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Estudos de Psicanálise

versão impressa ISSN 0100-3437

Estud. psicanal.  no.35 Belo Horizonte jul. 2011

 

 

Édipo, sonhos e interdito

 

Oedipus, dreams and interdict

 

 

Alberto Henrique Soares de Azeredo Coutinho

Círculo Psicanalítico de Minas Gerais

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A sexualidade humana, em suas diversas vicissitudes, funda-se no atravessamento do drama edípico. O inconsciente, em suas variadas formações, insiste em reeditar esta travessia, se do desfecho deste drama permanece um resto de gozo para o sujeito. O ponto nodal entre sexualidade e inconsciente reside na posição do sujeito diante do interdito ao desejo incestuoso. O sonho, expressão máxima do discurso do inconsciente, revela, de forma incisiva, esta posição. Através de três vinhetas clínicas, reitera-se aqui o papel central da interpretação de sonhos no curso de uma análise e apresentam-se exemplos das inesgotáveis formas pelas quais o interdito, pivô dos diversos destinos da sexualidade, pode se manifestar através da "via régia do inconsciente".

Palavras-chave: Sexualidade, Inconsciente, Édipo, Sonhos, Interdito.


ABSTRACT

Human sexuality, in its various vicissitudes, stem from the passing through the oedipal drama. The unconscious, in its many clinical presentations, insists on repeatedly editing this journey, if at its end some joy remains to the subject. The nodal point between the human sexuality and unconscious lies on how the subject faces the interdict to his/her incestuous desire. Dream, the maximal expression of the unconscious speech, reveals incisively this position. Through three clinical vignettes the central role of interpretation of dreams during psychoanalysis is emphasized and, at the same time, some examples are shown of the countless ways that the interdict, pivot of the various destinies of sexuality, may appear through "the regal way to unconscious".

Keywords: Sexuality, Unconscious, Oedipus, Dreams, Interdict.


 

 

Introdução

Em sua angular obra sobre as culturas humanas – "As estruturas elementares do parentesco"– publicada em 1949, Lévi-Strauss postulou que há apenas duas condições universalmente comuns a qualquer sociedade, indistintamente da época ou da localização geográfica: a linguagem e o tabu do incesto (LÉVI-STRAUSS, 2010). A proibição do incesto é identificada pelo eminente antropólogo como marco fundador de qualquer cultura, regra sem a qual o homem limitar-se-ia a só pertencer à natureza.

Esta fundamental afirmação, contudo, foi antecedida em cerca de quarenta anos pela descrição do complexo de Édipo feita por Freud, que antecipou as suas profundas implicações com a cultura humana. Balint (2003) sintetiza bem esta articulação, ao reconhecer que "o complexo de Édipo foi das maiores descobertas de Freud, que o descreveu como o complexo nuclear de todo o desenvolvimento humano – de saúde e doença, religião e arte, civilização e lei" (BALINT, 2003, p.10).

A descrição deste complexo alicerça a aplicabilidade clínica da Psicanálise, pois dá consistência teórica a toda uma constelação de manifestações cotidianamente vistas nos consultórios dos analistas. Nasio (2007) reitera sua importância clínica capital, ao afirmar que "o complexo de Édipo é a chave-mestra da Psicanálise. É o conceito soberano que gera e organiza todos os outros conceitos analíticos e justifica a prática da Psicanálise" (NASIO, 2007, p.17).

O conceito fundamental do complexo edipiano é o interdito ao desejo incestuoso inconsciente. A posição final do sujeito diante do interdito, completada a travessia do drama edípico, definirá o destino de sua sexualidade. O sonho revela de forma clara esta posição. Através de três vinhetas clínicas, reitera-se aqui o papel central da interpretação de sonhos no curso da análise e mostram-se exemplos das inesgotáveis formas pelas quais o interdito, pivô dos diversos destinos da sexualidade, pode se manifestar através da "via régia do inconsciente."

