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Junguiana

versão impressa ISSN 0103-0825

Junguiana vol.37 no.2 São Paulo jul./dez. 2019

 

Ampliação simbólica da obra The Hollow Men: Um ensaio sobre o vazio

 

Symbolic amplification of The Hollow Men: An essay on the void

 

Ampliación simbólica de The Hollow Men: un ensayo sobre el vacío

 

 

Anna Beatriz Sanchez BarbosaI; Fábio Augusto do Prado MarmirolliII; Fernanda Gonçalves MoreiraIII

IEstudante de medicina da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina. E-mail: <bia.sanchez@hotmail.com>
IIEstudante de medicina da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina. E-mail: <fabiomarmirolli@gmail.com>
IIIPsiquiatra e psicoterapeuta junguiana. Professora-adjunta do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina. Membro da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica. E-mail: <femoreirapsi@gmail.com>

 

 


RESUMO

Este artigo trata da ampliação simbólica do poema The Hollow Men (Os homens ocos) de T. S. Eliot. O texto, criado dentro do contexto do movimento modernista, é um dos mais citados da literatura do século XX e reflete a importância de Eliot na formação do "espírito da época". Utilizando-se como base teórica a Psicologia Analítica e a Psicologia Simbólica, buscou-se ampliar as imagens emergentes do poema e analisá-las sob a óptica junguiana. Dentre os símbolos emergentes do texto, destaca-se o esvaziamento psíquico do homem do século XX. Atribui-se, com base no percurso do poema, que esse vazio é resultado da drenagem energética promovida pela dinâmica polarizada dos arquétipos matriarcal e patriarcal ao longo da história. Conclui-se com a hipótese de que o processo de esvaziamento só poderá ser revertido com o diálogo e a reaproximação dos arquétipos humanizados, através da alteridade.

Palavras-chave:  Arquétipo materno, arquétipo paterno, alteridade, literatura, complexo cultural.


ABSTRACT

This article deals with the symbolic amplification of the poem The Hollow Men, by T. S. Eliot. The text, written in the context of the modernist movement, is one of the most cited of the twentieth century's literature and reflects the importance of Eliot in the formation of the "spirit of the age." Using Analytical Psychology and Symbolic Psychology as a theoretical basis, we sought to amplify the emerging images of the poem and to analyze them in the Jungian perspective. Among the emerging symbols of the text, the psychic emptying of the twentieth-century man stands out. We assume, based on the course of the poem, that this void is a result of the energetic drainage promoted by the polarized dynamics of the matriarchal and patriarchal archetypes throughout history. We conclude with the hypothesis that only the communion of both archetypes, through otherness, can reverse the process of emptying.

Keywords: matriarchal archetype, patriarchal archetype, otherness, literature, cultural complex


RESUMEN

Este artículo trata de la ampliación simbólica del poema The Hollow Men (Los hombres huecos) de T. S. Eliot. El texto, creado dentro del contexto del movimiento modernista, es uno de los más citados de la literatura del siglo XX y refleja la importancia de Eliot en la formación del "espíritu de la época". Utilizando como base teórica la Psicología Analítica y la Psicología Simbólica, se buscó ampliar las imágenes emergentes del poema y analizarlas bajo la óptica junguiana. Entre los símbolos emergentes del texto, se destaca el vaciamiento psíquico del hombre del siglo XX. Se atribuye, con base en el recorrido del poema, que ese vacío es resultado del drenaje energético promovido por la dinámica polarizada de los arquetipos matriarcal y patriarcal a lo largo de la historia. Se concluye con la hipótesis de que el proceso de vaciamiento solo podrá revertirse con el diálogo y la aproximación de los arquetipos humanizados a través de la alteridad.

Palabras clave: arquetipo matriarcal, arquetipo patriarcal, alteridad, literatura, complejo cultural


 

 

1. Introdução

O presente artigo pretende explorar o poema The Hollow Men (Os homens ocos), de T. S. Eliot, com ênfase na investigação da psique humana através da ampliação dos símbolos emergentes da obra, usando a Psicologia Analítica e a Psicologia Simbólica como referenciais teóricos.

O poema versa, principalmente, sobre o esvaziamento do indivíduo e da sociedade pós-Guerra no século XX. Ele é dividido em cinco partes e é composto por 98 versos, dos quais os quatro últimos são, segundo o New York Times, os mais citados da poesia em inglês do século XX (THE NEW YORK TIMES, 1965). O poema é tido como um marco para a Literatura e Poesia Modernas, e vem reverberando, desde a época de sua publicação até hoje, no espírito da era Contemporânea.

A escolha do texto a ser abordado foi pautada na investigação bibliográfica de obras literárias com temática relacionada à contemporaneidade. A escolha deste poema deu-se em virtude da grande importância da poesia e de T. S. Eliot no contexto do século XX, no movimento de modernismo que despontou nas artes, e em especial na literatura.

