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Interamerican Journal of Psychology
versão impressa ISSN 0034-9690
Interam. j. psychol. vol.43 no.2 Porto Alegre ago. 2009
“Eu sei fazer uma história ficar pequena.” A escrita de resumo por crianças
“I know how to make a story shorter.” Summary writing by children
Alina Galvão Spinillo1,2
Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Brasil
RESUMO
O estudo examinou a possibilidade de crianças aprenderem a resumir textos. Quarenta e quatro crianças de baixa renda (10 anos) foram divididas em um Grupo Experimental e um Grupo Controle. Todos os participantes realizaram um pré-teste e um pós-teste que consistia na escrita de um resumo de uma história lida. Enquanto o GC continuava com a prática usual de ensino que não envolvia atividades com resumos, as crianças do GE participaram de uma intervenção em sala de aula que enfatizava os princípios de constituição de um resumo (brevidade, clareza, fidelidade ao tema e presença das idéias principais do texto base). No pré-teste, os grupos apresentaram os mesmos tipos de dificuldades; porém, no pós-teste, as crianças do GE produziram resumos mais elaborados que as do GC, sendo as únicas a terem um desempenho melhor no pós-teste do que no pré-teste. Concluiu-se que a escrita de resumos pode ser aprendida por crianças e que a intervenção auxiliou na superação das dificuldades encontradas na produção de resumos.
Palavras-chave: Escrita de resumos; Histórias; Crianças; Estudo de intervenção.
ABSTRACT
This study examined the possibility that children can learn how to summarize texts. Forty-four children (10 years old) were divided into an Experimental and a Control Group. All participants were given a pre-test and a post-text in which they had to write a summary of a story. While children in the the CG went ahead with the usual teaching practice that did not include any type of activity related to summaries, children in the EG were provided with a classroom intervention that emphasized the principles of summary composition (brevity, clarity, faithfulness to the theme, and the presence of the main ideas of the textbase). No significant differences were found between groups in the pre-test. However, in the post-test children in the EG produced more elaborated summaries than those in the CG. Also only children in the EG did significantly better in the post-test than in the pre-test. The conclusion was that children can be taught how to write summaries and that the intervention helped them to overcome their difficulties regarding summary writing.
Keywords: Summary writing; Stories; Children; Intervention study.
A escrita de textos é crucial na formação de usuários competentes da língua materna; tendo o desenvolvimento dessa habilidade interessado pesquisadores e educadores, bem como repercutido na formulação de propostas educacionais relativas ao ensino de Língua Portuguesa, em que a escola é convocada a “. . . viabilizar o acesso do aluno ao universo dos textos que circulam socialmente, ensinar a produzi-los e a interpretá-los” (Ministério da Educação [MEC], 1997, p. 30).
Com o intuito de viabilizar este acesso, as práticas escolares partem de premissas que podem não favorecer o pleno desenvolvimento da produção de textos. Uma dessas premissas é a idéia de que existe uma capacidade geral que, uma vez desenvolvida, garantirá a produção adequada de todo e qualquer tipo de texto. Ainda que existam habilidades comuns à produção de textos (planejamento, revisão, etc.), é necessário considerar que existem características peculiares a cada tipo de texto que não são transferidas do conhecimento que se tem sobre um gênero de texto para outros. Por exemplo, uma criança pode escrever textos narrativos elaborados e, no entanto, apresentar dificuldades na escrita de textos argumentativos; ou pode ser capaz de reproduzir por escrito uma história, mas ter dificuldade em escrever um resumo desta mesma história. Na realidade, a produção de textos não é uma habilidade que se manifesta igualmente em relação a todos os gêneros textuais (e.x., Albuquerque & Leal, 2006; Morais & Silva, 2006; Santos, 2006).
Uma segunda premissa refere-se à idéia de que a leitura de textos seria capaz de automaticamente desenvolver a capacidade de produzi-los. É evidente que o contato com textos no cotidiano (e.x., Rego, 1985; Spinillo & Pratt, 2005) e a apresentação de modelos lingüísticos (e.x., Ferreiro, Pontecorvo, Moreira, & Hidalgo, 1996; Lins e Silva & Spinillo, 1998, 2000) são relevantes para a produção; porém, esta habilidade requer conhecimentos derivados de situações mais diretivas e que requerem explicitamente refletir acerca de sua estrutura e organização. Um exemplo de uma situação mais diretiva que proporcionou uma melhoria significativa da produção de textos é o estudo de intervenção conduzido por Ferreira e Spinillo (2003) com alunos de escolas públicas em Recife. A intervenção consistia em ensinar às crianças o esquema narrativo típico de histórias (introdução da cena, dos personagens, situação-problema, desfecho).
Uma terceira premissa está associada à idéia de que a escola deve voltar-se fundamentalmente para o ensino de textos que circulam socialmente, que fazem parte do cotidiano extra-escolar dos alunos e que tenham um uso imediato em suas vidas, como ocorre em relação à história, à carta, à notícia de jornal, por exemplo. Sem minimizar a relevância do conhecimento escolar para a vida fora da escola, é necessário não incorrer na idéia simplista de que a escola deve ensinar apenas aquilo que tem uma aplicação prática e imediata; o que a levaria a assumir um caráter marcadamente utilitarista ao invés de formador. Na realidade, há gêneros textuais marcadamente acadêmicos que embora sejam de pouca circulação em contextos extra-escolares (como o resumo, a ficha de leitura) fazem parte do cotidiano escolar, cumprindo funções múltiplas e relevantes nesse contexto.