É necessária, entretanto, uma advertência técnica preliminar. A interpretação dos sonhos pode ser entendida como o processo criativo do analista, que nasce da interação de seu inconsciente e de sua formação teórica com os conteúdos manifestos e latentes a ele trazidos pelo discurso onírico relatado pelo analisando. Ela não é, necessariamente, comunicada como tal ao paciente, a exemplo de como Freud costumava proceder em suas análises, cabendo a cada analista, de acordo com a orientação técnica sob a qual ele fez sua formação, a decisão de fazê-lo ou não. Esta comunicação pode, estrategicamente, ser feita de forma indireta pelo analista, submetendo ao paciente as construções clínicas emanadas da interpretação do sonho e averiguando, a posteriori, a pertinência de suas hipóteses. A forma pela qual cada analista faz isto define seu estilo pessoal de trabalho.

 

Caso 1: Dois carros, uma garagem

1. Fragmento do percurso analítico

R, sexo masculino, 45 anos, operador de telemarketing, estudou até curso médio, casado com profissional da área PSI há 18 anos, com quem teve 3 filhos.

R acumulou dívidas, após falência de sua oficina mecânica há 3 anos. Foi preso por 3 dias há um mês, por desafiar a Justiça tentando vender equipamentos da empresa penhorados; foi libertado por fiança paga pelo cunhado. Deseja tratar a "insegurança" que sempre sentiu, que atribui à relação conflituosa com o pai, morto atropelado há 3 anos. O pai era agressivo, violento e o humilhava: "burro, você não tem nem merda prá cagar." O pai tinha várias amantes e levava o menino aos encontros, mas era ciumento com a esposa e certa vez perguntou: "já imaginou outro caralho na buceta da sua mãe?". "Levei o maior susto e tremi por dentro." Diz que o pai "sempre o invejou" e desejava todas as suas namoradas, inclusive sua própria esposa, que aparece em um de seus sonhos tendo prazer sexual com o pai. Suspeita de que o pai tenha abusado sexualmente de sua irmã na infância. R apresenta dificuldade sexual com a esposa, mas tem "sexo ótimo" com amante que tem há 2 anos. Queixou-se de que eu devia "bater mais forte" durante a análise, que abandonou após um ano, alegando desejar cursar MBA e "não poder pagar".

2. O sonho: "Dois carros, uma garagem".

Cheguei de carro muito tarde da noite à casa de minha mãe. Na garagem cabem dois carros, mas não pude colocar o meu, porque o de meu pai já estava lá e não deixava o meu entrar. O meu carro fica de fora na rua. Fiquei com medo de meu pai pensar que eu era ladrão e me dar um tiro, por isso me escondi atrás do portão e fiz barulho com a garganta para ele me ver."

3. Interpretação do sonho e direção do tratamento

É bastante conhecido o simbolismo fálico associado ao automóvel, amplamente explorado pela indústria do setor. Veículos grandes e com a parte dianteira mais longa são, invariavelmente, mais caros e associados, nas sociedades capitalistas e culturalmente machistas, aos homens dominantes e mais poderosos. A potência do motor do veículo é, através da propaganda, subliminarmente tomada como referência a performance sexual do comprador. Apelo à conotação fálica implícita ao automóvel é frequentemente, feita nos comerciais de televisão e nas fotos de revistas, associando o carro a belas mulheres.

Exemplo primoroso da associação simbólica entre automóvel e pênis aparece no belíssimo filme ítalo-francês de 1960 "Il Bell'Antonio", dirigido por Mauro Bolognini, baseado no romance de Vitaliano Brancati e magistralmente interpretado por Marcelo Mastroiani. As mulheres se apaixonam pelo belo e vistoso Antonio, porque imaginam que ele seja o "amante ideal" mas, na realidade, ele é sexualmente impotente. Ele casa-se com Bárbara, uma jovem muito rica, que só descobre a verdade sobre Antonio depois do casamento. Numa sequência do filme, Antonio está diante de uma alameda em frente à mansão de Bárbara, ladeada por árvores cujas copas se juntam formando um túnel. Ele vai e volta, repetidamente, com seu belo carro esporte – simbolicamente seu pênis, ao longo deste túnel – representação da vagina de Bárbara, culminando com um orgasmo.