Após a escolha, o texto foi continuamente relido para melhor compreensão. Seguiu-se o método de apreensão da obra artística proposto por Jung (GAILLARD, 2010). Inicialmente, nos deixamos espantar pela primeira leitura da obra, o geschehen lassen (que pode ser traduzido como "deixar acontecer"). Em seguida, passamos à análise minuciosa do texto, ao longo de diversas leituras, no processo de betrachten ("considerar", "observar atentamente"). Por fim, passamos à etapa de sich auseinandersetzen, na qual confrontamo-nos com a obra e com tudo aquilo que ela nos traz, associando-a a elementos externos que irão compor sua análise. Através da associação livre de imagens emergentes, tomamos o direcionamento que a discussão aborda.

O resultado final da exploração reúne os símbolos que emergiram do processo de ampliação simbólica com questões relativas à coletividade, especificamente ao esvaziamento psíquico, amplamente relatado nas imagens da obra. Foram delimitados quatro eixos nos quais direcionou-se a discussão: "o esvaziamento psíquico", "a polarização puer-senex", "a polarização entre os arquétipos paterno e materno" e "a alteridade".

A partir de um processo dialético entre a obra de arte e a realidade, chegou-se à tese da influência da polarização de elementos da psique na formação dos "homens ocos".

Optou-se por analisar o poema em sua linguagem original, por se entender que seu ritmo e sonoridade são tão importantes para a apreensão da obra de arte quanto o conteúdo semântico em si. Apesar disto, todas as citações trazem a tradução para o português segundo Ivan Junqueira (ELIOT; JUNQUEIRA, 2014), para maior facilidade de apreensão.

 

2. Os Homens Ocos

[Epígrafe]

Mistah Kurtz-he dead.
A penny for the Old Guy
Mistah Kurtz-he dead.

(Um peny para o Velho Guy)

The Hollow Men foi publicado em sua forma final em 1925, no livro "Poems: 1909-1925". Contudo, Eliot tinha o costume de reutilizar partes de trabalhos antigos e recompô-las em uma nova obra, de forma que trechos do que seria o poema final já haviam sido publicados anteriormente em outro contexto (GALLUP, 1969).

Essa obra está fortemente enraizada na tradição literária ocidental. O texto faz referências tanto a eventos históricos como a Conspiração da Pólvora, bem como a outras obras literárias, dentre elas "The Heart of Darkness", de Joseph Conrad - que trata as temáticas da moral e do homem moderno - "Julius Caesar", de William Shakespeare, e "Divina Commedia", de Dante Alighieri, ambos sobre as questões da decadência e salvação (VAN AELST, 2013). Eliot evoca as imagens de tais obras junto a toda sua carga cultural, para compor a intensidade do próprio poema, permitindo que este aja em níveis mais profundos de consciência.

Apesar do autor se sentir no poder de sua criação, não se pode ter a ingenuidade de supor que o faz de forma totalmente consciente e livre. Jung considera que o processo criativo surja de um complexo autônomo, que se apossa do sujeito do artista e dele se nutre para poder expressar sua verdade inconsciente na obra de arte. A atitude de Eliot de retomar o passado para compor sua obra, nada mais é do que a tradução consciente do processo criativo que tem raízes profundas no inconsciente coletivo. A obra de arte traz à tona justamente aqueles elementos inconscientes de que o espírito da época mais necessita, como uma forma de autorregulação (JUNG, 2011).

O processo criativo de Eliot, portanto, se baseia numa retomada da tradição literária que o precede, assim como uma revisão de seus próprios escritos do passado para dar corpo aos poemas, considerados extremamente modernos e criativos. O próprio Eliot discorre sobre isso:

O senso histórico obriga o homem a escrever não meramente com sua própria geração em seus ossos, mas com um sentimento de que toda a literatura da Europa desde Homero, e dentro dela, toda a literatura de seu próprio país, têm uma existência simultânea e compõe uma ordem simultânea (ELIOT, 1982, tradução nossa).

Em tal processo, conseguimos observar, na verdade, um equilíbrio harmonioso entre dois arquétipos presentes na psique: o senex e o puer.

O senex manifesta-se na ideia da perpetuação do conhecimento acumulado pela humanidade. O que implica na ligação com a tradição e no esforço em preservá-la, ou seja, no conservadorismo, e na busca às referências clássicas. O puer, por outro lado, se relaciona à criatividade, à emergência do novo e à quebra com as tradições (HOPCKE, 2011). Apesar do zelo às tradições, a obra de Eliot na época da publicação foi considerada uma aberração - "delírios de um hilota bêbado" - por muitos críticos literários, em virtude, não só do conteúdo, mas da forma (JACKSON, 2014, pg. 15). O poema não tem rimas, e os versos são livres. Não há qualquer tipo de preocupação com métrica ou modelos preestabelecidos. O poema é uma das principais obras do Modernismo, movimento de ruptura com o antigo para a emergência do novo.

