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Interamerican Journal of Psychology

versão impressa ISSN 0034-9690

Interam. j. psychol. v.42 n.3 Porto Alegre dez. 2008

 

 

Efeitos de um programa de intervenção cognitivo-comportamental para mães de crianças com paralisia cerebral

 

Effects of an cognitive-behavioral intervention program for mothers of children with cerebral palsy

 

 

Patrícia Martins de FreitasI, 1; Claret Luiz Amarante DiasII; Rita de Cássia Lara CarvalhoIII; Vitor Geraldi HaaseII

IUniversidade Federal do Recôncavo da Bahia, Santo Antônio de Jesus, Brasil
IIUniversidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil
IIIAssociação Mineira de Reabilitação, Minas Gerais, Brasil

 

 


RESUMO

Este artigo descreve um modelo de intervenção cognitivo-comportamental que foi adaptado para um grupo de mães de crianças com paralisia cerebral (PC). O objetivo da intervenção foi diminuir os problemas emocionais das mães e capacitá-las a lidar com os problemas comportamentais das crianças. O programa teve duração de 12 sessões e baseou-se em manejo de contingências e enfrentamento do estresse. Participaram do programa 25 mães que responderam a escalas avaliando seu estado psicológico e o comportamento das suas crianças. Os resultados apresentaram diminuição significativa nos problemas emocionais das mães, sem diferenças significativas nas percepções do comportamento das crianças. O programa teve um efeito significativo sobre o estado emocional das mães, demonstrando aplicabilidade clínica.

Palavras-chave: Intervenção cognitivo-comportamental; Grupo de mães; Paralisia cerebral; Estresse materno; Depressão; Problemas comportamentais em crianças.


ABSTRACT

This article describes a model of cognitive-behavioral intervention model was adapted for use with a group of mothers of children with cerebral palsy (CP). The objective of the intervention was to diminish the emotional problems of the mothers and to enable them to deal it with their children’s behavioral problems. The program was based on contingency and stress management approaches. A group of 25 mothers participated in the study. In the pre-test mothers answered scales assessing their psychological status as well as their perceptions on children’s behaviors. A post-test was applied after 12 intervention sessions. Mothers reported significantly reduced stress and depressive symptoms levels, but no significant changes were observed for children’s behavioral problems. The program had a significant effect on the emotional state of the mothers, demonstrating clinical applicability.

Keywords: Cognitive-behavioral interventions; Mothers groups; Cerebral palsy; Maternal stress; Depression; Behavioral problems in children.


 

 

A paralisia cerebral (PC) é uma condição clínica que afeta o cérebro em desenvolvimento nos primeiros dois anos de vida. As características do quadro envolvem o comprometimento motor, sensorial e cognitivo em diferentes graus (Rosenbaum, 2003). Dentre as dificuldades presentes na PC, estão os problemas de comportamento (Yude & Goodman, 1999). Na PC, especialmente os tipos diplégica e hemiplégica as crianças podem apresentar distúrbios externalizantes, como a hiperatividade e transtorno desafiador opositivo (Bax, 1999). Os problemas comportamentais das crianças com PC, muitas vezes, têm sido identificados como um dos determinantes do estresse familiar (Nereo, Fee, & Hilton, 2003).

O estresse familiar pode estar associado com a sobrecarga de cuidados envolvidos na rotina diária da criança que tem algum tipo de dependência do cuidador (Friedrich, Wilturner, & Cohen, 1985). Outro fator agravante são os comportamentos inadequados tais como desobediência, agressividade, baixa interação social, que aumentam a sobrecarga (Nereo et al., 2003). Alguns estudos mostram evidências de associação entre a freqüência e severidade de problemas de comportamento das crianças com deficiências e o estresse materno (Baker, Blacher, Crnic, & Edelbrock, 2002; Baxter, Cummins, & Yiolitis, 2000).

Os estudos sobre o estado emocional das mães de crianças com PC demonstram que estas mães são mais vulneráveis ao estresse e à depressão (Beckman, 1991; Emerson, 2003). O comprometimento emocional das mães pode gerar o desajuste da família como um todo, limitando o processo de desenvolvimento e reabilitação da criança com PC (Freitas, 2004; Mobarak, Khan, Munir, Zaman, & McConachie, 2000).