Segundo Teberosky (1995), experiências com gêneros textuais diversos são importantes porque as possibilidades de expressão dependem das oportunidades sociais oferecidas aos indivíduos pelas instituições, sobretudo pela escola. Isso é particularmente relevante quando a escola atende crianças de baixa renda que não encontram em casa as mesmas experiências com textos que as crianças de classe média (Carraher, 1986, 1987; Spinillo, Albuquerque, & Lins e Silva, 1996; Spinillo & Pratt, 2005). Na realidade, cabe à escola o desafio de ensinar não apenas os textos com os quais as crianças se deparam em seu cotidiano fora da escola, mas também os textos que são produtos culturais da própria escola; criados como instrumentos para desenvolver e avaliar a produção e a compreensão, como é o caso da ficha de leitura, do relatório, da resenha e do resumo. Tais gêneros, considerados criações didáticas, servem como recursos para outras aprendizagens como discutido adiante.
Considerando o foco da presente investigação, cabe tratar de maneira mais específica a respeito de um gênero de grande importância tanto para a aprendizagem da linguagem escrita como para a aprendizagem de conteúdos escolares: o resumo.
O Resumo: Princípios de Constituição e Relevância
Perguntada a respeito do que é um resumo, uma aluna de quarta série respondeu: “Resumo? É quando a gente conta a história encolhida, mas de um jeito que não falta nada.” Uma colega da mesma sala, por sua vez disse: “É quando a gente diz o principal, só o principal.” Não querendo ser excluído da conversa, outro aluno afirma: “Eu sei fazer uma história ficar pequena. É só fazer um resumo dela.” Segundo essas crianças, um resumo deve ser um texto conciso (“. . . história encolhida . . .”; “. . . fazer uma história ficar pequena . . .”), porém completo (“. . . de um jeito que não falta nada”), contendo as informações principais do textobase (“. . . quando a gente diz o principal, só o principal . . .”). Essas definições expressam critérios que regem a elaboração de um resumo; ou seja, seus princípios de constituição que são de natureza lingüística e cognitiva.
O resumo não possui uma estrutura lingüística particular que o caracterize, pois resumir implica uma adesão à forma lingüística em que a informação está apresentada no texto-base, assumindo sua organização e características estruturais. Ao resumir uma história, por exemplo, o resumo deve conter uma introdução da cena e dos personagens, uma situação-problema e um desfecho. Assim, o conhecimento acerca da estrutura do texto que está sendo sumariado é um aspecto lingüístico necessário na elaboração de resumos.
O resumo é um texto sobre texto que, embora não seja apenas uma cópia reduzida do texto-base, está fortemente marcado por ele (em termos de sua estrutura e de seu conteúdo). Exatamente por não ser uma cópia, é que a paráfrase é algo relevante, sendo necessário dizer com suas próprias palavras o que foi veiculado no texto-base.
Resumir envolve, ainda, a capacidade de síntese, bem como a capacidade de identificar e selecionar as informações principais do texto-base, discriminando-as das informações de menor relevância. O que é considerado relevante ou secundário em um texto depende dos propósitos comunicativos do resumo e do destinatário. Em função dos propósitos comunicativos, o resumo pode excluir muitas informações contidas no texto-base, tais como: informações redundantes, informações que podem ser inferidas ao invés de literalmente expressas, detalhes, descrições, explicações etc. O resumo necessita, ainda, ser fiel tanto no que concerne às idéias centrais como quanto às relações estabelecidas entre elas no texto-base; esta fidelidade, inclusive, refere-se ao ponto de vista do escritor do texto-base.
Para Schneuwly e Dolz (2004, p. 88), resumir envolve:
. . . dizer em poucas palavras, mas do mesmo ponto de vista enunciativo, o que o autor do texto a resumir quis dizer – só pode ser seguida por uma atividade complexa de paráfrase, por meio da qual o ‘resumidor’ revive, em seu resumo, a ‘dramatização discursiva’ construída no texto a resumir, a partir de uma compreensão das diferentes vozes enunciativas que nele agem.
O resumo deve ser considerado um gênero “que leva ao extremo a atitude metalingüística em face de um texto, em que é preciso reconstruir a lógica enunciativa, sendo a situação escolar de comunicação, precisamente, aquela que solicita a demonstração da capacidade para essa atitude” (Schneuwly & Dolz, 2004, p. 88).
Além da brevidade e da fidelidade, o resumo, embora originado de um outro texto, precisa ter autonomia, ter existência própria; de forma que as idéias apresentadas devem estar articuladas entre si, tornando o texto compreensível por si mesmo. Essa autonomia depende de sua clareza e articulação.
Resumir um texto, portanto, não é tarefa fácil; inclusive adultos, muitas vezes, têm dificuldades em redigir um resumo que atenda a todos os pontos acima citados.
Mas qual a importância de ensinar as pessoas a produzir resumos? Teria o resumo alguma finalidade social além das situações acadêmico-escolares? Embora produzir resumos seja menos freqüente que produzir outros gêneros, é possível listar algumas situações em que é importante sumariar algo, ainda que de forma oral: o resumo do capítulo da novela, do livro lido, do filme ou da peça de teatro, do noticiário da TV, de algum evento ocorrido que merece ser comentado com um amigo etc. Porém, o principal argumento em defesa do resumo é o fato de que o ato de resumir tanto expressa a capacidade de compreensão do indivíduo como também pode ser um recurso auxiliar na compreensão do texto que lhe deu origem.
