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Psicologia Clínica

versão impressa ISSN 0103-5665versão On-line ISSN 1980-5438

Psicol. clin. vol.20 no.2 Rio de Janeiro  2008

 

RESENHA

 

Auto-ajuda especializada

 

State-of-the-art self-help

 

 

Aline Sardinha

Psicóloga Clínica; Pesquisadora do Laboratório de Pânico e Respiração do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB/UFRJ)

 

 

RESENHA DE:

Leahy, R. L. (2007). Como lidar com as preocupações. Porto Alegre: Artmed, 240 páginas.

Robert Leahy é atualmente um dos maiores nomes da Terapia Cognitivo-Comportamental. Formado pelo Beck Institute, presidente da Associação Internacional de Psicoterapia Cognitiva e da Academia de Terapia Cognitiva dos Estados Unidos, professor da Cornell University e editor associado do International Journal of Cognitive Therapy, Leahy consegue aliar sua vasta experiência clínica a uma base sólida de pesquisa e cientificidade em teorias cognitivas e do processamento da informação.

A seção de agradecimentos desse livro reflete o quanto ele pode ser considerado um compêndio do estado da arte das pesquisas sobre preocupação. O autor faz questão de observar, por diversas vezes, que o conteúdo apresentado é fruto de estudos não apenas de seu grupo, mas de diversos centros de pesquisa que se dedicam a investigar a preocupação, o que permite ao leitor obter um somatório de conhecimentos que se superpõem, de modo a criar uma complexa teoria explicativa dos processos subjacentes à preocupação, bem como oferecer acesso a técnicas de tratamento cuja eficácia tem sido exaustivamente comprovada nos últimos anos.

Como lidar com as preocupações parece à primeira vista um livro de auto-ajuda, principalmente em função das ilustrações presentes na capa da edição brasileira. Apesar de apresentar uma densa teoria sobre preocupações, o conteúdo é transmitido ao leitor de maneira clara e simples, com exemplos cotidianos, fazendo com que possa ser utilizado tanto na formação de terapeutas quanto pelos próprios pacientes. Nesse sentido, podemos considerar que o componente de psico-educação e o objetivo de se tornar o seu próprio terapeuta, marcantes na terapia cognitivo-comportamental, se encontram presentes ao longo de todo o texto, tornando-o um livro que pode ser utilizado como um material de auto-ajuda que, efetiva e comprovadamente, ajuda.

A preocupação é abordada a partir do paradigma do processamento da informação e da perspectiva cognitivo-comportamental, com o respaldo das mais recentes evidências em neurociências e psicologia evolucionista. Isto significa que a preocupação é conceituada como um mecanismo cognitivo que evoluiu para auxiliar os indivíduos na solução de problemas, mantendo as informações concernentes a uma questão por resolver ativadas de modo a torná-las disponíveis aos diversos processos cognitivos (memória, atenção, etc.), até que seja solucionada. Assim, a preocupação é um mecanismo adaptativo de solução de problemas, que somente se torna desadaptativo na medida em que se transforma em um hábito mental, ativado diante de situações que não precisam ou não podem ser solucionadas, paralisando o indivíduo e prejudicando seu funcionamento.

De acordo com a teoria cognitiva, os indivíduos que desenvolvem o hábito mental de se preocupar como modus operandi padrão para lidar com a maioria das situações compartilham crenças tais como: "Se eu sou capaz de imaginar que algo ruim pode acontecer, então é minha responsabilidade me preocupar com isso"; "É necessário ter certeza absoluta"; "Todos os pensamentos negativos devem ser tratados como se fossem realmente verdade"; "Qualquer coisa ruim que venha a acontecer é reflexo de quem eu sou como pessoa"; "O fracasso é inaceitável"; "Preciso me livrar de quaisquer sentimentos negativos imediatamente" ou "Devo tratar tudo como emergência". Estes pressupostos estariam presentes tanto no desenvolvimento do hábito de se preocupar quanto em sua manutenção, no sentido de que a preocupação passa a ser uma estratégia de adaptação para sobreviver a uma realidade que o sujeito vê como incerta, fora de controle, perigosa e repleta de problemas a serem imediatamente resolvidos.

A preocupação é também vista como um mecanismo evitativo, que se mantém na medida em que protege o indivíduo de se deparar com a ativação de emoções negativas. Isso ocorre porque a pessoa fica tão ocupada pensando sobre as experiências ruins que não consegue senti-las. Este processo é ainda reforçado na medida em que o sujeito associa a não-ocorrência de tragédias em sua vida a seu hábito de se preocupar, experimentando uma sensação de alívio que fica associada à preocupação.