Simbolismo onírico similar pode ser identificado no sonho de R, onde o carro é investido de valor significante de falo e pênis, tanto dele como de seu pai. A garagem é referência significante à vagina da mãe. O desejo incestuoso é claramente manifesto no sonho de R através de sua intenção – não realizada – de colocar seu carro na garagem, pois o carro do pai já estava lá, fazendo com que o dele fique de fora. O conteúdo manifesto do sonho revela, de forma cristalina, o conflito edipiano não resolvido de R e equipara seu pai ao "pai terrível" da horda primeva, imaginado e descrito por Freud em "Totem e Tabu": o pai que tem posse de todas as mulheres – inclusive a de R, como explicita seu outro sonho – e que defende com agressividade seu direito de exclusividade sobre elas. O interdito surge claramente no sonho através da ameaça de R ser morto pelo pai, por seu desejo incestuoso inconsciente pela mãe.

A história clínica marcada por dívidas recorrentes que, inclusive, levaram R à prisão, confrontada com o denso conteúdo edipiano de seus sonhos, permitiu definir a direção de seu tratamento e apontar o enodamento entre castração, culpa e dívida como o cerne de seu conflito psíquico, tal como Contardo Calligaris (1993) tão precisamente definiu: culpa inconsciente pelo desejo incestuoso, dívida simbólica por não ter sido castrado (CALLIGARIS, 1993). Ao abandonar a análise, afirmando "não poder pagar" por ela, R perde a única oportunidade de pagar simbolicamente esta dívida, ficando condenado a permanecer um eterno devedor ao longo de sua vida.

 

Caso 2: Pub de Paris

1. Fragmento do percurso analítico

S, sexo masculino, 26 anos, com curso superior, funcionário público, solteiro.

Procurou tratamento analítico devido ao relacionamento conflituoso com os pais, que se separaram quando S tinha 10 anos. O irmão sofre de séria doença psiquiátrica. A mãe, apesar de alcoólatra e com tendências suicidas durante os recorrentes episódios depressivos, era profissional de nível superior competente. O pai, profissional de nível superior, se casou duas vezes após a separação e não teve mais filhos, o que S considera uma prova de que ele sempre se preocupou mais com suas mulheres do que com eles. S refere-se ao "inferno" que ele e o irmão viveram por toda a infância com a instabilidade emocional da mãe, o que incluiu várias ameaças de suicídio após as brigas com o pai, antes e após se separarem. S sofreu de enurese noturna até os 10 anos. Sofreu abuso sexual do próprio padrinho aos 11 anos, o que o fez duvidar de sua heterossexualidade até iniciar a análise, durante a qual descreveu episódios recorrentes de dificuldade sexual. Ele e o irmão moravam, alternadamente, com a mãe ou com o pai e a madrasta, devido à grave instabilidade materna. S acusa o pai de ser "frouxo" e omisso por ter deixado os filhos à mercê da mãe doente, e por não ter assumido a sua guarda. Ele nunca se sentiu "em casa" morando com o pai. A mãe morreu durante o período da análise, enquanto S morava com o pai e se recusava a visitá-la. S instalou, em seguida, quadro depressivo, necessitando medicação. S e o irmão passaram a morar juntos desde então.

2. O sonho: "Pub de Paris".

Para S, em sua melhor foto sua mãe está admirando a torre Eiffel. Durante uma viagem à Itália, S teve este sonho: "Eu estava em um bar em Paris, a cidade predileta de minha mãe. Eu estava sentado e o ambiente era muito prazeroso. Resolvo ir ao balcão. Percebo, então, que o bar é um pub (pronunciado corretamente como tal, em inglês) e me lembro, neste momento, que meu pai adora ‘pubs' (pronunciado como púbis). Ao me levantar sou perseguido e preso por um policial sem saber porquê. Despertei assustado."