No processo criativo de Eliot observamos um balanço energético psíquico entre os arquétipos senex e puer. A polarização de um dos arquétipos em detrimento do outro levaria, respectivamente, a uma estagnação em valores fixos e imutáveis de um lado e do outro, a uma destruição em torno do caos criativo que se estabeleceria sem limites ou ordem (STEIN, 2006).

Este balanço, ou harmonia, porém, não se manifestam no conteúdo do poema. Os homens ocos ao longo do texto estão esvaziados de vida e sentido, e o que acreditamos é que o fenômeno sofre a influência de outros dois arquétipos psíquicos: o pai e a grande mãe.

[Primeira Parte]

We are the hollow men
We are the stuffed men
Leaning together
Headpiece filled with straw. Alas!
Our dried voices, when
We whisper together
Are quiet and meaningless
As wind in dry grass
Or rats' feet over broken glass
In our dry cellar

(Nós somos os homens ocos
Os homens empalhados
Uns nos outros amparados
O elmo cheio de nada. Ai de nós!
Nossas vozes dessecadas,
Quando juntos sussurramos,
São quietas e inexpressas
Como o vento na relva seca
Ou pés de ratos sobre cacos
Em nossa adega evaporada)

A primeira imagem do poema relaciona os homens ocos, vazios, com a figura de um espantalho: o próprio boneco de Guy Fawkes que é queimado todo dia 5 de novembro, como parte da celebração britânica tradicional em memória da Conspiração da Pólvora (MACPHAIL; LOCKHART, 2017). A associação não poderia ser mais clara, uma vez que a epígrafe do poema se refere ao costume de pedir "a penny for the old Guy" ("um trocado para o velho Guy", tradução nossa), parte comum da referida celebração.

Esses bonecos de palha são, dentro da tradição britânica, símbolo de traição e imoralidade. Guy Fawkes é queimado ano após ano por ter tentado explodir o Parlamento, em sinal de revolta à perseguição religiosa imposta aos católicos pela monarquia.

Tal referência pode ser relacionada ainda a uma comemoração tipicamente brasileira: a Malhação de Judas, realizada todo Sábado de Aleluia, como parte da tradição popular (MENDES, 2007). Nela, um boneco de Judas Iscariotes, o apóstolo que traiu Jesus Cristo, é espancado e queimado pela população.

Ambos os ritos trazem a figura de um personagem histórico que é vítima do ódio por seus atos de traição. O sentido de cada traição, ainda assim, é oposto. Enquanto Guy Fawkes traiu a Coroa britânica e é hoje símbolo do anarquismo pós-moderno (CALL, 2008) - uma imagem de revolta e renovação -, Judas traiu a própria renovação - da tradição judaica que resultaria no nascimento de uma nova religião - na figura do messias cristão que pregava o entendimento entre todos os povos.

Entre significados diversos que emergem de sua imagem, os homens ocos estão inseridos na lógica do sacrifício que é necessário para o processo de renovação.

Até aqui poderíamos imputar estes símbolos ao embate puer x sênex: a inovação esvaziada e mortificada pelas velhas tradições. Mas há ainda uma outra imagem que emerge desse trecho, uma imagem que não é explícita: o fogo, que queimaria as "cabeças cheias de palha" dos traidores enfileirados.

O fogo pode ser associado ao processo alquímico da Calcinatio, como descrito por Edinger em "Anatomia da Psique" (1990). Na obra, o autor destaca sua característica purificadora: "O fogo da calcinatio é um fogo purgador, embranquecedor. Atua sobre a matéria negra, a nigredo, tornando-a branca" (EDINGER, 1990, v. 1, pg 45).

O poema, entretanto, não nos leva nesse caminho. Os homens ocos não são prontamente queimados, mas vagam, num estado de morte em vida, em seu eterno sacrifício. Um sacrifício que não ocorre à toa. Ele se encaixa na lógica de outro processo alquímico: a Mortificatio - também presente no texto de Edinger (1990).

A Mortificatio é o processo de morte do Ego, no qual ele se afunda nas profundezas obscuras da alma humana, caindo de seu trono de soberania. A mortificatio dos homens ocos, contudo, é um processo de morte constante. Os homens esvaziados de alma, que abrem mão de si mesmos para sustentar uma sociedade de progresso, com seu trabalho sem propósito e guerras sem fim.

A mortificatio, contudo, simboliza o sacrifício de quem entrega a vida para conquistar a elevação. "Prestar atenção ao inconsciente é tornar a vida miserável, de maneira deliberada, a fim de criar condições para que a psique autônoma funcione com maior liberdade".

Mas esse objetivo maior do processo de sacrifício nem sempre é entendido pela consciência, que está justamente sendo vítima dos transtornos. No poema, o indivíduo se sente impotente, deixa-se levar pelo vento dos acontecimentos, sem forças para se opor ao sofrimento que sente. Não consegue escapar ao sofrimento.