Os resultados do estudo de Mobarak et al. (2000) demonstram que as mães de crianças com PC apresentam risco de morbidade psiquiátrica. Ainda nesse estudo, foi demonstrado que a sobrecarga emocional das mães tinha como variável explicativa os problemas de comportamento das crianças. A falta de recurso e habilidades para lidar com tais comportamentos são fatores que excedem a capacidade adaptativa, ocasionando o estresse.

As pesquisas focalizadas na investigação do estresse materno em diferentes condições clínicas objetivam a identificação de uma variável preditora (Nereo et al., 2003; Thompson et al., 1993). A direção da causalidade do estresse das mães que assumem a responsabilidade do cuidado das crianças com deficiência ainda não está definida. Segundo Deater-Deckard e Scarr (1996) o estresse materno interfere na relação com a criança e aumenta a freqüência dos comportamentos problema (ver também Sanders & Morgan, 1997). Por outro lado, alguns estudos sugerem que são as características comportamentais das crianças que ocasionam o estresse materno (Hauser-Cram, Warfield, Shonkoff, & Krauss, 2001; Mobarak et al., 2000, Nereo et al., 2003).

No estudo de Woolfson e Grant (2006) verificou-se que os pais de crianças com distúrbios do desenvolvimento apresentam maior grau de estresse. As interações entre os pais e a criança são disfuncionais e suas crianças apresentam comportamento mais difícil. Ainda nesse estudo foi demonstrado que o estilo parental pode moderar o estresse dos pais.

As pesquisas sobre o estresse materno nos diferentes transtornos do desenvolvimento objetivam também desenvolver programas de intervenção. Os programas de intervenção são formas de coping que favorecem o processo adaptativo das famílias de crianças com transtornos do desenvolvimento (Beresford, 1994; Hauser-Cram et al., 2001; Mobarak et al., 2000). A importância dos mecanismos de intervenção direcionados para a diminuição do estresse e para o manejo do comportamento das crianças tem sido enfatizada por vários pesquisadores (Baker et al., 2002; Chadwick, Momcilovic, Rossiter, Stumbles, & Taylor, 2001; Rhodes, 2003; Wiggs & Store, 2001). O foco conjunto sobre o estresse materno e o manejo de comportamento inadequados em crianças com déficits desenvolvimentais tem sido bastante utilizado, sendo especialmente bem-sucedida a redução do estresse parental (Chadwick et al., 2001; Rhodes, 2003; Wiggs & Store, 2001).

Os estudos sobre os programas de intervenção voltados para o estresse materno e para os problemas comportamentais em crianças com transtornos do desenvolvimento demonstram resultados bastante relevantes para a atuação clínica (Hastings & Beck, 2004). A aplicação desse modelo na PC ainda tem sido realizada de maneira restrita. Diversos estudos sobre programas de intervenção não direcionam a investigação para um transtorno do desenvolvimento específico, utilizando apenas a nomenclatura mais global. Apesar dos resultados encontrados com a aplicação da intervenção é preciso considerar as especificidades de cada condição clínica (Beresford, 1994). No estudo de Krewtzer, Kolokowsky-Hayner, Demm e Mead, (2002) foi desenvolvido um programa, baseado no modelo cognitivo-comportamental para grupos, aplicado com mães de crianças com PC, entretanto o foco foi apenas no estresse materno. Através do programa, foi possível modificar o estado emocional das mães, reduzindo o estresse e aumentando a qualidade de vida.

O presente estudo teve como objetivo verificar os efeitos de um programa de intervenção cognitivo-comportamental sobre o estado psicológico das mães de crianças com PC e sobre a percepção das mães em relação ao comportamento das crianças após a intervenção. O programa foi baseado na terapia cognitivo-comportamental de grupo e adaptado para as especificidades das mães de crianças com PC.

