que possibilita a conversão de interesses privados em questões de debate na esfera pública, e permitem encontrar uma estrutura de plausibilidade para viver a cidadania vicaria [tradução nossa]” (Tejerina, 2005, p. 81), sendo cada vez mais necessários como motores da “inovação democrática [tradução nossa]” (Tejerina, p. 82) ao atentar para novas formas de articulações contra-hegemônicas.
Dentro da complexidade em que se apresentam e em consonância com a concepção de participação política, ora ressaltada, compartilhamos com Alvarez, Dagnino e Escobar (2000) a compreensão dos movimentos sociais através da noção de teia de movimentos sociais, expressando, por um lado, a possibilidade de intervenção política destes dentro e para além da sociedade política e do Estado, no sentido em que se articulam tanto com práticas culturais e redes interpessoais da vida cotidiana quanto com outros movimentos sociais, atores e espaços culturais e institucionais, e, por outro lado, o caráter intrincado e precário destes vínculos.
Além disso, ressaltamos três questões essenciais para a compreensão da participação política nos movimentos sociais na atualidade: entendemos o sujeito coletivo como fragmentado, descentrado e contingente (Prado, 2001); pensamos o espaço político através de uma noção que não restrinja as atuações políticas ao âmbito institucional, mas pelo contrário, que compreenda também espaços construídos nas relações de cotidianidade; consideramos fundamental para a compreensão do processo de mobilização dos movimentos sociais e para a politização de identidades subalternizadas, como a homossexualidade, a constituição de identidade política, entendida neste trabalho como um:
conjunto temporário de significados que delimitam fronteiras na questão dos direitos sociais e, exatamente por isso, ela é experenciada como um nós que está sendo impedida por um eles de realização de suas demandas sociais, portanto como uma relação antagônica. (Prado, 2002, p. 60).
A constituição da identidade política depende de três aspectos psicossociais fundamentais: a formação de identidade coletiva, a transformação das relações de subordinação em relações de opressão e a demarcação de fronteiras políticas entre os grupos sociais (Prado, 2002).
A noção de teia de movimentos sociais e a introdução de processos psicossociais na análise da participação política nos movimentos sociais apontam para ações políticas que interpelam o clássico conceito de movimentos sociais, pautado por aspectos macroestruturais, pela concepção da classe social como sujeito privilegiado e pelo Estado como principal adversário, uma vez que demonstram a necessidade de “análises sobre o micro, sobre o particular, um crescente interesse na sociedade civil” (Maheirie, 1997, p. 163) e introduz uma multiplicidade de fatores na compreensão do contexto social e nos estudos sobre movimentos sociais (Maheirie). Diante disso, podemos enfatizar que a compreensão da passagem de uma condição individual para a articulação entre diferentes experiências privadas e, conseqüente, visibilidade no espaço público como um sujeito político demanda a introdução de processos psicossociais na análise da participação política na sociedade contemporânea.
Método
A complexidade da análise da dinâmica da participação política nos movimentos sociais, marcada pela necessidade de se pensar tanto fatores estruturais e conjunturais quanto fatores psicossociais, exigem desenhos metodológicos múltiplos, englobando conjuntamente procedimentos quantitativos e qualitativos de análise, sendo que, segundo Klandermans, Staggenborg e Tarrow (2002), a variação metodológica no campo de estudo dos movimentos sociais tem sido muito importante. Ambos os procedimentos, isoladamente, se por um lado, permitem compreender algumas facetas da vida social, por outro, ocultam ou desprezam outras facetas também importantes de serem analisadas, as quais podem ser compreendidas através da articulação de procedimentos metodológicos.
Entretanto, apesar da relevância dessa multiplicidade metodológica, é importante chamar atenção para a discussão apontada por Flacks (2005) de que o uso metodológico no campo dos movimentos sociais assemelha- se a uma mesclagem entre um acúmulo teórico e uma abstração empírica, descuidando de questões intelectuais fundamentais como: o que levam as pessoas a se engajarem numa militância para a construção de uma sociedade mais justa e democrática?
Diante disso, devemos enfatizar que um possível avanço metodológico nos estudos de movimentos sociais se pauta pelo entrelaçamento de diferentes metodologias de pesquisa e pela concepção de que a utilização de variadas técnicas de pesquisa é uma exigência não em vista de “uma triangulação, numa acepção tradicional de busca da verdade última, mas sim para estabelecer conexões parciais e multiplicar o campo dos possíveis” (Mendes, 2003, p. 1). Dessa forma, o reconhecimento dos limites e das possibilidades de cada técnica de coleta de dados, aliada à flexibilidade e à criatividade do pesquisador, pode proporcionar a ampliação de possíveis caminhos para o conhecimento.
Sendo assim, buscamos cruzar nesse trabalho procedimentos quantitativos e qualitativos de pesquisa, respectivamente, um questionário fechado, aplicado a 412 participantes da 8ª Parada GLBT de Belo Horizonte/BR durante a pesquisa de Prado et al. (2006), e seis entrevistas individuais semi-estruturadas com lideranças e participantes de grupos do movimento social GLBT de Belo Horizonte/BR e com entrevistados na pesquisa de Prado et al. que disseram não participar politicamente de nenhum grupo do movimento social GLBT.
Procedimentos Quantitativos
O uso de procedimentos quantitativos é uma das formas de se compreender um problema de pesquisa a ser estudado. Esses procedimentos possibilitam, através do estabelecimento de variáveis, de análises estatísticas, correlações e probabilidades a construção de um panorama geral sobre o problema pesquisado. Os procedimentos quantitativos apresentam como limitação, sobretudo, o distanciamento com relação aos participantes da pesquisa, no sentido de considerá-los objetos de pesquisa, e a possibilidade fixa de respostas para as questões, pensadas a priori, dificultando, dessa maneira que os participantes da pesquisa possam, por um lado, colocarem- se enquanto sujeitos que apresentam vivências particulares na suas relações com o mundo e, por outro, expressarem-se de maneira mais aprofundada sobre os temas abordados. Além disso, tais procedimentos procuram “restringir a ingerência e a expressão da subjetividade do pesquisador” (Martins, 2004, p. 292).
Nessa pesquisa, como procedimento quantitativo para a compreensão dos impedimentos e das possibilidades da participação política no movimento social GLBT de Belo Horizonte/BR utilizamos os dados do questionário aplicado, durante a pesquisa de Prado et al. (2006), à 412 participantes da 8ª Parada GLBT de Belo Horizonte/BR. Esse questionário contava com 34 questões que objetivavam conhecer as representações que os participantes da 8ª Parada GLBT de Belo Horizonte/ BR tinham acerca de algumas reivindicações pontuais dos movimentos sociais e/ou organizações não-governamentais de defesa homossexual; a percepção sobre a organização e impacto da Parada dentro da sociedade; a inter-relação entre os movimentos sociais e a mudança de valores com relação à homossexualidade dentro da sociedade e a percepção/vivência de preconceito e discriminação na vida social.