Comparado a outros gêneros, o resumo tem sido pouco investigado, sendo raras as pesquisas com crianças.
Pesquisas com Adultos e Crianças
A produção escrita de resumos tem sido investigada a partir de duas perspectivas distintas. Uma perspectiva concentra-se no exame das relações entre produção de resumo e compreensão de textos, sendo o resumo considerado tanto um indicador como um auxílio para a compreensão (e.x., Bensoussan & Kreindler, 1990; Cumming, Rebuffot, & Ledwell, 1989; 1997; Kintsch & Kozminsky, 1977; Kozminsky & Graetz, 1986; Léon, 1997; Vieiro & García-Madruga, 1997). A outra perspectiva se volta para o resumo enquanto gênero textual, focalizando seus princípios de constituição e processo de composição (e.x., Brown & Day, 1983; Johnson, 1982; Taylor, 1986). Embora o presente estudo se insira nesta segunda perspectiva, é relevante apresentar os resultados de pesquisas que se caracterizam por uma ou por outra perspectiva, ou que adotam ambas em uma mesma investigação (e.x., Rumelhart, 1977; van Dijk & Kintsch, 1977).
Muitas das pesquisas que examinam as relações entre escrita de resumos e compreensão de textos ocorrem no contexto do ensino de língua estrangeira. Kozminsky e Graetz (1986), por exemplo, ensinaram universitários alunos de inglês como língua estrangeira a elaborar resumos usando a técnica de sumariar cada parágrafo do texto de maneira que o resumo final resultava no somatório desses sumários parciais. Os resultados mostraram que era mais difícil fazer resumo em uma língua estrangeira do que na língua materna. Segundo os autores, isso ocorria porque ao resumir em língua estrangeira os alunos tendem a concentrar-se ao nível micro-lingüístico do texto (léxico, sentenças) mais do que ao nível macrolingüístico (no significado do texto como um todo).
Interessadas em promover a compreensão de leitura de universitários alunos de um curso de inglês como língua estrangeira, Bensoussan e Kreindler (1990) propuseram uma prática de ensino baseada em estratégias para a escrita de resumos acadêmicos e uma prática de ensino baseada em estratégias de responder perguntas sobre os mesmos textos. Comparações entre pré e pósteste mostraram que todos os alunos tiveram progressos semelhantes, embora no pré-teste o desempenho em responder perguntas era melhor do que em escrever resumos. Esta diferença, entretanto, tendia a desaparecer no pós-teste. A conclusão foi que, embora sumariar e responder perguntas sejam atividades distintas, elas parecem ter efeitos justapostos sobre o leitor, contribuindo para a compreensão de textos.
Pesquisas com adultos mostram que ler e ouvir um texto geram resultados semelhantes quanto à compreensão, no que concerne à reprodução e ao responder perguntas objetivas sobre um texto. Esse mesmo padrão de resultados seria obtido em relação à compreensão de textos avaliada a partir da produção de resumos? Para responder esta pergunta Kintsch e Kozminsky (1977) compararam a escrita de resumos em universitários em duas condições: após lerem e após ouvirem histórias longas em um gravador, podendo reler ou ouvir novamente a história. Poucas diferenças foram identificadas entre as duas condições, sendo a principal delas a tendência dos participantes a inserir um pouco mais de detalhes idiossincráticos em seus resumos após ouvirem a história do que quando a liam. Estes resultados mostram que existe um ponto essencial comum do processo de compreensão que está subjacente tanto ao ler com ao ouvir um texto3.
Johnson (1982), Rumelhart (1977) e van Dijk e Kintsch (1977) verificaram que tanto adultos como crianças utilizam o conhecimento que possuem sobre estrutura narrativa para resumir histórias em função dos aspectos mais importantes relativos a cada uma de suas partes. A relevância atribuída a uma dada informação textual, de acordo com van Dijk (1979), depende de dois conjuntos de critérios: (a) aqueles inerentes ao indivíduo (seus interesses, objetivos, motivação e conhecimentos); e (b) aqueles inerentes ao texto (sua estrutura e importância das informações para o enredo e para o desfecho). É possível dizer que critérios extra-textuais e intra-textuais estão em jogo quando o individuo avalia uma dada informação contida no texto e decide por sua inclusão ou exclusão do resumo produzido.
Vieiro e García-Madruga (1997) examinaram a habilidade de alunos de 3ª e 5ª séries do ensino fundamental em produzir resumos orais e escritos de histórias. Os resumos produzidos foram comparados em função de duas dimensões: uma análise das proposições presentes no texto produzido e no texto original, e uma análise voltada para a estrutura global do texto. Diferenças significativas foram encontradas entre os sumários escritos e aqueles oralmente produzidos no que se refere à análise das proposições: enquanto inferências e distorções foram observadas na produção oral, a produção escrita continha mais proposições literais, sendo mais fiel ao texto-base. Observou-se, também, que os resumos oralmente produzidos tendiam a ser mais curtos e fragmentados do que os escritos. Esses resultados dão suporte à idéia de que o mesmo esquema discursivo, que se reflete na macro-estrutura do texto, é empregado para guiar tanto as produções orais como as escritas, e que este esquema, portanto, independe da modalidade de produção.