O programa de treinamento de pais é baseado em uma metodologia psico-educativa que modifica o comportamento dos pais e dos filhos (Barkley, 1997). A intervenção nas formas de relacionamento entre os pais e os filhos proporciona interações positivas, evita o uso de estratégias punitivas e o desgaste emocional (Floyd & Phillippe, 1993). O modelo tríadico tem sido utilizado, pois através da mudança de comportamento dos pais são desenvolvidas e implantadas novas contingências e consequentemente o comportamento das crianças é alterado (Marinho & Silvares, 2000).

Os programas cognitivo-comportamentais caracterizam-se por abordarem as mudanças comportamentais através de estratégias de treinamento (instrução e prática), utilizando o estilo passo a passo com a realização de tarefas para garantir que as mudanças ocorram fora do setting terapêutico (Marinho & Silvares, 2000). Outra característica dos programas cognitivo-comportamentais para grupos de pais é o foco no desenvolvimento de habilidades no cuidado e na educação das crianças, ou seja, na melhora do relacionamento entre pais e filhos (Risdal & Singer, 2004). Os pais participam mais das atividades dos filhos, desenvolvem uma atitude compreensiva e um estilo de comunicação mais eficiente (Weber, Prado, Viezzer, & Brandenburg, 2004).

Na relação entre as crianças com PC e as suas mães, esses problemas também estão presentes e agravados pela rotina de cuidados e tratamentos imposta pelas limitações físicas e cognitivas das crianças (Brehaut et al., 2004; Freitas, 2004). A sobrecarga de tarefas pode direcionar a relação das mães com as crianças para os aspectos especificamente relacionados ao cuidado diário, dificultando o estabelecimento de interações positivas (Hauser-Cram et al., 2001).

Considerando a necessidade de assistência psicológica para as mães de crianças com PC, o programa para mudança de comportamentos das crianças com distúrbios externalizantes foi adaptado para minimizar as dificuldades emocionais dessas mães e indiretamente o comportamento das crianças. O modelo desenvolvido será apresentado no presente estudo, procurando evidências iniciais quanto aos efeitos sobre o estado psicológico das mães e a percepção delas sobre o comportamento das crianças.

 

Método

Participantes

Após a aprovação do projeto no Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG (processo ETIC 251/03), foram iniciados os procedimentos de seleção das participantes. As participantes do estudo foram 25 mães de crianças portadoras de PC (diplégicas e hemiplégicas) que são atendidas na Associação Mineira de Reabilitação (AMR), em Belo Horizonte - MG. A AMR é uma instituição filantrópica que atende aproximadamente 400 crianças acometidas por incapacidades neurológicas. O principal critério para ser atendido pela AMR é a renda per capita de até um salário mínimo, sendo, portanto crianças oriundas de famílias menos favorecidas socialmente.

A idade média das mães foi de 35,76 anos (SD = 10,09 anos). A idade média das crianças foi de 5,04 anos (SD = 2,59 anos). Quarenta e oito por cento das crianças eram do sexo masculino. A escolaridade das mães foi medida em anos de escolarização formal, sendo a média de 8,40 anos (SD = 3,49 anos). A formação do grupo para implantação do programa de intervenção foi baseada nos seguintes procedimentos: a) resultados da avaliação psicológica inicial das mães compatíveis com sofrimento psicológico; b) identificação de problemas comportamentais das crianças através de instrumentos respondidos pelas mães; c) reunião com as mães para apresentação do programa e convite para participação; d) assinatura de contrato terapêutico e termo de consentimento livre e esclarecido.

Instrumentos

Questionário de Estresse para Pais de Crianças com Transtornos do Desenvolvimento (QE-PTD). O questionário brasileiro foi desenvolvido a partir do Questionnaire on Resources and Stress (Friedrich, Greenberg, & Crnic, 1983), sendo constituído de 32 itens e 4 fatores: Fator I Restrições Comportamentais; Fator II Sobrecarga Emocional; Fator III - Pessimismo; Fator IV - Características da Criança. O instrumento passou por estudo de adaptação, validação e confiabilidade apresentando resultados satisfatórios (Freitas, 2004). O QE-PTD é um questionário objetivo do tipo Verdadeiro (V) ou Falso (F) que os pais devem preencher tendo em mente a criança com problemas de desenvolvimento. Por exemplo, "______ não se comunica com outras crianças de sua faixa etária". Em alguns itens existem lacunas em branco e, ao ler esses itens, os pais devem imaginar o nome da criança e responder V ou F.