Jung, em "Símbolos da Transformação", explica que, ao se voltar para o inconsciente, através da introversão, o arquétipo seria ativado e humanizado, possibilitando a emergência de uma ideia criativa salvadora, para um indivíduo ou para uma comunidade. Porém, Jung chama a atenção para o risco inerente a este processo:

Se a libido fica presa no reino maravilhoso do mundo interior, o homem se transforma em sombra para o mundo exterior, ele está morto ou gravemente doente. Mas se a libido consegue desvencilhar-se e subir à tona, o milagre aparece: a viagem ao submundo é uma fonte da juventude para ela e da morte aparente desperta novo vigor (C. G. Jung - vol. V §449).

No contexto pós-Guerra, toda a sociedade europeia se viu desamparada em seus ideais, uma vez que os valores pregados durante a Guerra - em especial a disseminação da ordem através do processo civilizatório de comunidades "bárbaras" e o colonialismo autoritário - se mostraram nocivos não só aos povos colonizados, como também deixaram duras marcas na sociedade europeia (HOBSBAWM, 1995).

A civilização, a ordem, o progresso e a hierarquia são características que se relacionam ao arquétipo paterno. O fim da Guerra, marcado pela destruição, desesperança, fome e desemprego, marca as manifestações sociais da sombra do arquétipo devido à sua extrema polarização (BYINGTON, 1986).

A imagem no poema de homens ocos, esvaziados, com a cabeça cheia de palha (headpiece filled with straw - O elmo cheio de nada), remete à cabeça, um símbolo da racionalidade, preenchida por palha, símbolo de secura e infertilidade, ou seja, o espírito desprovido de seu sentido, ou desconectado da alma. Outras expressões, como as vozes secas, quietas, sem sentido, a secura e a quebra só compactuam para a construção deste cenário em que o ego se encontra esvaziado diante do domínio patriarcal sombrio (STEIN, 1979).

Shape without form, shade without colour,
Paralysed force, gesture without motion; [...]

(Fôrma sem forma, sombra sem cor
Força paralisada, gesto sem vigor; [...])

A referência à grande mãe aparece, pela primeira vez, nas imagens de formato, cor, movimento, a sensorialidade matriarcal (BYINGTON, 2008). Porém a referência é da ausência. O pai, abstração, falha se não encontra manifestação no mundo concreto. O trecho ilustra a paralisação diante do recolhimento do arquétipo da grande mãe e a consequente ausência de relação dialética entre os polos materno e paterno. A forma, o gesto, abstratos, que nunca chegam a tomar vida, destinados a perecerem (HILLMAN, 1979).

Those who have crossed
With direct eyes, to death's other Kingdom
Remember us-if at all-not as lost
Violent souls, but only
As the hollow men
The stuffed men.

(Aqueles que atravessaram
De olhos retos, para o outro reino da morte
Nos recordam - se o fazem - não como violentas
Almas danadas, mas apenas
Como os homens ocos
Os homens empalhados.)

Essa falta de contato com o outro, nada mais é do que o isolamento ao qual esses homens ocos se recolhem para sentirem-se seguros. A insegurança, a impotência vêm da opressão que sofrem pelas engrenagens da sociedade de progresso - as garras tiranas do pai arquetípico que propicia fixação da polarização (BYINTON, 1986).

O pai é a raiz inconsciente dos ideais de ordem, lei, rigor científico e pragmatização necessários à funcionalidade do coletivo. Por outro lado, a exacerbação de seu polo negativo leva à rigidez de pensamento, supressão da individualidade e criatividade - sem os quais a alma não pode viver. Geralmente é associado à sociedade moderna por seus ideais técnico-científicos (STEIN, 1979).

O que mostra então o poema é o sofrimento do indivíduo perante uma sociedade dominada por esses aspectos de ordem, por essa estrutura supressora da alma e humanidade. O homem surge envergonhado ao pedir redenção. Pede àqueles "que atravessaram de olhos retos, para o outro reino da morte", ou seja, os justos, os homens sãos, que não temem o "reino dos mortos", para que não o julguem pela destruição causada e seus gritos de sofrimento. Ao contrário, pede por ser lembrado pela sua falta de importância e seu conteúdo vazio. A abnegação de sua própria importância, a supressão do ego que complementa a Mortificatio em seu caminho ao renascimento. "Na medida em que abraça continuamente a morte, o ego costela a vida em profundidade" (EDINGER, 1990, v. 1, pg. 194).

[Segunda Parte]

Eyes I dare not meet in dreams
In death's dream kingdom
These do not appear:
There, the eyes are
Sunlight on a broken column
There, is a tree swinging
And voices are
In the wind's singing
More distant and more solemn
Than a fading star.

Let me be no nearer
In death's dream kingdom
Let me also wear
Such deliberate disguises
Rat's coat, crowskin, crossed staves
In a field
Behaving as the wind behaves
No nearer-

Not that final meeting
In the twilight kingdom

(Os olhos que temo encontrar em sonhos
No reino de sonho da morte
Estes não aparecem:
Lá, os olhos são como a lâmina
Do sol nos ossos de uma coluna
Lá, uma árvore brande os ramos
E as vozes estão no frêmito
Do vento que está cantando
Mais distantes e solenes
Que uma estrela agonizante.