O questionário foi construído conjuntamente por pesquisadores universitários e militantes de grupos do movimento social GLBT de Belo Horizonte/BR. A aplicação do questionário baseou-se na metodologia de amostragem intencional por cotas, tendo se trabalhado com três cotas (homens, mulheres e transgêneros), as quais foram subdivididas de acordo com critérios de escolaridade e faixa etária. Além disso, o questionário foi aplicado de maneira aleatória como uma medida de comparação para verificar a representatividade da divisão por cotas.
Dos dados obtidos através da pesquisa de Prado et al. (2006), ressaltamos nesse artigo aqueles referentes às formas de participação e ação política dos homossexuais; ao preconceito e a discriminação sofrida por homossexuais cotidianamente; à credibilidade das instituições na luta pelos direitos dos homossexuais. Esses dados foram relacionados com a interpretação dos dados qualitativos obtidos através de entrevistas semiestruturadas, buscando realizar uma triangulação entre as duas diferentes técnicas de coleta de dados.
Procedimentos Qualitativos
Procedimentos qualitativos são outra possibilidade de investigação, a qual privilegia, de modo geral, a análise de microprocessos (Martins, 2004); proporciona ao participante investigado condições de expressar-se livremente sobre os temas tratados na pesquisa, enfatizando a importância da interação entre pesquisador e participante, possibilitando uma visão aprofundada das situações e contextos mais complexos. Além disso, a metodologia qualitativa rompe com a busca incessante da neutralidade observada nos procedimentos quantitativos, reconhecendo o comprometimento do pesquisador com valores, crenças, ideologias e princípios na construção da pesquisa. Ademais, em decorrência da “variedade de material obtido qualitativamente [a pesquisa qualitativa] exige do pesquisador uma capacidade integrativa e analítica que, por sua vez, depende do desenvolvimento de uma capacidade criadora e intuitiva” (Martins, p. 292).
A utilização de entrevistas tem sido central nas pesquisas de movimento social, sendo as entrevistas semiestruturadas uma ferramenta metodológica comum nesse campo de estudo por serem úteis para a “exploração, descoberta e interpretação de processos e eventos sociais complexos” (Blee & Taylor, 2002, p. 93, tradução nossa). Dessa maneira, Blee e Taylor expõem que as entrevistas semi-estruturadas revelam além de um aprofundamento de informações, possibilidades de compreensão da interpretação da realidade por parte das palavras dos participantes.
Além disso, segundo Blee e Taylor (2002), entrevistas semi-estruturadas podem proporcionar o acesso às motivações e perspectivas de membros dos movimentos sociais que tem suas vozes subjugadas às vozes que aparecem, por exemplo, nos documentos internos dos movimentos sociais. Essa possibilidade de ampliação das vozes a serem escutadas permite não só obter informações, mas também gerar temas e categorias de analises (Blee & Taylor).
O procedimento de entrevista semi-estruturada também possibilita avaliar o contexto de motivações, crenças e atitudes dos participantes dos movimentos sociais, possibilitando compreender melhor as respostas geradas através de entrevistas estruturadas ou questionários (Blee & Taylor, 2002). Também pode provocar insights no pesquisador quanto a esperanças, expectativas críticas do presente, bem como com relação a projeções para o futuro no que diz respeito às ações coletivas e ao formato do movimento social (Blee & Taylor). Outra condição propiciada pelas entrevistas semi-estruturadas é uma compreensão longitudinal da militância no movimento social, possibilitando perceber o ritmo do crescimento e declínio do movimento social, bem como o envolvimento de participantes nos períodos de grande atividade ou de inatividade do movimento social.
De acordo com Blee e Taylor (2002) as entrevistas semi-estruturadas ainda permitem compreender as nuances que implicam na construção de identidades coletivas e individuais pelos participantes dos movimentos sociais, demonstrando a relação dessa construção identitária com a militância dos participantes. Ainda trazem a human agency para o centro da análise dos movimentos sociais, possibilitando voz aos participantes e minimizando, o menos possível, a voz do pesquisador. Por fim, segundo Blee e Taylor, as entrevistas semi-estruturadas auxiliam na verificação de como as mensagens dos movimentos sociais são recebidas pelos seus membros e por outras pessoas.
Como limitações, os procedimentos qualitativos apresentam, sobretudo, a dificuldade de generalização dos dados analisados, uma vez que apesar de ser possível a transposição dos resultados analisados para outras situações, isso não pode ser feito diretamente, pois os dados precisam sempre ser contextualizados. Segundo Martins (2004), a validade da metodologia qualitativa não decorre da preocupação com a generalização, pois os resultados são sempre parciais, mas “da solidez dos laços estabelecidos entre nossas interpretações teóricas e nossos dados empíricos” (Martins, p. 295). Além disso, segundo Blee e Taylor (2002), deve-se ressaltar que se a força dos estudos em movimentos sociais que utilizam a técnica de entrevistas qualitativas encontra-se em obter em profundidade detalhes desses movimentos, essa condição é também um dos seus limites, pois:
quando se começa a analisar os dados de entrevistas qualitativas, pesquisadores percebem que gastam a maior parte do seu tempo in file work do que no trabalho de campo. Essa é uma das razões que estudos baseados em entrevistas semi-estruturadas são geralmente baseados num pequeno número nítido de entrevistas (p. 110, tradução nossa).
Como procedimento qualitativo realizamos seis entrevistas individuais semi-estruturadas, ambas gravadas e transcritas. A todos os participantes indicamos os objetivos da pesquisa, lhes asseguramos que a participação teria caráter confidencial e que preservaríamos o anonimato deles. Todas as entrevistas e a gravação das mesmas foram realizadas a partir de um consentimento esclarecido dos participantes.
Os participantes foram escolhidos a partir da construção de três agrupamentos de sujeitos, sendo que cada um era subdividido por orientação sexual, buscando-se entrevistar um homem que se define gay e uma mulher que se define lésbica. A escolha por esses agrupamentos decorreu do objetivo de se buscar as opiniões e percepções de GLBT’s que ocupam diferentes lugares sociais com relação ao movimento social GLBT de Belo Horizonte/ BR (líderes e participantes do movimento social GLBT e pessoas que não participam desse movimento), uma vez que concordamos com Mendes (2003) que “a entrevista permite captar não o indivíduo, mas a sua localização social” (Mendes, p. 9) e entendemos que esses lugares sociais diferenciados poderiam influenciar na discussão do problema a ser investigado nessa pesquisa: os impedimentos e as possibilidades da participação política no movimento social GLBT de Belo Horizonte/BR.