Inventário de Depressão de Beck (IBD). O IBD é composto de 21 itens. Cada item apresenta quatro frases entre as quais o respondente deve selecionar a que melhor corresponde ao seu estado emocional, considerando como referência os últimos sete dias (versão brasileira: Gorenstein & Andrade, 1998). A pontuação no IBD identifica indivíduos que apresentam sintomas depressivos. A utilidade do IBD não é diagnóstica, mas o mesmo complementa a avaliação de pacientes com depressão, fornecendo uma análise semiquantitativa.

Questionário de Saúde Geral (QSG). O QSG é um questionário de saúde física e psíquica, adaptado e validado para a população brasileira adulta (Pasquali, Gouveia, Andriola, & Ramos, 1996). O QSG é composto de 60 perguntas, através das quais é possível avaliar os seguintes fatores: Fator I - Estresse; Fator II - Desejo de Morte; Fator III - Preocupação com o Próprio Desempenho; Fator IV - Distúrbios do Sono; e Fator V - Distúrbios Psicossomáticos. Somando-se esses cinco escores é obtido um escore de saúde geral.

O comportamento das crianças foi avaliado através da percepção materna expressa em três questionários para distúrbios externalizantes de comportamento. Os três questionários descritos abaixo fazem parte de um protocolo estado-unidense para avaliação do Transtorno de Déficit de Atenção por Hiperatividade (TDAH) e Transtorno do Comportamento Desafiador/Positivo (TDO), o qual foi desenvolvido por (Barkley, 1991, 1997). O foco do estudo não é o diagnóstico de TDAH ou TDO, entretanto, a presença de problemas de comportamentos semelhantes a esses quadros pode auxiliar na compreensão de limitações na rotina diária das famílias de crianças com PC. Os instrumentos empregados foram adaptados para utilização no Brasil por Pinheiro, Haase, Del Prette, Amarante e Del Prette (2006).

Questionário de Situações Domésticas. O Questionário de Situações Domésticas avalia a desobediência a ordens, a normas ou a regras em situações domésticas específicas, considerando dois aspectos do comportamento da criança: o número de situações domésticas que os pais consideram problemáticas e a gravidade de cada situação pontuada de 0 a 9 (Barkley, 1991). Os escores finais são expressos pelo número de situações domésticas consideradas problemáticas e pela média da gravidade, que representa a soma de pontos da gravidade dividida pelo número de situações.

Questionário de Comportamentos Importunos. O Questionário de Comportamentos Importunos avalia a freqüência de comportamentos presentes nos quadros de TDO e TDAH (Barkley, 1991). Os comportamentos são descritos em 26 itens na forma de ações como "Tem dificuldades de manter a atenção em tarefas ou brincadeiras", "Quando está sentado não consegue ficar sem mexer as mãos ou sem ficar se retorcendo", "Tem dificuldade de esperar sua vez", etc. Os pais descrevem o comportamento de seus filhos através das opções "Nunca ou Raramente", "De vez em quando", "Freqüentemente" e "Muito freqüentemente".

Escala de Cotação de Hiperatividade: A Escala de Cotação de Hiperatividade é um instrumento objetivo constituído de 14 itens relacionados aos aspectos comportamentais da hiperatividade (Barkley, 1991). Os pais devem responder de acordo com as seguintes possibilidades: "Quase Nunca", "Um Pouco", "Muito" e "Quase Sempre".

Procedimentos

As reuniões do grupo de mães tinham freqüência semanal com duração de 90 minutos. As sessões eram divididas em três etapas: o relato das mães sobre as rotinas e experiências com as crianças; a orientação do passo a ser seguido no programa; e a tarefa que as mães deveriam executar durante a semana seguinte. A avaliação foi dividida em dois momentos: anterior à intervenção (pré-teste) e após a intervenção (pós-teste). No pré-teste foram avaliadas condições clínicas como o estresse, a depressão e a saúde psicológica geral das mães e a percepção das mães sobre os problemas de comportamento das crianças. Após a realização do programa de intervenção que teve duração de 12 sessões, foi realizado o pós-teste utilizando os mesmos procedimentos de avaliação do pré-teste. As escalas foram respondidas individualmente em reuniões do grupo. Quando necessário, foram fornecidos esclarecimentos que auxiliassem na compreensão dos enunciados e chaves de resposta, procurando não interferir no auto-relato das participantes.