Que eu demais não me aproxime
Do reino de sonho da morte
Que eu possa trajar ainda
Esses tácitos disfarces
Pele de rato, plumas de corvo, estacas cruzadas
E comportar-me num campo
Como o vento se comporta
Nem mais um passo

- Não este encontro derradeiro
No reino crepuscular)

O "reino de sonho da morte" é também o paraíso, onde os homens ocos não se atrevem a olhar nos olhos dos justos, assim como Dante não conseguia encarar os olhos de Beatriz em seu primeiro encontro na "Divina Commedia" pois estava envergonhado de seus atos (ALIGHIERI, 2017). O homem oco que ainda não morreu, ao sonhar com a morte, ainda sente a vergonha de seus atos mundanos, assim como sente sua própria imagem diminuída e indigna.

Aqui, o paraíso, o sonho representam o surgimento distante de elementos matriarcais pouco ou quase nada humanizados - árvores dançando, vozes ao vento cantando - que deveriam amenizar o domínio tirano do arquétipo paterno, mas à qual os homens ocos se sentem envergonhados de recorrer. O arquétipo da mãe tem uma de suas representações mais clássicas na figura de Gaia da mitologia grega. É a provedora de vida, a mãe-natureza, tudo aquilo que está relacionado ao sustento e acolhimento, tanto físico como afetivo (BYINGTON, 2008). Uma referência pode ser feita à imagem anímica de Beatriz, porém ainda dominada pelo dinamismo patriarcal sombrio que impede qualquer aproximação, quanto mais a humanização da anima que permanece indiferenciada dos elementos matriarcais. O Reino do Sonho da Morte, com o sonho, que nos remete à noite e à Lua, além dos diversos símbolos remetendo à natureza, como o vento, o rato, o campo, a árvore, a estrela, relaciona-se fortemente com o arquétipo materno.

A visão e a fala continuam como instrumentos de comunicação, mas como os olhos, que podem olhar direto, as vozes, antes sussurrantes, também podem cantar, mas não efetivam uma comunicação egoica e consciente: a mortificatio continua. A solidão, a tristeza encontram um contraponto em um outro símbolo: a estrela. Ela seria a esperança, a salvação. Mas está distante, solene, esvaecendo. Como o reino, a estrela reincide no poema, sob outras formas - twinkle of fading star, perpetual star (lampejo de uma estrela agonizante, estrela perpétua). A grande mãe, distante, em mundos de sonho que não podem ser alcançados.

Em contraste à primeira parte, na qual os homens vazios são tratados como conjunto, aqui é o indivíduo que se manifesta em sua solidão em meio a imagens fúnebres de vozes distantes, uma árvore balançante e uma coluna quebrada - que é um marco comum em cemitérios para representar uma morte prematura (VAN AELST, 2013). Há a transição entre a condição social de esvaziamento para o âmbito pessoal, numa passagem do macro para o microcosmo.

Mas o sonho do paraíso dura pouco quando o homem oco encara os obstáculos que tem de passar para alcançar a salvação. Ele teme o encontro final, o julgamento que receberá e prefere se esquivar, se disfarçar e se dispersar como o vento. O pai arquetípico traz uma severidade, um crivo, desumanos, inalcançáveis.

Diante do esvaziamento, o indivíduo clama por uma evasão do sofrimento. Cobre-se de disfarces - se esconde em sua persona - para deixar para trás a realidade insuportável de seu vazio. O vazio da alma tenta ser preenchido pela imagem social que tenta manter em um mundo dominado pela lei e a ordem.

Novamente, é trazida a temática da sociedade baseada exclusivamente numa certa imagem de progresso atrelada ao positivismo. Os homens ocos são como os operários das fábricas, os empreendedores, os defensores do American Way of Life (Modo de Vida Americano), que no entreguerras são dragados para o abismo pela Grande Depressão de 1929. São os soldados que saíram - animados para defender seu país - para lutar na Primeira Grande Guerra e nunca mais voltaram para casa. São os cientistas que produziram a tecnologia nuclear, vendo suas descobertas utilizadas como arma de destruição em massa nas bombas de Hiroshima e Nagasaki. São todos os aspectos do progresso que cobraram um preço macabro da humanidade - a manifestação sombria do arquétipo paterno (BYINGTON, 1986).

Neste ponto do poema, fica marcada a ideia de que a dinâmica patriarcal desloca o eu verdadeiro e permite apenas que a máscara se manifeste - a sociedade obriga o homem a viver apenas de sua aparência, negando-lhe sua realidade interior.