Esta nova abordagem da preocupação emerge das recentes evidências de pesquisas científicas que apontam que: (1) as pessoas, na verdade, ficam menos ansiosas quando se preocupam; (2) a intolerância à incerteza é o elemento central na preocupação; e (3) os preocupados temem as emoções e a preocupação funciona como um distrator, na medida em que, por terem "muita coisa na cabeça", não processam plenamente o significado dos acontecimentos.

O ganho secundário de se manter preocupado é, portanto, a falsa sensação de controle, segurança e bem-estar emocional proporcionada por esta associação. Em termos cognitivos, isto se reflete na presença de crenças mantenedoras do transtorno, tais como: "A preocupação me ajuda a resolver problemas"; "O mundo é perigoso e eu não sei lidar com ele"; "A preocupação me ajuda a não pensar na pior conseqüência possível"; "A preocupação me protege de experimentar emoções fortes"; "Eu não fico ansioso quando estou preocupado"; "A preocupação me dá a sensação de controle", "Me preocupar significa que eu sou uma pessoa responsável" ou "A preocupação reduz a incerteza, me prepara para o pior".

A existência destas crenças explica ainda por que a maioria das estratégias empregadas pelas pessoas para se livrar de suas preocupações não funciona. No capítulo 2, o autor coloca que buscar reasseguramento, coletar informações, checar repetidamente, procurar ter certeza e preparar-se excessivamente não reduzem a ansiedade, uma vez que a crença na necessidade absoluta de ter certeza ativará novamente o mecanismo de se preocupar, gerando dúvidas a respeito da efetividade da estratégia adotada e reiniciando o ciclo de preocupação.

Da mesma forma, tentar suprimir a preocupação parece impossível, pelo conhecido "efeito do urso branco" (Magee & Teachman, 2007), que faz com que a informação a ser suprimida se mantenha ativada e retorne à tela da consciência de forma intrusiva, aumentando a intensidade e a freqüência das preocupações. Leahy alerta, ainda, para formas destrutivas de lidar com a preocupação, como as tentativas de evitar o desconforto pelo uso de substâncias e a procrastinação de tarefas. Tais estratégias trazem conseqüências negativas para o sujeito e se perpetuam na medida em que não permitem que a pessoa vivencie situações que refutem suas crenças de que ela não é capaz de manejar as demandas do mundo.

Outra importante contribuição desta obra é a idéia de que a preocupação é o mecanismo subjacente comum a diversos transtornos de ansiedade. A conceituação cognitiva dos transtornos de ansiedade se baseia na chamada Tríade Cognitiva da ansiedade, que consiste em um conjunto de crenças sobre si, o mundo e o futuro: "O mundo é perigoso, eu não tenho recursos para me manter seguro e o futuro é incerto". Neste sentido, pode-se dizer que o indivíduo avalia a maior parte das situações de acordo com esta perspectiva e experimenta ansiedade. Na teoria apresentada por Leahy, as preocupações seriam o substrato cognitivo que geraria ansiedade, variando apenas o conteúdo específico da preocupação de acordo com o estímulo temido. Assim, pacientes com Fobia Social terão preocupações relacionadas a situações de desempenho social, enquanto sujeitos com Transtorno da Ansiedade Generalizada apresentarão preocupações relacionadas a possíveis desfechos negativos para inúmeras situações da vida e do cotidiano. Desta forma, a preocupação com conteúdo específico vai apenas determinar um padrão associado de comportamentos de evitação e segurança típicos de cada transtorno, sem que o mecanismo cognitivo básico se altere.

O capítulo 3 auxilia o leitor a delinear seu próprio perfil de preocupação. Neste capítulo, qualquer pessoa poderá facilmente, através de instrumentos validados e amplamente utilizados na prática clínica, determinar os principais conteúdos de suas preocupações, bem como as metacognições mantenedoras do hábito de se preocupar. Deste modo, o autor vai guiando o leitor como o terapeuta orienta o paciente ao longo do tratamento. O objetivo é que, neste ponto da leitura, o indivíduo entenda não apenas todos os conceitos já mencionados sobre preocupação, mas também como estes se aplicam à sua própria experiência.

A segunda parte do livro trata dos "sete passos para assumir o controle da preocupação", ou seja, de estratégias cognitivo-comportamentais validadas de manejo e tratamento da preocupação crônica. Ao longo dos capítulos, o leitor é guiado didaticamente através das estratégias de tratamento. O primeiro passo, capítulo 4, consiste na diferenciação entre preocupações produtivas e improdutivas, de modo que o sujeito possa aprender a distingui-las. O capítulo 5, em que situações o mecanismo de resolução de problemas, do qual a preocupação faz parte, deve ser ou não colocado em prática e como fazê-lo de forma eficiente.