Intervenção com Grupos de Mães. A intervenção para grupo de mães é um modelo bastante utilizado, especialmente na orientação de mães de crianças com doenças crônicas (Gonzalez, Steinglass, & Reiss, 1989; Kriegsman & Celotta, 1981). O modelo apresenta vantagens clínicas, tais como a forte identificação formada pelo grupo, a troca de experiências semelhantes e a criação de uma rede de apoio social. Esses elementos são favoráveis à coesão e a manutenção do grupo, tornando a intervenção mais eficaz (Nixon & Singer, 1993). No estudo de Chadwick et al. (2001) foi utilizado o modelo individual para a intervenção cognitivo-comportamental, encontrando uma pequena melhora no comportamento das crianças e nenhuma melhora significativa nos sintomas de estresse e depressão das mães. O resultado desse estudo sugere que modelo individual pode não ser favorável para o atendimento de mães de crianças com transtornos do desenvolvimento. A outra vantagem é econômica; através do modelo de grupo um número maior de pessoas recebe assistência (White & Freeman, 2003).

Descrição das Sessões

Primeira Sessão. Por que as crianças se comportam mal?: Para a execução desse passo foram utilizadas duas técnicas: a discussão socrática para modificação de elementos cognitivos sobre as causas dos comportamentos inadequados e a análise de contingências que foi realizada através de demonstrações esquemáticas. A quebra da hegemonia de crenças, juntamente com o esclarecimento sobre a co-responsabilidade na mudança do comportamento da criança, são as primeiras metas do programa. No final desta sessão, as mães foram orientadas à realizar a observação do comportamento de suas crianças, aplicando a análise funcional do comportamento (Barkley, 1997; McMahon, 1996).

Segunda Sessão. Modificando o Foco da Atenção: A tarefa para esse passo era deslocar o foco da atenção dos comportamentos inadequados para os comportamentos adequados através do elogio. O princípio comportamental aplicado nesse passo é o reforçamento diferencial. A aplicação dessa estratégia foi feita durante um "recreio especial" exercitado em casa, período no qual as mães brincavam com as crianças durante 15 a 30 minutos, pelo menos três vezes por semana. O objetivo é criar uma situação lúdica na qual as tensões são reduzidas, facilitando a aplicação da técnica para as mães e a aprendizagem da criança (Barkley, 1997; McMahon, 1996; Stern, 2003).

Terceira Sessão. Treino de Comandos: O treino de ordens consiste em melhorar a qualidade na comunicação entre mães e filhos com o objetivo de aumentar o comportamento obediente das crianças. O princípio comportamental utilizado nesse passo foi a modelagem e o reforçamento diferencial. As mães realizaram exercícios durante as sessões para modelar a forma de falar, o tom da voz, a postura, os gestos e o conteúdo. Durante o treino de comandos, as repostas adequadas após a emissão da ordem eram seguidas por elogios e demonstrações de satisfação, nos casos de respostas inadequadas as mães apenas ignoravam (Barkley, 1997; McMahon, 1996).

Quarta Sessão. Brincadeira Independente: A técnica é caracterizada pela modelagem de comportamentos mais autônomos, permitindo às mães desempenhar outras tarefas do cotidiano, como cuidar de outros filhos, afazeres domésticos, cuidar de si mesma, etc. A abordagem contribui no desenvolvimento de uma relação mais adequada, diminuindo a dependência emocional da criança, assim como o desgaste psicológico das mães. Enquanto a criança brincava sozinha, a mãe desempenhava uma tarefa qualquer e elogiava o comportamento de brincar independente em intervalos de tempo, que aumentavam gradualmente, modelando a independência (Barkley, 1997; McMahon, 1996).