Assim, entrevistamos: (a) duas lideranças de dois grupos GLBT de Belo Horizonte/BR, sendo uma do Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual (CELLOS) e outra da Associação Lésbica de Minas Gerais (ALEM); (b) dois participantes do movimento social GLBT de Belo Horizonte/BR, indicados pelas lideranças entrevistadas, sendo um do CELLOS e outro da ALEM; (c) dois participantes da pesquisa de Prado et al. (2006) que disseram não participar politicamente de nenhum grupo do movimento social GLBT.
Utilizamos para a realização dessas entrevistas um guia de entrevista, não em vista de estabelecer uma relação estruturada de perguntas e respostas, mas no intuito de detalhar alguns aspectos a serem tratados durante as entrevistas de acordo com nosso problema de pesquisa, uma vez que utilizamos de entrevistas semiestruturadas: (a) aspectos gerais: compreensão do termo participação política; possibilidades e dificuldades para participação política de homossexuais no movimento social GLBT; especificidades da participação política com relação as diferentes orientações sexuais; pontos positivos e negativos com relação à participação política no movimento social GLBT, levando-se em conta tanto condições pessoais quanto coletivas; compreensão da participação política dos homossexuais dentro dos movimentos sociais GLBT e em outros âmbitos da sociedade; (b) aspectos específicos às entrevistas com lideranças e participantes do movimento social GLBT: atuação no movimento social GLBT; formas de participação política desenvolvida pelo grupo ao qual pertence; formas utilizadas pelo grupo ao qual pertence para mobilizar GLBT’s e manter mobilizados os participantes do grupo; formas que o grupo ao qual pertence divulga suas ações; (c) aspecto específico para participantes que disseram não participar de nenhum grupo do movimento social GLBT: grupos do movimento social GLBT que conhecem.
Após a realização e transcrição das entrevistas passamos à fase de análise dos dados. Dessa forma, lemos de maneira exaustiva todas as entrevistas transcritas, buscando compreender as semelhanças e as diferenças existentes nas entrevistas. A partir disso algumas categorias emergiram da leitura dos dados, tendo sempre como referência o problema de pesquisa discutido nesse artigo: quais são os impedimentos e as possibilidades da participação política no movimento social GLBT de Belo Horizonte/BR. De acordo com Blee e Taylor (2002):
pesquisadores desenvolvem interpretações dos dados de entrevistas através de procedimentos sistemáticos de codificação, categorização e analise. Métodos qualitativos são usados em pesquisa de movimento social para descobrir os fatores essenciais de um caso ou de um número de casos, e pesquisadores qualitativos tipicamente usam um caso ou casos para exemplificar um ou mais processos teóricos gerais pertinentes aos movimentos sociais. A codificação de entrevistas depende, mais do que tudo, dos objetivos do estudo . . . Através da codificação, categorização e analise de entrevistas semi-estruturadas pesquisadores desenvolvem conceitos que reforçam teorias mas que também são consistentes com as colocações individuais. Ao mesmo tempo, métodos qualitativos são holísticos, o que significa que aspectos dos movimentos são percebidos no contexto daqueles movimentos. Na análise, pesquisadores qualitativos fazem grande esforço para ancorar suas interpretações na compreensão da vida cotidiana e na linguagem de seus sujeitos. (p. 111, tradução nossa).
Assim, levantamos diferentes categorias temáticas e quais citações textuais de entrevistas ilustrariam tais categorias. Apresentamos então as categorias para um grupo de pesquisadores que pertencem ao mesmo núcleo de pesquisa do qual fazemos parte e após esse processo concebemos duas categorias principais, sendo que cada uma apresenta algumas subcategorias:
1. Estratégias e Espaços de Participação Política: Relação entre os grupos do movimento social GLBT; Relação do movimento social GLBT com outros movimentos sociais; Relação do movimento social GLBT com o Estado e outras organizações sociais; Ações de mobilização e conscientização social; Bandeiras de luta do movimento social GLBT de Belo Horizonte; Atuação individual.
2. Demandas e Dificuldades para a Participação Política: Identidade Política; Desinteresse Político; Paradoxo da Saída do Armário; Credibilidade e representação no movimento social GLBT de Belo Horizonte. Dessa forma, a partir da análise dessas categorias e subcategorias, da triangulação com os dados obtidos através do questionário aplicado à 412 participantes da 8ª Parada GLBT de Belo Horizonte na pesquisa de Prado et al. (2006) e da articulação com o campo teórico buscamos responder ao nosso problema de pesquisa: quais são os impedimentos e as possibilidades da participação política no movimento social GLBT de Belo Horizonte/BR.
Estratégias e Espaços de Participação Política
Um espaço importante de atuação política dos GLBT’s em defesa de diferentes bandeiras de luta contra a homofobia, pelo direito da visibilidade dos GLBT’s, pela conquista de leis e políticas públicas que protejam os GLBT’s, indicado pelos participantes, remete-se aos grupos do movimento social GLBT. Nesse sentido, de acordo com Green (2000), os grupos GLBT’s que surgiram no final dos anos 70 “conseguiram provocar debates nacionais sobre temas como parceria civil, discriminação e violência social contra homossexuais” (p. 456).
Os participantes enfatizam a necessidade de uma pluralidade de grupos GLBT, sobretudo no que se remete à distinção entre orientações sexuais (gays; lésbicas; travestis, transexuais e transgêneros), uma vez que, por um lado, cada orientação sexual apresenta peculiaridades na relação com a sociedade e com o Estado. As lésbicas, por exemplo, destacam como bandeiras de luta específicas, principalmente, as questões relacionadas às diferenças de gênero, propondo o combate à violência da mulher, ao preconceito sobre a mulher no mercado de trabalho, à discriminação e ao não reconhecimento das especificidades da mulher lésbica no sistema de saúde, à proibição do aborto, à invisibilidade das lésbicas no movimento social GLBT.
Por outro lado, devido o machismo presente na sociedade brasileira, a promoção de grupos mistos acaba por privilegiar as demandas dos homens gays e a visibilidade destes.
É... queira ou não queira que... eu sou gay, eu sou homem, né!? E numa sociedade machista ainda a gente utiliza esse machismo pra se empoderar, né!? Se a gente for ver o nível de empoderamento entre gays, lésbicas e transgêneros, os gays são muito mais empoderados. Isso não quer dizer que sofrem mais preconceito, mas do ponto de vista do empoderamento . . . Por exemplo, você vê... grupos mistos brasileiros, aí quando vai representar vai só gay representa, não vai a lésbica, não vai o trans, tá entendendo? Porque acabam, de uma certa forma, o gay oprimindo os outros segmentos. (Liderança Gay, 2006).