Uma sociedade cheia de ideais, do início do século XX, vê esses ideais ruírem com a destruição provocada nas Grandes Guerras e a segregação cada vez mais marcada durante a Guerra Fria. Resta a eles tentar manter sua imagem, defender ideais cada vez mais vazios de patriotismo e conquistas com a corrida armamentista e a corrida espacial: demonstrações de poder que nada mais são do que o inflar da persona.

A delimitação patriarcal intensa da polaridade consciente-inconsciente e das demais polaridades por ela discriminadas leva a uma organização altamente unilateral da psique na qual um polo é delimitado de tal forma distinta e assimétrica do outro que sua inter-relação dialética não pode ser reconhecida e muito menos exercida (BYINGTON, 1986, pg. 14).

O sofrimento vivido e que se quer acabado não é superior ao medo da transformação, que mantém os homens na estagnação que a mortificatio deveria superar. Enquanto este "progresso sombrio" da sociedade empurra os homens ocos a se desenvolverem, mas apenas em termos de persona, sem preencher o vazio, o indivíduo cai no polo oposto, abraçando a figura perdida da grande mãe, que o convida a inação, perdido em delírios e sonhos de morte - seu retorno ao mundo natural. Há, neste ponto, uma interrupção abrupta. Os homens ocos que queriam se afastar, acabam caindo frente a frente com seu maior medo - "that final meeting, in the twilight kingdom" ("este encontro derradeiro no reino crepuscular"). Uma nova face da morte, "no reino crepuscular", apresenta-se. A única referência ao universo matriarcal aparece na forma de um encontro fatal.

[Terceira Parte]

This is the dead land
This is cactus land
Here the stone images
Are raised, here they receive
The supplication of a dead man's hand
Under the twinkle of a fading star.

Is it like this
In death's other kingdom
Waking alone
At the hour when we are
Trembling with tenderness
Lips that would kiss
Form prayers to broken stone.

(Esta é a terra morta
Esta é a terra do cacto
Aqui as imagens de pedra
Estão eretas, aqui recebem elas
A súplica da mão de um morto
Sob o lampejo de uma estrela agonizante.

E nisto consiste
O outro reino da morte:
Despertando sozinhos
À hora em que estamos
Trêmulos de ternura
Os lábios que beijariam
Rezam as pedras quebradas.)

O retorno à grande mãe se concretiza na terceira parte do texto, na qual a visão religiosa retoma ao paganismo. Não só a adoração da natureza faz parte do arquétipo materno, como também a religiosidade e o misticismo. Aqui, tal aspecto se apresenta na forma de distanciamento dos dogmas religiosos judaico-cristãos e muçulmanos, da ideia monoteísta de um Deus que é um grande pai. Ao contrário, se aproximam do politeísmo das sociedades matriarcais, onde a adoração aos deuses era a adoração aos diversos aspectos da natureza.

As imagens de devoção a pedras, justamente, simbolizam uma adoração não cristã (VAN AELST, 2013). A alma em mortificatio se aprofunda na religiosidade mais arquetípica da figura da grande mãe. Mais do que isso, os homens ocos se veem presos por suas mães dominadoras, secas, que os impede de vivenciar a coniunctio, o encontro com o outro que também poderia transformá-los e tirá-los de sua inanição. Nega-se a vivência humana do encontro anímico - "lips that would kiss" ("os lábios que beijariam") - para imergir no pleno domínio de Gaia antes destruída e renegada - "forms prayers to broken stone" ("rezam às pedras quebradas"). Do sonho do paraíso a alma desce ao seu purgatório.

Byington (1986) propôs que: "os dinamismos matriarcal e patriarcal são normalmente narcísicos porque são ainda egocêntricos" (pag. 15), propiciando a redução de seus símbolos à alguma unilateralidade. A fixação unilateral de ambos os arquétipos parentais impede o desenvolvimento do dinamismo da alteridade via ativação anímica.

[Quarta Parte]

The eyes are not here
There are no eyes here
In this valley of dying stars
In this hollow valley
This broken jaw of our lost kingdoms

In this last of meeting places
We grope together
And avoid speech
Gathered on this beach of the tumid river

Sightless, unless
The eyes reappear
As the perpetual star
Multifoliate rose

Of death's twilight kingdom
The hope only
Of empty men.

(Os olhos não estão aqui
Aqui os olhos não brilham
Neste vale de estrelas tíbias
Neste vale desvalido
Esta mandíbula em ruínas de nossos reinos perdidos

Neste último sítio de encontros
Juntos tateamos
Todos à fala esquivos
Reunidos na praia do túrgido rio

Sem nada ver, a não ser
Que os olhos reapareçam
Como a estrela perpétua
Rosa multifoliada
Do reino em sombras da morte
A única esperança
De homens vazios.)