Quinta Sessão. Suporte Social e Coesão do Grupo: O suporte social informal pode ser adquirido através de negociações com o cônjuge e outros familiares. Durante as sessões foram discutidas as diferenças de gênero e a probabilidade da ausência de envolvimento da figura paterna estar também associada à insegurança e à falta de habilidades. A tarefa para estabelecer o suporte social informal foi compartilhar as técnicas aprendidas no programa e treinar a figura paterna para realizá-las. Durante esse passo, foram trabalhadas estratégias de assertividade para negociação (Beresford, 1994; Schwartz & Rogers, 1994).

Sexta Sessão. Identificação das Características Pessoais: Através da comunicação das experiências pessoais no cuidado de outros filhos, características de personalidade, tais como humor, crenças e locus de controle, foram identificadas como recursos para o enfrentamento da sobrecarga associada com o cuidado das crianças com PC. As tarefas desenvolvidas nesse passo foram a auto-observação e o registro de características positivas, e a discussão sobre como essas poderiam ser utilizadas nas situações de tensão (Beresford, 1994; Schwartz & Rogers, 1994).

Sétima Sessão. Expressão das Emoções e Solução de Problemas: Nesse passo as participantes foram incentivadas a falar de sentimentos, tais como culpa, medo, negação, raiva, que de alguma forma estavam associados aos problemas de ter uma criança com PC. Os sentimentos negativos podem aumentar o risco e agravar a expressão de psicopatologia. A expressão de tais sentimentos proporciona sensações de alívio. Após a fase de diminuição das tensões emocionais, foi possível elaborar algumas estratégias de solução de problemas. Nesse passo, a combinação de estratégia focada na emoção (coping paliativo) e estratégia focada no problema (coping instrumental) foi aplicada e transmitida de maneira psico-educativa (Schwartz & Rogers, 1994; Stern, 2003).

Oitava Sessão. Perspectivas Otimistas: O objetivo de trabalho a adoção de uma perspectiva otimista como uma estratégia é propiciar mais estratégias de solução de problemas e diminui a vulnerabilidade em situações de estresse (Beresford, 1994). A abordagem do otimismo foi realizada durante a sessão solicitando-se que as mães relatassem as situações nas quais a perspectiva otimista contribuiu. Através do relato de crenças positivas foram gerados alguns comandos utilizados sob a forma de auto-instrução (Schwartz & Rogers, 1994; Stern, 2003).

Nona Sessão. Economia de Fichas: A estratégia de economia de fichas é baseada no princípio do reforçamento diferencial, entretanto, o reforço utilizado nesse passo é tangível. As mães são orientadas a montar, juntamente com as crianças, fichas que funcionam como pontos, um cofre para depositar as ficha, uma lista de prêmios e uma lista de tarefas e comportamentos desejados. À medida que a criança apresentava comportamentos adequados previamente estabelecidos na lista, ganhava pontos que eram trocados por um prêmio no final da semana (Barkley, 1997; McMahon, 1996). Os prêmios recomendados assumiam a forma de atividades com as crianças, tais como brincadeiras, passeios, visitas, etc.

Décima Sessão. Retirando Fichas: A retirada de fichas era contingenciada aos comportamentos inadequados. O princípio comportamental aplicado nesse passo é a punição negativa. As mães foram orientadas a retirar as fichas quando as crianças apresentassem um comportamento inadequado ou deixassem de cumprir comportamentos que estavam previamente estabelecidos na lista (Barkley, 1997; McMahon, 1996).

Décima Primeira Sessão. Suspensão: A suspensão é mais uma estratégia que utiliza a técnica da punição. A estratégia empregada é o time out, que retira a criança do ambiente no qual o comportamento inadequado está sendo apresentado, suspendendo-a de diversas formas de reforçamento. A suspensão é nomeada de "cadeirinha do pensar", pois além de ficar fora do ambiente a criança precisa pensar sobre suas atitudes, apresentando para os pais sua conclusão sobre o comportamento (Barkley, 1997; McMahon, 1996).

Décima Segunda Sessão. Generalização e Manutenção: A necessidade de ampliar o uso das técnicas e as mudanças de comportamento em diferentes lugares, assim como a manutenção das modificações realizadas, promoveu o acompanhamento do grupo por mais duas semanas (Barkley, 1997; McMahon, 1996).