Johnson (1982) analisou resumos de histórias escritos por alunos de 1ª, 3ª e 5ª séries do ensino fundamental e por universitários. Além de dificuldades na compreensão de construções sintáticas sofisticadas e de limitações no vocabulário, as crianças tinham dificuldades em atender o critério da brevidade, tendendo a fornecer detalhes desnecessários; outra dificuldade residia na tendência em omitir partes da história em seus resumos. Os adultos, por sua vez, eram capazes de incluir todas as partes da história e de fornecer menos detalhes. A autora verificou que algumas crianças que eram capazes de relembrar o texto-base, mesmo assim apresentavam dificuldades em sumariá-lo, concluindo que elaborar resumos envolve mais do que a memória.
Taylor (1986) analisou resumos escritos por alunos de 4ª e 5ª séries do ensino fundamental com o objetivo de examinar se haveria diferenças na qualidade de resumos de textos narrativos e expositivos que pudessem decorrer da estrutura dos gêneros. Um segundo objetivo do estudo foi explorar o processo de composição do resumo. Para tal, foi utilizado tanto um questionário como a técnica de investigação denominada análise de protocolo, que consiste na observação, pelo examinador, e na descrição, pelo indivíduo, das ações que implementa no momento em que realiza uma dada atividade, no caso, a produção escrita de um resumo. Inicialmente explicava-se aos participantes em que consistia um resumo, fornecendo como exemplo o resumo da história de Chapeuzinho Vermelho. Em seguida os participantes liam uma história, sendo solicitados a resumi-la, individualmente. Em uma segunda sessão, o mesmo procedimento era feito em relação a um texto expositivo. Os resumos produzidos foram analisados em função dos seguintes aspectos: (a) clareza e precisão; (b) presença das principais idéias; (c) brevidade: habilidade de condensar a informação do texto-base; e (d) paráfrase: habilidade de colocar as idéias em suas próprias palavras. Os resultados mostraram que não havia diferenças entre resumir história e resumir texto expositivo, visto que a qualidade dos resumos era basicamente a mesma em relação aos dois textos. No entanto, a partir das entrevistas notou-se que as crianças tinham um pouco mais de facilidade com o texto narrativo do que com o expositivo As principais dificuldades residiam na tendência a recontar todo o texto lido ao invés de sumariá-lo e a omitir as idéias principais do texto, não diferenciando as informações relevantes das irrelevantes. Outro dado importante foi que muitas crianças que haviam alcançado altos escores em leitura tinham dificuldades em incluir no resumo a idéia principal do texto-base. Isso sugere não haver uma correlação entre e a habilidade de leitura e a capacidade de resumir, questionando-se, assim, o papel da leitura na produção de resumos bem elaborados. Conclui-se que, embora seja necessário compreender o que se vai resumir, resumir requer certas habilidades que não estão associadas unicamente à compreensão.
Pelo exposto, é possível concluir que resumir envolve mais do que a compreensão, pois requer conhecer a estrutura do texto a ser resumido, selecionar as principais idéias nele veiculadas e dominar princípios de constituição próprias deste gênero. Considerando a relevância da produção de resumos, a escassez de pesquisas com crianças e as dificuldades que apresentam, pergunta-se: Seria possível desenvolver a habilidade de produzir resumos em crianças? Na tentativa de responder essa questão foi conduzida uma intervenção em sala de aula voltada para um conjunto de atividades que tomaram por base os fatores cognitivos e lingüísticos envolvidos na elaboração de resumos.
Método
Participantes
Quarenta e quatro crianças de baixa renda alunas da 4a série do ensino fundamental de escola pública da cidade do Recife. Vinte e duas crianças fizeram parte de um Grupo Experimental (média de idade: 10a e 8m) e as outras 22 crianças fizeram parte de um Grupo Controle (10a e 10m). As crianças do Grupo Experimental pertenciam a uma sala de aula com 34 alunos e as crianças do Grupo Controle a uma sala de aula com 32 alunos. As crianças que efetivamente participaram da investigação foram aquelas que se dispuseram a realizar as atividades propostas e que realizaram tanto o préteste como o pós-teste. Na escola havia apenas essas duas turmas de 4ª série. A escolha da escola deveu-se à disponibilidade e motivação da professora do Grupo Experimental em participar da investigação.
Procedimento, Material e Planejamento Experimental
Todos os participantes realizaram um pré-teste e um pós-teste em que eram individualmente solicitados a escrever um resumo de uma história imediatamente após esta ter sido lida em voz alta juntamente com a examinadora. No início da entrevista perguntava-se à criança se ela sabia o que era um resumo e em seguida explicava- se que um resumo é um texto curto que contém as principais informações do texto do qual ele se origina. A história não ficava disponível para consulta no momento da escrita do resumo, visto que em estudo piloto observou-se a tendência da criança em copiar a história ao invés de resumi-la. As histórias lidas no pré-teste e no pós-teste constam nos Apêndices A e B, respectivamente. Adaptações foram feitas em cada história de maneira que tivessem quase o mesmo número de palavras.
Ao Grupo Experimental foi propiciada uma intervenção em sala de aula conduzida pela própria professora; enquanto o Grupo Controle consistia em outra sala de aula regida por outra professora que continuava com sua prática usual que não incluía qualquer atividade com resumos. As professoras informaram que o único contato que as crianças haviam tido com resumos em sala de aula limitava-se a uma ocasião em que haviam explicado o que era um resumo. O pós-teste foi aplicado três a quatro semanas após a intervenção.
