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Reverso
versão impressa ISSN 0102-7395
Reverso vol.41 no.77 Belo Horizonte jan./jun. 2019
EDITORIAL
Não nos passa despercebido que, no título da XXXVII Jornada de Psicanálise do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais, O que a psicanálise tem a ver com ISSO, a grafia do ISSO está em maiúsculas. Somos imediatamente transportados para o conhecido Livro dISSO [Das Buchvom Es], de Georg Groddeck, publicado em 1923. Médico e psicoterapeuta alemão, Freud o chamava “um analista incomparável”, embora Groddeck se definisse como um “analista selvagem”. O conceito de Isso [das Es], traduzido por Id, foi fundamental para a elaboração freudiana da segunda tópica. Mas, o que é Isso? “O que é Isso??? Ora... Isso é isso, que eu não sei o que é! Aquilo que nos faz dizer o que não queríamos, e fazer o que não deveríamos”.
O Isso é o sexual recalcado; é o próprio inconsciente onde a sexualidade infantil trabalha em sua busca anárquica, incessante e amoral de prazer, sendo o objeto o que menos importa. Ele é polimorfo, múltiplo e perverso, se manifestando nas fantasias, nos devaneios, nos atos falhos e nas ocasiões quando somos surpreendidos pela alteridade interna, que provoca em nós um sentimento de estranheza [Das Unheimlich].
Por mais que teorizemos sobre o sexual, através dos discursos sobre a sexualidade (que são artefatos culturais tributários do momento sócio-histórico no qual emergem), tais discursos sempre falham, pois o sexual resiste a qualquer forma de normatização ou controle: os discursos sobre a sexualidade são produto dos processos secundários que jamais darão conta de regulamentar o primário.
A impossibilidade de simbolizar completamente o estranho que nos habita gera um resto produtor de angústia. E uma das coisas que podemos fazer com esse resto é transformá-lo, via sublimação, em escrita.
A Reverso n. 77 mostra de forma exemplar os movimentos transferenciais dos autores para com a sua escrita, e dos despertados em mim, pela leitura dos textos.
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Alexandre Fernandes Corrêa, em O ódio em três textos de Freud: reflexões sobre ambiguidade, hostilidade e identificação, aborda de maneira competente um tema que afeta todos e todas na atualidade do Brasil: o discurso do ódio. Para isso, trabalha com três textos de Freud, nos quais se discutem os fundamentos do laço social.
Com um título instigante – Amor de transferência: o que resta no final da análise? – Ana Cristina Teixeira da Costa Salles, com a competência que lhe é característica, nos brinda com um tema pouco trabalhado pelos psicanalistas. Falar do que resta do amor transferencial, quando deixamos de ser o objeto a, equivale a um trabalho de luto relativo ao lugar que ocupávamos na dinâmica da transferência.
Em A histeria, o desejo e o enigma do feminino, Ana Paula Paes de Paula empreende um frutífero diálogo com Emilse Naves para trabalhar as relações entre o masoquismo originário e a histeria, baseando-se no fato de que os sintomas histéricos reencenam o sexual incompreendido. Apoiado em Freud e em Lacan, o texto propõe uma leitura original do enigma do feminino.
Quatro atos em cena. Com este título Carlos Antônio Andrade Mello nos fala do quanto clínica e teoria são indissociáveis. Partindo de uma excelente reflexão sobre o ato falho, o acting-out, a passagem ao ato e o ato analítico, o autor trabalha, com propriedade, os conceitos de ato e de cena nas obras de Freud e de Lacan, para levar a cabo sua empreitada.
Edson Santos de Oliveira se aventura em um terreno minado ao discutir O analista em posição de ironia humoresque. O campo semântico de ironia é tão amplo que, por vezes, torna-se difícil distingui-lo do chiste, do cômico e do humor. A partir das abordagens de Duarte e Hutcheon, em contraponto com Rabinovich, Sauret, Freud e Lacan, o tema é tratado com pertinência.