Além disso, explicitam conflitos entre os grupos do movimento social GLBT em decorrência de estratégias políticas diferenciadas, existindo, por exemplo, divergências quanto à articulação com outros movimentos sociais, à compreensão do “mercado-rosa” e dos guetos:
tem o grupo GGB na Bahia... tem o CELLOS em Minas... tem o... ATOBÁ em São Paulo... tem o... ARCO-ÍRIS no Rio... cada um tem sua forma de interagir... e de se politicar, né!? E aí... a... com certeza vai ter seus confrontos, porque não há... é... é... é... não há revolução, nem há resultados, sem confrontos, né!?, no sentido saudável, né!? (Participante gay, 2006).
É importante ressaltar que tanto as tensões relacionadas à distinção entre orientações sexuais quanto às referentes a estratégias políticas são freqüentes na história do movimento GLBT brasileiro e internacional, sendo apontadas, por exemplo, por Engel (2001), Green (2000), Machado e Prado (2005).
Apesar desses conflitos, os participantes indicam a importância dos grupos GLBT atuarem conjuntamente no combate a homofobia e na conquista de políticas públicas que garantam direitos até então ausentes ou que promovam direitos ainda inexistentes para os GLBT’s, auxiliando na construção de políticas mais democráticas e plurais, as quais beneficiem as diferentes orientações sexuais. Essa atuação conjunta é justificada pelo fato de todas as orientações sexuais sofrerem discriminação cotidianamente em decorrência do caráter heterossexista e homofóbico da sociedade: “eu acho que... a... a... as especificidades podem ser diferentes, alguma coisa e outra, mas essa... essa luta cotidiana contra o preconceito, contra a discriminação e toda esta opressão, ela... é... esse fato nos une” (Liderança Lésbica, 2006).
Outra estratégia política de atuação do movimento social GLBT salientada pelos participantes é a construção de uma rede de luta do movimento social GLBT com outros movimentos sociais, objetivando o combate conjunto das diferentes opressões vivenciadas na sociedade contemporânea:
a gente tem que tá abrindo inclusive os nossos olhos pra gente tá é fazendo uma ponte pela luta contra o preconceito por todos os movimentos e este movimento ele é o movimento feminista, é o movimento de mulheres, é o movimento de... de negros e negras e é o movimento também da classe trabalhadora, visto que na... na... no nosso... na nossa comunidade, no nosso meio nós temos lésbicas negras, nós lésbicas somos mulheres negras trabalhadoras e que enquanto os gays também são gays e trabalhadores e tem uma outra vertente ainda que são os trans que... não tão localizados ainda no...no... no... mercado de trabalho, essa é uma luta que a gente tem que ter, né!? (Liderança Lésbica, 2006).
No entanto, os participantes indicam a dificuldade de se criar esta articulação em decorrência da homofobia, do machismo e do desinteresse dos outros movimentos em defender as pautas políticas dos GLBT’s, invisibilizando-as ou deixando-as em segundo plano.
a nossa luta, a gente, a nossa história é sempre carregar as... as outras lutas nas nossas costas, né!? Eu já fui do movimento estudantil, né!?, e... era difícil o dce... eu era presidente do Centro Acadêmico, fui duas vezes do DCE, dirigente do movimento estudantil, tá! E era difícil o movimento estudantil discutir a questão da homossexualidade. É... assim como tem dirigente no... no... nas... nos trabalhadores. Quantos gays assumidos já foram presidente da CUT? Não, não tem nenhum e será que não tem gay na CUT? Quantos gays assumidos foram presidente da UNE? Nenhum. Será que não tem? Quantos gays assumidos são deputados? [risos] Eu até vi lá [risos]. Ou seja, eles não garantem a nossa discussão nestes espaços, né!? (Liderança Gay, 2006).
Esta articulação entre as lutas dos diferentes movimentos sociais, segundo Mouffe (1996), é necessária para a promoção de uma democracia radical e plural, caracterizada pela expansão e aplicabilidade da democracia às múltiplas relações sociais da sociedade contemporânea e pela concepção de que na atualidade os direitos não devem mais ser concebidos no nível individual, mas como direitos democráticos e o sujeito como múltiplo e contraditório, sendo a identidade sempre contingente e precária.
Devemos enfatizar que para que a luta de um movimento social não se sobreponha e marginalize as reivindicações de outros é imprescindível compreender que se a tarefa da democracia radical é aprofundar a revolução democrática e entrelaçar as diferentes lutas democráticas, é necessário criar novas posições de sujeito e um novo senso comum “que transforme a identidade de grupos diferentes, de forma que as exigências de cada grupo possam ser articuladas com as dos outros, segundo o princípio da equivalência democrática” (Mouffe, 1996, p. 33).
A atuação do movimento social GLBT de Belo Horizonte/ BR sobre o Estado é outro ponto observado nos dados coletados. O Estado é compreendido, pelos participantes, por um lado, como um importante espaço de combate à homofobia e de atuação dos movimentos sociais, com vista à conquista de visibilidade na esfera institucional, à promoção de leis e de políticas públicas que protejam e garantam os direitos dos homossexuais. É interessante ressaltarmos que em Belo Horizonte/BR, observarmos a existência de um Centro de Referência da Diversidade Sexual Municipal e de um Centro de Referencia da Diversidade Sexual Estadual, sendo que em ambos há uma parceria entre o movimento social GLBT e o poder público.
Nesse sentido, os representantes do movimento social GLBT de Belo Horizonte/BR consideram a aproximação e a entrada em esferas institucionais do Estado como uma importante estratégia política, indicando que essa condição só foi possível devido uma constante luta do movimento social GLBT:
Olha! O Estado... é... é..., por exemplo, teve a questão aí da... da...do Centro de Referência que foi uma conquista do movimento, não foi conquista do Estado, que o Estado tá dando que é de bonzinho, há uma pressão do movimento para que isso saia (Liderança Lésbica, 2006).
No entanto, essa aproximação e a ênfase numa atuação do movimento social GLBT sobre a esfera estatal não ocorre sem preocupações por parte deste movimento, uma vez que os participantes apontam que a ênfase na luta a partir do Estado pode ser um dos elementos que distanciam os homossexuais de participarem politicamente nos movimentos sociais:
é uma... uma sacada boa de movimento gay ser aceito, sabe? . . . mas não pode ser o único mecanismo, né!?, porque você acaba priorizando esse tipo de ação via... é Parlamento, via lei, via... né!?, ações do Estado, e acaba é... esquecendo a ação pública, coisa de rua... que isso é do movimento social. Talvez seja a falta disso que falam pras pessoa a não virem participar, mas se beneficiam dessa luta, tá me entendendo? Porque eu vou pro um ato na praça sete se a lei vai ser votada e aí eu tenho uma... sabe? Porque eu vou pra rua, se pode ter no... no Supremo... e mandar fechar o... então acaba priorizando as lutas diplomáticas, que são importantes, e esquece da luta social. Porque a luta social ela tem um outro patamar, né!?, o patamar da consciência, o patamar da influência muito maior (Liderança Gay, 2006).