3. Interpretação do sonho e direção do tratamento

O simbolismo onírico coloca a torre Eiffel com valor significante de falo, que é "admirado" pela mãe. Paris surge como referência significante ao que dá prazer à mãe, enquanto pub se refere simbolicamente ao que dá prazer ao pai. S sentar-se ou levantar-se pode ser interpretado como seu pênis, respectivamente mole ou ereto. O sonho revela o desejo de S de ter seu pênis "admirado" pela mãe como a torre Eiffel, ao se levantar (ficar ereto). As referências ao pai, visto por S como um fraco ("frouxo"), são indiretas: "pubs" – o chiste, caracterizado pelo equívoco de pronúncia do plural de "pub", revela a censura de S ao interesse excessivo do pai por suas sucessivas mulheres, em detrimento dos filhos. E o policial o prende por, simbolicamente, ele ter desejado se exibir sexualmente para a mãe. O interdito é expresso oniricamente pela perseguição e prisão de S – feitas por seu pai, deslocado como o policial, por "crime" que ele "desconhece": seu desejo incestuoso inconsciente pela mãe. Punir-se no sonho por este desejo é uma confirmação da fórmula aplicada ao neurótico em relação à castração: ele "não sabe que sabe", devido ao recalque. A escolha do título para o sonho – "Pub de Paris" – teve uma motivação específica, que reflete como a interpretação de um sonho é resultado da interação inconsciente entre analisando e analista, e fruto de um movimento criativo que dela resulta: permutando-se as letras do título pode-se encontrar o termo "Par de púbis", que tanto pode se referir ao par parental, quanto ao desejado e incestuoso par filho-mãe.

Em função da evidente fragilidade identificatória de S em relação ao pai, um possível resgate da imago paterna e de um relacionamento pai-filho mais equilibrado, ao lado da conquista de uma verdadeira parceria com a mulher, nortearam o tratamento. S é bom profissional, mantém namoro estável há dois anos e pretende casar-se em breve. A relação com o pai, após grave atrito catártico no qual S disse a ele "tudo o queria dizer" e aceitar os seus limites pessoais, assumiu a forma de uma cordialidade respeitosa.

 

Caso 3: Eu jorro, tu jorras

1. Fragmento do percurso analítico

P, sexo masculino, 47 anos, graduado em curso superior, casado, um filho. Procurou a análise, inicialmente, aos 20 anos de idade devido a "impotência sexual" e deixou o tratamento após 4 meses, por julgar-se curado de sua inibição. É o último filho de família numerosa (4 meninos, 2 meninas) e órfão de pai desde os 2 anos. O pai sempre foi presente como tal no discurso da mãe. Doença na infância demandou maiores cuidados por parte da mãe e motivou fantasia de sua predileção por P, como a análise retomada aos 40 anos de idade revelou. Voltou à análise por "não conseguir se entregar" ao amor. Heterossexual, revelou, então, ter sofrido abuso sexual na infância por parte do irmão mais velho, que tornou-se homossexual. P sofreu de enurese noturna até os cinco anos de idade. Relatou que, em sua primeira "poluição" noturna, aos treze anos, acordou todo molhado ao ter um orgasmo, durante o sonho no qual aproxima-se excitado da barriga da mãe: "eu jorrei com aquela imagem". O chiste – referir-se, equivocamente, ao orgasmo como uma "poluição" e não, como seria correto, como polução noturna –, prontamente corrigido por P ao descrever o episódio, revela a associação inconsciente entre incesto e sujeira que, como é comum encontrar na neurose obsessiva, pode se estender a qualquer relação sexual no futuro, como prenuncia o fato de P ter se referido daquele modo à sua "primeira" polução. P é profissional liberal de reconhecido sucesso. Iniciou formação psicanalítica durante a análise retomada aos 40 anos.

2. O sonho: "Eu jorro, tu jorras."

Em pesquisa sobre o orgasmo feminino, P se deparou na Internet com imagens "impressionantes" de mulheres que "ejaculam" neste instante. À noite, teve este sonho: "Minha mãe está nua, se expõe explicitamente para mim e jorra de excitação quando eu me aproximo. Eu a repreendo e digo: ‘isto não é possível, você é minha mãe!!' Percebo com satisfação, que ela fica muito envergonhada. Despertei com uma estranha sensação de alívio e bem-estar."

