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Ide

versão impressa ISSN 0101-3106

Ide (São Paulo) vol.37 no.59 São Paulo fev. 2015

 

ESPECIAL

 

Fotografia: realidades e ficções

 

 

Magda Guimarães Khouri*

Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo
Federação Psicanalítica da América Latina

 

 

Desde a sua origem, encontramos aproximações significativas da Psicanálise com a Fotografia. Freud utilizou, em vários textos de sua obra, os processos que envolvem a fotografia como metáfora do aparelho psíquico, do inconsciente, do que é latente e manifesto, positivo e negativo.

No entanto, a relação entre fotografia e psicanálise parece ir além dessa analogia, quando partimos da ideia de que as imagens fotográficas funcionam como uma forma de representação e linguagem. Seus efeitos operam como produto da formação inconsciente tal como os sonhos, o chiste ou o ato falho (Patrasso, 2012).

Longe de ser a representação fiel da realidade visível, a fotografia apresenta esse caráter ilusório no sentido de depender da intervenção do fotógrafo, de todo processo tecnológico envolvido e das interpretações de quem a vê. Uma vez capturada pelo aparelho fotográfico, a realidade já é uma "outra realidade" (Kossoy, 2009), assim como o instante registrado aponta para o "isto foi", de Barthes (2008). A experiência de um sentimento doloroso, que algumas fotos disparam no espectador, possivelmente se deve a esta impressão que o revelado pela foto é passado, está morto (Frayze-Pereira, 2014).

Do momento fotografado criam-se outra luz, outra cena, outro ângulo, produzindo um hiato em relação à realidade. Nessas brechas entre o que é e o que não é, naquilo que escapa, que é enganoso, podemos capturar os sentidos das imagens que vemos. E toda significação só pode ser encontrada a posteriori.

Entre o invisível e o visível das imagens fotográficas fabricamos histórias que podem gerar novas elaborações e narrativas.

Tanto o fotojornalismo como as fotos artísticas e o álbum de família carregam esta tensão entre presença e ausência, ficção e realidade. E é justamente por onde transitam os belíssimos textos dos colegas paulistas. Como o leitor verá a seguir, são todos originais e bem elaborados, exemplos criativos do método psicanalítico em ação.

A fotografia, entre as artes visuais, é aquela que, ao trazer um rasgo de realidade ao produto ficcional, gera, muitas vezes, um desconforto, algo perturbador que convoca o psicanalista a pensar sobre seus efeitos e processos.

Enfim, a fotografia, vista como documental, porém imaginária, permeia todos os artigos, nesse sentido que tão bem descreve Jorge Coli, ao comentar sobre uma publicação do Museu de Arte Moderna de São Paulo: "[...] emana dessas fotos um estranho poder de perscrutar o mundo visível, cotidiano no mais das vezes, indo para além dele. Levam a uma espécie de vertigem, abrindo-se para 'o outro lado', como Alice passava para o outro lado do espelho" (Coli, 2002).

 

Referências

Barthes, R. (2008). A câmara clara. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.         [ Links ]

Coli, J. (2002, 25 de agosto). Arcanos do invisível. Folha de S.Paulo, São Paulo, Caderno Mais, p. 19. Recuperado em 2 de junho de 2014: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs2508200213.htm        [ Links ]

Kossoy, B. (2009). Realidades e ficções na trama fotográfica. São Paulo: Ateliê Editorial.         [ Links ]

Frayze-Pereira, J. A. (2014). Fotografia e Psicanálise: criar é desfazer para refazer. Recuperado em 10 de julho de 2014, FEPAL: www.fepal.org.         [ Links ]

Patrasso, R. (2013). Além do visível: a fotografia e a óptica da psicanálise. Dissertação de mestrado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. Disponível em http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47133/tde-19032013-150518/pt-br.php.         [ Links ]

 

 

* Membro associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Diretora de Comunidade e Cultura da Federação Psicanalítica da América Latina (2014-2016).