A quarta parte mostra o homem justificando seu vazio com o vazio externo da sociedade - "this hollow valley" ("neste vale desvalido"). É a representação do "mundo estéril e moderno, um lugar onde os olhos que oferecem esperança e vergonha não existem" (VAN AELST, 2013, tradução nossa). O vazio do mundo que recai na figura da mandíbula quebrada - a mandíbula de jumento com a qual Sansão matou mil homens (BÍBLIA SAGRADA, 2007). Na lenda bíblica, a imagem da mandíbula pode ser encarada como o símbolo da força e do poder do patriarca hebreu, retomado no poema como um símbolo da força do arquétipo paterno. A imagem da mandíbula ressoa ainda com a seguinte lenda.

The Golden Bough oferece uma explicação antropológica; os Baganda (uma tribo africana) acreditam que o espírito do morto se apega ao osso da mandíbula. A mandíbula de seu rei falecido é transformada em uma efígie e posta em um templo. Novamente, uma vez que o osso está quebrado, qualquer liderança que poderia ser tirada desse talismã não está mais disponível (VAN AELST, 2013, tradução nossa).

O talismã de poder do líder patriarcal - seja Sansão ou o rei Baganda - está quebrado. É a imagem da insuficiência do patriarcado que leva ao vazio. O pai-rei falhou e leva as almas vazias a um último encontro de conspiradores - sejam os membros da Conspiração da Pólvora que pretendiam assassinar o rei, sejam os conspiradores que matariam César. Um encontro no qual não se fala, pois os próprios conspiradores sentem seu próprio fracasso - o fracasso da Conspiração ou o declínio do Império. Matar o pai em declínio não preenche o vazio da alma. Apenas perpetua a disputa pelo poder.

Calados às margens do rio, os homens ocos vislumbram sua última esperança - "the hope only/of empty men" ("a única esperança/de homens vazios"). Os olhos que reaparecem, a imagem de Deus da "Divina Commedia" - a rosa de muitas pétalas formadas pela Virgem Maria e os Santos e a estrela perpétua que é o Deus-Pai. É a esperança de que a morte do pai terreno seja perdoada pelo Pai divino - o reencontro com o Self - a redenção da alma esvaziada trazida pelo espírito, o fim da mortificatio.

[Quinta Parte]

Here we go round the prickly pear
Prickly pear prickly pear
Here we go round the prickly pear
At five o'clock in the morning.

(Aqui rondamos a figueira-brava
Figueira-brava figueira-brava
Aqui rondamos a figueira-brava
Às cinco em ponto da madrugada)

O trecho parodia uma dança infantil de fertilidade que originalmente é feita em volta de uma amoreira, mas no caso em volta de um cacto - "figueira-brava" (VAN AELST, 2013, tradução nossa). O cacto é a esterilidade e secura aparentes de uma vida oca, sem sentido, sem alteridade. A água acumulada dentro do cacto é invisível ao observador desatento - o mergulho da libido no reino maravilhoso do inconsciente trazendo morte aparente, conforme proposta por Jung no Símbolos da Transformação acima citada.

Segundo a tradição cristã, cinco da manhã é o horário em que cristo ressuscitou. A dança da fertilidade passa a louvar, ironicamente, a infertilidade. Um culto pagão, transformado em brincadeira, que louva a infertilidade do momento da ressurreição. É a recusa da salvação ou a fixação da libido no inconsciente. O bloqueio e a desesperança no processo de renovação. O indivíduo percebe que o mundo da mãe também não poderá salvá-lo.

Between the Idea
And the reality
Between the motion
And the act
Falls the Shadow
(Entre a ideia
E a realidade
Entre o movimento
E a ação
Tomba a Sombra)

A partir deste momento o embate arquetípico toma lugar na obra. Uma possível causa do esvaziamento é justamente o atrito entre dois poderosos arquétipos, da mãe-dragão e do pai-ditador. A tensão entre os dois arquétipos, em sua polarização, funciona como um dínamo, acumulando energia no inconsciente e levando ao derradeiro esvaziamento energético do ego. A indecisão e o vacilar entre um polo e outro, nessa constante disputa, sem a possibilidade da ativação anímica é a causa final do esvaziamento - que é representado pela "sombra". O ego esvaziado é apagado pela sombra que tomba sobre si.

For Thine is
Life is
For Thine is the
(Porque Teu é
A vida é
Porque Teu é o)

Este trecho apresenta a psique individual e coletiva vacilante, e o pensamento fragmentado, entrecortado, interrompido. Atribui-se este fenômeno ao resultado do embate dos dinamismos matriarcal e patriarcal. O equilíbrio entre ambos seria oportuno para a ativação anímica, emergência do dinamismo da alteridade, a resolução do estado de vazio. Alteridade esta que tenta se manifestar pela frase que não consegue completar. "For Thine is the Kingdom" ("Porque Teu é o Reino") é parte de uma oração cristã. Surge aqui como um pedido devoto de uma resolução, traduzida nesses ideais. "Amar ao próximo como a ti mesmo" é a máxima aceitação do outro, do diferente. O ideal original cristão que poderia reconciliar os grandes polos do pai e da mãe arquetípicos.

This is the way the world ends
Not with a bang but a whimper.