3. Interpretação do sonho e direção do tratamento

Não há simbolismo onírico ou conteúdo latente. Não existem significantes, só há significados explícitos, que revelam cruamente o desejo incestuoso recalcado, o qual é recusado, punindo a mãe com o sentimento de vergonha pelo desejo "dela". Esta recusa anuncia também a travessia da fantasia narcísica da predileção materna por P. Apesar do pai ter morrido precocemente e ter sido fisicamente ausente desde muito cedo para P, ele permaneceu presente no discurso da mãe como ótima referência, permitindo que sua imago fosse introjetada e que a Lei, simbolicamente, se instaurasse. A função paterna, legitimada pelo discurso da mãe, pôde, assim, ser exercida no inconsciente, embora algo enfraquecida pela falta precoce do pai. Esta debilidade identificatória está na origem da impotência de P, tanto a genital, que motivou a curta análise aos 20 anos, como a afetiva, que o levou a retomar a psicoterapia aos 40. Assim, o interdito, que é imposto no sonho pelo próprio P ao seu desejo incestuoso, é um claro resultado do trabalho psicanalítico e anuncia o fim de sua análise. O apaziguamento pulsional desta interdição inconsciente é expresso pelas sensações de alívio e bem-estar descritas por P ao despertar deste sonho demarcando, ainda que tardiamente, o fim do horror à castração simbólica e a efetiva "dissolução do complexo de Édipo" (FREUD, 1924). Após um casamento fracassado, P casa-se novamente, tem um filho como fruto desta relação estável e prossegue com sua formação em Psicanálise.

 

Algumas considerações clínicas

O fato dos três casos aqui resumidamente relatados referirem-se a pacientes do sexo masculino reitera a observação clínica, amplamente consolidada pela Psicanálise desde as observações iniciais de Freud, de que o interdito instaura-se inconscientemente e se manifesta de formas distintas entre meninos e meninas. A densidade do conteúdo edipiano revelado pelos sonhos destes três homens, expressão da angústia de castração simbólica, absolutamente não ocorre na produção onírica feminina, o que se deve a uma diferença essencial, tributária da anatomia humana (FREUD, 1925): a mulher não tem, no inconsciente, um significante que a represente, a exemplo do lugar que o pênis – falo simbólico – ocupa para o homem. Assim, por já ser simbolicamente castrada, a menina não experimenta a angústia da travessia edípica vivenciada pelos meninos, da qual são apresentados aqui três exemplos. Embora os sonhos sejam de homens adultos, nunca é demais lembrar-nos de que a psicanálise é sempre do infantil. Na experiência do autor, o interdito, frequentemente, expressa-se nos sonhos das mulheres de uma forma mitigada, através do deslocamento, na cena de conteúdo incestuoso, da figura do pai para a de um outro homem, como o tio, o padrinho ou o professor. As profundas diferenças existentes no atravessamento do drama edipiano entre meninos e meninas fundaram a busca de respostas da Psicanálise ao enigma da feminilidade, que levou Freud a perguntar-se "o que quer a mulher?" e Lacan a tentar revelar "o que quer uma mulher" (ANDRÉ, 1998).

Os três pacientes apresentados são, estruturalmente, neuróticos obsessivos, com diferentes expressões clínicas desta psicopatia. Uma análise da função paterna precária - denominador comum da história destes homens - e de suas conseqüências quanto ao seu investimento narcísico proveniente da relação com a mãe, permite-nos vislumbrar um espectro clínico de gravidade e inferir, teoricamente, a origem inconsciente do sintoma.

No caso 1, o "pai terrível" oblitera de forma violenta a relação de R com a mãe principal fonte do investimento narcísico original necessário à criança – e reforça este empobrecimento com freqüentes agressões verbais depreciativas. O resultado é um filho inseguro e falido, condenado a permanecer eternamente em dívida simbólica com o pai por seu natural desejo incestuoso pela mãe. Na medida em que o pai exibia ao menino suas outras mulheres, denunciava sua falta de desejo pela esposa e indicava a R que esta mulher – sua mãe – permanecia, assim, disponível à encenação incestuosa inconsciente do complexo edipiano. Embora "terrível", o pai não instaurou efetivamente a lei simbólica.