Ainda no quinto capítulo, outra idéia inovadora é apresentada: a aceitação em oposição à preocupação. Esta abordagem teve início com os estudos sobre o impacto positivo de uma técnica de meditação conhecida como Mindfullness (Vandenberghe & Sousa, 2006), que propõe a observação e a aceitação da realidade como esta se apresenta. Dentro desta teoria, quando estamos preocupados, estamos na verdade nos transportando para um momento, futuro ou presente, descolado da realidade imediata. Assim, o indivíduo constantemente preocupado provavelmente terá suas experiências presentes amortecidas pelo comprometimento de seus recursos atencionais com estímulos que não estão presentes. Além disso, a preocupação se torna o pré-requisito para a existência da ansiedade, uma vez que, quando algo nos ameaça no presente, experimentamos medo e não ansiedade, que ocorre apenas quando presentificamos uma ameaça que se encontra no passado ou no futuro. Dessa forma, o capítulo 5 propõe que o sujeito, ao se perceber se preocupando, tente observar a realidade de forma descritiva, sem pensamentos e valorações que eliciem emoções, de modo a tentar experimentar o que está ocorrendo no momento, livre do balizamento proporcionado por suas crenças. Esta observação da realidade, derivada das técnicas meditatórias do Mindfullness, contribui para a aceitação da experiência e da resignação em relação às incertezas do mundo.

O capítulo 6 apresenta as técnicas clássicas de reestruturação cognitiva, aplicadas à preocupação, que podem ser eficazes em muitos casos. Entretanto, para a abordagem da preocupação em sua função evitativa, chegamos ao capítulo 7, "Focalize a ameaça mais profunda", que apresenta formas de exposição ao conteúdo ameaçador cuja valência negativa emocional o ciclo de preocupação visa amortecer. Em consonância com umas das mais modernas teorias cognitivas, a Terapia do Esquema (Young, 2008), que apresenta alguns domínios de esquemas que são nucleares e constituintes da formação da personalidade dos indivíduos, Leahy coloca que a função evitativa da preocupação normalmente aparece para atenuar a ativação emocional aversiva de conteúdos destes domínios, entre eles as idéias de abandono, imperfeição, responsabilidade, superioridade e desamparo. Desta forma, a preocupação aparece como estratégia para impedir o acionamento do conteúdo emocional relativo a necessidades não-satisfeitas nestes domínios. Ao final desse capítulo, o autor ressalta também o mecanismo através do qual a preocupação é reforçada negativamente pela não-ativação emocional.

Ainda com relação ao aspecto emocional da preocupação, o capítulo 9 apresenta técnicas para vivenciar e aceitar as emoções negativas como partes da experiência e também como utilizá-las para conhecer as próprias necessidades e os significados associados às experiências. Outra inovação presente nesse capítulo é o uso das emoções contraditórias e irracionais do indivíduo como via de reestruturação do pressuposto de certeza e estabilidade que alimenta o hábito de se preocupar. Finalmente, a última técnica apresentada é a exposição à preocupação, sob o mesmo princípio comportamental das demais formas de exposição, que faz com que o paciente focalize o pior cenário possível, ao invés de evitá-lo, e possa experimentar a redução da ansiedade ao longo da exposição, vivenciando a sensação de aceitação da realidade.

Os capítulos 10 a 16 enfocam temas específicos de preocupação, apresentando de forma didática e objetiva como todas as técnicas aprendidas podem ser aplicadas a temas recorrentes nos consultórios, como a utilização do tempo, rejeição social, abandono, morte e doença, falência financeira e desempenho. Finalmente, como qualquer sessão de terapia cognitivo-comportamental, o livro termina com uma recapitulação de tudo o que foi discutido, de forma a sistematizar o conteúdo aprendido e facilitar sua implementação.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Magee, J. C., & Teachman, B. A. (2007). Why did the white bear return? Obsessive-compulsive symptoms and attributions for unsuccessful thought suppression. Behaviour Research and Therapy, 45, 12, 2884-2898.         [ Links ]

Vandenberghe, L. & Sousa, A. C. (2006). Mindfulness nas Terapias Cognitivas. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, 2, 1, 35-44.         [ Links ]

Young, J. E.; Klosko, J. S. & Weishar, M. E. (2008). Terapia do Esquema. Porto Alegre: ArtMed.         [ Links ]

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