(Assim expira o mundo
Não com uma explosão, mas com um suspiro.)

Em toda a desesperança dos homens ocos, tal processo nunca iria se completar. A não ser na crença - à qual se agarram - de um mundo que não acabe. O "gemido", que substitui o estouro (a destruição) do mundo, é tido como uma referência da descrição de Dante de um recém-nascido chorando ao sair de um mundo para entrar em outro (VAN AELST, 2013). Um mundo que não se acabe, mas se renove, se transforme, indefinidamente.

 

3. O homem contemporâneo

The Hollow Men retrata em seus versos um fenômeno social que começou a aflorar no século XX e se consolida na realidade atual. A desesperança gerada pelo choque das sociedades patriarcais, cientificistas e opressoras, com o impulso humano de voltar-se para o místico, a religião, é uma marca importante na realidade do último século. Quando a polarização patriarcal-matriarcal leva à falha de ambos, tudo que resta é o vazio - a única condição remanescente às almas humanas.

Liliana Wahba, (2019) relembra, em comunicação eletrônica aberta da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica (SBPA), que:

Em palestra proferida na PUC em outubro 2018, Carlos Byington, após discorrer sobre democracia na história e os narcisismos matriarcal e patriarcal, enfatizando que o caminho de alteridade supera divisões esquerda e direita, devendo aprender a conviver com concordâncias e discordâncias, mostrando a separação da psiquiatria da psicodinâmica, da psicologia e da psiquiatria, finalizou:

"Diante de psicólogos, diante de psiquiatras, é hora de admitir que houve esse estrangulamento histórico ligado ao patriarcal, ligado ao domínio da força e que precisa ser revisto para passar para a alteridade e para a vivência simbólica, porque o que nos traz alteridade é o exame de cada sintoma, de cada pessoa, que vai mostrar que em tudo existe luz e sombra, tudo existe: o bem e o mal, tudo existe: normalidade e patologia, tudo existe: miséria e controle e liberdade, no social e no individual"1.

Ao nos atentarmos aos acontecimentos do século XX, percebemos que The Hollow Men, apesar de publicado em 1925, reverbera imagens que podem simbolizar toda a sucessão de eventos do restante do período.

As duas Grandes Guerras são, ao mesmo tempo, o apogeu e queda do domínio do arquétipo do pai sobre a humanidade: a busca pelo poder se eleva muito acima da vida humana; milhões morrem, esmagados pela soberania do estado da razão.

O período pós-guerra é marcado pela desesperança na sociedade do progresso. A contracultura, o movimento hippie, a busca pela liberdade sexual: o arquétipo da mãe é buscado de maneira voraz, no culto à natureza e à libertação. O homem esvaziado da guerra foge para o sonho místico da vinda da Era de Aquário.

E assim, uma vez mais, os polos do pai e da mãe disputam o poder sem se comunicarem, sem se resolverem e se aceitarem. O pai, que se poderia esperar que saísse de cena, apenas recua um pouco mais à sombra. A cortina de ferro desce sobre a Europa, o mundo todo se divide. A ameaça da guerra paira sobre a consciência coletiva. O mundo prende o fôlego na crise dos mísseis de Cuba, em 1962. O fim nunca pareceu tão próximo.

Mas o mundo não termina num estouro.

A humanidade sobrevive, para seguir em frente, vazia de sentido. O fim do século traz a falha da promessa de libertação no mundo natural. O advento da epidemia de AIDS, a própria natureza se voltando contra o homem, leva ao recrudescimento dos costumes. O jogo de forças continua.

Eclode, então, uma sucessão de conflitos ainda maior. Desde a queda do muro de Berlim, chegando à virada do século, com a divisão da União Soviética em diversos países e com o fim da polarização bipolar da guerra fria, passam a surgir diversos conflitos em diferentes cenários. O homem oco do século XX não consegue finalizar o processo de mortificatio e renascer livre das amarras egoicas do domínio do arquétipo patriarcal. Nesse balançar entre uma polarização e outra, sente-se cada vez mais vazio.

Entendemos, pois, que tal processo de conflito não pode findar senão pela relação dialética de seus dois polos. A alteridade, a máxima aceitação e entendimento do outro, seria o caminho do equilíbrio entre os arquétipos patriarcal e matriarcal na vivência psíquica (BYINGTON, 2008). O homem precisa entender que apenas no entendimento do outro, do diferente, poderá superar esse vazio que o assola, permitindo, enfim, sua comunhão com o Self.

No estudo aqui apresentado, destacamos o poema de Eliot como um clamor pelo fim desse embate arquetípico. A resolução sonhada em seu final, a meta a ser alcançada no derradeiro final. Que o mundo não acabe nesse eterno estouro do impacto entre os dois arquétipos, mas com o gemido do nascimento do fruto de sua união: a criança sagrada da Alteridade, a plena conciliação com tudo que nos é estranho.

 

Referências

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Recebido em 01/08/2019
Revisão 16/09/2019

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