A professora do Grupo Experimental foi orientada antes e durante a intervenção através de encontros com a pesquisadora em que: (a) eram lidos e discutidos textos relativos à produção de resumos e a estudos de intervenção; (b) eram planejadas as atividades a serem propostas em sala de aula; e (c) eram avaliadas as atividades realizadas em aulas anteriores.
A Intervenção no Grupo Experimental. A dinâmica da sala se caracterizava por atividades em pequenos grupos e com a sala como um todo, envolvendo textos variados (histórias, contos de fada, fábulas, notícias de jornal, etc.) e textos expositivos na área de História, Geografia e Ciências. Os textos eram sempre apresentados por escrito.
A intervenção consistiu em quatro sessões com duração de duas horas, realizadas durante o horário de aula, com um intervalo de uma semana entre elas. Havia uma seqüência didática em que o grau de diretividade assumido pela professora frente aos alunos diminuía do primeiro para o último encontro. Na primeira sessão as atividades propostas exigiam menos dos alunos e mais da professora no sentido de que eles atuavam como observadores ativos do que era apresentado e explicado pela professora. Na segunda sessão os alunos emitiam julgamentos a respeito de resumos apresentados pela professora, sendo incentivadas discussões a respeito dos julgamentos emitidos. Nas duas últimas sessões os alunos eram solicitados a eles próprios produzirem resumos sobre diferentes gêneros de textos apresentados em sala de aula. Nota-se que a seqüência didática ao longo das sessões envolvia atividades de observação, de julgamento e de produção. Discussão e explicações eram sistematicamente fornecidas pela professora e solicitadas dos alunos.
No primeiro encontro, a professora explicava o que era um resumo; apresentando resumos diversos: resumo do capítulo da novela (impresso em jornais), resumo de um livro que ela havia lido, resumo de um conto de fadas conhecido, resumo de uma notícia jornalística. Em seguida, apresentava resumos acompanhados de seus respectivos textos-base. Ao final, discutia a respeito das semelhanças e diferenças entre o texto-base e seu respectivo resumo, ressaltando a necessidade de se atender ao critério da brevidade e da fidelidade na produção de um resumo. Os alunos, por sua vez, assumiam o papel de observadores ativos que faziam comentários, anotações e questionamentos.
No segundo encontro, a professora apresentava resumos que podiam ou não corresponder a um texto-base apresentado, solicitando que os alunos identificassem qual aquele que correspondia ao texto original e quais os que não correspondiam (que eram resumos de outros textos), explicando as razões de suas escolhas. Havia atividades em que todos os resumos correspondiam a um mesmo texto-base, tendo os alunos que identificar qual deles estava bem elaborado (atendia aos princípios de constituição) e quais os que não atendiam o princípio da brevidade, da clareza, da fidelidade ao tema ou não continham as informações principais do texto-base. A professora e alunos discutiam a respeito da adequação e inadequação dos resumos.
Nos dois últimos encontros os alunos eram solicitados a produzir resumos de textos diversos (de um livro lido, de um filme, do capítulo da novela, de uma notícia jornalística, etc.), inclusive de textos relativos a conteúdos de outras disciplinas (História, Geografia, Ciências). Uma das estratégias para a elaboração de resumos era identificar as principais idéias do textobase que eram, então, listadas (na mesma ordem em que apareciam no texto-base) sob forma de frases ou de palavras-chave. O texto-base era retirado, ficando às vistas as palavras-chave e sentenças a partir das quais o resumo deveria ser elaborado. A professora discutia, corrigia e aprimorava os resumos produzidos quanto a seus princípios de constituição. Variações dessa atividade eram propostas em duplas e em grupos.
Em todos os encontros a professora fazia questionamentos, promovia o debate, fornecia feedback e explicações; os alunos, por sua vez, eram solicitados a explicar suas escolhas, comparando as diferentes formas de realizar as atividades. Merece destaque o fato de que nessas atividades, o texto (texto-base e o resumo) era tomado como objeto de reflexão e análise, se caracterizando como atividades metalingüísticas; mais especificamente, atividades metatextuais4.
Sistema de Análise
Os 88 resumos produzidos nas duas ocasiões de testagem foram analisados a partir de critérios baseados no estudo de Johnson (1982) e de Taylor (1986). O sistema de análise elaborado considerou três princípios de constituição de um resumo: o conteúdo (fidelidade ao texto-base e presença das idéias principais); a linguagem (clareza e autonomia do texto, uso de paráfrase) e o tamanho (brevidade), como detalhado a seguir.
Fidelidade ao Assunto Tratado no Texto-Base
Afirmações que correspondem ao que é veiculado no texto-base, sem acréscimo de informações alheias ao texto.
Idéias Principais
Presença da maioria das idéias principais. Para análise deste aspecto, identificou-se sete idéias principais relativas a cada história, tomando por base os critérios apontados por Van Dijk (1979), de que uma dada informação textual pode ser considerada relevante a partir de critérios inerentes ao texto (enredo e desfecho). As idéias são as seguintes:
História no Pré-Teste: (a) Características do personagem principal: A cabra era forte, era brigona e vivia se metendo em confusão; (b) Episódio 1: A cabra se viu no espelho do quarto; (c) O que pensou: A cabra pensou que a cabra do espelho era outra cabra; (d) Episódio 2: Brigou com a cabra do espelho; (e) Conseqüência 1: Ela quebrou o espelho; (f) Conseqüência 2: Ela se machucou; e (g) Conclusão: Mudança de comportamento.