 

Resultados

Análise dos Dados

O processo iniciou com a análise descritiva, com o objetivo de realizar um levantamento do perfil psicológico e demográfico da amostra (freqüências, médias e desvios-padrão). Antes de iniciar o teste de hipótese foi realizada verificação da normalidade da amostra através do teste de Kolmogorov-Smirnov e da análise dos histogramas de assimetria e curtose. O resultado foi compatível com a normalidade da amostra. A outra etapa de análise foi a comparação dos escores médios de cada instrumento, comparando pré-teste com o pós-teste, utilizando o teste t de Student para amostras relacionadas. Após verificar as diferenças entre pós-teste e pré-teste, foi calculado o coeficiente d para estimar a magnitude do efeito da intervenção (Cohen, 1992).

Os resultados comparativos entre o pré-teste e o pós-teste para o estado psicológico das mães podem ser visualizados na Tabela 1. As medidas do estado psicológico das mães apresentam melhora estatisticamente significativa após a intervenção em quase todas as medidas. Os valores encontrados no pré-teste identificaram a presença de sintomas depressivos, estresse e comprometimentos da saúde geral. A média dos escores nos diferentes instrumentos utilizados apresentou valores significativamente menores no pós-teste.

 

 

Os resultados da percepção das mães sobre os problemas de comportamento da criança apresentaram apenas uma tendência à significância estatística na comparação entre o pré-teste e o pós-teste (vide Tabela 2).

 

 

Outro tipo de análise realizada foi o coeficiente d para verificar a magnitude do efeito do processo de intervenção. O coeficiente "d" permite estimar o tamanho do efeito em três níveis: fraco, moderado e forte. Os valores encontrados confirmam que o efeito terapêutico do programa desenvolvido foi mais expressivo para o estado psicológico das mães do que para os problemas de comportamento das crianças. A magnitude do efeito é uma das ferramentas citadas por Hastings e Beck (2004), como necessária para aumentar a confiança nos resultados dos estudos de intervenção direcionados para o estresse de pais de crianças com transtornos do desenvolvimento. Como pode ser visualizado na Tabela 1, os valores de "d" para as medidas do estado psicológico das mães encontram-se no intervalo entre 0,67 a 1,99 caracterizada por um efeito elevado, exceto o fator IV do QSG (distúrbios do sono) que apresentou d = 0,26, correspondendo a um efeito fraco. Por outro lado, os valores de d para as medidas de comportamento das crianças foram entre 0,09 a 0,31 (situando-se na faixa de efeitos fracos) (vide Tabela 2).

Discussão

O objetivo do estudo foi demonstrar o efeito de um programa de intervenção cogntivo-comportamental para mães de crianças com PC. O programa desenvolvido atingiu rapidamente a mudança no estado emocional e na saúde mental das mães contribuindo para o processo de adaptação psicossocial. Os resultados encontrados mostram uma diferença significativa para a avaliação psicossocial das mães, diminuindo os escores nas diferentes medidas psicológicas de estresse (QE-PTD), de depressão (IBD) e de saúde geral (QSG). Os resultados elevados das estimativas da magnitude do efeito quanto à melhoria do estado psicológico das mães sugerem que as modificações associadas ao programa se revestiram de significância prática.

Entretanto, a mesma diferença não foi encontrada com relação ao comportamento das crianças. Esse resultado mostra que, apesar das mães continuarem percebendo suas crianças como difíceis de lidar, a qualidade de vida das mães aumentou. As dificuldades presentes na educação e nos cuidados de uma criança com PC podem ter influência do estágio do desenvolvimento neuropsicomotor. A impossibilidade de eliminar tais limitações implica na necessidade de adaptação, muitas vezes iniciada pela capacidade de enfrentar a situação e lidar com os problemas diários. Esse resultado também foi encontrado no estudo de Chadwick et al. (2001) a redução do estresse materno e sem alteração significativa da percepção das mães sobre o comportamento das crianças pode ser conseqüência da especificidade de cada transtorno do desenvolvimento. A PC é neuropatologia crônica com alterações mínimas e com tratamento pro longado. A característica pouco evolutiva da PC pode ter influenciado para que a percepção das mães também fosse mantida após o programa.