Por outro lado, os participantes compreendem o Estado como um espaço no qual a aprovação das pautas políticas do movimento GLBT é dificultada, devido à negação da condição laica do Estado, à discriminação aos GLBT’s e ao descompromisso com a promoção de uma sociedade justa e democrática.
A pesquisa de Prado et al. (2006), indica uma baixa credibilidade de esferas institucionais na luta e promoção de direitos para os homossexuais, uma vez que apenas 9,2% dos entrevistados diziam confiar muito ou confiar totalmente no Congresso Nacional e somente 15,9% diziam confiar muito ou confiar totalmente nos Tribunais de Justiça.
O maior problema com o Estado, no que diz respeito às reivindicações do movimento GLBT, não nos parece se encontrar na entrada destas nas esferas institucionais, existindo parlamentares que declaram apoio a causa GLBT, por exemplo, mas na aprovação e efetivação de políticas de interesse do movimento. Assim, a partir do modelo de Engel (2001) sobre a representatividade do Estado, seria possível afirmar que o Estado é aberto ao movimento GLBT, mas fraco quanto à execução de políticas favoráveis ao movimento.
Além disso, outro fator salientado pelos participantes com relação ao Estado remete-se ao fato de que, muitas vezes, o Estado utiliza do movimento social GLBT em busca de benefícios próprios, seja para a construção de uma imagem positiva do Estado ou de membros do Estado com relação ao combate as diferentes formas de opressão, seja para o fortalecimento de partidos políticos que utilizam dos homossexuais para fazer deles candidatos eleitos para o partido e não para a discussão das demandas e reivindicações dos homossexuais.
O Lula quando ele... lançou aquele Brasil Sem Homofobia, né!? Que é um projeto gigante que ia inserir dentro das escolas públicas e nas grades curriculares a questão da diversidade sexual, ia criar isso, ia criar aquilo, até hoje eu não vi nenhuma linha. Pra mim aquilo é mais uma carta de boas intenções mesmo de, tipo assim, vou ‘me desculpar com as bichas’, por exemplo, né!? A gente... ‘as bichas me elegeram! Nunca fiz nada, né!? Aí, deixa eu que sou o Lula, deixa eu crescer um pouquinho... deixa eu criar esse programa.’ (Participante Gay, 2006).
Diante da relação entre Estado e movimentos sociais é interessante expor que, segundo Javaloy, Rodríguez e Espelt (2001), nas últimas décadas o Estado vem desenvolvendo uma política mais tolerante em relação à ação coletiva, fato que pode ser concebido como um fator conjuntural favorável ao movimento social GLBT. Entretanto, esta atitude mais tolerante do Estado, segundo os mesmos autores, se encontra ligada à percepção das autoridades que a repressão aos militantes incrementava a popularidade dos movimentos sociais, ao mesmo tempo, em que desprestigiava o Estado, e também à busca do aumento do controle estatal sobre as ações coletivas. Dessa maneira, apontamos que o relacionamento entre o movimento social GLBT e o Estado deve ser visto com cautela, pois, ao mesmo tempo, que é fruto de uma conquista do movimento, pode ser prejudicial as suas ações.
Os participantes demonstram também a identificação das Paradas do Orgulho GLBT como um importante meio de influenciar as lutas pelo reconhecimento e pelos direitos dos GLBT’s dentro do Estado, devido elas tornarem visíveis orientações sexuais que a sociedade tenta historicamente e cotidianamente invisibilizar: gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transgêneros e transexuais.
Ela... ela trabalha a visibilidade, ela... melhora a autoestima dos homossexuais, ela é política, ela é revolucionária e ela consegue dar uma influência é... poder político é... potencializar essa influência dos movimentos homossexuais nas buscas de... da garantia de direitos. Porque a partir da parada, você começa perceber a... uma... a sociedade de... representantes como nós, um movimento que leva mais pessoas pra rua, então vamos receber os homossexuais. não é a toa que um governo federal lançou um programa de combate á homofobia, né!? . . . Então assim, isso daí fortalece o poder, a militância que é realizada no dia-a-dia, que a parada ela é um dia, mas ela fortalece as ações do movimento durante o ano todo. (Liderança Gay, 2006).
Essa compreensão das Paradas também é observada na pesquisa de Prado et al. (2006), na qual 71,5% dos entrevistados reconhecem as Paradas ou como um importante momento de visibilidade para os homossexuais (13,2%) ou como um espaço político para reivindicar direitos e liberdade de orientação sexual (58,3%) e 89,4% dos entrevistados considera que “as Paradas Gays são uma maneira eficaz para se influenciar na adoção de políticas específicas que assegurem direitos à população homossexual”.
Devemos enfatizar que ao relatar sobre a organização de ações de mobilização política, os participantes indicam que estas dependem da conciliação entre aspectos políticos e lúdicos, uma vez que caso estas atividades fossem somente lúdicas iriam ser ineficazes para a promoção de uma conscientização política sobre a necessidade de se lutar coletivamente na busca dos direitos dos GLBT’s e no combate à homofobia, caso fossem extremamente políticas atrairiam apenas um contingente restrito de pessoas, sobretudo indivíduos que já apresentam alguma consciência política sobre a importância do movimento social para a transformação da sociedade.
Outras estratégias e espaços de participação política observadas nos dados coletados dizem respeito à importância de articulação do movimento social GLBT com diferentes organizações sociais, como família, igreja, mídia, escola, no intuito, principalmente, de visibilizar a opressão vivenciada pelos GLBT’s na vida cotidiana. No entanto, esses espaços são percebidos, predominantemente, pelos participantes como reprodutores e divulgadores de comportamentos homofóbicos.
A família é percebida como o primeiro lugar no qual os GLBT’s são discriminados por sua orientação sexual, corroborando a afirmação de Mott (1997) de que na família os GLBT’s sofrem severas violências, como surras que chegam a quebrar ossos e promover marcas indeléveis. A pesquisa de Prado et al (2006) indica que 18,8% dos GLBT’s entrevistados são discriminados frequentemente dentro de suas próprias famílias e 16,2% dentro da família do namorado(a) ou companheiro(a). Dessa forma, os dados contrariam a idéia da família como espaço acolhedor e fraterno para os seus membros, e indicam a ocorrência de um padrão familiar predominantemente heteronormativo.
A Igreja é concebida pelos participantes como um forte ou o principal adversário do movimento GLBT, uma vez que ou é escassa a sua atuação em prol dos direitos dos GLBT’s ou é promotora de ações homofóbicas, sobretudo as igrejas protestantes. Essa compreensão é corroborada na pesquisa de Prado et al. (2006), na qual 14,4% dos GLBT’s entrevistados indicam que já sofreram ou sofrem discriminação frequentemente nas igrejas e apenas 9,9% dos entrevistados dizem confiar muito ou totalmente nas igrejas no que diz respeito à luta e promoção de direitos para os homossexuais brasileiros .