História no Pós-Teste: (a) Características do personagem principal: O gato era curioso; (b) Episódio 1: A mãe do dono do gato comprou um espelho que aumentava a imagem; (c) Episódio 2: O gato se viu no espelho; (d) O que pensou: Ele pensou que havia uma onça no espelho ou um retrato de onça; (e) Episódio 3: Movimentos do gato para explorar o reflexo no espelho; (f) Conseqüência: Ele pensou que ele era uma onça; e (g) Conclusão: Ficou feliz e orgulhoso.
Linguagem
Clareza, precisão e autonomia do texto, sem erros gramaticais que gerassem confusão. Por ser o texto-base do gênero narrativo, considerou-se, ainda, que a apresentação dos fatos deveria ocorrer na ordem em que apareciam na história ou pelo menos em uma ordem que não comprometesse a cadeia de eventos.
Paráfrase
Escrever com suas próprias palavras o que era veiculado no texto-base. Evidentemente que passagens literais eram aceitas desde que não fosse a tônica do resumo.
Brevidade
Material condensado, conciso. Com base em estudo piloto realizado com universitários, decidiu-se que um resumo que atendesse ao critério da brevidade deveria ter cerca de 70 palavras.
A partir desses critérios os resumos foram assim classificados: Tipo 1 (Não Resumo). Reconto de quase toda a história, não atendendo ao princípio da brevidade; ou o texto produzido difere da história lida, indo de encontro ao critério da fidelidade, havendo a inclusão de fatos que não estão presentes na história ou a presença de poucas ou nenhuma das idéias consideradas principais do texto-base (Figura 1).
Tipo 2 (Resumo Problemático). Embora conciso, o texto produzido atende parcialmente o critério da fidelidade, contendo poucas das idéias principais e às vezes até contendo alguma idéia estranha ao texto-base. O resumo não atende plenamente aos critérios lingüísticos (clareza, precisão, autonomia, paráfrase), sendo, muitas vezes, um texto pouco articulado (cadeia de eventos comprometida) e que não obedece a seqüência de eventos presentes no texto-base (Figura 2).
Tipo 3 (Resumo Adequado). No resumo constam todas ou a grande maioria das idéias principais, seguindo a cadeia narrativa em que os eventos apareciam no texto-base. Ao mesmo tempo em que mantém fideli- dade ao texto-base, a produção atende ao critério da brevidade. A linguagem apresentada é clara, garantindo a autonomia do texto. As produções são, portanto, textos concisos, completos e que correspondiam ao texto-base (Figura 3).
A classificação dos resumos foi feita por dois juizes independentes que obtiveram um percentual de 86% de concordância, sendo os casos de discordância analisados por um terceiro juiz, também independente, cuja classificação foi considerada final. Importante comentar que essa classificação é hierárquica, de maneira que resumos Tipo 1 são produções mais elementares, enquanto resumos Tipo 3 são mais elaboradas.
Resultados
Uma visão geral dos resultados é apresentada na Tabela 1. O Teste U de Mann-Whitney não identificou diferenças entre os grupos no pré-teste, visto que as crianças tendiam a produzir resumos elementares (Tipo 1 e Tipo 2), sendo raros resumos adequados (Tipo 3). Isso indica que os dois grupos apresentavam um mesmo nível de desempenho inicial. No entanto, no pósteste, os grupos diferiam significativamente quanto a resumos Tipo 1 (U= 178; p= 0,0253) e Tipo 3 (U= 132,5; p= 0,0047), mas não em relação a Tipo 2. Resumos adequados (Tipo 3) eram mais freqüentes no Grupo Experimental (36,4.%) do que no Grupo Controle (13,6%), enquanto o oposto ocorria em relação a produções Tipo 1 que eram mais freqüentes no Grupo Controle (31,8.%) do que no Grupo Experimental (18,2%).
Comparações entre pré e pós-teste em cada grupo foram exploradas através do Teste de Wilcoxon. A única diferença significativa entre as duas ocasiões de testagem ocorreu no Grupo Experimental em relação a resumos Tipo 3 (Z= -3,2958; p= 0,001). Após a intervenção, houve um aumento expressivo na produção de resumos adequados (Tipo 3) no Grupo Experimental (pré-teste: 4,6% e pós-teste: 36,4%), o mesmo não sendo observado entre em relação ao Grupo Controle (préteste: 9,2 e pós-teste: 13,6%).
Análise Individual de Cada Criança
A análise individual de cada participante revelou haver crianças que progrediam do pré-teste para o pósteste, enquanto outras apresentavam uma regressão ou não mostravam qualquer alteração em suas produções (estabilidade), como indicado na Tabela 2.
Nota-se que o desempenho do Grupo Controle do pré-teste para o pós-teste se caracteriza por uma estabilidade, havendo poucas crianças que apresentavam alguma progressão da primeira para a segunda ocasião de testagem. Em relação ao Grupo Experimental, muito mais crianças progrediram da primeira para a segunda ocasião de testagem do que o observado entre as crianças do Grupo Controle. Os poucos casos de regressão estavam localizados no Grupo Controle, sendo do Tipo 2 (resumo problemático) para o Tipo 1 (não resumo).
Interessante comentar que no Grupo Controle, a progressão do pré para o pós-teste se caracterizava por avanços de resumos Tipo 1 para Tipo 2 (seis crianças) e do Tipo 2 para Tipo 3 (duas crianças), não se observando avanços do Tipo1 para o Tipo 3. No entanto, no Grupo Experimental identificou-se quatro crianças que progrediram do Tipo 1 para o Tipo 3, o que sugere um avanço qualitativamente mais expressivo.