Outra explicação possível é que a instrumentação das mães para lidar com os problemas de comportamento das crianças pode não ter tido tempo suficiente para apresentar uma percepção estatisticamente significativa do comportamento das crianças. Apesar disso, as mães relataram redução de alguns comportamentos identificados como problema (desobediência, agressividade, birras de alta intensidade). Como sugere Sofronoff e Farbotko (2002) a redução do estresse materno pode contribuir com a elevação das percepções de auto-eficácia aumentando a capacidade dos pais de manejar os comportamentos inadequados. Considerando a melhora do padrão emocional das mães, mesmo percebendo o comportamento de suas crianças como inadequado as mesmas possuem instrumentos para lidar com eles sem desgaste emocional.

No caso das mães a motivação para a mudança e a compreensão dos possíveis ganhos podem ter mobilizado as ações, facilitando a eficácia da intervenção. O grupo de intervenção funcionou como uma rede de apoio, na qual as mães podiam trocar experiências e diminuir a sobrecarga relacionada ao fato de ter uma criança com PC (White, 2003). A abordagem do programa direcionada para otimização da percepção dos recursos de enfrentamento e desenvolvimento de estratégias para lidar melhor com a situação favoreceu o processo de adaptação das mães.

A presença de uma criança com transtorno do desenvolvimento é um estressor em potencial que não deixa de existir (Gallimore, Weisner, Kaufman, & Bernheimer, 1989). Para lidar com complicações associadas à presença de uma criança com PC é necessário desenvolver mecanismos adaptativos que permitem a reorganização do modo de vida com um número menor de perdas e a potencialização dos ganhos (Freitas, 2004).

Considerando os resultados apresentados, o estudo contribuiu com a compreensão do efeito dos programas de intervenção para mães de crianças com PC. A diminuição de problemas emocionais representa uma mudança importante para a qualidade de vida. A redução do estresse materno e dos sintomas depressivos tem sido demonstrada por diversos estudos como mecanismo favorável ao processo de adaptação psicossocial (Beresford, 1994; Rhodes, 2003). O estresse de ter uma criança com PC pode desencadear psicopatologias graves como a depressão, agravando as dificuldades das mães e das crianças (Brehaut et al., 2004).

Algumas limitações podem ser identificadas no presente estudo e devem ser consideradas em futuras investigações, tais como a ausência de comparação com um grupo controle e resultados de follow-up. A avaliação do comportamento das crianças também poderia ter sido feita com outros indicadores além da percepção materna, tais como o relato de educadoras. Considerando a possibilidade de divergência nas avaliações e o fato de que as mães são as cuidadoras principais, a utilização do relato materno foi considerada vantajosa.

O estudo amplia as contribuições para a prática clínica, tanto para a qualidade de vida das mães quanto para as mudanças de comportamento das crianças com PC. Os resultados mostram que a melhoria do estado psicológico das mães apresenta um potencial para contribuir na utilização de métodos disciplinares menos coercivos e mais voltados para favorecer o desenvolvimento da criança e processo de reabilitação. A mudança no estilo parental poderá facilitar o dia-a-dia das mães que passam a ter mais habilidades para o manejo dos problemas comportamentais das crianças com PC.

 

Referências

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Received 23/07/2007
Accepted 31/01/2008

 

 

Patrícia Martins de Freitas. Psicóloga. Mestre em Psicologia. Doutoranda em Ciências da Saúde. Professora assistente do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.
Claret Luiz Amarante Dias. Psicólogo. Mestrando em Psicologia. Psicólogo do Sarah.
Rita de Cássia Lara Carvalho. Psicóloga. Especialista em Educação Especial. Psicóloga da Associação Mineira de Reabilitação.
Vitor Geraldi Haase. Neurologista. Mestre em Psicolingüística. Doutor em Biologia Humana. Professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais.
1 Endereço: Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Centro de Ciências da Saúde, Rua do Cajueiro, s/n, Cajueiro, Santo Antônio de Jesus, BA, Brasil, CEP 44570-530. E-mail: pmfrei@yahoo.com.br