Apesar disso, uma das participantes relata a existência de formas de resistência e luta em prol das reivindicações do movimento GLBT em algumas igrejas, o que indica a existência de discursos e práticas antagônicas nesta organização social: “tem vários gays e lésbicas dentro de igreja que estão se organizando, nós temos aí judeus homossexuais, que já tem até uma... o site deles na internet, nós temos os gays evangélicos, que não é aquela questão de cura” (Liderança Lésbica, 2006).
Quanto à mídia, os participantes declaram que esta pode exercer um papel fundamental na divulgação das ações e das lutas do movimento GLBT, fato que vai ao encontro dos resultados apontados por Prado et al. (2006) de que 26,2% dos entrevistados dizem confiar muito ou totalmente na imprensa com relação à luta e a promoção de direitos para os homossexuais brasileiros. Nesse sentido, segundo Javaloy et al. (2001), a mídia apresenta importantes funções para um movimento social, auxiliando no contato com amplos setores da sociedade e com forças políticas e institucionais, além de possibilitar apoio psicológico aos militantes, uma vez que estes se sentem reconfortados com a atenção dada a eles. No entanto, os participantes também afirmam que há uma enorme escassez de interesse da imprensa em divulgar as pautas políticas do movimento GLBT, ao mesmo tempo, em que há uma supremacia de divulgação dos GLBT’s de forma estereotipada e mercadológica:
A gente não tem uma mídia que divulgue o nosso movimento, né!?, não tem uma mídia que... que... vai fazer... que vai dar oportunidade à ALEM pra falar, pra se colocar enquanto uma... uma... uma... entidade política, né!? tem uma mídia que vai abrir espaço pra lésbica pra dar show... que todo mundo gosta, que todo mundo ri, que seja comercial. (Participante Lésbica, 2006).
Diante da dificuldade de divulgação política do movimento social GLBT os participantes indicam a importância de se fazer essa divulgação em espaços freqüentados constantemente por GLBT’s:
Eu acho que é onde os gays vão, né!? Tipo assim, os clubes, as boates . . . tem que... que divulgar dessa outra forma. Onde você vai? Se vai numa boate, né!? Então ali é uma forma de você divulgar. (Não-Participante Lésbica, 2006).
Em relação ao espaço escolar, observamos nas falas dos participantes a ocorrência de um padrão heterossexual e homofóbico nas escolas e 49,3% dos entrevistados em pesquisa de Prado et al. (2006) indicam que “o sistema educacional brasileiro discrimina homossexuais”, sendo que 11,7% dos GLBT’s entrevistados na mesma pesquisa dizem que já sofreram ou sofrem frequentemente discriminação na escola. Dessa forma, a escola que deveria ser “lugar de sociabilidade positiva, de aprendizagem de valores éticos e de formação de espíritos críticos, pautados no dialogo, no reconhecimento da diversidade” (Abramovay & Rua, 2002, p. 300, citado por Batista, 2004, p. 17), se revela como mais um espaço de opressão àqueles que apresentam uma orientação sexual distinta da heterossexual. Uma das participantes da pesquisa relata que: “Quando se fala de sexualidade na escola, se fala muito da... se ensina a educação heterossexual, a sexualidade do heterossexual, não se trata a questão homossexualidade nas escolas” (Participante Lésbica, 2006).
Dessa maneira, a análise da relação do movimento social GLBT com estes diversos espaços sociais e com o Estado demonstra uma ambigüidade nos espaços de atuação política dos GLBT’s, indicando alianças frágeis e uma barreira muito tênue entre aliados e adversários do movimento social GLBT. Esta precariedade dos vínculos é uma característica dos movimentos sociais contemporâneos, uma vez que atuam de modo intrincado e capilar, como numa teia, possibilitando alterações constantes destes vínculos.
É importante ainda ressaltar a ênfase dada pelos participantes na necessidade de se reconhecer como uma estratégia de participação política atuações individuais que apóiem a luta por uma sociedade mais justa e democrática como, por exemplo, a partir da publicação de artigos e livros, da divulgação de campanhas via internet, da participação nas Paradas, do combate cotidiano de atos discriminatórios contra os GLBT’s:
você pode ir pra rua participar de uma passeata... você pode... é... fazer um trabalho é... é... exigindo, escrevendo um artigo, um artigo não, uma carta para uma coluna do leitor, por exemplo, do Estado de Minas, né!? Você pode mandar um e-mail pro pro pro. Olha! Aí não é não é nem a participação de grupos, é uma participação política, individual, visando direitos da minoria, sabe? (Não- Participante Gay, 2006).
Essa condição demonstra, portanto, a necessidade de uma reflexão sobre a participação política na atualidade, uma vez que ela aponta para uma atuação que se localiza numa articulação constante entre as esferas pública e privada. Nesse sentido, cabem algumas perguntas: será mesmo esta atuação individual uma participação política? Será que estes dados, ao invés de apontar para uma expansão do campo político, não demonstram na verdade a individualidade marcante na sociedade contemporânea? Será que não estaríamos, portanto, caminhando para um relativismo político, onde toda a ação passa a ser vista como política, acarretando, assim, no fim da própria política?
Propomos, apesar da dificuldade e abrangência destas questões, a idéia que estas maneiras de atuar individualmente são sim formas de participação política e que elas não indicam um relativismo político, nem, portanto, o fim da política. Primeiramente, por ampliarem as possibilidades de um grupo minoritário e fortemente discriminado conquistar espaços para colocar suas reivindicações nas pautas políticas do Estado e alcançar visibilidade e respeito nos diferentes âmbitos da sociedade, promovendo assim condições estruturais e psicossociais para que os indivíduos discriminados ultrapassem a barreira da invisibilidade e alcancem o espaço público, a partir da mobilização política. Nesse sentido, é importante lembrar o conceito de “privacidade compartilhada” (Tejerina, 2005).
Segundo, em decorrência dessas ações contrariarem o modelo de razão indolente (B. S. Santos, 2002), ao se basearem na compreensão que a homofobia é uma forma de opressão que pode e deve ser combatida, rompendo com a “lógica da classificação social” (B. S. Santos).
Demandas e Dificuldades para a Participação Política
Dentre importantes fatores que proporcionam ou dificultam a participação política dos GLBT’s no movimento social GLBT de Belo Horizonte/BR, ressaltamos cinco aspectos principais. Um aspecto considerado é a condição paradoxal da saída do armário (“outing”), salientada por Pérez (2004), no sentido em que, ao mesmo tempo, que os participantes reconhecem que a opressão imposta pela sociedade aos GLBT’s deve ser motivadora da participação política destes em prol da luta pelos seus direitos, sendo a visibilidade dos GLBT’s importante para a construção de uma identidade valorizada; ressaltam um grande receio de muitos GLBT’s de que ao entrarem em algum grupo do movimento social GLBT sua orientação sexual se tornará visível e, assim, eles ficarão mais expostos a comportamentos homofóbicos da sociedade.
Essa condição paradoxal também aponta para a transformação do direito à privacidade em uma obrigação de silêncio (Pérez, 2004), no sentido em que o direito dos GLBT’s em manterem sua vida sexual no âmbito do privado é substituído pela necessidade deles se esconderem nesta esfera da vida, devido o receio e a efetiva possibilidade de serem vítimas de atitudes homofóbicas.
Podemos notar nas entrevistas que a promoção de uma atuação política individual, ao contrário de uma atuação coletiva, encontra-se muito ligada a este medo de tornar visível à homossexualidade, uma vez que através da primeira você pode atuar sem necessariamente mostrar quem você é.
Uma importante questão a se ressaltar, a partir da observação deste paradoxo da saída do armário e da imposição do silêncio quanto à homossexualidade, é o papel dos guetos e das redes de amizade na socialização dos GLBT’s e conseqüente construção de uma identidade homossexual e de um reconhecimento de que a homofobia não é natural, mas uma forma de opressão social que deve ser combatida, apesar do gueto por si não promover a mudança social, como expõe Machado e Prado (2005), e nem levar o indivíduo à militância, como esclarece Pérez (2004).
Outro aspecto salientado diz respeito ao desinteresse político da população brasileira, o que acarreta, entre muitas coisas, na pequena participação política dos GLBT’s no movimento social GLBT, como aponta a pesquisa de Prado et al. (2006) ao demonstrar que 82,8% dos entrevistados dizem que não participam, nem nunca participaram de nenhum grupo de defesa homossexual.
Este desinteresse é explicado pelos participantes a partir de diferentes razões como a compreensão por parte dos indivíduos de que o campo político é um espaço restrito a indivíduos qualificados, engravatados ou natos, corroborando as análises de Alvarez et al. (2000) e Tejerina (2005), naturalizando e legitimando uma condição injusta e autoritária na sociedade brasileira, a qual mantém a maior parte da população à margem da discussão política e restrita a um espaço social despolitizado: “maioria das pessoas, é... às vezes, não buscam o seu direito e elas não vão atrás reivindicar o que elas querem, porque, justamente, quando fala assim política, eles acham que é só... cara engravatado, né!?” (Participante Gay, 2006)
Outra razão salientada diz respeito à individualidade na sociedade contemporânea, marcada por interesses predominantes dos indivíduos em satisfazer suas necessidades privadas, como salienta Tejerina (2005). Quanto a isso os participantes declaram que:
. . . tem a própria sociedade capitalista que... que é... cada vez mais, individualiza as pessoas, que acha que você tem que cuidar da sua vida mesmo, que não é legal tá em grupo, não é... tá legal, não é legal é... lutar pelo coletivo, né!? (Participante Lésbica, 2006).
A incompatibilidade ou dificuldade em se articular vida pessoal e militância foi outro fator apontado para explicar o desinteresse dos GLBT’s em participar politicamente no movimento social GLBT. Esta dicotomia entre vida pessoal e militância também é encontrada em pesquisas de Baltazar (2003) e Tejerina (2005).
Eu não tenho essa coisa de ir pra rua, tal, pa pa pa. Que eu acho também assim, eu sou uma pessoa que... sou quase o tempo todo ocupado, trabalho o dia todo, faculdade à noite, faculdade no sábado, entendeu? Então chega assim, ufa, [risos] a hora que você tá em casa você quer dormir, descansar. (Não-Participante Gay, 2006).
Nesta conjuntura social marcada pelo desinteresse político da população, os participantes destacam que a conscientização do direito e da importância de atuar politicamente na sociedade, uma vez que o espaço político é um espaço de todos os indivíduos e a transformação social depende da ação neste espaço, é um fator essencial para a promoção da participação política dos GLBT’s:
A participação política é quando você se torna protagonista do... do... do seu sonho, de sua utopia, né!? Então, por exemplo, o homossexual pra ele vim participar é aquela necessidade de de transformar o que tá colocado, e pra mim, pra mim, o que tá colocado pro homossexual é homofobia, é exclusão, é opressão, é a discriminação, é o preconceito. (Liderança Gay, 2006).
Um terceiro aspecto observado na fala dos participantes se remete aos elementos constituintes da identidade política (Prado, 2002). Podemos observar a importância da construção da identidade coletiva para mobilizar a participação política no relato dos participantes sobre a necessidade da emergência de um sentimento de pertença e do compartilhamento de valores e crenças entre os indivíduos do grupo.
A construção de um sentimento de pertença se articula com dois elementos: a convivência e identificação com os pares, e a promoção do sentimento de valorização pessoal do participante incentivado pelos grupos através de práticas cotidianas e de conquistas advindas da luta política. Já o compartilhamento de crenças e valores pode ser identificado através da ênfase explicitada pelos participantes no compromisso e responsabilidade com as questões ideológicas do grupo por seus participantes.
Os relatos correspondentes à transformação de relações de subordinação em relações de opressão dizem respeito à compreensão dos participantes de que a homofobia é fruto de um processo sócio-histórico, portanto, pode e deve ser combatida através da luta política pela visibilidade e pelos direitos dos GLBT’s. A situação de opressão vivenciada pelos GLBT’s é percebida pelos participantes através da proximidade com diversas situações de violência e discriminação sofridas por GLBT’s no cotidiano e em diferentes espaços da sociedade, apesar de muitas conquistas do movimento e da concepção de que vivemos uma democracia sexual, a qual, de acordo com Green (2000), esconde a grande discriminação e preconceito arraigados na cultura brasileira contra aqueles que se “desviam” da bipolaridade homem/mulher. Esta condição opressiva sobre os GLBT’s é corroborada por Prado et al. (2006) ao explicitar que 81,8% dos entrevistados da pesquisa identificam a sociedade brasileira como preconceituosa em relação aos GLBT’s.
A escassez dessa conscientização da opressão, assim como a não constituição de uma identidade coletiva, é percebida pelos participantes como fatores que levam GLBT’s a não participarem politicamente no movimento social GLBT de Belo Horizonte/BR:
É... exatamente a ignorância política. é desconhecer que existe uma forma política de tá recorrendo, de tá... Que existe um movimento de luta, que ele pode tá se integrando dentro desse movimento, né!? Que... que... o coletivo, a gente dentro de... de... uma entidade, do movimento gay, a gente consegue contribuir muito mais, né!? Consegue fazer diferença, ainda que seja mínima, pra essas opressões que a gente sofre diariamente. (Participante Lésbica, 2006).
Deve-se ressaltar, entretanto, que a conscientização da opressão, apesar de essencial, não é suficiente para a participação política, pois diante das múltiplas atitudes homofóbicas na cotidianidade, muitos homossexuais, mesmo conscientes da opressão e da importância da luta política, permanecem dentro do armário ou se restringem aos guetos. Cabe lembrar, portanto, o paradoxo da saída do armário.
Quanto à delimitação de fronteiras políticas, como observado na análise das estratégias e espaços de participação política, observamos uma grande dificuldade em delimitar com precisão os aliados e adversários do movimento social GLBT de Belo Horizonte/BR. Apesar disso, é possível perceber entre os participantes que a Igreja, principalmente as religiões protestantes, e a família são consideradas as principais reforçadoras e promotoras de ações homofóbicas, portanto, fortes adversárias na luta pela conquista e garantia de direitos para os GLBT’s.
Além disso, é importante ressaltar novamente a relação do movimento social GLBT de Belo Horizonte/ BR com o Estado. Atualmente, importantes grupos do movimento social GLBT de Belo Horizonte/BR ocupam espaços institucionais e uma parceria entre o movimento social GLBT e a Prefeitura de Belo Horizonte/BR, através da Coordenadoria de Direitos Humanos da cidade, é relatada tanto por militantes dos grupos GLBT quanto por membros da Prefeitura.
A gente fica aqui no atendimento as vítimas... que, às vezes, são discriminadas e são agredidas fisicamente. O Centro de Referência faz todo o acompanhamento psicológico, né!?, e judiciário. A gente tem dois advogados... que estão disponíveis pra tá ajudando. Se não der certo... e a gente tem todo o apoio aqui... no quinto andar, que aqui é a Coordenadoria dos Direitos Humanos... então a gente tem uma parceria. Lá a gente faz o burocrático e aqui a gente traz o bicha e aqui eles fazem o prático. Se você precisar de remédio, né!?, às vezes, o hematoma... encaminha-se... né!? (Participante Gay, 2006).
A pouca credibilidade do movimento social GLBT, apontada por alguns participantes, e o distanciamento entre as lideranças do movimento e a população GLBT em geral, marcado pela forma de escolha das lideranças e pelo não compartilhamento de interesses, foram também elementos abordados como obstáculos para a participação política dos GLBT’s no movimento social GLBT.
Contudo, os participantes reconheceram a importância do movimento social GLBT na consecução e garantia de direitos aos GLBT’s e no combate à homofobia, fator que pode ser considerado motivador da participação política. Nesse sentido, segundo Klandermans (2002), é fundamental para a mobilização social que os movimentos sociais sempre demonstrem uma imagem política efetiva de suas ações.
Conclusão
Os dados aqui discutidos demonstram que direitos estão sendo cotidianamente usurpados dos GLBT’s, seja no que diz respeito a condições legais, como o direito à parceria civil, seja no que se refere ao reconhecimento social de orientações sexuais que se diferenciam do padrão hegemônico heterossexista. Dessa maneira, é cada vez mais necessário a defesa e a promoção de ações políticas que combatam a razão indolente, presente no Ocidente nos últimos dois séculos (B. S. Santos, 2002), e que reivindiquem uma proposta alternativa de cidadania e uma ampliação da luta democrática, a qual contém a idéia, segundo Alvarez et al. (2000), de uma reformulação dos sistemas político, econômico, social e cultural, na busca da interpelação das desigualdades produzidas pelas práticas sociais e culturais. No intuito de se ampliar a discussão proposta neste trabalho, acreditamos que há outras questões ainda a serem investigadas quanto à dinâmica da participação política dos GLBT’s e que neste artigo se apresentam como limites que ainda não foram abordados.
Nas sociedades contemporâneas, marcadas por identidades múltiplas e contraditórias, pela necessidade da promoção de uma democracia radical (Mouffe, 1996), pela globalização da economia e das culturas (M. C. M. D. Santos, 1995), a influência de categorias como raça, etnia, classe social e gênero na participação política dos GLBT’s é uma questão a ser pesquisada. Dados apontados na pesquisa de Prado et al. (2006) como os de que 73,5% dos entrevistados concordam muito que “homossexuais pobres são mais discriminados do que homossexuais ricos”, 71,2% concordam muito que “travestis e transexuais são mais discriminados que gays e lésbicas”, que 32,5% concordam muito que “lésbicas são mais discriminadas que homossexuais masculinos”, que 62,3% concordam muito que “no Brasil, homossexuais negros são mais discriminados que homossexuais brancos”, demonstram que é fundamental pensarmos a alquimia de categorias sociais (Castro, 1992) na discussão da participação política no movimento social GLBT.
Diante da importância de se compreender melhor o fortalecimento do movimento GLBT de Belo Horizonte/ BR, suas rupturas e amarrações com outros atores políticos, bem como propiciar uma ressignificação por parte do movimento sobre a efetividade e a qualidade de suas ações políticas, a construção de um histórico das estratégias e das manifestações políticas promovidas pelos grupos do movimento social GLBT de Belo Horizonte/BR é um trabalho a ser realizado.
A relação em Belo Horizonte/BR entre o movimento social GLBT e o Estado, assim como a existência de reivindicações por parte do movimento social GLBT que interpelam a esfera institucional, indicam que a investigação dos discursos e dos significados atribuídos à homossexualidade pelos principais partidos políticos brasileiros, buscando assim compreender os grupos de pertença dos membros destes partidos e a articulação política efetuada por eles com vista a aprovar ou rejeitar propostas que beneficiem a população GLBT brasileira, podem contribuir, satisfatoriamente, para a delimitação das fronteiras políticas do movimento social GLBT e para a exposição dos diferentes discursos existentes dentro da esfera do Estado, auxiliando na promoção de novas estratégias de luta para os GLBT’s.
Além disso, a participação política merece ser mais bem explorada a partir do paradoxo da “saída do armário” (Pérez, 2004), sendo possível estabelecer como uma pauta para futuras pesquisas a compreensão sobre como o fortalecimento de políticas públicas específicas para o segmento GLBT poderia favorecer a conscientização individual ao propiciar um maior reconhecimento na esfera pública para os GLBT’s, bem como maiores possibilidades de negociação com o Estado e a sociedade e de combate a atitudes homofóbicas.
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Received 06/03/2007
Accepted 14/09/2007
Frederico Alves Costa. Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisador pelo Núcleo de Psicologia Política (NPP/UFMG) e pelo Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT (NUH/UFMG).
Frederico Viana Machado. Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFMG e pesquisador pelo Núcleo de Psicologia Política (NPP/UFMG) e pelo Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT (NUH/UFMG).
Marco Aurélio Máximo Prado. Doutor em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). Professor do departamento e programa de Pós-graduação em psicologia da UFMG e pesquisador junto ao Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT (NUH/UFMG) e Núcleo de Psicologia Política (NPP/UFMG).
1 Endereço: Av. Antônio Carlos, 6627, Campus Universidade Federal de Minas Gerais/Pampulha, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Sala 4020 (Núcleo Psicologia Política), Belo Horizonte, MG, CEP 31270- 901.
Tel.: (31) 3409-6273.
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