Outro dado interessante foi que oito crianças antes de iniciar a escrita do resumo faziam na folha de papel uma espécie de roteiro que guiava a elaboração do resumo, indicando que realizavam algum tipo de planejamento da escrita. O fato que mais chamou a atenção foi que isso foi observado apenas no pós-teste e nas produções de crianças do Grupo Experimental. É possível que isso tenha sido decorrência da intervenção, visto que na sala de aula eram propostas atividades que envolviam registrar ao lado do texto-base, as informações mais importantes em cada passagem. Parece que essas crianças adotaram esta mesma estratégia de planejamento ao escrever seus resumos.
Erros Mais Comuns
Dois tipos de erros foram mais freqüentes em toda a amostra (Tabela 3). Um deles consistia em não atender ao critério da brevidade, de forma que eram produzidos textos longos que, muitas vezes, eram uma reprodução da história lida. Um segundo tipo de erro era a omissão das idéias principais, de forma que eram produzidos resumos que omitiam três ou mais das sete informações consideradas principias em cada texto-base.
Observa-se que não existe um tipo de erro que seja mais freqüente que outro quer em relação aos grupos quer em relação às ocasiões de testagem. Além disso, os dois tipos de erros foram muito raros no pós-teste no Grupo Experimental, indicando que a intervenção auxiliou igualmente na superação das dificuldades experimentadas no pré-teste.
Conclusões e Discussão
De modo geral, os dados mostram que é possível desenvolver a habilidade de produzir resumos em crianças, e que a intervenção proposta teve efeito bastante positivo, auxiliando a superar as dificuldades inicialmente apresentadas quanto à brevidade e quanto à omissão das idéias principais do texto-base. As crianças do Grupo Experimental produziram resumos mais apropriados do que as crianças do Grupo Controle no pós-teste e, quando comparadas nas duas ocasiões de testagem mostraram progressos após a intervenção; o mesmo não sendo observado entre as crianças do Grupo Controle que permaneceram com as mesmas dificuldades inicialmente identificadas no pré-teste. Vale ressaltar que os avanços no Grupo Experimental foram maiores tanto em relação ao número de crianças que progrediam como também em relação à natureza dos avanços.
No que se refere às dificuldades encontradas, os dois principais tipos de erros identificados confirmam os dados obtidos por Johnson (1982) e Taylor (1986). Na tentativa de ser sucinta, as crianças omitiam informações relevantes e na tentativa de ser fiel ao texto, sacrificavam a brevidade em detrimento da completude. Coordenar esses aspectos é algo complexo, porém possível, como mostram os resultados deste estudo.
Dificuldades em produzir um texto conciso podem decorrer do fato da criança não saber identificar quais as idéias principais do texto; ou pode decorrer do fato de não saber fazer cortes ao nível das frases, tornandoas mais curtas. A primeira razão seria de natureza mais cognitiva que lingüística e a segunda, mais lingüística que cognitiva. Uma vez que a intervenção proposta incluía atividades que levavam os alunos a identificarem as informações principais do texto mais do que a realizarem cortes ao nível das sentenças é possível supor que identificar as idéias centrais auxilia na produção de resumos.
Diante do papel favorável da intervenção, é necessário refletir acerca da natureza das atividades propostas neste estudo. Um primeiro ponto de reflexão é que as atividades versavam sobre os princípios lingüísticos e cognitivos constituintes do resumo, colocando em evidência a necessidade de atender esses princípios na produção de resumos. Isso indica que as práticas educacionais devem explicitamente tratar os aspectos cruciais relativos ao objeto de conhecimento que deseja ensinar ou da habilidade que deseja desenvolver.
Um segundo ponto diz respeito à seqüência didática adotada que se caracterizava por uma diretividade cada vez menor por parte da professora e por uma participação cada vez maior por parte do aluno, iniciando por atividades que requeriam interagir com modelos (resumos trazidos pela professora), passando por atividades de julgamento até atividades que requeriam dos alunos uma produção.
Um terceiro ponto de reflexão é que a intervenção se caracterizava como uma atividade metalingüística e metacognitiva. Metalingüística porque a professora levava os alunos a deliberadamente tomarem a linguagem como objeto de análise e reflexão (no caso, o texto-base e os resumos). Metacognitiva porque a professora levava as crianças a expressarem suas formas de pensar e tomá-las como objeto de reflexão e análise5.
É possível dizer que o primeiro ponto é de natureza epistemológica, relativa ao próprio objeto de conhecimento; o segundo, de natureza didática relativo a formas de se ensinar; e o terceiro ponto seria de natureza psicológica relativa ao sujeito que aprende. Entretanto, essas três instâncias não são passíveis de uma separação clara, visto que o processo de aprendizagem, de natureza psicológica por excelência, se constitui face às características do objeto de conhecimento e face às circunstâncias e situações de aprendizagem que lhes são postas. Em termos educacionais é necessário que as práticas de ensino levem em consideração essas instâncias de caráter geral que podem ser aplicadas a diversos campos do conhecimento e não apenas ao campo das aquisições lingüísticas.
Pelo exposto, a atividade de produzir resumo deveria ser amplamente estimulada no contexto escolar desde o ensino fundamental até o ensino médio. A prática em sala de aula poderia incluir tanto situações de escrita inseridas em contextos comunicativos como situações instrucionais em que o texto se transforma em objeto de ensino sistemático. A instrução propiciada nesta investigação tanto promoveu situações comunicativas (fazer resumos com propósitos sociais diversos), como também promoveu atividades de reflexão deliberada sobre o gênero resumo em que este era tratado como um objeto lingüístico a ser explicitamente ensinado (atividade metatextual). Segundo Schneuwly e Dolz (2004), a particularidade da situação escolar reside no fato de que o gênero não é mais instrumento de comunicação apenas, mas é também, objeto de ensino-aprendizagem. Neste sentido, a intervenção proposta ocasionou um desdobramento em que se produz uma inversão em que a “comunicação desaparece quase totalmente em prol da objetivação, e o gênero torna-se uma pura forma lingüística cujo domínio é o objetivo.” (p. 76).
Na sala de aula, portanto, o resumo pode assumir dimensões variadas: ser ele próprio objeto de aprendizagem (aprender a resumir) e, também, tornar-se instrumento de aprendizagem (resumir para aprender). É na dimensão de objeto e na dimensão de instrumento que reside a importância de se inserir a produção de resumos na prática escolar.
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Received 01/03/2008
Accepted 01/08/2008
Alina Galvão Spinillo. Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Doutora em Psicologia pela University of Oxford, Inglaterra. Pós-doutorado em Psicologia na University of Sussex, Inglaterra. Pesquisadora Nível 1 do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Professora Associada I no Departamento de Psicologia e na Pós-Graduação em Psicologia Cognitiva da UFPE.
1 Endereço para correspondência: Universidade Federal de Pernambuco, Pós-Graduação em Psicologia Cognitiva, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, 8o. andar, Cidade Universitária, Recife, PE, Brasil, CEP 50670-901. Tel.: (081) 2126 8272 e 2126 7330; Fax: (081) 2126 7331. E-mail: spin@ufpe.br
2 Esta pesquisa foi financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A autora agradece a Silvana Regina Vicente de Melo, Elizandra Ferreira de Lima, Elynes Barros Lima e a Márcia del Guerra pela participação na coleta e na análise dos dados.
3 Esse dado interessa a pesquisadores que investigam a compreensão de textos em pessoas que não dominam a leitura, como é o caso de crianças pequenas e de jovens e adultos não escolarizados. Também é de interesse daqueles que desejam investigar a compreensão de textos desvinculada da habilidade de decodificar.
4 Para maiores informações sobre consciência metatextual, remeter a Gombert (1992) e Spinillo e Simões (2003).
5 A importância da metacognição tem sido enfatizada por alguns autores que discutem as relações entre aprendizagem e desenvolvimento (ver Ribeiro, 2003 e Spinillo, 1999).
Apêndice A
História apresentada no pré-teste (retirada de Ferreira, 1999)
Era uma vez um homem chamado Seu Zequinha. Ele tinha muitas cabras. Uma delas chamava-se Brigona. Ela era muito forte e muito braba, e todos os dias avançava nas outras cabras, sempre se metendo em confusão. Brigona tinha uma única amiga chamada Malhada que sempre lhe dava conselhos para que não brigasse. Ela sempre lhe dizia que se ficasse brigando à toa, iria acabar se machucando. Mas Brigona não escutava o que a amiga dizia e, antes que Malhada acabasse de dar os seus conselhos, ela já estava arranjando encrenca. Um dia, Brigona viu a porta aberta e entrou na casa de Seu Zequinha que tinha ido até a cidade. Foi até o quarto. Lá tinha um espelho muito grande. Brigona olhou no espelho e viu uma cabra grande e forte. Ela quis brigar com a cabra do espelho. Se preparou e deu um grande pulo. O espelho quebrou. Seu Zequinha chegou em casa, viu as patas de Brigona cortadas e não entendeu o que havia acontecido. Deste dia em diante, ela resolveu seguir os conselhos de Malhada e mudou seu comportamento. As outras cabras, então, ficaram amigas de Brigona que passou a viver muito mais feliz.
Apêndice B
História apresentada no pós-teste (retirada de Sargentim & Fernandez, s.d.)
Bingo era um gato rajado, de bom gênio, que todo se encantava com as festinhas do seu dono. Ele ficava de olhos duros como que apaixonado, ouvindo as cantigas dos passarinhos nas gaiolas. Um dia, a mãe do dono do gato comprou um espelho especial que aumentava muitas vezes e onde as sardas apareciam enormes, para que ela tratasse de sua beleza. Bingo, que era muito curioso, e vinha espiar tudo que chegava de novo na família, foi fofocar. Foi-se chegando, foi-se chegando, olhou a novidade no banheiro do apartamento. Então, levou um susto horrível, arrepiou-se todo e deu um daqueles “miaus” que os gatos soltam em cima dos telhados: “- Meu Deus, que onça horrível!” Mas, como a onça não saísse de dentro do espelho, ele resolveu espiar mais uma vez, bem de mansinho, para ver se era um retrato de onça que haviam pendurado ali. Primeiro, viu o olhão da onça; em seguida, a orelhona da onça e, como entortasse a cabeça, reparou que a onça, igualzinho, também entortava. Seu coração quase parou. Havia feito, pensava, a mais incrível das descobertas. Soltou um “miau” de alegria e de orgulho e, por fim, disse em linguagem gatal: “- Gente, a onça sou eu, a onça sou eu!”