No caso 2, o pai simbolicamente fraco é descrito por S como "frouxo", pelo fato de S se sentir abandonado com o irmão sob o jugo da grave doença psiquiátrica da mãe. A instabilidade sexual, que se manifesta em momentos diferentes de sua vida, reflete a fragilidade identificatória de S em relação ao pai. Apesar da separação de seus pais ter ocorrido, cronologicamente, após o período edipiano, a incapacidade do pai em barrar os excessos e caprichos maternos, aos quais S e o irmão permaneceram expostos, foi elemento decisivo na formação desta imagem paterna débil. O abuso sexual sofrido por parte de seu padrinho, que até então era respeitado e admirado como um modelo por S contribuiu, em muito, com a precariedade de seu processo de identificação sexual.

No caso 3 o pai, embora fisicamente ausente pela morte prematura, exerceu sua função de lei simbólica graças à sua legitimação através do discurso materno. Apesar disto, sua ausência e a proximidade excessiva da mãe em função dos cuidados de saúde que P demandou quando menino, propiciaram investimento narcísico exagerado, origem de sua fantasia de predileção materna entre os vários irmãos. Esta fantasia está na base de suas dificuldades sexuais com outras mulheres, já que o desejo incestuoso sobreviveu à lei simbólica – instaurada mas, circunstancialmente, enfraquecida – e manteve a libido inconscientemente fixada no objeto sexual edipiano. O trabalho analítico possibilitou o resgate da função paterna, que é convocada por P no sonho de travessia de sua fantasia, anunciando o final de sua análise. A exemplo do que ocorreu no caso anterior, o abuso sexual por parte do irmão mais velho que, mais tarde, torna-se homossexual, contribuiu com as dúvidas de P quanto à sua virilidade no início de suas vivências sexuais. Tanto neste caso como no anterior, os pacientes relataram enurese noturna até tardiamente na infância, expressão clínica incontestável do sofrimento psíquico infantil. Pode-se, talvez, conjecturar duas alternativas de interpretação psicanalítica para este sintoma. A enurese, demandando cuidados e a higiene genital do menino por parte da mãe, funcionaria como uma situação de prazer libidinal provocada, uma sedução inconscientemente encenada pela criança para obter a satisfação sexual desejada. Outra possibilidade interpretativa é considerar a enurese noturna como um equivalente infantil da ejaculação, uma polução noturna antecipada, provocada pelo atravessamento conflituoso da situação edípica.

As articulações aqui propostas entre o complexo de Édipo, o interdito enquanto representante psíquico da lei simbólica e o narcisismo secundário, no espectro clínico de gravidade exemplificado pelos três casos relatados, encontrariam seu clímax na psicose, onde a ausência do Nome-do-Pai deixa a criança alienada ao desejo e caprichos da mãe. Estas articulações podem, graficamente, ser assim sintetizadas:

 

 

Conclusão

Nasio (2007) nos lembra que o complexo de Édipo "é uma fábula simbólica que põe em cena uma criança encarnando a força do desejo, e seus pais encarnando tanto o objeto deste desejo quanto o interdito que o refreia" (NASIO, 2007, p.17).

A sexualidade humana, em suas várias vicissitudes, funda-se no atravessamento do drama edípico. O inconsciente, em suas diversas formações, insiste em reeditar esta travessia, se do desfecho deste drama permanece um resto de gozo para o sujeito, sinal da dissolução incompleta de seu complexo de Édipo. O ponto nodal entre sexualidade e inconsciente reside na posição do sujeito diante do interdito ao seu desejo incestuoso. O sonho, a expressão máxima do discurso do inconsciente, revela de forma incisiva esta posição. A articulação destes pares conceituais essenciais da Psicanálise – sexualidade e Édipo, inconsciente e sonhos – tem como agente central o interdito ao desejo incestuoso, pivô de uma relação que pode, esquematicamente, ser assim sintetizada:

 

 

Referências

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BALINT, M. A falha básica: aspectos terapêuticos da regressão. São Paulo: Artes Médicas, 2003        [ Links ]

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Endereço para correspondência
Rua Antônio de Albuquerque, 1288/500 - Lourdes
30112-011 - Belo Horizonte/MG
Tel.: (31)3224-7125
E-mail: ah.coutinho@terra.com.br

Recebido: 15/03/2011
Aprovado: 20/04/2011

 

 

Sobre o Autor

Alberto Henrique Soares de Azeredo Coutinho
Médico. Psicanalista. Sócio e membro da atual diretoria do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais.