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Estudos de Psicanálise

versão impressa ISSN 0100-3437versão On-line ISSN 2175-3482

Estud. psicanal.  no.55 Belo Horizonte jan./jun. 2021

 

PSICANÁLISE: CLÍNICA E TEORIA

 

Personagens falsos-selves no teatro transicional e a clínica psicanalítica contemporânea

 

False-selves characters in transitional theater and the contemporary psychoanalytic clinic

 

 

Luan Sampaio Silva

I Círculo Psicanalítico do Pará
II Centro Universitário Metropolitano da Amazônia

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste trabalho é percorrer o conceito de falso self proposto por Winnicott, entrelaçado ao conceito de gesto espontâneo e a demais conceitos interligados. Aborda-se também o conceito de teatro transicional proposto por Joyce McDougall, o qual, a partir de uma fragmentação que origina um falso self, também pode desenvolver uma "potencialidade de dependência": na falta de um objeto transicional, o Eu pode estabelecer uma ligação a um objeto transitório, que será evocado a preencher a função "transicional" e dar ao indivíduo o sentimento de se sentir vivo. Esse conceito é diretamente influenciado pelas concepções winnicottianas de objetos e fenômenos transicionais, e pode elucidar algumas questões emergentes na clínica psicanalítica contemporânea com determinados sujeitos que recorrem aos atendimentos psicanalíticos e apresentam esse arranjo psíquico peculiar.

Palavras-chave: Winnicott, Joyce McDougall, Falso self, Gesto espontâneo, Teatro transicional.


ABSTRACT

The objective of this work is to explore the concept of false self proposed by Winnicott, intertwined with the concept of spontaneous gesture and other interconnected concepts. It will also address the concept of transitional theater proposed by Joyce McDougall, which from a fragmentation that originates a false self, can also develop a "dependency potential": in the absence of a transitional object, the I can establish a link to a transitory object that will be evoked to fulfill the "transitional" function and give the individual the feeling of feeling alive. This concept is directly influenced by Winnicottian conceptions of transitional objects and phenomena, and may elucidate some emerging issues in the contemporary psychoanalytic clinic with certain subjects who resort to psychoanalytic care and present this peculiar psychic arrangement.

Keywords: Winnicott, Joyce McDougall, False self, Spontaneous gesture, Transitional theater.


 

Introdução

Se podemos utilizar a poesia para representar a alma humana, escolhemos começar este texto com o fragmento escrito pelo poeta brasileiro Manuel de Barros (2006, p. 9) em sua obra Memórias inventadas: a segunda infância, que nos comunica em uma frase o que virá a ser trabalhado nos parágrafos seguintes: "Tudo o que não invento é falso".

Com esse dilema iniciamos a jornada de trilhar e entrelaçar os conceitos winnicottianos de gesto espontâneo, falso self e a sua influência no conceito de teatro transicional elaborado pela psicanalista Joyce McDougall.

Antes de iniciar este breve percurso, abrimos um parêntese para justificar o porquê da escolha da articulação desses autores. Primeiramente, existe algo que une Winnicott e Joyce McDougall – que vai além da bela amizade desenvolvida por ambos, o qual também foi eleito padrinho do segundo casamento da autora. Esse algo além diz respeito à escuta atenta e à criatividade desses dois psicanalistas, os quais nunca deixaram de colocar a clínica como soberana na escuta dos sujeitos que os procuraram. Mais do que apenas psicanalistas teóricos, foram antes de tudo, desbravadores da alma humana. Souberam reconhecer e acolher cada pessoa em sua singularidade, ou utilizando-se de seu vocabulário, em "seu viver" ou em sua "sobrevivência psíquica".

Para realizar essa articulação, é necessário percorrer de forma breve como o self verdadeiro e o falso self são constituídos na teoria winnicottiana e como é a sua relação com o gesto espontâneo. Na sequência apresenta-se a teoria do teatro transicional em Joyce McDougall e sua importância para a clínica psicanalítica contemporânea, principalmente com determinados tipos de pacientes que não conseguiram fazer uso desse objeto descrito por Winnicott como objeto transicional.

 

O verdadeiro e o falso self em Winnicott

Na concepção winnicottiana, o desenvolvimento do ser humano está relacionado ao meio ambiente que o cerca, que poderá acolhê-lo em suas necessidades ou não. Nos primórdios da vida, o bebê encontra-se em um estágio de não integração e precisará de um ambiente facilitador para que possa se desenvolver e se unificar. Esse ambiente suficientemente bom será responsável por ajudar o bebê a lidar com suas tensões e a integrar seu self como uma unidade.

Por isso, nesse momento de dependência absoluta, não há uma diferenciação entre a mãe (ou quem exerça essa função) e o bebê. É a partir da capacidade da mãe em se adaptar às necessidades do bebê que se estabelece a possibilidade de integração do self, relacionada às três funções descritas pelo autor para uma "maternagem suficientemente boa": holding, handling e a apresentação de objetos.

A partir de um espaço transicional intermediário entre a realidade interna e a externa, o bebê se reconhece como uma unidade separada – emerge um sentimento de unidade – um "não eu" além dele, que lhe permite a continuidade de ser. Todavia, quando as necessidades do bebê não são atendidas e o cuidador prioriza as suas próprias necessidades, incorre o risco de o bebê desenvolver um falso self, pois não há um movimento de valorização do gesto espontâneo do bebê.

Pela não valorização desse gesto, que é substituído pelo gesto da mãe, há uma invasão por parte desse ambiente que fracassa. Mas não é qualquer fracasso, pois é inevitável e até preciso que esse ambiente falhe em um grau tolerável, porém é da ordem do insuportável, de invasões constantes que originam uma ruptura da continuidade de ser. Assim, o bebê se sente invadido por esse ambiente, e o falso self é uma das formas de defesa contra essas invasões .

Trata-se, nas palavras de Winnicott ([1960] 2000, p. 136), de "uma organização do ego que é adaptada ao ambiente". Com isso, entende-se que uma "maternagem suficientemente boa" é aquela que valoriza o gesto espontâneo do bebê.

E o que vem a ser o gesto espontâneo? Winnicott ([1960] 1990, p. 135), ao elaborar o conceito de verdadeiro self, propõe:

No estágio inicial, o verdadeiro self é a posição teórica de onde vêm o gesto espontâneo e a ideia pessoal. O gesto espontâneo é o self verdadeiro em ação. Somente o self verdadeiro pode ser criativo e se sentir real. Enquanto o self verdadeiro é sentido como real, a existência do falso self resulta em uma sensação de irrealidade e em um sentimento de futilidade.

Nesse sentido , o gesto espontâneo é um termo que pode indicar uma das diversas formas pelas quais o self verdadeiro pode se expressar. É uma espécie de núcleo do que há de mais legítimo e autêntico em determinado sujeito. Esse gesto emerge como um impulso dirigido a um outro, primeiramente ao objeto subjetivamente criado e, posteriormente, ao objeto objetivamente percebido. Nos primórdios da vida do bebê, é necessário que exista um ambiente facilitador e acolhedor, que vá ao encontro de cada gesto espontâneo do bebê, que o confirme em seu estado inicial de ilusão e sua experiência de onipotência.

Nos casos de falso self patológico, devido à não valorização frequente dos gestos espontâneos, o bebê, ao olhar para o rosto materno como um espelho, não consegue ver a si mesmo, mas apenas o próprio gesto materno, o qual tem de se adaptar como uma forma de sobreviver.

Nesse sentido, Abadi (1997) aponta que, ao invés de agir, o bebê irá reagir. As próprias reações desse bebê ao ambiente, sua criatividade e, sobretudo, sua agressividade não encontram espaço de expressão, já que não existe a experiência fundamental de ver o outro-ambiente-mãe sobreviver aos seus ataques.

É necessário ressaltar que Winnicott aponta diferentes níveis de cisão entre o verdadeiro self e o falso self, que não serão trabalhados nesse artigo. No entanto, na patologia, é crucial compreender que o falso self governa o modo como o sujeito se relaciona com o mundo que o cerca.

É importante lembrar que, para serem satisfatórios, esses cuidados iniciais com o bebê não podem ser realizados de forma mecânica. O bebê já começa a sentir confiança no ambiente desde antes de se comunicar verbalmente, como propõe Winnicott ao formular o conceito de "comunicação silenciosa mãe-bebê". É uma comunicação pré-verbal, inconsciente da dupla mãe-bebê, fundamentada na "mutualidade".

A mutualidade, nos dizeres do próprio autor,

[...] é o começo de uma comunicação entre duas pessoas; isto (no bebê) é uma conquista desenvolvimental, uma conquista que depende dos seus processos herdados que conduzem para o crescimento emocional e, de modo semelhante, depende da mãe e de sua atitude e capacidade de tornar real aquilo que o bebê está pronto para alcançar, descobrir e criar. [...] A comunicação entre o bebê a mãe, algo que é uma questão de experiência e que depende da mutualidade que resulta das identificações cruzadas. (WINNICOTT, [1969] 1994, p. 198).

Nesse sentido, não depende da linguagem propriamente dita, pois se trata de uma comunicação silenciosa pré-verbal, que pode acontecer por pequenos gestos, olhares, batimentos do coração, sensações térmicas, entre outras. Há uma comunicação genuína nessa interação. Apesar de não se tratar de uma comunicação verbal, pois o bebê não a ouve, ele sente seus efeitos, ou seja, a confiança no ambiente – gerada pela valorização dos gestos espontâneos desse bebê. E Winnicott (1994) nos dirá que o ambiente que proporciona essa frequência de cuidados e confiança proporcionará ao bebê o sentimento de ser amado.

Porém, na clínica psicanalítica aumenta o número de pessoas que nos procuram e apresentam um enorme vazio existencial, não sentem prazer na vida e na interação com outras pessoas. Têm medo do que as pessoas podem lhes causar e se protegem delas. Não encontram sentido em nada que fazem nem em seu próprio viver. Parecem não apresentar delineamentos precisos em seu corpo, uma despersonalização. Sentem-se fúteis e apresentam demandas que extrapolam as questões da sexualidade. E algumas dessas pessoas só conseguem encontrar algum sentido na vida por meio do uso abusivo de álcool ou drogas. É como se vissem sua vida passar e não conseguissem fazer nada, ficando apenas como meros expectadores de sua própria história.

Esses sujeitos que procuram a clínica movidos por essas questões apresentam – em muitos casos – organizações defensivas para dar conta das invasões do ambiente, as quais remontam ao estágio mais primitivo da relação mãe-bebê – em um estágio anterior ao complexo de Édipo.

Se, no pensamento freudiano, o complexo de Édipo é o núcleo das neuroses, deve-se levar em consideração que existem diversas pessoas em que o funcionamento neurótico não é predominante, mas que são acometidas por desarranjos psíquicos bem severos em momentos muito precoces, quando eram bebês. Esses bebês de outrora nem amadureceram psiquicamente para vivenciar os conflitos de angústia de castração remontados ao momento edípico. Por isso, consideramos importante uma leitura mais abrangente sobre esses fenômenos emergentes na clínica psicanalítica de forma mais frequente. E uma das leituras possíveis encontra suporte teórico na teoria winnicottiana e nas contribuições de Joyce McDougall.

 

O teatro transicional em Joyce McDougall e a clínica contemporânea

Recorremos, neste momento, às contribuições da psicanalista Joyce McDougall. Apoiada no conceito de objetos transicionais e falso self elaborados por Winnicott, a autora desenvolveu o que denominou de teatro transicional.

McDougall utiliza em grande parte de suas obras a metáfora do teatro para trazer à tona determinados elementos que se presentificam no escopo teatral de cenas da vida psíquica: o enquadre, lugar em que ocorre a cena, e os personagens que atuam nessa cena. E ao Eu fica a tarefa de reunir esses elementos, como uma espécie de diretor teatral e ator envolvido na trama.

A esse respeito nos diz a autora:

O Eu é personagem, um "ator" no palco do mundo que, sozinho, em sua realidade interna, assiste a um teatro mais íntimo, cujo repertório é secreto. A sua revelia, os cenários se organizam, para cenas fanfarras e trágicas, e que buscam um local para a representação e a ação. O diretor é, naturalmente, o próprio Eu, mas o rosto dos personagens, a intriga, bem como o desfecho lhe são escondidos; ele não sabe, com efeito, quem são as pessoas que o carregam para o drama. Nenhum aviso lhe é dado de que a ação vai começar e de que, em algum lugar, num local de sua psique, um personagem se agita e deseja entrar em cena... Contudo, é ali no universo interior que será decidida a maior parte do que irá acontecer em sua vida. (MC DOUGALL, 2015, p. 14).

Nesse teatro psíquico, McDougall (2015) discorre que o Eu de cada indivíduo acerta suas contas com o passado de forma contínua e, com isso, reproduz, de modo incessante, os mesmos enredos, justamente aqueles que o Eu, na época da infância, viveu em sua vontade de sobreviver psiquicamente em volto de um mundo de adultos. Independentemente da psicopatologia que se manifesta nesses enredos da cena psíquica, eles são comparados a invenções artesanais, que se assemelham a uma obra de arte.

Joyce McDougall (2015) irá ressaltar que nem todos os dramas psíquicos ocorrem no teatro interno. Existem outros dramas que são encenados no que denomina "teatro do mundo", sem se tratar de um drama neurótico ou psicótico, embora possa tomar emprestadas formas de agir e pensar dessas duas categorias. E o lugar eleito para ocorrer essa construção psíquica e a natureza dos laços com os personagens que lá se encontram é denominado pela autora de teatro transicional.

Nesse enredo, os personagens são tratados pela autora como "objetos parciais", substitutos da figura materna da primeira infância, a mãe-cuidadora. Entre esses objetos, a autora irá colocar os objetos de dependência – seja bulímica, seja tabágica, seja medicamentosa, seja alcoólica, seja de opiáceos.

McDougall (2015) afirma que esses objetos não são experienciados como algo "mau"; pelo contrário, eles são procurados como algo "bom", o que em casos extremados procura dar um sentido ao viver. A dimensão hostil que pode se somar a eles talvez funcione como um "benefício secundário". Nessa dimensão, supõe-se que leva a uma punição ao indivíduo por possuir imaginariamente o seio-mãe, contudo desligado dela.

Fazendo uma relação e referência com os objetos e os fenômenos transicionais formulados por Winnicott, Joyce aponta que esses "objetos de dependência" podem ser classificados de "objetos transitórios". Em seu artigo Objetos transicionais e fenômenos transicionais, Winnicott ([1951] 2000, p. 317) afirma:

Introduzi as expressões ‘objeto transicional' e ‘fenômeno transicional' para designar a área intermediária da experiência, entre o polegar e o ursinho, entre o erotismo oral e a verdadeira relação objetal, entre a atividade da criatividade primária da dívida e o reconhecimento da dívida.

Considerado o primeiro objeto posse "não eu" – esse objeto é inserido em um dado momento no percurso do amadurecimento pessoal da criança, que elegeria e se apegaria a um determinado objeto situado nessa área intermediária entre a realidade interna e a externa. Sua função estaria ligada a suportar a ausência materna, representando-a, bem como ajudar na separação do par mãe-bebê. Contudo, como já foi mencionado anteriormente, no decorrer desse amadurecimento, caso haja determinadas falhas ambientais e a não valorização do gesto espontâneo, haverá a possibilidade de a criança desenvolver um falso self.

Joyce McDougall irá se utilizar desse conceito de falso self para explicar a criação de uma potencialidade de dependência, na falta de um objeto transicional.

Fragmentação semelhante cria uma potencialidade de dependência; em lugar do objeto transicional que falta, o Eu pode se ligar a um objeto transitório: uma droga ou um Outro, utilizado como uma droga. Esse será chamado a preencher a função "transicional", e será destinado a dar ao indivíduo o sentimento de ser "real", vivo, válido: destinado enfim a preencher lacunas do Eu, lacunas de sentido no que diz respeito a sua própria identidade e maneira de pensar o mundo. (MC DOUGALL, 2015, p. 55).

Com isso, McDougall (2015) discorre que, no imaginário dessas pessoas que se equilibram por relações transicionais, é concedido ao outro a responsabilidade por tudo o que ocorre na vida delas. Esse outro será o responsável pela felicidade. Tem o dever de propiciá-la. Caso isso não ocorra, será o responsável pelos dissabores da vida dessas pessoas. Inconscientemente, o indivíduo procura provar que o outro deseja a sua existência e deseja que ele tenha desejos próprios.

Nesse sentido, a autora irá afirmar que a fragilidade de um equilíbrio psíquico que depende dos outros – denominado de "relação de dependência" – é perceptível. O indivíduo ignora o que lhe deve essa criação, que é de sua própria autoria.

Para McDougall (2015), essa cena está impregnada do domínio da expectativa infantil de autoria de tudo que existe. Contudo, a realização desse desejo passa inevitavelmente pelo outro. E sua finalidade é criar uma identidade entre o pensar e o realizar. O sujeito solicita a prova de que a ideia adquire corpo no meio externo, e todas as coisas que o acometem são recebidas como o desejo soberano do outro.

É por isso que a autora chama esse outro de substituto de um objeto transicional,

[...] objeto a meio passo entre a percepção do outro totalmente criado pelo indivíduo e o outro reconhecido como tendo uma existência independente, atributos e desejos próprios. (MCDOUGALL, 2015, p. 56).

O objeto está fora do controle mágico, porém pode ser manipulado.

A proposta defendida pela autora para esses casos diz respeito à possibilidade de esses indivíduos poderem utilizar o psicanalista de forma criativa, como real e imaginário simultaneamente. Assim, será possível surgir entre o Eu do psicanalista e o Eu do analisando um espaço novo, no qual há um verdadeiro encontro.

Penso tratar-se da possibilidade de criar um espaço potencial, inaugurar algo por meio dessa relação intersubjetiva que possibilite o desenvolvimento emocional e a continuidade de ser desse paciente.

 

Considerações finais

Se, ao iniciar o texto, apresentamos um fragmento do poeta Manoel de Barros (1993, p. 15), terminamos com outro pensamento desse autor, que nos diz em Os deslimites da palavra:

Ando muito completo de vazios. Meu órgão de morrer me predomina. Estou sem eternidades. Não posso mais saber quando amanheço ontem. Está rengo de mim o amanhecer. Ouço o tamanho oblíquo de uma folha. Atrás do ocaso fervem os insetos. Enfiei o que pude dentro de um grilo o meu destino. Essas coisas me mudam para cisco. A minha independência tem algemas.

Esse pode ser o destino de uma pessoa que se organiza defensivamente com um falso self patológico, marcado muitas vezes pelo sentimento de "vazio, irrealidade e futilidade" – quando o gesto do outro predomina sobre o gesto espontâneo do bebê, para além dos limites suportáveis. E pode ser que resulte em um recolhimento e proteção do que há de mais verdadeiro no ser humano – o verdadeiro self – e acabar recorrendo a objetos transitórios, criando um enredo de cena psíquica que precise de objetos de dependência para poder se sentir vivo, real – no teatro transicional.

Recorrendo à poesia supracitada, realmente pode ser comparada a uma "independência com algemas", mas com a possibilidade de, em um encontro verdadeiro com o psicanalista, através da regressão ao estágio de dependência absoluta na transferência, poder se instaurar um espaço potencial – que descongele e retome as etapas de seu amadurecimento psíquico e emocional.

 

Referências

ABADI, P. A homossexualidade como formação falso self. Uma compreensão winnicottiana da homossexualidade. In: OUTEIRAL, J.; ABADI, S. (orgs.). Donald Winnicott na América Latina. Rio de Janeiro, RJ: Revinter, 1997. p. 149-157.         [ Links ]

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BARROS, M. O livro das ignorãças. Rio de Janeiro, RJ: Record, 1993.         [ Links ]

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Endereço para correspondência
E-mail: psi_luansampaio@hotmail.com

Recebido em: 18/05/2021
Aprovado em: 12/06/2021

 

 

SOBRE O AUTOR

Luan Sampaio Silva
Psicanalista. Formação em psicanálise pelo Círculo Psicanalítico do Pará (CPPA), filiado ao Círculo Brasileiro de Psicanálise (CBP).
Psicólogo pela Universidade da Amazônia (UNAMA).
Especialista em Psicologia Hospitalar e da Saúde pela Universidade Candido Mendes (UCAM) e em Psicanálise com Crianças e Adolescentes: teoria e clínica pelo Instituto de Pós-Graduação e Graduação (IPOG).
Mestre em Psicologia na linha de Psicanálise, Teoria e Clínica pela Universidade Federal do Pará (UFPA).
Doutorando em Psicologia pela Universidade Federal do Pará (UFPA).
Professor do curso de Graduação em Psicologia do Centro Universitário Metropolitano da Amazônia (UNIFAMAZ) e do curso de Especialização em Psicanálise com Crianças e Adolescentes Instituto de Pós-Graduação e Graduação (IPOG).
Supervisor clínico de psicanálise.

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