Em Da Verwerfung em Freud à foraclusão em Lacan, Keylla Barbosa nos oferece uma contribuição original ao propor seguir a transformação da Verwerfung em foraclusão, baseando-se no clássico Homem dos Lobos. Dialogando com Freud e Hyppolite, a autora sustenta a hipótese segundo a qual a foraclusão seria o alicerce para a constituição das psicoses.
A psicanálise no mundo contemporâneo é o título do trabalho de Luciene dos Santos. Frente ao mal-estar atual provocado por inúmeras mudanças tecnológicas que produziram o empobrecimento do simbólico, o texto nos apresenta importantes reflexões sobre o lugar, se é que ele ainda existe, da psicanálise na atualidade.
Marco Antônio Coutinho Jorge retoma o aforismo lacaniano segundo o qual Só o amor pode fazer o gozo condescender ao desejo. Baseado na narrativa de As mil e uma noites, entendida como um dispositivo semelhante ao de uma análise, o artigo discorre sobre os impasses entre amor e gozo, e amor e morte apresentando-os como o conflito presente em todo sujeito. Só o dispositivo simbólico permite a saída desse embate.
Se O psicanalista só se autoriza por si mesmo, este autorizar-se só é possível quando ele/ela se compromete com sua formação permanente, e com a experiência radical de sua análise pessoal. O texto de Maria Angela Assis Dayrell retoma o tema sempre atual da formação, insistindo que a análise é a única garantia desse processo.
Visando elucidar os elementos presentes na interpretação psicanalítica, Paolo Lollo nos propõe o texto A psicanálise na escola do pintor David Malkin. No texto, ele investiga como o real pode ser tratado pela escrita e pela pintura, a partir da obra do pintor ucraniano David Malkin.
Com um título aparentemente simples – O que é o amor? –, Maria Pompéia Gomes Pires nos conduz pelo labirinto pulsional produzindo no leitor mais inquietudes do que respostas. Se a pressão da pulsão é constante, faz-se necessário um representante psíquico para representá-la. A partir dai, várias perguntas sobre o que é o amor são colocadas, deixando-nos com um sentimento de estranheza [Das Unheimlich].
Scheherazade Paes de Abreu nos fala, em Acerca dos arredores da mulher: amor, falo e gozo, dos caminhos possíveis para nos aproximarmos da questão “o que dizer do gozo da mulher”, posto que ela nada sabe. Partindo de um fragmento literário, mostra-se que o saber tem relação com o amor. O texto explora ainda sobre as inúmeras relações entre a demanda e a prova de amor.
O tripé clássico da formação analítica é discutido no texto Como se forma um psicanalista?, de Walesca de Lima Faria Bernardes, com destaque para a importância da análise pessoal. Seja qual tenha sido a formação anterior do candidato a analista, assim como a sua leitura da teoria psicanalítica, o final da análise só é possível com a destituição subjetiva e a travessia da fantasia.
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O trabalho editorial da Reverso só é possível graças à parceria dos colegas que compõem a Comissão de Publicação, sob a coordenação atenta e dedicada de Maria Mazzarello Cotta Ribeiro. Além de nós, a comissão editorial é composta por Ana Boczar, Carlos Antônio Andrade Mello, Eliana Rodrigues Pereira Mendes e Marília Brandão Lemos Morais Kallas.
A Reverso conta com a eficiente participação de Dila Bragança de Mendonça, nossa revisora, de Edna Malacco de Resende, secretária do CPMG, assim como de Adriana Dias Bastos Almeida e de Marta Aparecida Almeida e Almeida. Nosso agradecimento a Valdinei do Carmo, responsável pelo projeto gráfico e diagramação, e da gráfica O Lutador.
Finalmente, cabe lembrar que a apresentação gráfica da Reverso ganhou brilho com a tela de David Malkin.
Paulo Roberto Ceccarelli
Membro da Comissão Editorial da Reverso